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DANO PATRIMONIAL FUTURO
PEDIDO NÃO LIQUIDADO
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
DANO NÃO PATRIMONIAL
CONCORRÊNCIA DE PRESTAÇÕES SOCIAIS E INDEMNIZAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
Sumário
(elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I - Tendo o autor formulado pedido de indemnização genérico relativo a dano patrimonial futuro, que não liquidou no decurso da ação, deverá esta ser deduzida em incidente regulado no artigo 358º, nº 2, CPC, estando vedado ao tribunal a sua liquidação oficiosa, dado não ter sido formulado qualquer limite para tal pretensão, não podendo a sentença condenar em quantidade superior ao que se pedir, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 1, CC. II – A fixação da indemnização por danos não patrimoniais obedece a juízos equidade, com ponderação da culpa do lesante e das demais circunstâncias do caso concreto, nos termos do nº 3 do artigo 496º e 494º, CPC, e ainda de decisões judiciais proferidas em casos similares, por forma a “(…) obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” – cfr. artigo 8º nº 3, CC. III – Relativamente a lesado, com 52 anos à data do evento lesivo, que lhe determinou um défice funcional temporário próximo de três anos, quantum doloris de grau 6, numa escala de 7 valores, défice funcional de 58 pontos percentuais, sequelas incompatíveis com o exercício da sua profissão e de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, dano estético de grau 6, repercussão permanente das atividades desportivas e de lazer de grau 5, ambas numa escala de 7 valores, dependência de canadianas, de medicação (esporádica) de ajuda de terceira pessoa na realização de compras e higiene pessoal, revela-se adequada e proporcional a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 180.000,00. IV – Tendo o autor sofrido um acidente que lhe causou danos físicos que, em simultâneo, lhe outorgaram um direito a prestações sociais de invalidez e apoio por terceira pessoa e um direito a indemnização, sob pena de enriquecimento sem causa, proibido pelo artigo 473º, nº 1, do Código Civil, não poderá opor-se ao desconto na sua indemnização, a suportar pelo responsável civil, do valor das prestações sociais que lhe foram adiantadas pela Segurança Social, que beneficia do direito de sub-rogação, nos termos do artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I - RELATÓRIO
O autor, A, identificado nos autos, instaurou em 2-07-2016 no Juízo Central Cível de Sintra, a presente ação declarativa comum contra os réus Companhia de Seguros Allianz, SA e Gabinete Português de Certificado Internacional de Seguro igualmente identificados nos autos, solicitando a sua condenação:
- No pagamento da quantia de € 134.803,22, calculada até ao final do mês de dezembro de 2015, acrescida dos juros vencidos a contar da citação no Proc. nº 5286/11.2TDLSB ocorrida em janeiro de 2015 e vincendos até efetivo integral pagamento, a título de danos patrimoniais;
- No pagamento dos proveitos mensais que se vencerem na pendência da presente ação, a contar de janeiro de 2016 e até ao trânsito em julgado, acrescidos dos juros vencidos e vencidos até efetivo integral pagamento;
- No pagamento da quantia de € 150.000,00, acrescido de juros vencidos e vincendos, a título de danos não patrimoniais;
- No pagamento de quantia cujo cálculo deve ser efetuado em sede de liquidação, a título de danos futuros/lucros cessantes, relativa aos rendimentos deixados de auferir desde a data do trânsito em julgado da decisão, até a idade da reforma.
Fundamentando tal pretensão, invocou o autor ter sido interveniente em acidente de viação, ocorrido no dia 26 de janeiro de 2011, devido a conduta culposa de B, condutor da viatura de matrícula espanhola 8453 GSF. Na ocasião, este condutor circulava no mesmo sentido do autor, alcoolizado, com uma TAS de 1,42 g/l, em excesso de velocidade, sem observar a distância de segurança, tendo embatido na sua traseira.
Em consequência direta do acidente, o autor sofreu várias lesões na sua integridade física e psíquica, para cuja indemnização demanda o pagamento das quantias peticionadas.
