SOCIEDADE POR QUOTAS
SÓCIO GERENTE
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
ACÇÃO
Sumário

I- Os gerentes das sociedades por quotas respondem para com a sociedade pelos danos causados, por atos ou omissões, desde que praticados com preterição dos seus deveres legais e / ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa (art.º 72.º, n.º 1, do CSC).
II- Tratando-se de responsabilidade obrigacional, fundada na culpa, no caso de ação intentada por uma sócia (art.º 77.º do CSC, uti singuli), tem a mesma o ónus de provar os factos constitutivos do direito à indemnização (art.º 342.º, 1, CC), ou seja, os atos ou omissões (ilícitos) do gerente que causaram e estiveram na origem de um dano ao património social.
III- Estando em causa nos autos uma sociedade com apenas dois sócios, com igual participação social, ambos gerentes, o facto de a sociedade ter extravasado o seu objeto social e ter existido confusão entre os patrimónios social e particular dos sócios - sem que se comprove que o réu geria sozinho a dita sociedade e sem que a autora tivesse renunciado à gerência, resultando dos autos que a enorme litigiosidade que os separa resultou do distanciamento do casal e seu divórcio – sem que se tenha apurado um concreto dano ao património social, não é suficiente e de molde a permitir a procedência da ação com a exclusiva responsabilização do réu nos termos do art.º 72.º do CSC.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-/ Relatório:
1. MB intentou ação declarativa de condenação, na forma comum, contra LM, pedindo a condenação do réu a pagar uma indemnização à autora e à sociedade Vídeo, Lda. (cuja intervenção principal provocada requereu), no valor que se viesse a apurar em liquidação de execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde citação até integral pagamento, requerendo ainda a destituição do réu da gerência da aludida sociedade com justa causa, pagando todas as custas com o processo.
Alegou, em suma, que, juntamente com o réu, seu ex-marido (divorciados por sentença transitada em julgado em 28 de janeiro de 2010), são os únicos sócios da aludida sociedade comercial por quotas, a qual tem como atividade principal o aluguer de videocassetes e discos. Por ainda não se ter concretizado a partilha dos bens do casal, cada um detém, em contitularidade, 50% do capital social da mencionada sociedade. A gerência da sociedade é exercida pelo réu, que não apresenta contas, não convoca assembleia geral para a sua aprovação, não prestando à autora quaisquer informações sobre a vida societária. Sem qualquer razão o réu diz ter efetuado suprimentos (desconhecidos e não autorizados pela autora) à sociedade, não tendo dúvidas a autora em afirmar que existe dupla contabilidade na sociedade, determinada e urdida natural e conscientemente pelo réu, de forma ilícita e abusiva, logo, dolosa e de má-fé, efetuando o réu vendas que não regista. O réu sonega assim à autora a sua quota parte do lucro/rendimento real gerado pelo exercício da atividade comercial da sociedade, razão pela qual deve ser destituído da gerência, indemnizando a autora e a sociedade em valor a liquidar em execução de sentença.
2. O réu contestou em 24/01/2013, por impugnação, pugnando pela improcedência da ação e pela sua consequente absolvição do pedido.
3. Por despacho proferido em 05/04/2016, foi a autora convidada a apresentar novo articulado, com fundamentação de direito, esclarecendo por qual dos pedidos optava.
4. Em cumprimento do determinado, em 26/04/2016, a autora juntou aos autos nova peça processual, esclarecendo agora que visa interpor ação de responsabilidade (72.º, 77.º, 79.º e 257.º do Código das Sociedades Comerciais) contra LM, pedindo que o mesmo fosse condenado a pagar uma indemnização à autora e à sociedade no valor que se viesse a apurar em liquidação de execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde a sua citação até integral pagamento e a pagar todas as custas com o processo. Mais solicitou a intervenção principal provocada da sociedade, alegando que «De acordo com o disposto no nº 4 do art.º 77º do Código das Sociedades Comerciais, sendo a ação de responsabilidade do gerente proposta pelos sócios, como é o caso, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes. A sociedade tem, na causa, um interesse paralelo ao da A., devendo ser chamada como interveniente principal e como associada da A. (art.º 316º do Código de Processo Civil)».
5. Em 09/05/2016, o réu apresentou nova contestação nos autos, pugnando também pela condenação da autora como litigante de má fé.
6. A autora veio então requerer que tal contestação fosse desentranhada ou o réu fosse convidado a, querendo, adaptar a contestação primitiva em consonância com as alterações efetuadas pela autora na P.I., com base no despacho que fora proferido.
7. Por decisão de 21/06/2016 foi determinado que a contestação ficasse nos autos, sendo ainda proferido saneador sentença, nos termos do que foi julgada verificada a exceção dilatória de incompetência material, assim se declarando a incompetência absoluta do tribunal para conhecer do litígio, com a consequente absolvição do réu da instância.
8. A autora recorreu e este Tribunal da Relação, por decisão sumária de 16/01/2017 (apenso A), revogou a decisão recorrida, que determinou a incompetência absoluta do tribunal, julgando o Tribunal do Comércio competente para conhecer do litígio, mantendo o mais decidido.
9. Dando cumprimento ao assim decidido, foi agendada audiência prévia, acabando por, em ata de 21/02/2017, ser determinada a citação da Sociedade “Vídeo, Lda.'' para os termos da ação, «podendo nesse prazo fazer seus os articulados da A. ou do Réu seguindo-se os demais articulados admissíveis, com cominação de ao fazê-lo fora daquele prazo terá de aceitar os articulados da parte a que se associa e todos os atos e termos já processados».
10. A sociedade não foi citada, tendo sido junto aos autos certidão do registo comercial da qual resulta a extinção da sociedade.
11. Posteriormente, em ata de 13/03/2018, foi proferido novo despacho, onde, considerando insuficiente a alegação da matéria de facto, suscetível de comprometer o sucesso da ação, ao abrigo do artigo 590.º n.º 2, al) b n.º 4 do CPC, foi convidada a autora «a concretizar os factos imputados ao réu, os danos sofridos pela sociedade e o respetivo nexo de casualidade» e bem assim a «liquidar o pedido, sob pena de absolvição da instância por dedução de pedido genérico infundado», concedendo-se o prazo de dez dias à autora para dar cumprimento ao determinado, beneficiando o réu de igual prazo para responder.
12. A autora, em cumprimento do convite endereçado, em 11/04/2018 apresentou nova p.i., que terminou pedindo «Deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência, pede que seja o R. condenado a: 1. Em responsabilidade civil pela sua atuação e, consequentemente, no pagamento de indemnização à sociedade no valor de €252.396,09; 2. Pelas mesmas causas, pagar o que se vier a apurar em liquidação de execução de sentença; 3. Acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde a sua citação até integral pagamento e 4. Bem como em todas as custas com o processo».
Para tanto, concretizou que a gerência da sociedade foi feita exclusivamente pelo réu desde 2007, sendo a autora totalmente arredada da gerência, nunca mais lhe sendo prestadas quaisquer informações ou contas, a nada tendo acesso, sendo que as atas referentes a alegadas Assembleias de Aprovação de Contas, que constam do livro de atas, a partir do ano de 2005 (inclusive), estão assinadas com o seu nome, não sendo contudo a autora quem as assinou, pois que não esteve presente em nenhuma. O réu abandonou a sociedade em dezembro de 2012, fechando portas, tendo-se, ao longo da sua gerência, apropriado de valores líquidos e em dinheiro, cobrados por serviços que não faturava, realizado alegados suprimentos decorrentes da inequívoca ausência de faturação e subfacturação de vendas e prestação dos serviços de aluguer e necessidade de entrada de dinheiro para satisfazer compromissos credores e de despesas, utilizando um terminal TPA associado a uma conta sua, onde depositava valores mensais de 6mil euros, usando também a conta da sociedade para pagar as despesas e combustíveis pessoais, nomeadamente, com a sua própria viatura, tudo com óbvios danos para a sociedade. Assim, alega, o réu, com a sua atuação, violou deveres legais específicos, nomeadamente, o dever de não distribuir aos sócios de bens sociais (lucros) sem autorização (arts.º 31.º e 33.º do CSC), não ultrapassar ou violar o objeto social (n.º 4 do art.º 6.º do CSC); de requerer a declaração de insolvência da sociedade (arts.º 18.º e 19.º do CIRE), bem como, os correlacionados deveres decorrentes de normas jurídico-penais, nomeadamente a falsificação de assinatura, o abuso de confiança, dano ou furto, passíveis de responsabilização civil. Tudo isso justifica a interposição de ação de responsabilização pelos danos que, desta forma, causou à sociedade, nos termos e para o efeito do estabelecido nos n.ºs 1 dos artigos 72.º e 77.º do Código das Sociedades Comerciais, devendo pagar uma indemnização à sociedade no valor de € 252.396,09.
 13. Em 14/05/2018, o réu apresentou nova contestação, cujo desentranhamento a autora requereu, por intempestiva e extemporânea, e que veio a ser admitida em despacho saneador de 25/06/2018, onde foram também fixados factos assentes e enunciados temas da prova.
14. A autora recorreu, e, por acórdão deste Tribunal da Relação, de 20/12/2018 (apenso D), foi revogada a decisão recorrida, não se admitindo, por extemporaneidade, a resposta de 14/05/2018, à petição aperfeiçoada.
15. Foi requerida e ordenada perícia à contabilidade da sociedade Vídeo, Lda., tendo a autora, em 01/10/2019, requerido a substituição da Sra. perita nomeada, o que reiterou posteriormente.
16. Foi junto relatório pericial em 19/07/2021, esclarecimentos em 21/04/2022 e em 16/09/2022, pedidos pela autora em 10/09/2021.
17. Convidada a indicar o preceito legal no qual fundamentava o pedido de substituição da Sr.ª Perita, a autora, em resposta de 17/10/2022, reiterou o pedido de destituição, sem pagamento de honorários, por incumprimento manifesto, reiterado e injustificado e a sua substituição por outro que cumpra a peritagem de forma rigorosa e profissional (art.º 469º do CPC). Sem prescindir, e caso assim não entendesse o tribunal, requereu uma segunda peritagem, nos termos do art.º 487.º e ss do CPC.
18. Por despacho de 26/06/2023, foi indeferido o pedido de substituição de perito ou a marcação de nova peritagem, tendo a autora interposto recurso de apelação, que não veio a ser admitido pelo tribunal da Relação em 24/07/2024 (Apenso E).
19. Realizado julgamento foi proferida sentença em 28/09/2024 que julgou improcedente a ação intentada.
20. Não se conformando com a sentença assim proferida, dela apelou a autora que, após convite pela aqui Relatora com vista a sintetizar as conclusões então apresentadas, assim as sintetizou:
«A - Questão Inicial:
Do desentranhamento da contestação do R. de 14 maio de 2018, respetivos efeitos e desconsideração total do mesmo na presente decisão:
1. Em sede de recurso, por acórdão proferido por essa Relação em 20 de dezembro de 2018, pela 7ª Secção, foi determinado o desentranhamento da contestação do R., de maio de 2018. Ora,
2. Tal desentranhamento e seu significado passou à margem do conhecimento do meritíssimo juiz a quo, logo, da sua base de raciocínio, no que à avaliação da prova e respetivo ónus respeita.
3. Sendo também evidente, a ausência de qualquer referência a tal Desentranhamento, na totalidade do conteúdo da sentença recorrida.
4. De referir que, nos novos factos alegados e documentos apresentados, não contestados ou impugnados, com respeito por opinião contrária, especificou a A. prova séria e inequívoca da preterição dos deveres do R. enquanto gerente. Ora,
5. Conforme alegou a A. nos novos artigos 84º a 93º da sua PI, o R.(que, nomeadamente, confessou na sua contestação de 2016 (artigo 58º) que o seu rendimento e à data, era exclusivo da atividade da sociedade em causa nos presentes autos, única que desempenhava), detinha um terminal de multibanco (TPA), situado na empresa (Vídeo Lda), diretamente ligado à sua atividade, creditando direta e exclusivamente numa conta bancária particular sua (à margem da sociedade) (facto puro e dado como provado no facto “P)”),
6. O qual, conjuntamente com vários depósitos em numerário na sua conta bancária (factos puros), gerava entradas não justificadas, de mais de € 6.000,00 mensais (vd. docsB-45aB-62eB-63 juntoscomaPIaperfeiçoadadeabrilde2918), confirmados pela informação bancária junta por ofícios do Millennium BCP a 4 de Abril de 2024 e 28 de Novembro de 2024, de que o R. detinha tal terminal TPA dirigido para a sua conta particular, desde 2001 até 2009. De tal forma que,
7. Numa base de verificação de apenas 5 meses (julho a dezembro de 2009, excluído o mês de setembro que a A. não logrou obter documentos), corresponde a um total de € 37.000,00. Por consequência, com base em tal amostragem real e às compras e vendas do ano em causa, corresponde tal a mais de € 80.000,00 naquele ano de rendimento não declarado, subtraído à sociedade, decorrente da atividade da mesma. O que,
8. Corresponde a cerca de 27,7% do valor da faturação total contabilística da da empresa (€288.006,00), cujo lucro, contabilisticamente, não existiu.
9. Determina a lei que tais factos, não contestados, com os limites legais, são admitidos por acordo (artigos 567º e 574º do CPC). Por outro lado,