O autor esclareceu ainda que a conduta estradal do condutor deu origem ao processo crime nº 5288/11.2TDLSB, que culminou com a sua condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nºs 1 e 3 do Código Penal. Sucede que, tendo o autor ali deduzido pedido de indemnização civil, contestado pela ré em 18-02-2015, foi proferido despacho em 15-06-2015 que ordenou a remessa de tal pretensão para os meios civis, ao abrigo do disposto no artigo 82º, nº 3, Código de Processo Penal.
Os réus Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA e Gabinete Português de Certificado Internacional de Seguro, contestaram a ação em articulado único, arguindo a ilegitimidade da primeira por não ser a seguradora do veículo de matrícula espanhola 8453 GSF que deu causa ao sinistro.
Ambas as contestantes admitiram, porém, a celebração do contrato de seguro entre o titular do veículo lesante, matriculado em Espanha e a “Allianz, Compañia de Seguros y Reasseguros”, a ocorrência do acidente de viação e a culpa do condutor do veículo segurado, impugnando a natureza, alcance e a extensão dos danos peticionados, bem como o seu montante.
Concluíram pugnando pela absolvição da instância da Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, e pela absolvição parcial do pedido do Gabinete Português de Certificado Internacional de Seguro.
O A., exercendo contraditório sobre a exceção de ilegitimidade, pugnou pela sua improcedência, reafirmando a legitimidade da ré-seguradora por ser representante da sua congénere espanhola “Allianz, Compañia de seguros y Reasseguros” em Portugal para efeitos de sinistros.
Citado o Instituto de Segurança Social, nos termos do disposto no artigo 1º, nºs 2 e 4, do Dl 59/89, de 22 de fevereiro, deduziu pedido de reembolso, solicitando a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 41.620,95, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo e integral pagamento, sem prejuízo da atualização do pedido em causa.
Para tanto, alegou ter pago a quantia peticionada ao autor, a título de pensão de invalidez, por força da incapacidade para ele decorrente do acidente de viação em causa nos autos.
Os réus não contestaram tal pedido.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade arguida, afirmou a regularidade da instância, fixou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.
Na sequência da realização de prova pericial, o autor apresentou requerimento de ampliação do pedido em € 100.000,00, na parte respeitante aos danos não patrimoniais, contabilizando o seu pedido líquido global em € 384.803,22 (requerimento de 03-11-2022).
Tal ampliação, que não mereceu a oposição dos réus, foi admitida por despacho de 3-5-2023.
Instruída a causa, foi realizada audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, sendo o seguinte o teor do seu dispositivo (com as retificações operadas por despacho de 16-12-2024):
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em conformidade: A) Condeno os RR. COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL S.A. e GABINETE PORTUGUÊS DE CERTIFICADO INTERNACIONAL DE SEGURO a pagar ao A. por danos patrimoniais e não patrimoniais advenientes do sinistro a quantia de 257.046,06€ (duzentos e cinquenta e sete mil cento e quarenta e seis euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa aplicável às operações civis, atualmente fixada em 4%, contados da data da presente decisão até efetivo e integral pagamento. B) Condeno o R. COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL S.A. a pagar INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP a quantia de52.644,63€ (cinquenta e dois mil seiscentos e quarenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa aplicável às operações civis, atualmente fixada em 4%, contados da data da presente decisão até efetivo e integral pagamento. C) Absolvo os RR. do mais peticionado pelo A.”.