10. Na página 1 e 2 da sentença ora recorrida, apenas menciona o meritíssimo juiz a quo trechos da PI aperfeiçoada da A. (de abril de 2018) e, no segundo parágrafo da página 2 a respetiva contestação (desentranhada) e, principalmente, na página 9, último parágrafo, onde este considerou como base instrutória, logo, matéria de impugnação e prova validamente aceite, tal contestação e respetivos documentos.
11. Com o devido respeito, cometeu o meritíssimo juiz uma falha com consequências diretas para a avaliação da prova, nomeadamente, no que respeita à “inversão do ónus de prova”, a qual, nos termos dos artigos 567º e 574º do CPC e 72º e ss., do CSC, recai no R./gerente de Direito e de facto.
B - Segunda questão: erro na apreciação da prova de facto e inversão consequencial do ónus de prova, artigos 72º e ss do CSC:
12. Mesmo que não considerasse o meritíssimo juiz a quo a situação concreta da falta de contestação, o facto “P)” como provado e os significativos e consecutivos depósitos em numerário na mesma conta bancária particular estribados nos extratos bancários juntos pela A. na sua PI de 2018 (docs B-45 a B-62 e B-63) (não contestados ou impugnados), nem sequer tiveram, estes últimos, direito a uma única linha e consideração por parte do meritíssimo juiz a quo na sentença recorrida, são factuais e prova inequívoca de prática ilícita do R..
13. Redunda num inexplicável (no sentido de não justificado o raciocínio) facto 25 como não provado.
14. É o próprio R. quem confessa ter como único rendimento o decorrente dos salários da empresa “Vídeo Lda” (artigos 57º e 58º da contestação de 2016). Por outro lado,
15. A testemunha do R. IS, funcionária do gabinete de contabilidade que fazia a contabilidade da empresa e preenchia o IRS daquele e da A., em sede de depoimento, no dia 10/09/2024, das 14h16 até às 15h17m01, minuto 59 (15h25m55), inquirida diretamente sobre o rendimento do R. veio confirmar que o mesmo só teria este rendimento.
16. Como tal encontram-se preenchidos os requisitos da inversão do ónus de prova nos termos do artigo 72º e ss. do CSC. Em consequência,
17. E o facto 25 dado como não provado deverá ser alterado para: provado.
Ora,
18. Sendo determinada ou considerada efetiva a inversão do ónus de prova nos termos dos artigos supra vertidos, não produziu o R., seguidamente, qualquer prova que afastasse ou versasse o essencial da análise apresentada pela A., contradissesse especificamente o alegado factual e respetivos documentos, logo, o respetivo pedido/resultado. Pelo que,
19. Não provou que exerceu a gerência de forma séria, lícita, sem culpa e sem consequências/danos para a sociedade e seus sócios. Pois,
20. Prescindiu de toda a prova testemunhal que arrolou, com exceção da testemunha IS, a qual apenas confirmou a regularidade da contabilidade, sempre com base nas declarações, informações e documentos que o R. lhe comunicava ou enviava.
21. Já só esta factualidade justifica a razão pelo qual, durante pelo menos 6 anos, tal empresa nunca deu lucro contabilístico (0 (zero) ou menos de 0 (zero) segundo o relatório pericial) mas sempre prejuízo, sinal, inequívoco de subfacturação. Pelo que,
22. Deverão os factos 25 e 26 dados como não provados, passar a provados e o facto 28 ser dado como provado e alterado com base, nomeadamente, na confissão do R. para:
“O R., entre 2008 até a final, recebia/descontava o correspondente ao salário mínimo, apenas da empresa “Vídeo Lda”, por não auferir rendimento por conta de outra entidade.”
Sem prescindir e acrescendo,
23. A A. expressamente alega não ter assinado as atas da assembleia, logo, que a sua assinatura tinha sido falsificada, facto negativo, que veio a ser confirmado/confessado pelo próprio R. que assumiu/confessou que era ele quem assinava as atas com o nome da A. (21º da contestação de 2016).
24. Tal grave factualidade, não é sequer elencada ou considerada na e como matéria relevante a decidir pelo tribunal, inclusivamente para determinar a inversão do ónus de prova.
25. Como tal deveria ser acrescentado novo facto dado como provado de que:
“A A. não assinou as atas das assembleias de sócios, sendo o R. quem assinou o nome da mesma naquelas”.
Ou,
26. Ser dado como provado o facto 1 da matéria dada como não provada, porquanto,
27. Conjuntamente, a A. afirmou também expressamente que, apesar de figurar como gerente, só o era de direito, e que nunca praticou qualquer ato de gerência no âmbito da atividade da sociedade “Vídeo Lda.”.
28. Trata-se de outro facto negativo, que este não só não logrou contrariar ou contraprovar, como, pelo contrário, é o próprio R. quem, mais uma vez, reconhece e confessa, ter sido o gerente exclusivo da sociedade durante mais de 20 anos e que nos últimos 10 a A. estava muito pouco tempo no estabelecimento comercial, dizendo que, afinal, nos últimos 7 anos a A. abandonou totalmente a loja(artigos 5º e7º da contestação).
29. Em sede de testemunho na audiência de julgamento, a única testemunha do R., IS, que prestou depoimento no dia 10/09/2024, das 14h16 até às 15h17m01, minuto 35 segundo 55 (14h51m55), inquirida direta e expressamente sobre a prática de qualquer ato de gerência praticado pela A. perante si ou que fosse do seu conhecimento, expressamente refere nunca tal ter acontecido, que tratou diretamente e só com o R..
30. O facto 1 dado como não provado não o deveria ter sido, devendo ser considerado provado.
Ainda,
31. Perante outro facto negativo, alegado pela A. de que o R. nunca lhe prestou quaisquer contas, tinha o mesmo, pelo menos, que contraprovar que o tinha feito, o que também não fez.
32. Esta alegação, conjuntamente com a reconhecida falsificação da assinatura da A. nas atas de aprovação de contas, não pode permitir outro entendimento para além da ausência de tal prestação de contas. Ao que acresce
33. O depoimento da testemunha do R. IS no dia 10/09/2024, das 14h16 até às 15h17m01, minuto 37 segundo 50, sobre tal matéria, expressamente refere: ter sempre entregue as contas e tratado de tudo só com o R.; que nunca reuniu com a A., fazendo-o só com aquele; que nunca conheceu ou presenciou uma assembleia de aprovação de contas (ou qualquer outra), pois entregava já a ata redigida ao R., com o respetivo conteúdo e contas, antes ou independentemente de qualquer reunião ou assembleia. Ora,
34. Não tinha a A. qualquer outro meio ou forma de vir a provar tal factualidade, enquadrando-se esta, nomeadamente, no nº 2 do artigo 342º do Código Civil. Pelo que,
35. O facto 3 dado como não provado não o poderia ter sido, devendo ser dado como provado. Pelo que,
36. Todos estes factos, analisados e ponderados, mesmo individualmente, constituem uma violação grave por parte do R., das suas obrigações e deveres de gerência, geradores da inversão do ónus de prova para efeitos e nos termos do artigo 72º do Código das Sociedades Comerciais.
C - Da matéria de facto e da contradição entre a matéria dada como provada e não provada:
37. Deu o meritíssimo juiz a quo como provado o facto H), dando, em contrapartida e, contraditoriamente, como não provados os factos 20 e 21.
38. Está dado como provado a inexistência de qualquer veículo no ativo da empresa (facto H)) sendo o próprio R. quem, no seu artigo 90º da sua contestação de 2016, reconhece/confessa que a sociedade lhe pagava as despesas de gasolina e afins. Por outro lado,
39. Tais factos e valores, alegados pela A. nos novos artigos 67º a 70º da sua PI aperfeiçoada de março de 2018, não contestada e até previamente confessados, resultam diretamente da análise dos documentos juntos para sua prova com a mesma, sob os números B-19 a B-44 (extratos bancários da conta da empresa), e respetivo somatório, sendo estes apenas relativos ao ano de 2011.
40. É a própria perita quem o confirma em parte, na resposta ao quesito 17, embora o faça, mais uma vez, deficientemente, como à frente se discorrerá.
41. O meritíssimo juiz a quo não verificou os documentos nem os teve em consideração. E, por último,
42. Por depoimento da testemunha do R. IS no dia 10/09/2024, das 14h16 até às 15h17m01, minuto 54, sobre tal matéria, expressamente refere que a contabilidade desconhecia a não existência da viatura, pelo que, sempre que lá apareceram documentos de despesas relativas à viatura que lá constava, com a matrícula devidamente identificada, estas eram integradas como custos, na contabilidade. Ora,
43. Consequentemente só se poderá concluir que todos os documentos que constam da contabilidade, por força do facto H) dado como provado, e das declarações da testemunha, foram adulterados e aproveitados pelo R. em benefício próprio e exclusivo pois, em vez de comunicar a saída em 2007 do veículo do ativo da sociedade à contabilidade, como era sua obrigação, omitiu-o e utilizou tal omissão em proveito próprio, indicando a matrícula do carro não existente, como se fosse o recetor/beneficiário/objeto dos produtos e serviços.
44. No humilde entendimento da A. existe uma contradição entre estes dois factos, o que determinaria, nomeadamente, no mínimo, a sua alteração.
Sem prescindir,
45. Na presente decisão, veio o meritíssimo juiz a quo a desvalorizar total e integralmente toda a prova testemunhal apresentada pela A., segundo o mesmo e quanto às primeiras, por ser parcial ou se encontrar condicionada pelo conhecimento e amizade pessoal delas com a A., e do contabilista certificado, MM, por ser profissional e ter sido pago para efetuar o trabalho de análise da contabilidade. Ou seja,
46. As testemunhas da A., MV, AA e CA, ouvidas por vídeo conferência, apenas depuseram no sentido de provar que a A., desde 2007, pelo menos, passou a residir na cidade de Portimão e, após junho de 2009, em Oliveira de Azeméis, alternando depois, entre esta e a primeira (facto 2 dado como não provado). Isto,
47. No sentido que a A. se encontrava a residir a mais de 300 km da sede e empresa Vídeo Lda., tanto a norte como a sul, impossibilitando, geograficamente, esta de se deslocar ou exercer qualquer atividade naquela, numa qualquer base.
48. Para além dos depoimentos coincidentes, prestados neste sentido, deveria ter sido considerado pelo julgador, que tal se infere, nomeadamente, pelo documento sem número que o próprio R. apresentou com a sua contestação de Maio de 2016 (arquivamento da queixa crime apresentada pela A. contra o R. no Min. Público de Oliveira da Azeméis, proc. 420/09.5TAOAZ – necessariamente o local da residência da mesma, justamente em 25 de Junho de2009), como também, pelo facto de o divórcio do casal se ter concretizado, seis meses depois, em Janeiro de 2010, no Tribunal de Família e Menores de S. João da Madeira, Aveiro e de a mesma figurar naquela e nesta ação, como residente em Oliveira de Azeméis, nunca contestado pelo R., o que deixava antever uma prova relativamente pacífica.
49. Não foi a opinião do meritíssimo juiz a quo, que deu como não provado este facto quando os depoimentos referidos indicam e expressam o contrário (depoimento da testemunha da A. MV, no dia 18/06/2024 com início às 16:17 e finalização às 16:41, ao minuto03 segundo14; da testemunha AA, que depôs no dia 18/06/2024, com início às 14h41 e finalização às 16h58, ao minuto 03 segundo10; da testemunha CA, que prestou depoimento por vídeo conferência no dia 25/06/2024, com início às 14:54 e finalização às 15:26, pelos minutos 3 segundo56, minuto06 segundo06, minuto08 segundo21 e minuto09 segundo03).
50. Ainda, remete-se para o que acima se verte sobre o próprio reconhecimento do R. de que, pelo menos desde 2005, era ele o exclusivo gerente da empresa, segundo o mesmo, decorrente do total abandono da A..
51. Tal determina a alteração da factualidade dada como não provada do facto 2 para provada.
Por outro lado,
52. A testemunha da A., MM, viu o seu depoimento totalmente desvalorizado, aparentemente e apenas por ser um técnico/profissional de contabilidade contratado por aquela, a quem esta pagou pelos seus serviços (página 19, 2º parágrafo) e não por qualquer erro, incoerência ou incorreção técnicas do seu depoimento e pelo facto do mesmo se expressar de forma eminentemente técnica e profissional, como se tal se pudesse traduzir em inexatidão, falta de verdade, desvirtuamento da documentação e seu significado.
53. Refira-se que, em caso de tal corresponder ao reconhecimento de alguma dificuldade na compreensão do depoimento da testemunha, por excesso de tecnicidade, o que não foi o caso, nunca em nenhum momento, o meritíssimo juiz a quo inquiriu ou pediu qualquer esclarecimento à testemunha no sentido de traduzir ou explicar o seu depoimento que se apresentasse menos claro ou esclarecedor. Por outro lado,
54. O que o meritíssimo juiz a quo reteve e considerou importante, condensa-se a uma página da sentença (pág. 18), em que em metade identifica a testemunha e suas competências e, no restante, nada refere quanto a contradições ou erros de raciocínio do seu depoimento e conclusões. Também,
55. Não se pode concordar com o meritíssimo juiz a quo quando o mesmo afirma (página 19, 2º parágrafo) que “…estivemos diante de um depoimento alongado, técnico e transversal à contabilidade da empresa… em que a testemunha colocou em crise, em parte, a referida contabilidade…” e “…que a aludida questão da transferência dos 35 mil euros “é duvidosa, o restante nada a dizer”, não corresponde à verdade, encontra-se totalmente descontextualizada e pretende dar às palavras um significado que não têm. É que,
56. Ao minuto 56 do depoimento daquela testemunha, após uma hora de depoimento já decorrido, o assunto tratado era outro e o sentido também era diverso, já que a única crítica/erro que o mesmo produziu e desde o início do seu depoimento, fez referência foi, justamente e só, quanto à movimentação daquele valor de € 35.000, da conta 72 para a 71. Por outro lado,
57. Qualquer análise a uma empresa é necessária e principalmente realizada através da sua contabilidade aferindo-se da gerência e da correta ou não prossecução do objeto social das empresas. Decorre daqui que,
58. A própria peritagem (qualquer uma) incide exclusiva e/ou essencialmente na contabilidade das empresas.
59. Em sentido contrário, entendeu o meritíssimo juiz a quo que o depoimento da funcionária do gabinete de contabilidade e da perita nomeada, pela simplicidade do discurso, determinaram a sucumbência da análise de tal profissional. No entanto,
60. Tal testemunha, MM, (depôs no dia 25/06/2024 com início às 15h28 e finalização às 16h37) inicia o seu depoimento logo após o juramento, explicando qual a base documental por si utilizada, sempre documentos da contabilidade a si, inicialmente, enviados pelo gabinete responsável pela contabilidade da empresa e demonstra e confirma grande parte das suas conclusões iniciais, com base na análise dos documentos juntos no relatório de peritagem posterior.
61. Importante, por não ter sido contraprovado, foi a análise dos valores das margens aplicadas às vendas comparativamente às que deveriam ser aplicadas, em que, atribuindo este uma média, por defeito, com base no seu conhecimento profissional e experiência, de 2 percentagens: 6,5% para o tabaco e 15% para o restante, a faturação era inequivocamente deficiente, indiciando e/ou demonstrando clara subfacturação. Ora,
62. No relatório da peritagem, no quadro que a perita apresenta como resposta ao quesito 5, as margens alegadamente praticadas e constantes da contabilidade que a mesma indica e que o meritíssimo juiz a quo copiou integralmente para o facto J) dado como provado, variam de 0,01% e 0,1%, ou seja, são inexistentes, resultando sempre em prejuízos de dezenas de milhares de euros nos 5 anos de exercício aqui visados, de 2008 a 2012, (€ 10.248 em 2008; € 41.839 em 2009; € 71.917 em 2010; € 48.603 em 2011 e € 35.832 em 2012) como consta no fim da resposta da perita a tal quesito (facto “K)” dado como provado). No entanto,
63. Como base do seu raciocínio e resultado pericial/resposta, indicou e remeteu a Perita para o anexo 3, que inclui 4 faturas e 1 nota de devolução, as quais integram margens que variam, do mínimo de 5,25% a 12% no tabaco até 40% nos gelados.
64. Explicou aquela testemunha MM, toda a discrepância e incorreção da resposta que, no entendimento da A., não pode deixar dúvidas ao Tribunal, desde logo porque tais faturas são relativas ao ano de 2007 (não contemplado no quadro/baliza de análise, que apenas contempla os anos de 2008 a 2012). Independentemente de tal,
65. Em tais documentos, que se aceitam como mera base de cálculo, através de mera operação matemática, verifica-se que apenas parte do tabaco (documento 4) detém uma margem de 5,2% (SG Gigante, SG Cinzento e Chesterfield Blue), todos os restantes variam entre 7% e 12% até 40% (gelados). Por outro lado,
66. O documento 2 (devolução) comporta uma margem de 40% em todos os produtos que a integram; o documento 3 comporta 25% e 35% (refrigerantes) e o documento 6 comporta uma margem de 13%.
67. Em consequência os factos 13 a 18 dados como não provados deverão ser dados como provados.
68. Quanto ao facto R) dado como provado e seu conteúdo, não se entende o seu interesse, alcance e significado. Ou seja,
69. Conciliando-o com o quesito (5) da peritagem requerida, o interesse ou menção do balancete geral de encerramento, que nunca apresenta qualquer desconformidade com a contabilidade geral, é irrelevante e injustificada, pelo menos, para o pretendido.
70. De acordo com o depoimento desta testemunha da A., MM, ao minuto 5 segundo 50, com base nos balancetes do razão mensais respetivos (de novembro e dezembro), a não ter existido esta operação “miraculosa” da transferência dos € 35.000,00 da conta 72 para a 71, a contabilidade apresentaria margens negativas, justamente daquele valor movimentado, contribuindo para um prejuízo, naquele ano de 2010, de um valor superior a € 100.000,00, refletindo-se tal discrepância naquele balancete.
Em contrapartida,
71. A difícil e tardia justificação da Perita e o depoimento da testemunha do R., IS que depôs no dia 10/09/2024, das 14h16 até às 15h17m01, minuto 56, foi de que houve erro do R. na comunicação à contabilidade relativamente às vendas e prestação de serviços, cuja razão desconhece, mas que o mesmo assinou uma declaração a assumir tal, sendo esta suficiente. Ora,
72. A testemunha da A., MM, esclarecidamente explicou a anormalidade de tal operação e a sua impossibilidade, conforme refere no minuto 13 segundo 30, ao reportar-se à cobrança das prestações de serviços (conta 72), refere que estas correspondem a inúmeras operações ao longo do ano, de muito baixo valor (alugueres de vídeos, cassetes e cds, na ordem de € 1,00 ou € 2,00 cada), em que, havendo erro, as mesmas, discriminadamente, deveriam e teriam que ser indicadas, documentadas e reclassificadas, refletidas nas vendas (conta 71), que erradamente, não tinham sido (re)classificadas, obrigando à respetiva correspondência. Em alternativa,
73. Foi elaborada uma mera declaração, claramente redigida pela contabilidade, onde, convenientemente, se movimenta de uma conta positiva para uma negativa, justamente o valor que impede a conclusão do ano com margens negativas efetivas nas vendas, num valor redondo, de € 35.000,00, “curiosamente” o necessário para colmatar o défice.
74. A aceitação de tal, com cunho de total normalidade, quer da Perita quer da testemunha do R. responsável pela contabilidade, não é aceitável, menos ainda no que respeita ao meritíssimo juiz a quo o qual nem sequer deu a entender que percebeu a questão/facto e respetiva relevância, logo, a total desvalorização do depoimento técnico, claro e profissional da testemunha da A., MM.
75. Perante a questão de se achava normal ou não tal operação a Perita diz que sim porque havia uma declaração do gerente (declarações prestadas no julgamento no dia 18/06/2024, com início às 14h25 e finalização às 16h12, minuto15 segundo12).
76. E ainda, expressamente referiu que “…os balancetes para mim não dizem nada…” (minuto18 segundo20). Ora,
77. Bem sabe a A. que assiste ao julgador o princípio da livre apreciação da prova, a qual tem que ser contrabalançada com o conhecimento e experiência, pelo menos, do indivíduo normal, com a capacidade de avaliar da seriedade e possibilidade de tal significado no quadro material em que se insere.
78. O relatório apresentado e as declarações prestadas pela Perita, são de tal forma esclarecedoras das suas contradições, desconhecimento e métodos discutíveis, que não pode nem deveria passar despercebido ao julgador. Pelo que,
D - Da peritagem, relatório de peritagem e dos esclarecimentos da perita nomeada e relação com a factualidade dada como provada e não provada:
79. A apreciação da matéria de facto pelo meritíssimo juiz a quo, não esconde que se socorreu direta e principalmente do relatório de peritagem, ao ponto de transcrever na íntegra partes do mesmo. No entanto,
80. Grande parte das respostas ali dadas são incompletas, sem rigor e sem correspondência à contabilidade e suas particularidades, que o julgador deveria, no mínimo, apreciar com fundamento e conhecimento científico, mesmo que básico. Ora,
81. Neste seu relatório a mesma, desde logo e desde o início, não respondeu aos quesitos 18 a 20 que só no depoimento de 18/06/2024, com início às 14:25 e finalização às 16:12, prestou esclarecimentos orais, referindo que, quanto ao facto de não ter dado resposta aos quesitos 19 e 20, resulta de que não se apercebeu dos mesmos e teve muitas dificuldades com os documentos da contabilidade (minuto04 segundo09).
82. Esclarece que a peritagem foi efetuada essencialmente com base nas IES, leitura das peças processuais e respetivos documentos (presume-se), do despacho saneador (com as limitações atrás enunciadas) e conversas com a Sra. IS da contabilidade (?) e alguns documentos contabilísticos que logrou consultar no processo. Dito isto,
83. Quanto ao facto R) dado como provado, remete-se para o que supra se diz. De referir que,
84. Tal facto, mais uma vez, é transcrito/copiado, para a sentença recorrida, da resposta da Perita ao primeiro pedido de esclarecimentos da A., quando aquela não foi capaz de explicar e sustentar as margens de lucro brutas que transpôs para o seu relatório de peritagem, na resposta ao quesito 5, fazendo-o de forma incorreta. Logo,
85. Não é aceitável como correto o apuro de uma média de margem de lucro a qual é menor que o valor mais baixo de margens (5,2%) decorrentes daqueles documentos. Pior,
86. Na resposta ao quesito em causa, com um cunho de normalidade, a mesma expressamente indica valores percentuais de margens brutas obtidas de 0 (zero) ou próxima do 0 (zero). Ainda, por outro lado,
Com influência direta no facto M) dado como provado.
87. Quanto à resposta ao quesito 8, a mesma voltou a demonstrar desconhecimento e confusão. Ou seja,
88. Na sequência e dependente da resposta ao quesito 7 (Existem transferências das contas bancárias da sociedade para as contas dos sócios? Quesito 7) que foi da inexistência de quaisquer transferências,
89. Vem esta responder à pergunta do quesito 8: “Em que termos é que se encontram contabilizadas e que documentos as suportam?”, dizer no seu relatório que foi paga a segurança social da A. (pelo R.), mas que não tinha conseguido identificar tal operação na contabilidade da empresa (?).
90. Como base documental para tal, apresenta cópia de documentos de transação bancária que não são da sociedade, ou seja, a conta da sociedade era xxx e a conta a que pertence tal documentação era xxx.
91. Desconhece-se como obteve tal informação/documentação, sendo que responde a uma pergunta que lhe não foi feita nem se integra na matéria controvertida e ainda menos na sociedade “Vídeo Lda.”.
92. Não obstante, o meritíssimo juiz a quo, mais uma vez, transcreveu o texto do relatório respetivo, sem filtro ou justificação, e deu como provado tal facto não sustentado e totalmente irrelevante.
93. Pelo que tal facto deve ser retirado da factualidade dada como provada, nomeadamente, por não relevarem para os temas da prova e desinteresse para a lide.
94. Também não responde seriamente ao quesito 17, ao afirmar que encontra despesas com combustíveis no âmbito dos balancetes de encerramento. No entanto,
95. Escapou-lhe, quer o alegado pela A. em tal sede (novos artigos 67º a 70º da sua PI aperfeiçoada de Março de 2018) quer a consulta dos docs. B-19 a B-44 (extratos bancários da conta da empresa), e respetivo somatório, sendo estes apenas relativos ao ano de 2011, onde se encontram expressas tais despesas.
96. Apenas apresentando valores residuais para cada ano, em que, o correspondente ao alegado pela A. e aos documentos juntos comprovativos, referente apenas a 2011, apurou o valor de € 3.123,29.
97. Remete-se o que supra se verte quanto aos factos H) dado como provado e 20. e 21. dados como não provados.
98. Finalmente, quanto aos inventários, o facto 19 dado como não provado, relativo a matéria não quesitada mas alegada e determinante em matéria de ativos, veio a Perita em sede de declarações desvalorizá-los, alegadamente, por se tratar de uma micro empresa e que os mesmos eram efetuados de forma intermitente, como se tal significasse algo de relevante.
99. Os inventários intermitentes não estão desonerados de serem exatos e rigorosos, apenas, os termos da sua execução são diferentes.
100. O valor do inventário que consta da contabilidade à data de 31 de dezembro de 2012 (IES de 2012, quadro 04 campo A5113) corresponde a € 168.225,00.
101. A própria testemunha do R. IS, em sede de depoimento ao minuto 17 segundo 40, refere expressamente e que o inventário de 2012 foi efetivamente efetuado e comunicado à contabilidade, lá constando.
102. A  31 de dezembro, têm estes que se considerado se tratados contabilisticamente, relevando significativamente para o cálculo dos ativos/existências e, eventualmente, o valor da empresa, o que não é indiferente, nomeadamente, para os fins da presente ação. Ou seja,
103. A não existência de tais bens impõe a presunção da sua venda, cujo valor terá que corresponder exatamente ao inventariado.
104. Deverá o facto 19 dado como não provado ser alterado e dado como provado, nos seguintes termos:
“O valor do inventário que consta da contabilidade à data de 31 de dezembro de 2012 (IES de 2012, quadro 04 campo A5113) corresponde a € 168.225,00, não existe, presumindo-se a sua venda, sem ter expressão na contabilidade da empresa, como tal, não declarado nas contas da sociedade.”
Com tal, deverá, nomeadamente,
• Por força do desentranhamento da contestação do R. de maio de 2018, novos factos e documentos, não contestados/impugnados, alegados e juntos com a PI da A. de abril de 2018, ser dada tal matéria como provada e determinada a inversão do ónus de prova nos termos do artigo 72º do CSC ou,
• Ser dado como provado o circunstancialismo decorrente da utilização de um TPA e inúmeros depósitos em numerário para uma conta particular do R. e determinada a inversão do ónus da prova,
•  Alterar os factos 1, 2, 3, 13 a 18, 19, 20, 21, 25, 26 e 28 dados como não provados para provados, ou alterados com a redação supra referenciada, conforme o caso.
• Declarada a contradição entre o facto H) dado como provado e os factos 20 e 21 dados como não provados, serem alterados no sentido supra indicado e/ou anulados e
21. Não resulta dos autos que tenham sido juntas contra-alegações.
22. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