Não se conformando com tal decisão, o autor da mesma interpôs recurso, autuado neste Tribunal da Relação de Lisboa em 22-04-2025, pugnando pela sua parcial revogação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1.ª - Tendo em conta o estado físico e clínico em que o recorrente se encontra em consequência do acidente de que foi vítima, com perda total da capacidade do ganho até a idade da reforma, devem os autos ser remetidos para liquidação de sentença tal como requerido, no que toca aos danos patrimoniais; 2.ª – Também nos parece (exíguo) quantum indemnizatório, € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) a título de danos morais, podendo e devendo ser aumentado para 220.000,00 por ser mais adequada e justa essa indemnização 3.ª – O recorrente discorda também do desconto relativo a IRS dos anos de 2011, 2012 e 2013 o qual lhe foi retirado da indemnização arbitrada, quantia essa que já prescreveu, beneficiando-se assim a Seguradora recorrida, cuja entrega daquela importância nem sequer lhe foi ordenada, termos em que deve ser reposta essa quantia; 4.ª – E também, da forma como foi decretada a devolução do dinheiro e a condenação da recorrida a entregar a quantia de 41.620,95€ (quarenta e um mil seiscentos e vinte euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa aplicável às operações civis, atualmente fixada em 4%, contados da data da presente decisão até efetivo e integral pagamento, à segurança social, esta está a receber em duplicado aquilo que lhe é devido 5.ª - Por essa razão, o recorrente também não concorda com a retirada da sua indemnização o montante reclamado nos autos pela Segurança Social, 6.ª - O recorrente desde o final do ano de 2013 passou a receber a reforma por invalidez a que tinha direito, cujo cálculo foi efetuado de acordo com as regras relativas à idade e aos anos de contribuição, e foi apurado apenas no montante de 326,00 euros, que é o que esta a receber, devendo por isso ser reposta essa quantia no cômputo da indemnização; 7.ª Em nossa modesta opinião devem os valores das indemnizações arbitradas a título de danos patrimoniais e não patrimoniais serem efetivamente elevados de acordo com os pedidos formulados pelo recorrente, por os considerar mais adequados e justos, face ao estado de saúde em que ficou o recorrente; 8.ª - A Sentença posta em crise, em momento algum referiu que as indemnizações decretadas tenham sido atualizadas à data da decisão, pelo que em nossa modesta opinião, os juros deverão ser contados desde a data que a recorrente teve conhecimento do pedido cível o qual contestou tempestivamente no processo crime; 9.ª – Requer que os danos futuros sejam apurados na Acão de liquidação de sentença, tal como requerido pelo recorrente, por ficar devidamente protegido no ressarcimento dos danos patrimoniais futuros; 10.ª - E requer ainda que os juros devem ser atribuídos e calculados desde a apresentação da contestação pela recorrida, no pedido cível formulado no processo crime n.º 5286/11.2TDLSB supra indicado, por o recorrente ter sidoremetido para os meios comuns; 11.º - A decisão posta em crise violou entre outras normas, as constantes no art.º 564 n.º 1 e 2 , art.º 566. ° e o art.º 805 n.º 1 e 2 b) e 3 todos do Código Civil Assim, nestes termos e nos melhores em direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento deVossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso: a) Revogando-se a decisão proferida pelo tribunal “a quo” substituindo-se a mesma por outra Decisão que condene os recorridos nos montantes peticionados pelo recorrente e ainda; b) Nos juros de mora peticionados a contar da citação do pedido cível no processo crime n.º 5286/11.2TDLSB o qual a recorrente contestou ou pelo menos desde a citação no processo cível; c) Na não aplicação ao recorrente do pagamento do IRS relativo aqueles anos por já ter prescrito tal obrigação; d) Na anulação da obrigação de o recorrente repor à segurança social o montante que lhe foi deduzido da indemnização global atribuída, estando aquela a receber em duplicado (da Recorrida seguradora e do recorrente) e) E finalmente requer ainda que, sejam também condenados solidariamente os recorridos no pagamento dos danos futuros/lucros cessantes peticionados pelo recorrente a calcular em liquidação de sentença, como requerido;”
O Instituto de Segurança Social apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Foi admitido o recurso interposto, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, as questões a decidir, são as seguintes:
- Admissibilidade da liquidação oficiosa dos danos futuros;
- Valor da indemnização por lucros cessantes;
- Valor da indemnização por danos não patrimoniais;
- Juros de mora.
III – FUNDAMENTAÇÃO
São os seguintes os FACTOS PROVADOS a considerar:
1. Por sentença transitada em julgado, proferida em 09-03-2016, no Proc. nº 5286/11.2TDLSB, que correu termos pelo Secção Criminal da Instância Local de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Noroeste, B foi condenado pela prática em 26-01-2011, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, na pessoa do A., na sequência de acidente de viação ocorrido em Alfragide, Amadora, na Estrada Nacional nº 117, quando circulava conduzindo o veículo de matrícula espanhola 8453 GSF.
2. A responsabilidade infortunística da circulação na via pública do veículo de matrícula 8453 GSF estava, na ocasião do sinistro, transferida para a seguradora “Allianz, Compañia de Seguros y Reaseguros”, com sede em Madrid, Espanha, por meio de contrato titulado pela apólice nº 02611232400000.
3. A “Allianz Compañia de Seguros Y Reaseguros”, tem sede em Espanha, não tem sucursal em Portugal, e a R. companhia de seguros “Allianz Portugal, S.A.” é sua representante de sinistros em Portugal
4. Na sequência do embate, o A. ficou ferido e foi transportado de urgência para o Hospital São Francisco Xavier, onde foi assistido no serviço de urgência, onde permaneceu internado de 26-01-2011 até 04-03-2011 na unidade de cuidados intensivos.
5. O A. apresentava traumatismos múltiplos: traumatismo crânioencefálico com focos de contusão hemorrágicos frontais à direita, traumatismo torácico com fratura do terço médio do esterno, múltiplas fraturas dos arcos das costas bilaterais, clavícula esquerda, omoplata bilateral, hemopneumotórax bilateral e contusão pulmonar, traumatismo abdominal com hematoma retroperitoneal e contusão isquémica do rim esquerdo e ainda avulsão do troquiter à direita. Esteve ventilado mecanicamente durante 37 dias, sendo extubado com sucesso a 03/03/2011 e foi sujeito a drenagem torácica de pneumotórax direito nos primeiros cinco dias de internamento. Foi ainda drenado derrame torácico à esquerda no dia 22/02/2011. Apresentou escara na região occipital com boa cicatrização posterior. Realizou curso de antibioterpia empírica, não sendo documentada nenhuma infeção durante internamento. Iniciou ainda programa de fisioterapia. Por não necessitar de cuidados intensivos foi transferido para o hospital da área de residência.
Foi transferido para CHLC no dia 04/03/2011, onde ficou internado no serviço de Neurocirurgia. Apresentava tetraparesia de predomínio esquerdo. Foi submetido a TC-CE de controlo que revelou coleções subdurais bifrontais com discreto efeito de massa sobre o parênquima cerebral. Realizou programa de reabilitação, verificando-se melhoria paulatina e franca do ponto de vista clínico/neurológico. Realizou RM CE que revelou melhoria franca, com diminuição das coleções subdurais, razão pela qual optou-se para não efetuar tratamento cirúrgico. Tece alta hospitalar no dia 04/05/2011, com indicação para continuar a fazer fisioterapia no referido Centro Hospitalar e efetuar medicação prescrita, orientado para a consulta de Neurocirurgia;
6. O A. foi seguido na consulta externa de neurocirurgia desde 03/06/2011 pelo Dr. C na sequência de um internamento após politraumatismo com traumatismo crânio-encefálico, tendo sido submetido a trepanação para drenagem de higroma frontal bilateral. Do que consta em registos da consulta externa de neurocirurgia, o doente apresentou melhoria motora e cognitiva significativa. Realizou TC-CE seriadas onde descrevem uma melhoria imagiológica progressiva;