***
II-/ Questões a decidir:
Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, tal como decorre dos arts.º 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam assim à apreciação deste Tribunal consistem em:

A-/ Apreciar a impugnação da matéria de facto;
B-/ Apreciar, em caso de procedência dessa impugnação da matéria de facto, o reflexo da mesma no enquadramento jurídico feito (e só nessa medida, uma vez que, ainda que não o faça de forma expressa, as críticas à sentença estão circunscritas às consequências que, resultantes das modificações na matéria de facto considerada provada e não provada na ação, a recorrente pretende ver alcançadas).

***
III-/ Fundamentação de facto:
Com relevo para a decisão do recurso intentado nos autos foram julgados provados os seguintes factos:
A) A Autora e o Réu foram casados entre si, encontrando-se divorciados desde 28 de janeiro de 2010;
B) A Vídeo, Lda., era uma sociedade por quotas, com o capital social de € 5.000,00, dividido em duas quotas no valor nominal de € 2.500,00 cada, sendo uma da Autora e a outra do Réu;
C) A sociedade tinha, por objeto social, clube de aluguer de videocassetes;
D) A Autora e o Réu eram gerentes de direito da sociedade;
E) A sociedade cessou a atividade no ano de 2012;
F) Em 13 de setembro de 2016 foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade e, bem assim, o cancelamento da respetiva matrícula;
G) A sociedade depositou apenas as contas referentes aos exercícios de 2006 a 2009;
H) A sociedade não era proprietária de qualquer veículo;
I) Na referida sociedade, e num período de cinco anos, em termos de volume de alugueres de vídeos, joias de inscrição e atrasos de entregas, existe a variação negativa descendente de €153.334,00, no ano de 2008, para €7.065,00, no ano de 2012;
J) Em relação às vendas realizadas (de produtos como tabaco, pastilhas elásticas, gomas, refrigerantes, pipocas, gelados, café, batatas fritas, águas, jornais e revistas), no mencionado hiato temporal, ocorre a variação negativa tendencialmente descendente (em percentagens) de 0,01% (2008), 0,10% (2009), 0,06% (2010), 0,06% (2011) e 0,05% (2012);
K) A aludida empresa apresentou prejuízos, desde 2008 até 2012, de €10.248,00 (em 2008), € 41.839,00 (em 2009), € 71.917,00 (em 2010), € 48.603,00 (em 2011) e € 35.832,00 (em 2012);
L) Pela documentação facultada a quem realizou a perícia, não se encontraram transferências da sociedade para os sócios, nem a distribuição de quaisquer dividendos (inexistentes no mencionado período temporal);
M) Houve transferências a favor da sócia Autora – pagamento da segurança social no valor total de €2.521,25, que respeita à firma …., com o NIF … (com o número de beneficiário da segurança social: xxx);
N) Houve várias transferências oriundas do sócio Réu, de diversos valores, tais como pagamentos a fornecedores, segurança social, seguros e gabinete de contabilidade;
O) Até ao ano de 2009, os valores de empréstimos dos sócios à sociedade foram de €47.500,00 cada; a partir de 2010 e até 2012, o sócio Réu apresenta empréstimos na conta de “financiamentos obtidos” e na conta de “acionistas/sócios”, no valor total de €120.243,72;
P) O contrato TPA subscrito em 27 de junho de 2001, junto do Banco Comercial Português, S.A., estava associado à conta bancária com o número xxx identificado, titulada pelo ora Réu;
Q) Relativamente ao contrato TPA associado à conta bancária número xxx, da mesma entidade bancária, trata-se de conta titulada pela sociedade acima identificada (em B));
R) No balancete geral de encerramento do exercício anual de 2010 não se mostra refletida a transferência pecuniária da verba de € 35.000,00, de prestação de serviços para conta de vendas da sociedade em apreço.
*
Com interesse para a decisão da presente causa e com a exclusão da matéria conclusiva e/ou de direito, não se provaram quaisquer outros factos concretos, com enfoque para a materialidade seguinte:
1. O Réu exercitou a gerência da mencionada sociedade a partir do ano de 2007, exclusivamente por si, em virtude dos desentendimentos com a Autora e da consequente ausência desta, imitando a assinatura da Autora em atas;
2. Pelo menos, a partir de tal momento (2007), a Autora repartiu a sua residência entre as localidades de Portimão e Oliveira de Azeméis, jamais tendo praticado qualquer ato de gerência na referida empresa;
3. Desde 2007, o Réu deixou de apresentar as contas da sociedade à Autora, bem como de proceder à convocação de assembleia(s) geral(ais) para a respetiva aprovação, não a informando da evolução efetiva e real da atividade comercial da mesma empresa;
4. Apesar de solicitados, não foram disponibilizados à Autora, nomeadamente, esclarecimentos nem quaisquer extratos de conta-corrente da sociedade, com enfoque para os relativos aos últimos anos de atividade - a contar, pelo menos, a partir de 2009;
5. Jamais o Réu permitiu que a Autora acedesse às instalações daquela sociedade, recusando disponibilizar-lhe as chaves de acesso e tendo o mesmo abandonado o edifício físico onde era exercida a atividade da empresa e encerrado a sua porta a 31 de dezembro de 2012;
6. Só no ano de 2014 (já no decurso da presente ação judicial) foram entregues à Autora as pastas amontoadas na entrada do gabinete de contabilidade, apenas contendo a contabilidade até ao ano de 2010, ou seja, com a omissão dos exercícios de 2011 e 2012, tudo com a conivência/conhecimento do ora Réu;
7. O abatimento de € 1.072.971,00, efetuado ao ativo da referida sociedade, não se encontra justificado;
8. Da informação que lhe foi enviada antes da propositura da presente ação, descortinou a Autora o referido abatimento de € 1.072.971,00, sem qualquer descrição ou ligação à substância do mesmo, e sem processo de controlo pelos serviços competentes;
9. Foi verificada a discrepância entre os valores constantes da contabilidade da sociedade, como estando em dívida aos fornecedores, e os créditos indicados pelos fornecedores; bem como a subfacturação dos alugueres de filmes e das vendas;
10. Considerando tratar-se de um estabelecimento de aluguer de vídeos e que a grande maioria dos produtos (quase na totalidade e não danificados) sempre foram vendidos a preços de usado/saldo, gerando receita, esta não consta em qualquer lugar da contabilidade da empresa;
11. (…) O que, a par da maioria da prestação de serviços de aluguer, foi objeto de não faturação e consequente apropriação direta por parte do Réu, dos valores em dinheiro cobrados;
12. Os fornecedores, com referência a 31 de dezembro de 2009 a 2012, mantinham um valor inexpressivo ou inexistente relativo ao seu saldo credor;
13. Retirando a prestação de serviços de aluguer de vídeos, e começando com os produtos cuja incidência de taxa de IVA era de 5%, no ano de 2009 foi adquirida mercadoria no valor de € 69.691,10 e declaradas vendas no valor de € 72.325,87, quando, atribuindo como margem aplicável (= 15%), deveria estar contabilizado o montante de € 80.144,77;
14. (…) O mesmo exercício para o ano de 2010, em que a aquisição de produtos é no valor de € 58.597,87 e declaradas vendas no valor de € 45.295,75, quando, atribuindo a margem acima referida (= 15%), deveria estar contabilizado € 67.387,55;
15. (…) No ano de 2011, em que a aquisição de produtos é no valor de € 43.408,89 e declaradas vendas no valor de € 50.882,47, quando, atribuindo a margem acima referida (= 15%), deveria estar contabilizado € 49.920,22;
16. Só relativamente a estes produtos e nestes três anos, apesar das contabilizadas, deixaram de ser faturadas vendas no valor de € 29.008,45;
17. Pela análise de todos os dados contabilísticos dos vários produtos em venda (tabaco, produtos com incidência da taxa do IVA a 5%, 12% e taxa normal), excetuando a prestação de serviços, durante estes quatro anos, o Réu não faturou o montante global de € 62.386,24;
18. Pela verificação das existências transitadas, que se apresentam muito elevadas para este tipo de produtos (com exceção do ano de 2009, superiores anualmente ao montante das compras), traduzidas em vendas (com a margem de 15%), atingem o valor global de € 186.886,50;
19. Desconhecendo-se os inventários por força da não entrega da contabilidade à Autora, referente aos anos de 2011 e 2012, tal mercadoria foi vendida, sendo que o resultado de tal operação não tem correspondência na contabilidade da empresa, pois não foi (ou não ficou) registada, deixando de entrar nas contas da sociedade;
20. O Réu, ao longo dos anos, tem usado a conta bancária da sociedade para pagar as despesas e combustíveis pessoais, nomeadamente, com a sua viatura própria;
21. Com tal utilização, retirou-lhe a quantia global de € 3.123,29;
22. A Autora só conseguiu obter a consulta dos extratos bancários correspondentes ao ano de 2011, faltando-lhe os extratos de 2009, 2010 e 2012;
23. Quanto à prestação de serviços, nomeadamente de aluguer de vídeos, apenas se podem analisar os registos carreados para a contabilidade, em que, dos anos de 2011 e 2012, a Autora não teve acesso, estando reduzida a sua análise às IES;
24. Apropriando-se o Réu dos valores não faturados, tais valores foram utilizados para a realização de suprimentos pelo referido Réu à sociedade;
25. Até junho de 2009, o Réu utilizava o terminal TPA acima identificado em P) nas instalações da sociedade em apreço, creditando diretamente aquela sua conta particular (com o número xxxx);
26. Os depósitos que o Réu realizava na referida conta bancária rondavam os € 6.000,00 por mês, referentes aos anos de 2009 e 2010, correspondendo aos valores relativos à subfacturação – ou não faturação – dos produtos e serviços da sociedade em causa;
27. (…) E à parte verificável do que o ora Réu depositou, particularmente, fora da sociedade, transformados em suprimentos necessários face à descapitalização da mesma;
28. Entre os anos de 2010 e 2012, o Réu retirou a remuneração que lhe cabia como gerente da referida empresa Vídeo, Lda.; até 2009/2010 fora recebendo o ordenado mínimo nacional na sociedade em apreço, à semelhança da Autora (a outra sócia), como gerente;
29. Hoje, o seu único rendimento limita-se ao produto da venda dos imóveis que tinha em compropriedade com a Autora, inclusive onde se situava o dito estabelecimento.
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IV-/ Dos fundamentos do recurso:
A frente de batalha e discórdia da apelante contra a sentença recorrida inicia-se com a decisão da matéria de facto ali tomada, contra a qual aquela se insurge em sede recursiva.
Apreciando.