7. O autor foi transferido para CHLC no dia 04/03/2011, onde ficou internado no serviço de neurociorurgia. Apresentava tetraparesia de predomínio esquerdo. Foi submetido a TC-CE de controlo que revelou coleções subdurais bifrontais com discreto efeito de massa sobre o parênquima cerebral. Realizou programa de reabilitação, verificando-se melhoria paulatina e franca do ponto de vista clínico/neurológico. Realizou RM CE que revelou melhoria franca, com diminuição das coleções subdurais, razão pela qual optou-se para não efetuar tratamento cirúrgico. Teve alta hospitalar no dia 04/05/2011, com indicação para continuar a fazer fisioterapia no referido Centro Hospitalar e efetuar medicação prescrita, orientado para a consulta de Neurocirurgia;
8 – O A. foi seguido na Consulta de Medicina Física e de Reabilitação do Polo do Hospital de Santo António dos Capuchos do Serviço de MFR do CHUL entre 06/05/2011 e 01/06/2012 após internamento hospitalar no serviço de Neurocirurgia do HSAC por politraumatismo no contexto de acidente ocorrido a 26/1/2011. Não existem registos informáticos das consultas efetivadas durante o período de seguimento na consulta, nem foi possível obter os registos originais em papel ou digitalizações dos mesmos (por não terem sido efetuadas). O polo HSAC do serviço de MFR do reestruturado em 2017 e a consulta externa transferida para o polo HCC;
9 – O A, esteve presente em consulta de ortopedia no CHLC no dia 21/03/2018: “Observado pela 1ª vez em setembro de 2011 (09/09/2011) por amalgia direita com limitação do arco de movimento. RX com calcificação articular exuberante o que é também sugerido pela ECO. Mantém indicação para realizar fisiatria. Da consulta de 26/03/2012 retira-se que o doente refere melhoria clínica, mantém indicação para fisioterapia. Tendo alta da consulta externa.”;
10. O A. é destro e apresenta, como sequelas das lesões sofridas no acidente de viação referido no ponto 1.:
10.1. Marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas – duas canadianas.
10.2. Consegue efetuar marcha sem apoio de curta distância, no plano horizontal, muito lentamente, aumentando a intensidade da claudicação.
10.3. Apresenta quadro de tetraparésia ligeira a moderada mais evidente no membro inferior direito; síndrome neuropsicológico pós-traumático com diminuição cognitiva; encurtamento do membro inferior direito de cerca de 28 mm e marcadas alterações degenerativas ao nível dos joelhos em relação com gonartrose bilateral e deformação em varus do membro inferior direito.
10.4. O A. apresenta ainda as seguintes sequelas das lesões advenientes do referido acidente de viação:
Crânio: cicatriz nacarada, com área de alopecia subjacente, nas regiões parietal e frontal à esquerda, com 13 cms de comprimento por 1,5 cm de largura máxima;
Pescoço: duas cicatrizes nacaradas, quase inaparentes, na região cervical lateral direita, a maior com 0,5 cm de comprimento e a menor com 0,3 cm de comprimento;
Ráquis e Bacia: lateralização da coluna cervical, aproximadamente de 30º bilateralmente, sem dor à apalpação das apófises espinhosas, sem contratura dos músculos paravertebrais ao longo de toda a coluna vertebral; massa mole e indolor à palpação, imóvel sob os planos superficiais, traduzindo uma deformação e assimetria da região sagrada, região nadegueira e anca esquerda; bacia assimétrica, mais baixa à direita; Índice de Shober de 10/13 cm, dificuldade em instabilidade por posição vertical sem apoio;
Tórax: Cicatriz nacarada, com vestígios de pontos, no terço superior da face anterior do hemitórax, com 3 cms de comprimento; cicatriz acastanhada com vestígios de pontos no terço superior da face lateral do hemitórax direito com 2,5 cmsx1cm; cicatriz acastanhada, com vestígios de pontos no terço superior da face lateral do hemitórax esquerdo, com 2,5 cmx1cm; ligeiros subjetivos dolorosos à compressão torácica antero posterior, a nível do terço distal do esterno; ângulo esternal pronunciado e apêndice xifoide com vértice acentuado, evidente à distância íntima;
Abdómen: cicatriz linear longitudinal, mediana, com vestígios de pontos de sutura com 5,5 cm de comprimento, que relaciona com cirurgia a hérnia umbilical, efetuada antes do evento em apreço;
Membro superior direito: Vestígio cicatricial quase inaparente, no terço médio da face posterior do antebraço, com 2 cms de comprimento; dois vestígios cicatriciais, quase inaparentes, na face dorsal da mão, o maior a nível da articulação metacarpofalângica do 2º dedo, com 0,3 cm de diâmetro, e o menor a nível da articulação matacarpofalâncica do 3º dedo, com 0,1 cm de diâmetro; vestígio cicatricial quase inaparente na face dorsal da falange proximal do 2º dedo, com 0,5 cm de diâmetro; Múltiplas massa arredondadas, bem limitadas, de consistência elástica, a nível do cotovelo, com cerca de 0,5 cm de diâmetro cada; Força muscular mantida e simétrica contra resistência; Contratura muscular do supra-espinhoso bilateralmente; Crepitação à mobilização do ombro; mobilidades do ombro: abdução de 90º, antepulsão de 125º; retropulsão de 45º; rotação externa de 45º e rotação interna de 90º; movimentos conjugados: consegue levar a mão à região lombar, tendo grandes dificuldades em levar a mão à nuca; Mobilidade do cotovelo mantida e não dolorosa;
Membro superior esquerdo: Deformação dura do terço externo da clavícula dolorosa à palpação, sugestiva de calo ósseo; Múltiplas massas arredondadas, bem limitadas, de consistência elástica, a nível do cotovelo, com cerca de 0,5 cm de diâmetro cada; Mobilidades do ombro: abdução de 90º, antepulsão 130º, retropulsão 45º, rotação externa 45º e rotação interna 90º; movimentos conjugados: consegue levar a mão à região lombar, tendo grandes dificuldades em levar a mão à nuca; Sem alterações de mobilidade do cotovelo; Mobilidades do punho: flexão 80º, extensão 90º, sem alterações na lateralização ou prono-supinação;
Membros inferiores: cicatriz nacarada, no terço distal da face lateral da coxa direita, oblíqua infero-anteriormente, com 3 cm de comprimento; vestígio cicatricial, quase inaparente, na face anterior do joelho direito, com 2 cmv0,5cm de maiores eixos; mobilidades da articulação coxo-femoral mantidas, mas dolorosas nos últimos graus; dismetria dos membros inferiores (89 cm à direita e 90 cm à esquerda), medida desde espinha ilíaca ântero-superior ao maléolo interno do pé); ligeira rigidez do joelho direito no movimento da extensão (-10º), com crepitação grosseira associada bilateralmente; ligeira rigidez da articulação tibiotársica direita no movimento de dorsiflexão (-5º), com crepitação grosseira associada bilateralmente; articulação interfalângica proximal dos dedos do pé direito com anquilose em flexão (D2 a D5); hiposensibilidade da face dorsal do pé direito.
11. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 16-10-2023.