(i) Da impugnação da matéria de facto:
Nesta matéria, cumpre atentar que o tribunal da Relação tem autonomia decisória, devendo, na reapreciação da decisão de facto, observar o que dispõe o art.º 662.º do CPC, avaliando todas as provas carreadas para os autos, sem estar sujeito às indicações dadas pelas partes em recurso. Não obstante essa autonomia decisória, a mesma deverá fazer-se sempre sem prejuízo da perceção que a oralidade e imediação em 1ª instância proporciona, designadamente ao nível da valorização dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, em face das particularidades que resultam, muitas vezes, de uma avaliação limitada a uma audição sem vídeo, que não capta os gestos e expressões faciais de quem se encontra a depor em julgamento e que obstaculiza a que a instância superior possa também inquirir e dialogar com a prova, obtendo no imediato os esclarecimentos que julgaria ser próprios e adequados à matéria que lhe cumpre apreciar/reapreciar e julgar (veja-se, a este propósito, o acórdão proferido em 02/11/2017, no TRG, no âmbito do proc. n.º 42/14.9TBMDB.G1, relatado por António Barroca Penha onde se consignou que «(…) V- Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; VI- Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. VII- Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
Acresce que, deduzida impugnação contra a matéria de facto, cumpre sempre verificar se estão preenchidos todos os requisitos enunciados no art.º 640.º do CPC. Sobre esse preceito, e em anotação ao mesmo, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (no CPC anotado, por, Vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 797) dizem que «Nos termos do n.º 1 al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explicita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de informar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilidade dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente».
Em matéria de recurso, concretamente sobre a impugnação da matéria de facto, Abrantes Geraldes (agora na obra, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed., Almedina, págs. 165/166) explica também que no recurso «…. o recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente».
Deste modo, no conhecimento dessa impugnação, cumpre não esquecer, por um lado, o consagrado no art.º 341.º do CC, que nos diz que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, e, por outro lado, que no nosso sistema jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, devendo sempre atentar-se nas regras sobre o ónus da prova que constam dos arts.º 342.º a 346.º do CC, e bem assim no disposto no art.º 414.º do CPC, que estabelece que na dúvida sobre a realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, deve a mesma resolver-se contra a parte à qual o facto aproveita, sendo que se impõe sempre às partes alegar e demonstrar os factos essenciais para a causa, pedidos e exceções nela formulados.

Feita esta contextualização e revertendo ao caso de que aqui cuidamos, em sede de conclusões recursivas, defende a Recorrente, em suma, que foi ordenado o desentranhamento da contestação do réu de 14/05/2018, o que foi ignorado pela sentença recorrida, e que, por ser assim, devem os «novos factos e documentos, não contestados/impugnados, alegados e juntos com a PI da A. de abril de 2018»  ser dados por provados, sendo «determinada a inversão do ónus de prova nos termos do artigo 72º do CSC ou, ser dado como provado o circunstancialismo decorrente da utilização de um TPA e inúmeros depósitos em numerário para uma conta particular do R. e determinada a inversão do ónus da prova».
Argumenta a apelante, em suma, que a matéria inserta nos artigos 84º a 93º da PI apresentada nos autos por força do convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido pelo tribunal, não impugnada pelo réu, deveria, com os limites legais, estar admitida por acordo (artigos 567.º e 574.º do CPC), o que foi ignorado pela sentença recorrida, que nenhuma palavra profere quanto às consequências do ordenado desentranhamento da contestação do réu de 14/05/2018 e seus reflexos no apuro dos autos.
Depois, defende a apelante a inversão do ónus de prova, por força do disposto nos artigos 72º e ss do CSC, argumentando que, estando demonstrada a existência de um terminal ligado a uma conta pessoal do réu (facto P), não podia o tribunal concluir que não se provou o proveito pessoal deste, olvidando os depósitos bancários demonstrativos de significativos e consecutivos depósitos em numerário na mesma conta bancária, expressos nos extratos juntos aos autos na sua PI de 2018 (docs B-45 a B-62 e B-63). Os documentos juntos e não contestados/impugnados, o facto P) dado como provado e os respetivos e inúmeros depósitos em numerário nessa mesma conta particular do réu, alega, são factuais e o próprio réu confessou ter como único rendimento o decorrente dos salários da empresa “Vídeo Lda”, facto igualmente confirmado pela testemunha IS, funcionária do gabinete de contabilidade que fazia a contabilidade da empresa e preenchia o IRS de ambos. Concluiu então que a existência de um terminal TPA ativo, desde o ano de 2001, diretamente associado à conta bancária do réu e os inúmeros depósitos na mesma em numerário, não pode deixar de significar que o réu usufruía ilicitamente de (grande) parte do valor do produto relativo à atividade comercial da sociedade “Vídeo Lda” que geria, sendo assim inexplicável o facto 25 dado como não provado, que, juntamente com o facto 26, deveriam ser julgados provados, também se alterando a redação dada ao facto 28, em face da confissão do réu, que deveria igualmente passar a provado (ver conclusões recursivas de 1. a 22.)

Vejamos então.

Foram alegados pela autora na p.i. aperfeiçoada que:
«84. Conforme se pode verificar por alguns extratos bancários da conta solidária nº xxxx do Millennium BCP, referentes aos anos de 2009 e 2010, que a A. conseguiu obter e que, à data, eram titulares ambos A. e R., os depósitos que o mesmo realizava naquela em dinheiro rondam os €6.000,00/mês (docs. nºs B-45 a B-62).
85. Ainda e conforme se verifica pela consulta dos extratos desta conta à ordem, o mesmo, até junho de 2009, utilizava um terminal TPA nas instalações da sociedade, creditando diretamente aquela conta particular.
86. E assim foi uma vez que nesse mesmo mês, por força de conflitos relacionais inultrapassáveis, cortaram relações.
87. Consolidando tal com a concretização do divórcio, em janeiro de 2010. Portanto,
88. Estes correspondem aos valores relativos à subfacturação ou não faturação dos produtos e serviços da sociedade que o R. sempre exerceu.
89. E à parte verificável do que este depositou, particularmente, fora da sociedade.
90. São estes os que o R. “transformou” em suprimentos, necessários por força das necessidades de dinheiro na conta da sociedade decorrente da consequente descapitalização da mesma causada pela sua própria conduta. Ou seja,
91. O mesmo retirava o dinheiro da sociedade para as suas contas, usando uma parte do mesmo para colmatar o “buraco” que com tal atuação gerava na sociedade. Refira-se que,
92. Apesar de, aparentemente, com menos registos, tal continuou após o divórcio, conforme se pode verificar pela consulta do doc. n.º B-63 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
93. Tal documento corresponde a um extrato bancário de uma conta particular do R., referente a um período já após o divórcio ter sido decretado».