12. O A. apresenta as seguintes queixas:
- Posturas, deslocamentos e transferências: dificuldade na locomoção, necessitando de apoio de duas canadianas, por falta de equilíbrio, pois tem dormência/hipostesia no bordo interno do pé direito e face ântero-interna do membro inferior direito, bem como por encurtamento do membro inferior direito; consegue andar sem parar durante cerca de 30 m; esporadicamente usa apenas uma canadiana, p. ex. no terreno plano, no domicílio; nunca voltou a conduzir o seu veículo ligeiro; dificuldade em descer e predominantemente subir as escadas;
- Cognição e afetividade: diminuição de memória, necessitando de “repetir várias vezes a mesma coisa”;
- Manipulação e preensão: refere dormência no bordo interno da mão e do punho direitos, não conseguindo fechar a mão totalmente, tendo limitação em tarefas que requeiram este movimento (transportar os objetos);
- Fenómenos dolorosos: ligeiros a moderados nos ombros, descrevendo como “rato a roer” constantes, necessitando de recorrer a medicação analgésica em SOS, agravados com temperaturas mais baixas e com movimentos; a nível do apêndice xifóide e faces laterais de vários arcos costais, esporádicos, não conseguindo dormir em decúbito ventral e laterais; dor na bacia e região lombar esquerda, não conseguindo permanecer durante logos períodos do tempo sentado;
- Outras queixas a nível funcional: consegue dormir apenas em decúbito dorsal, por dor nos ombros, a nível dos arcos costas costais e apêndice xifoide;
- Atos da vida diária: dificuldade em tomar banho, pois tem banheira, necessitando de ajuda da sua esposa para entrar e sair da banheira; dificuldade em lavar as suas costas e os pés, por limitação dos ombros e desequilíbrio; dificuldade em transportar objetos com peso superior a 5 kg;
13 O A. sofreu:
- Défice funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado entre 26/01/2011 e 04/05/2011, sendo assim fixável num período de 99 dias;
- Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre os dias 05/05/2011 e 16/10/2013, sendo assim fixável num período total de 896 dias;
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 26/01/2011 e 16/19/2013, sendo assim fixável num período total de 995 dias;
- Quantum Doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a data da cura ou consolidação das lesões): fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, os tratamentos efetuados, o período de recuperação funcional, bem como o sofrimento psíquico certamente vivenciado;
14. O A. apresenta em consequência do sinistro:
- Quadro de tetraparésia ligeira a moderada (força grau 4/5) mais acentuado no membro inferior direito, enquadrável em Na0106;
- Síndrome neuropsicológico pós-traumático com diminuição cognitiva nomeadamente de memória, enquadrável em Na0405;
- Dores pós fraturários de arcos costais e esterno, enquadrável em MF1404;
- Quadro de limitação funcional e dolorosa do ombro esquerdo, após fratura da clavícula e omoplata, enquadrável por analogia em Mf1201;
15. O A. apresenta desvalorização correspondente a de 58 pontos percentuais.
16. As sequelas são incompatíveis com o exercício da profissão habitual de taxista e de qualquer outra dentro da área de preparação técnico profissional do A..
17. O A. sofre de dano estético permanente de grau seis em sete pontos de gravidade crescente, atentas as características morfológicas das cicatrizes que apresenta, a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas e a deformação clavicular.
18. O A. tem uma repercussão permanente das atividades desportivas e de lazer de cinco graus em sete de pontos de gravidade crescente, por ter abandonado a prática desportiva.
19. O A. tem dependência permanente das seguintes ajudas:
19.1. Medicação esporádica com analgésicos;
19.2. Duas canadianas;
19.3. Adaptação da casa de banho com substituição da banheira por poliban.
19.4. Ajuda de terceira pessoa não especializada e parcial de cerca de 4-5 horas por semana na realização de compras e higiene pessoal parcial.
20. À data do sinistro o A. tinha 52 anos.
21. O A. gastou:
21.1. Em medicação, entre 05-07-2011 e 28-10-2013, a quantia de 54,00€;
21.2. Em consulta e exame Rx tórax, de 20-09-2011, a quantia de 4,05€;
21.3. Em cópia do auto de participação do acidente, a quantia de 55,00€.
22. À data do sinistro o A. exercia em exclusivo a profissão de motorista de táxi, por conta de outrem, e auferia em média mensalmente cerca de 2.000,00€, sem impostos.
23. O A. é pensionista por invalidez desde 13-12-2011.
24. Em 08-03-2024 foi fixada a incapacidade permanente global definitiva do A. em 65% por Junta Médica do Sistema Nacional de Saúde.
25. O Instituto da Segurança Social, I.P. pagou ao A. a quantia total de 67.456,42€, sendo:
25.1. 58.501,91€ a título de pensões entre 13-12-2011 e 30-04-2024; e
25.2. 8.954,51€ a título de complemento por dependência do 1º Grau, relativo ao período de 01-08-2017 a 30-04-2024.