Da leitura da sentença em crise verificamos que, na verdade, a não admissão da contestação de 14/05/2018 não foi mencionada, tendo, inclusivamente, e de alguma forma, sido julgados como não provados parte dos factos insertos naqueles artigos da p.i aperfeiçoada (factos 25, 26 e 28).
Não obstante, e em primeiro lugar, teremos que atentar que a desconsideração da contestação de 14/05/2018, como determinado judicialmente, apenas implica que os novos factos alegados na petição aperfeiçoada possam ser considerados confessados, se não se puderem considerar abrangidos pela impugnação constante da contestação inicial apresentada nos autos. Ora, nas contestações iniciais juntas aos autos, já o réu negara parte da factualidade ali alegada, argumentando que a contabilidade era efetuada com o programa de faturação existente na loja, inexistindo qualquer dupla faturação ou qualquer apropriação ilegítima da sua parte.
Em segundo lugar, e tal como decorre do art.º 570.º do CPC, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito, sendo que a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior. Ora, no caso em apreciação, tece a apelante várias considerações sobre a matéria em causa, insurgindo-se contra o facto de o tribunal recorrido não ter refletido na sentença em crise a desconsideração da contestação do réu nem invertido o ónus da prova como obriga o art.º 72.º do CSC, sem que, todavia, termine concretizando quais os factos concretos que, da alegação inserta naqueles artigos 84.º a 93.º, quer ver aditados à matéria de facto.
Ainda assim, sempre diremos, para além de parte da matéria inserta naqueles artigos da nova p.i. estarem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, não podemos também olvidar que apenas factos, e não juízos e conceitos conclusivos, poderão ser levados à matéria de facto, mesmo que não expressamente impugnados pelo réu. Só os factos materiais / acontecimentos concretos, suscetíveis de prova, podem ser julgados, provados ou não provados, podendo integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão. Donde, no presente caso, para além da impugnação inicial feita pelo réu, desde logo excluiu as “conclusões” insertas nos artigos 88.º a 93.º acima mencionados – onde se alude, em termos genéricos, sem qualquer concretização e individualização, a valores relativos a “subfacturação ou não faturação dos produtos e serviços da sociedade”, “valores transformados em suprimentos”, “descapitalização”, “buraco”, etc.).
Acresce que, no que concerne à matéria aqui em causa, apenas foi julgado provado que o contrato TPA, subscrito em 27 de junho de 2001, junto do Banco Comercial Português, S.A., estava associado à conta bancária com o número xxx titulada pelo ora réu (facto “P”).
Tal resultou, aliás, de forma expressa, do ofício do Banco Comercial Português, S.A., de 04/04/2024, que informou que constava dos seus ficheiros um contrato TPA subscrito no dia 27/06/2001 e associado à conta nº 2380194862, titulada por AM, mais informando que existia um outro TPA associado à conta nº (…), titulada pela sociedade Vídeo, Lda.
Não obstante, e como vimos, a autora alegou que a aludida conta - nº (…) - era solidária, juntando aos autos, com a pi. aperfeiçoada de abril/2018, inúmeros extratos bancários - docs. B-45 a B-62 e B-63 - não impugnados tempestivamente pelo réu, de onde, na verdade, pela análise dos mesmos, resultam espelhados vários depósitos em numerário de cerca de €6.000,00 mensais (para além de pagamentos feitos através daquele terminal que entravam diretamente na aludida conta), conta essa ali indicada como solidária (CS), existindo ainda transferências dessa conta para a conta da sociedade.
Sendo solidária a conta (ainda que agora, em recurso, a autora se refira à mesma como sendo particular do réu), e nada havendo em contrário, forçoso se impõe concluir que a mesma era usada em benefício dos dois, resultando evidenciados dos aludidos extratos, a que a autora tinha acesso, fluxos financeiros entre aquela conta conjunta e a conta da sociedade, sendo certo que, mesmo na versão da autora, as partes apenas se distanciaram em junho de 2009, acabando por se divorciar em 2010.

Por ser assim, eliminando consequentemente os factos não provados 25 e 26 («25. Até junho de 2009, o Réu utilizava o terminal TPA acima identificado em P) nas instalações da sociedade em apreço, creditando diretamente aquela sua conta particular (com o número xxxx); 26. Os depósitos que o Réu realizava na referida conta bancária rondavam os €6.000,00 por mês, referentes aos anos de 2009 e 2010, correspondendo aos valores relativos à subfacturação – ou não faturação – dos produtos e serviços da sociedade em causa) aditaremos aos factos provados consequentemente e apenas que:
«(S) Na conta solidária n.º xxx do Millennium BCP, referentes aos anos de 2009 e 2010, de que, à data, eram titulares autora e réu, foram feitos, pelo réu, depósitos em dinheiro que rondam os €6.000,00/mês (docs. nºs B-45 a B-62).
(T) Até junho de 2009, foi utilizado um terminal TPA nas instalações da sociedade, creditando diretamente aquela conta particular.».

Alega depois a apelante que os factos 1 a 3 dados como não provados devem ser alterados, para provados, devendo ainda ser aditado um novo facto à matéria apurada no que concerne à assinatura das atas de assembleia de sócios (ver conclusões recursivas de 23. a 36. e 45. a 51.)

Relembremos tais factos:
«1. O Réu exercitou a gerência da mencionada sociedade a partir do ano de 2007, exclusivamente por si, em virtude dos desentendimentos com a Autora e da consequente ausência desta, imitando a assinatura da Autora em atas;
2. Pelo menos, a partir de tal momento (2007), a Autora repartiu a sua residência entre as localidades de Portimão e Oliveira de Azeméis, jamais tendo praticado qualquer ato de gerência na referida empresa;
3. Desde 2007, o Réu deixou de apresentar as contas da sociedade à Autora, bem como de proceder à convocação de assembleia(s) geral(ais) para a respetiva aprovação, não a informando da evolução efetiva e real da atividade comercial da mesma empresa».
Em defesa do que pretende, argumenta a recorrente que alegou expressamente não ter assinado as atas da assembleia, logo, que a sua assinatura tinha sido falsificada, o que veio a ser confirmado/confessado pelo próprio réu, que assumiu que era ele quem assinava as atas com o nome da autora (21º da contestação de 2016). Referiu este que o fazia a pedido da autora, o que, sendo alegação sua, encontrava-se controvertido, nada tendo este provado em sede de articulados, documentos e prova ou contraprova, como era seu ónus, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC. Como tal, deveria ser acrescentado novo facto dado como provado de que “A autora não assinou as atas das assembleias de sócios, sendo o réu quem assinou o nome da mesma naquelas.” ou ser dado como provado o facto 1 da matéria dada como não provada.
No que concerne ao facto 2, as testemunhas da autora, MV, AA e CA, depuseram no sentido de que a autora desde 2007, pelo menos, passou a residir na cidade de Portimão e, após 2009, em Oliveira de Azeméis, alternando depois, entre esta e a primeira.
Finalmente, no que concerne ao facto 3, facto negativo, alegado pela autora de que o réu nunca lhe prestou quaisquer contas, tinha o mesmo, pelo menos, que contraprovar que o tinha feito, o que também não fez, ao que acresce o facto de no seu depoimento a testemunha IS ter expressamente referido que sempre entregara as contas ao réu, nunca tendo reunido com a autora, nunca conhecendo ou presenciando uma assembleia de aprovação de contas (ou qualquer outra), pois entregava já a ata redigida ao réu, com o respetivo conteúdo e contas, antes ou independentemente de qualquer reunião ou assembleia. Era a contabilidade quem redigia essas atas de aprovação de contas, com base na contabilidade, e as entregava direta e unicamente ao réu que as levava consigo e as devolvia/entregava assinadas.

Vejamos então.

Em primeiro lugar, desde já aqui se adianta, a convicção exarada pelo tribunal recorrido não é posta em causa pelo aqui vertido. Veja-se que em sede de motivação da matéria de facto, analisando o depoimento das testemunhas da autora, concluiu o tribunal que foram, na sua essência, depoimentos marcados por “ouvir dizer” à amiga autora, com utilidade escassa no que concerne à gerência societária, desconhecendo, em bom rigor, se a autora recebia (ou não) dinheiro do marido, relacionado com a exploração do referido estabelecimento comercial, ignorando se tomavam decisões em conjunto, no respeitante à respetiva gerência. Por isso, em análise posterior, concluiu o tribunal que «Em relação ao exercício da gerência da sociedade a partir de 2007 exclusivamente pelo Réu, e apesar de (algum) distanciamento físico da Autora quanto à mencionada empresa, a verdade é que nenhuma prova se produziu quanto à sua “demissão” dessa gerência, não ficando o Tribunal convencido sobre aquela suposta exclusividade do Réu, nos termos acima bastamente explicitados».
Por outro lado, o alegado reconhecimento do réu, foi no sentido de que exercia a gerência, “quase sempre exclusivamente”, em assuntos correntes, durante mais de 20 anos e que a autora, nos últimos 10, estava muito pouco tempo no estabelecimento comercial, embora participasse, como sempre, de todas as decisões de administração (artigo 5.º da contestação).
Já no que concerne à assinatura das atas, de facto, confessou o réu que o livro de atas sempre foi assinado por si, com o conhecimento da autora e a seu pedido, para que esta não tivesse de se deslocar ao escritório onde este se encontrava. Não vemos que tenha sido produzida prova suplementar sobre essa matéria nem tal foi admitido pela autora, pelo que da confissão do réu se prova o aludido facto.

Por ser assim, se sem mais, eliminaremos do facto não provado 1, a expressão «em virtude dos desentendimentos com a Autora e da consequente ausência desta, imitando a assinatura da Autora em atas», aditando aos factos provados que “U) A autora não assinou atas das assembleias de sócios, sendo o réu quem assinou o nome da mesma naquelas.”
E nada mais, pois que nenhuma outra prova foi destacada que impusesse diferente tratamento da matéria em causa.

Alega depois a apelante a contradição entre matéria provada e não provada, dizendo que foi dado por provado o facto H) e, em contrapartida e contraditoriamente, não foram dados por provados os factos 20 e 21, defendendo assim que não havendo veículos na empresa, nem integrando a sua atividade serviços e atividades com deslocações de veículos, nem qualquer autorização societária para o efeito, a existência de despesas com combustíveis na mesma são injustificadas (ver conclusões recursivas de 37. a 44. e 94. a 97.).
Argumenta a recorrente que é o próprio réu quem, no artigo 90º da sua contestação de 2016, reconhece/confessa que a sociedade lhe pagava as despesas de gasolina e afins. Por outro lado, tais factos e valores, alegados pela autora nos novos artigos 67º a 70º da sua PI aperfeiçoada de março de 2018, não contestada e até previamente confessados, resultam diretamente da análise dos documentos juntos com a mesma sob os números B-19 a B-44 (extratos bancários da conta da empresa), e respetivo somatório, sendo estes apenas relativos ao ano de 2011. Por ser assim, alega, existe uma contradição entre estes factos, o que determinaria, nomeadamente, e no mínimo, a sua alteração. Alteração que, não obstante, não concretiza em que termos pretende seja feita.
Seja como for, sempre diremos, não vemos qualquer contradição entre a prova de «H) A sociedade não era proprietária de qualquer veículo» e a não prova de «20. O Réu, ao longo dos anos, tem usado a conta bancária da sociedade para pagar as despesas e combustíveis pessoais, nomeadamente, com a sua viatura própria; 21. Com tal utilização, retirou-lhe a quantia global de € 3.123,29».
Com efeito, a alegação do réu no artigo 90.º da sua contestação, não é a de confessar que ao longo dos anos usasse a conta bancária da sociedade para pagar as despesas e combustíveis pessoais com a sua viatura própria, mas sim que colocou o seu carro pessoal ao dispor da sociedade, que lhe pagava assim as despesas de gasolina e afins. Não confessa que foram despesas pessoais que foram pagas, mas sim as despesas por si suportadas em representação a sociedade. Por ser assim, improcede a alegação, mantendo-se a decisão tomada pela 1ª instância.

No prosseguimento da impugnação deduzida, alega depois que os factos 13 a 18, dados como não provados, deverão ser dados como provados (ver conclusões recursivas de 52. a 67.)
São estes os factos:
«13. Retirando a prestação de serviços de aluguer de vídeos, e começando com os produtos cuja incidência de taxa de IVA era de 5%, no ano de 2009 foi adquirida mercadoria no valor de € 69.691,10 e declaradas vendas no valor de € 72.325,87, quando, atribuindo como margem aplicável (= 15%), deveria estar contabilizado o montante de € 80.144,77;
14. (…) O mesmo exercício para o ano de 2010, em que a aquisição de produtos é no valor de € 58.597,87 e declaradas vendas no valor de € 45.295,75, quando, atribuindo a margem acima referida (= 15%), deveria estar contabilizado € 67.387,55;
15. (…) No ano de 2011, em que a aquisição de produtos é no valor de € 43.408,89 e declaradas vendas no valor de € 50 882,47, quando, atribuindo a margem acima referida (= 15%), deveria estar contabilizado € 49.920,22;
16. Só relativamente a estes produtos e nestes três anos, apesar das contabilizadas, deixaram de ser faturadas vendas no valor de € 29.008,45;
17. Pela análise de todos os dados contabilísticos dos vários produtos em venda (tabaco, produtos com incidência da taxa do IVA a 5%, 12% e taxa normal), excetuando a prestação de serviços, durante estes quatro anos, o Réu não faturou o montante global de € 62.386,24;
18. Pela verificação das existências transitadas, que se apresentam muito elevadas para este tipo de produtos (com exceção do ano de 2009, superiores anualmente ao montante das compras), traduzidas em vendas (com a margem de 15%), atingem o valor global de € 186.886,50».
Para o justificar, argumenta não compreender a desvalorização do depoimento da testemunha da autora, MM, que, em análise dos valores das margens aplicadas às vendas, comparativamente às que defende que deveriam ser aplicadas (com base no seu conhecimento profissional e experiência), de 6,5% para o tabaco e 15% para o restante, se teria que concluir que a faturação foi inequivocamente deficiente, indiciando e/ou demonstrando clara subfacturação. A isso acrescendo que os documentos insertos no anexo 3 do relatório de peritagem (faturas e nota de devolução) integram margens que variam, do mínimo de 5,25% a 12% no tabaco até 40% nos gelados, de onde se retira o deficiente relatório de peritagem feito nos autos, o que, desde logo, implica que os factos em análise sejam dados por provados.
Não vemos que tal argumentação possa ferir a exarada na sentença recorrida, nem a prova agora indicada permite concluir em diferente sentido. Na sentença, foi analisado o depoimento da testemunha da autora, MM, contabilista, e, ainda que ali se consigne que o mesmo analisou a contabilidade da empresa (com acesso aos balancetes dos anos de 2009 a 2012), sendo pago pela autora, considerou-se que o mesmo deu «a sua opinião objetiva, serena e amiúde detalhada, em relação aos aspetos irregulares que terá encontrado na leitura dos balancetes e, de igual sorte, quanto a assuntos tidos como válidos e isentos de controvérsia nesses elementos. Revelou um discurso bastante técnico e com terminologia fortemente ligada à sua área de atuação profissional, trazendo à audiência, de acordo com a sua mundividência sobre os documentos consultados, a constatação de transferências de numerário de “explicação difícil”, e sinalizando, ainda, que em todos os exercícios anuais houve prejuízo na empresa. Não logrou quantificar a prestação de serviços (com declínio no aluguer de vídeos ao longo dos anos), algum dinheiro ficou por declarar e a verba de 35 mil euros, no ano de 2010, transitou da rúbrica “prestação de serviços” para a de “vendas”, através de uma operação contabilística que a testemunha rotulou como simples “ato de cosmética”; mais se detetando um terminal TPA ligado a uma conta bancária particular (uma conta pessoal), ali se destacando o facto de o mesmo salientar que a questão da transferência dos 35 mil euros “é duvidosa, o restante, nada a dizer”.
Depois alicerçou a sentença a sua fundamentação no relatório da peritagem realizado nos autos, esclarecimentos da perita, também em julgamento, e no depoimento da testemunha IS, técnica de contabilidade, elementos probatórios que foram examinados de forma exaustiva, expondo o tribunal a sua convicção, o que não é colocado em crise, sem mais, pela alegação da recorrente na presente apelação, onde apenas insiste pela deficiente peritagem realizada, valorizando o depoimento da testemunha MM.
Ora, nos termos do artigo 388.º do CC, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial. E ainda que no nosso direito predomine o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, o que permite ao tribunal analisar criticamente o relatório pericial que venha a ser apresentado nos autos, certo é que, em face do juízo técnico e científico inerente a uma perícia, para dela se distanciar, decidindo em contrário do espelhado pela mesma, tem/deve o juiz expor de forma cabal as razões pelas quais não a acolhe, enunciando criticamente as razões da sua divergência.
Em recurso, a apelante alude à insuficiência e pouco rigor do relatório pericial realizado, apontando-lhe várias falhas. As mesmas que motivaram pedidos de esclarecimento, de substituição de perita e de realização de nova peritagem. Do indeferimento do assim solicitado, recorreu a autora, que, ao não ver admitido tal recurso, dali também não retirou quaisquer consequências, mormente no recurso da decisão final que foi interposta. Donde, tendo a perita prestado esclarecimentos em julgamento, que o tribunal recorrido acolheu, na senda do relatório apresentado, a que anuiu, conjugando-o com o depoimento da contabilista IS, não podemos simplesmente, com base no depoimento da testemunha MM (que ouvimos na integralidade), também contabilista, dar por assente os factos alegados, sendo insuficiente a prova apresentada para a demonstração das margens alegadas e conclusão depois daí retirada. Cabendo ao juiz proceder a uma análise crítica do relatório pericial, a alegada insuficiência do relatório apresentado - que, na verdade, ainda que não prime pela clareza inicial, o que foi sendo colmatado com os esclarecimentos que foram sendo prestados, teve como justificação as dificuldades a que a perita aludiu para o realizar, expressas na sentença recorrida - não permite também assentar tal factualidade, não servindo as insuficiência do relatório para dar por provado o seu contrário.
Por essa razão, e sem mais, indefere-se a reclamação aduzida nesta parte.

Depois, alega a recorrente não alcançar o interesse e significado da matéria inserta no facto R) dado como provado (R) No balancete geral de encerramento do exercício anual de 2010 não se mostra refletida a transferência pecuniária da verba de € 35.000,00, de prestação de serviços para conta de vendas da sociedade em apreço), não retirando daí qualquer consequência, no sentido da sua alteração e / ou eliminação, limitando-se a tecer várias considerações sobre a operação em si (ver conclusões recursivas de 68. a 86.) Nada sendo requerido, nem resultando qualquer incongruência que possa ser, sem mais, detetada, nada temos a ordenar nesta matéria. O ónus de impugnação da matéria de facto julgada exige que, cumulativamente, sejam indicados os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e a decisão que deverá ser proferida. Nada sendo pedido, nada temos a ordenar.

De seguida, alude ao facto M) dado como provado (M) Houve transferências a favor da sócia Autora - pagamento da segurança social no valor total de € 2 521,25, que respeita à firma (…) com NIF xxx (com o número de beneficiário da segurança social: xxx) requerendo que o mesmo seja retirado da factualidade dada como provada, nomeadamente, por não relevarem para os temas da prova e desinteresse para a lide  (ver conclusões recursivas de 87. a 93.).
Argumenta então que na sequência e dependente da resposta ao quesito 7 (Existem transferências das contas bancárias da sociedade para as contas dos sócios?) que foi da inexistência de quaisquer transferências, a perita respondeu no relatório apresentado, e no que concerne ao quesito 8 (Em que termos é que se encontram contabilizadas e que documentos as suportam), que foi paga a segurança social da A., mas que não tinha conseguido identificar tal operação na contabilidade da empresa (?).
Como base documental para tal, apresenta cópia de documentos de transação bancária que não são da sociedade, ou seja, a conta da sociedade era 2380297947 e a conta a que pertence tal documentação era 45390829998. Desconhece-se como obteve tal informação/documentação, sendo que responde a uma pergunta que lhe não foi feita nem se integra na matéria controvertida e ainda menos na sociedade “Vídeo Lda.”.
Não obstante, alega, tal facto foi transcrito na sentença, sem qualquer filtro ou justificação, e foi dado como provado.
Por lhe assistir razão, não estando sequer contextualizado tal facto, elimina-se o mesmo dos factos provados.

Finalmente, pugna pela prova e alteração do facto 19 dado como não provado, nos seguintes termos: “O valor do inventário que consta da contabilidade à data de 31 de Dezembro de 2012 (IES de 2012, quadro 04 campo A5113) corresponde a €168.225,00, não existe, presumindo-se a sua venda, sem ter expressão na contabilidade da empresa, como tal, não declarado nas contas da sociedade.” (ver conclusões recursivas de 98. a 104.).
Foi ali dado por não provado que «19. Desconhecendo-se os inventários por força da não entrega da contabilidade à Autora, referente aos anos de 2011 e 2012, tal mercadoria foi vendida, sendo que o resultado de tal operação não tem correspondência na contabilidade da empresa, pois não foi (ou não ficou) registada, deixando de entrar nas contas da sociedade».
Evidentemente que tal facto, baseado em mera presunção, sem quaisquer outros elementos probatórios, não pode sustentar-se por si, nada nos permitindo concluir, como pretende a recorrente, por uma presunção de venda com o valor correspondente ao inventariado constante da consta da contabilidade à data de 31/12/2012 (IES de 2012, quadro 04 campo A5113), desde logo sustentada numa afirmação que não resulta dos autos, isto é, a da existência ou não dos aludidos bens. Improcede, pois, e também nesta parte, a impugnação deduzida.

Em termos globais, e para finalizar, diremos ainda, grande parte da crítica da apelante é dirigida ao relatório pericial e conclusões nele insertas, contruindo-se depois uma tese de falta de credibilidade da contabilidade apresentada, com o objetivo de mascarar deliberadamente uma subfacturação, por força das margens que a recorrente entende serem de aplicar. Ora, a prova produzida - ainda que, na verdade, e por um lado, (i) indicie alguma confundibilidade entre as contas dos sócios e da sociedade, desde logo comprovada pela existência de um TPA na empresa a creditar uma conta particular, solidária de ambos, e por outro lado, (ii) comprove que a atividade desenvolvida está para além do objeto social registado - pouco ou nada sustentou aquela concreta alegação da autora, de existências de vendas não faturadas e subfacturações feitas exclusivamente pelo réu com vista a locupletar-se com os rendimentos gerados pela sociedade, prejudicando o ente societário e também a autora (não ficando provado que apenas o réu geria a sociedade e que a autora nada sabia, não tendo qualquer participação na sua gestão nem dela nada usufruindo). A enorme litigiosidade existente entre recorrente e recorrido, ex-cônjuges, refletida nos autos, está para além das questões societárias que o presente processo envolve, pois que, não esqueçamos, estamos perante uma sociedade em que ambos são os únicos sócios, com iguais participações sociais, e gerentes de direito, com contas solidárias envolvidas, a que, necessariamente, a autora teria acesso, sem que a mesma alguma vez tivesse renunciado à gerência, surgindo os problemas apenas com o distanciamento do casal e seu divórcio. E ainda que não se possa presumir, sem mais, que a qualidade de gerente de direito implica necessariamente o efetivo exercício da gerência de facto, certo é que, nos autos, e como vimos, o tribunal a quo concluiu, sem que o presente recurso tenha a virtualidade de o infirmar, que «apesar de (algum) distanciamento físico da Autora quanto à mencionada empresa, a verdade é que nenhuma prova se produziu quanto à sua “demissão” dessa gerência, não ficando o Tribunal convencido sobre aquela suposta exclusividade do Réu, nos termos acima bastamente explicitados».
Acresce que, a própria perita deixou claro nos autos que não teve ao seu dispor todos os elementos que permitiram uma análise contabilística rigorosa, o que fez o tribunal recorrido consignar na sentença em crise que «(…) a senhora Perita transmitiu a perceção de que o seu relatório se estribou nos elementos então possíveis (…) É verdade que a senhora Perita fez questão de sublinhar que os elementos documentais que possuía, para efeitos de elaboração do seu relatório de peritagem (de mais a mais, no domínio de uma perícia com estrutura singular), não eram completos (foram-lhe fornecidos diversos documentos dispersos em três dossiers diferentes, em “sacos de plástico”, sem nenhuma organização e nada que se parecesse com um arquivo); também é correto que a mesma desvalorizou os balancetes anuais da empresa, os quais não substituíram a prova documental de que carecia para a sua diligência pericial; como é oportuno salientar a posição expressa da senhora Perita: “não fiz a contabilidade da empresa e não posso afirmar coisa nenhuma” (no respeitante à elaboração, em si, dessa contabilidade). Contudo, salientamos a tónica que derivou dos correspondentes esclarecimentos orais (sinceros, genuínos e credíveis), de que não foram encontradas irregularidades (formais), ao ponto de a mesma Perita acrescentar que nada aferiu de contrário às práticas de então (em relação ao stock, por exemplo, era considerado como elevado, mas “era assim” que nas microempresas “funcionava e se fazia”, sendo que a Autora tinha 50% da responsabilidade). Essencialmente, a senhora Perita não modificou (em nada) o que deixara plasmado na fase processual escrita (relatório e esclarecimentos escritos), mantendo, na substância, todos os considerandos ali vertidos, usando rigor nas palavras e corroborando as várias respostas dadas aos quesitos formulados, sem vacilar em nenhum dos aspetos relatados. A título ilustrativo, não desdisse a circunstância de não ter encontrado transferências bancárias da sociedade para os dois sócios, de acordo com a documentação que lhe foi facultada (malgrado não ter tido acesso ao livro de atas da sociedade comercial), conforme respondido ao quesito 7.º. Reiterou a mesma, isso sim, o sentido e alcance do que escreveu anteriormente, sempre com a preocupação renovada de, no quadro da audiência final, invocar os (possíveis) elementos documentais que suportaram as respetivas respostas. Ouvidos e ponderados os esclarecimentos orais prestados, estamos em condições de concluir que vieram ao encontro do que já havia sido relatado a montante nesta lide, não trazendo à convicção do julgador qualquer dado novo que inquinasse o dito relatório».

Por ser assim, e finalizando, apenas em parcial procedência da impugnação deduzida terão as alterações introduzidas pela presente decisão de ser consideradas na matéria de facto provada e não provada acima elencada (que não se renumera).

Assim, e em síntese:

A-/ Relativamente aos factos provados:
(i) Elimina-se o facto M).

E aditam-se os seguintes factos:
(S) Na conta solidária n.º xxx do Millennium BCP, referentes aos anos de 2009 e 2010, de que, à data, eram titulares autora e réu, foram feitos, pelo réu, depósitos em dinheiro que rondam os €6.000,00/mês (docs. nºs B-45 a B-62).
(T) Até junho de 2009, foi utilizado um terminal TPA nas instalações da sociedade, creditando diretamente aquela conta particular.
 (U) A autora não assinou atas das assembleias de sócios, sendo o réu quem assinou o nome da mesma naquelas.

B-/ Relativamente aos factos não provados:
(i) Elimina-se do facto 1 o segmento «em virtude dos desentendimentos com a Autora e da consequente ausência desta, imitando a assinatura da Autora em atas»;
(ii) Eliminam-se os factos não provados 25) e 26).

*

(ii) Do enquadramento jurídico:
Entrando agora no mérito do recurso ao nível do seu enquadramento jurídico, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, defendendo a autora que a atuação do réu, demonstrada nos factos que pretendia ver alterados, teriam que o responsabilizar perante a sociedade que geria, em face do prejuízo causado.
Em sede inicial, alegou a autora que o réu, com a sua atuação, violou deveres legais específicos que sobre si incidiam, enquanto gerente da sociedade, nomeadamente, o dever de não distribuir aos sócios de bens sociais (lucros) sem autorização (arts.º 31.º e 33.º do CSC), não ultrapassar ou violar o objeto social (n.º 4 do art.º 6.º do CSC); de requerer a declaração de insolvência da sociedade (arts.º 18.º e 19.º do CIRE), bem como, os correlacionados deveres decorrentes de normas jurídico-penais, nomeadamente a falsificação de assinatura, o abuso de confiança, dano ou furto, passíveis de responsabilização civil.
Ao não sufragar tal entendimento, argumenta agora a recorrente, em defesa da revogação da sentença proferida, que o Tribunal a quo violou, nomeadamente, os artigos 342.º do CC, 567.º e 574.º do CPC e 72º e ss., do CSC.

Vejamos então.

A responsabilidade dos membros da administração para com a sociedade, incluindo, no que ao caso interessa, os gerentes de uma sociedade por quotas, encontra-se prevista no artigo 72.º do CSC, que determina, nos seus n.ºs 1 e 2, que «1. Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. 2. A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial. (….)».
 De tal preceito legal resulta assim evidenciada uma responsabilidade subjetiva fundada na culpa, sendo pressupostos desta responsabilidade: a conduta do gerente, a ilicitude dessa conduta, a culpa e a existência de um dano causado à sociedade, com nexo de causalidade entre aquela conduta e o apurado dano.
Da leitura do mesmo preceito resulta também que a sociedade beneficia de presunção de culpa, prevista no artigo 72.º, n.º 1, parte final, o que implica uma inversão do ónus da prova, conforme decorre do artigo 344.º, n.º 1 do CC. Assim, a sociedade demandante, ou quem a substitua (arts.º 75.º, 77.º e 78.º n.º 2 do CSC), tem o ónus de provar os factos constitutivos do direito à indemnização (art.º 342.º, 1, CC), tem que provar que ato ou omissões (em princípio) ilícitos do administrador causaram dano ao património social (CSC em comentário, Vol. I, Almedina, Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, em anotação ao art.º 72.º. pág. 900).
O direito de ação contra os gerentes está previsto no artigo 75.º do CSC, que consagra a legitimidade da sociedade para demandar os responsáveis (uti universi), sendo esta ação precedida de deliberações dos sócios. Não obstante, também os sócios têm legitimidade para propor ação social de responsabilidade contra gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, de prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado, tal como resulta do artigo 77.º do CSC (uti singuli). Como se verifica, o direito aqui exercido pelos sócios, não é um direito próprio, devendo ser exercido em defesa do interesse da sociedade e para reparar um prejuízo por esta sofrido.
Nos autos, estando em causa uma sociedade com apenas com dois sócios, ambos gerentes, a recorrente intentou a aludida ação alegadamente em defesa do interesse da sociedade (que, como decorre dos autos, cessou a atividade no ano de 2012, tendo sido registada em 13/09/2016 a sua dissolução, encerramento da liquidação e cancelamento da respetiva matrícula), imputando ao outro gerente, que alega ser o único que geria, de facto, o ente societário, a prática de condutas geradoras de prejuízos para o património social.

Em sede de ação para responsabilização desse gerente, a conduta do mesmo deve então ser analisada à luz dos deveres que sobre si incidem – contratuais e /ou legais - e cuja violação pode fundamentar a sua responsabilização.
Para tanto, sustentava a autora a sua tese numa atuação ilícita por parte do réu, consubstanciada em vendas não faturadas, subfacturação e pagamentos de vendas/alugueres de bens diretamente para uma conta particular dele, gerente, em claro prejuízo e com dano efetivo à sociedade de que eram ambos sócios.
Não logrou desmontar a factualidade que tanto permitia sustentar, tal como, de resto, resulta da factualidade apurada e da motivação à mesma subjacente.
É certo que o facto de a sociedade deter uma contabilidade organizada e suportada em documentos e o facto de existir na mesma um sistema informático onde eram contabilizados os alugueres de filmes e a venda de outros produtos, não impedia a demonstração da existência de uma subfacturação, bastando desde logo, que não fossem registadas todas as transações. Não obstante, à autora tal competia ter provado, o que não logrou fazer.
Dos factos apurados, comprovados por documentação junta aos autos, parece não existir uma separação efetiva entre as contas bancárias da sociedade e as contas pessoais dos sócios e gerentes. A existência de um TPA na empresa, ligado diretamente a uma conta solidária das partes, isso mesmo o demonstra, resultando também dessa aludida conta vários depósitos em numerário e várias transferências dessa conta para a conta da sociedade.
Acresce que, decorre também dos factos apurados, não obstante a sociedade ter por objeto social, clube de aluguer de videocassetes, certo é que a mesma se dedicava também à venda de diversos produtos, como tabaco, pastilhas elásticas, gomas, refrigerantes, pipocas, gelados, café, batatas fritas, águas, jornais e revistas.
A existência de atas assinadas pelo réu, em nome da autora, comprova também a existência de uma vida societária não saudável e conforme as normas.
Não obstante, ainda que tais atos pudessem consubstanciar a existência de atos ilícitos, contrários aos interesses da sociedade, em face da “confusão” de patrimónios, particular e social, e do extravasar do objeto social (6.º n.º 4  do CSC), certo é que os mesmos não permitem, por si só, concluir pela exclusiva responsabilidade do réu, não estando também apurados factos concretos de onde decorra que a conduta adotada provocou efetivo e concreto dano à sociedade.
Eram dois os sócios gerentes da sociedade, não podendo a autora pretender arredar-se de responsabilidades no que ali foi feito. Sendo também gerente, tinha direito de acesso a toda a documentação da empresa, direito que não vemos que, querendo, não o tivesse podido exercer ou que tivesse sido impedida de o fazer. Sendo sócia e simultaneamente gerente, não pode desresponsabilizar-se, fazendo recair todas as responsabilidades inerentes à gestão apenas no outro gerente, tanto mais que dos factos apurados não resulta que a mesma nada tivesse que ver com a gerência da sociedade ou que com ela não tivesse sido conivente, pelo menos até à data do divórcio. Mas se enquanto gerente se distanciou da gestão da sociedade não pode agora pretender responsabilizar apenas o réu, na gestão por este assumida, e se entendia não ter condições para exercer a gerência, a ela deveria então ter renunciado.
Como dissemos já, o grau de litigiosidade entre autora e réu, ex-cônjuges, resulta à saciedade dos autos, sendo certo que não podemos deixar de analisar o contexto fáctico onde nos movemos, de onde resulta que a autora era também gerente de direito da sociedade, não se tendo demonstrado que nada soubesse da mesma ou da sua gestão, sendo, aliás, dificilmente concebível que, tendo conta solidária com o réu, não se tivesse apercebido dos movimentos insertos na mesma, ou, sentindo-se arredada da gestão da sociedade, nunca tivesse renunciado à mesma, marcado uma assembleia ou exigido que o outro gerente lhe prestasse contas do que andava a fazer. Dificilmente poderíamos assim vislumbrar, no contexto dos autos, uma putativa violação por apenas um dos sócios gerentes da sociedade dos deveres que incidem sobre os gerentes, num quadro de boa fé, pois que se a autora desconfiava de tal gestão danosa, sendo também ela sócia gerente da sociedade, à qual nunca renunciou, poderia e deveria ter agido em conformidade com vista a evitar os prejuízos que alega a mesma ter padecido.
Também no que concerne à alegada falta de apresentação à insolvência, decorrente do artigo 18.º do CIRE (dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la), ao órgão social encarregado da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores (acrescenta o artigo 19.º do CIRE), tratando-se de sociedade com dois sócios gerentes, aquele dever impor-se-ia a qualquer um deles, sem distinção. Não obstante assim ser, certo é que a matéria de facto apurada, pese embora os problemas financeiros que a sociedade enfrentava, com prejuízos apurados (desde 2008 a 2012 a sociedade suportou sempre prejuízos), não permite concluir, por si só, que o réu agiu em preterição daquele dever, resultando, dessa concreta atuação omissiva, danos para a sociedade que devam ser reparados.
Donde, e sem mais, uma vez que a alteração inserta na matéria de facto não é de moldes a permitir inverter o sentido da decisão recorrida, com a revogação da sentença em crise e responsabilização do réu por danos causados à sociedade, subscrevendo-se e mantendo-se o longo e exaustivo enquadramento jurídico desenvolvido na sentença recorrida, terá a apelação que improceder.
*
V-/ Decisão:
Perante o exposto, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação nos seguintes termos:
a) Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a matéria de facto, nos termos elencados em IV (i);
b) Não obstante, confirmar a sentença recorrida, julgando improcedente a apelação.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 13/05/2025
Paula Cardoso
Isabel Fonseca
Susana Santos Silva