26. O Instituto da Segurança Social, I.P. foi reembolsado pela R. seguradora em fevereiro de 2015, da quantia de 14.811,79€, correspondente ao período entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2014.
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E são os seguintes os FACTOS NÃO PROVADOS:
a. O A. esteve 35 dias de coma.
b. O A. pagou ao Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Epe. a quantia de 3.229,43€, referente à assistência que lhe foi prestada no Hospital são Francisco de Xavier de 26-01-2011 a 04-03-2011.
c. O A. pagou ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, Epe a quantia total de 1.646,80€, referente a taxas moderadoras de 01-07-2006 a 01-06-2012.
d. O A. teve gastos com deslocações de cerca de 1.000,00€ (mil euros).
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Compulsada a petição inicial e o requerimento de ampliação do pedido apresentado pelo autor, verificam-se que foram os seguintes os pedidos formulados:
- Quantias indemnizatórias de € 134.803,22, a título de danos patrimoniais (aí incluindo as parcelas de € 5.003,22, relativa a despesas com medicação, taxas moderadoras hospitalares, consultas, fisioterapia e pedido de cópia de participação do acidente - cfr. artigo 63º da petição inicial -, e de € 129.800,00 por incapacidade para o trabalho, até à data da interposição da ação – cfr. artigos 65º a 58º da petição inicial);
- Proveitos mensais que se vencerem na pendência da presente ação, a contar de janeiro de 2016 até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral pagamento;
- € 250.000,00 a título de danos não patrimoniais;
- Danos futuros/lucros cessantes relativos a rendimentos que deixou de auferir desde o trânsito em julgado da decisão até à idade da reforma, a liquidar ulteriormente.
O pedido líquido do autor, relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do sinistro, cifra-se, pois, no total de € 384.803,22, a que acresce o pedido ilíquido.
A sentença recorrida atribuiu ao autor os seguintes valores/parcelas indemnizatórios:
- € 90.000,00 (a título de perda de capacidade de ganho);
- € 58,05 (medicamentos, exame de RX);
- € 54.444,43 (lucros cessantes/perda de rendimentos);
- € 180.000,00 (danos não patrimoniais).
Ao valor global de indemnização arbitrado - € 324.502,48 - foi abatido o valor já recebido pelo autor do Instituto da Segurança Social de € 67.456,42, fixando-se a indemnização final em € 257.046,06.
O direito indemnizatório que o autor invoca nos presentes autos fundamenta-se no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos, prevista nos artigos 483º e ss do Código Civil.
Sendo complexa a causa de pedir nas ações que visam efetivar a responsabilidade civil por factos ilícitos, os seus pressupostos mostram-se consagrados no artigo 483º, nº 1, do CC, sendo constituídos por um facto, ilícito, subjetivamente imputável ao lesante (culpa), pelo dano, impondo-se ainda a afirmação de um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Só a reunião destes elementos poderá, pois, constituir o lesante na obrigação de indemnizar o lesado.
Resultam dos factos assentes todos os elencados pressupostos para efetivação do direito indemnizatório invocado pelo autor tendo por base o regime da responsabilidade civil por factos ilícitos, que não foi impugnado pelos réus que, aliás, declararam aceitar a responsabilidade civil do segurado (na congénere Espanhola da ré Companhia de Seguros Allianz) pela produção dos danos sofridos pelo autor.
A controvérsia radica, pois, no concreto montante do direito de crédito à indemnização a atribuir ao autor. Indemnização essa que será suportada pela ré, Companhia de seguros Allianz, por funcionamento do contrato de seguro (celebrado com a sua congénere espanhola), e subsidiariamente pelo réu Gabinete Português de Carta Verde – cfr. artigos 4º, 6º, 10º, 11º nº1, alínea a), 32º, 67º e 90ºda Lei do Seguro Obrigatório (Dl 291/2007, de 21 de agosto).
Haverá, assim, que determinar, nos termos expostos, quais os danos indemnizáveis, tendo presente a disciplina do artigo 566º CC, segundo a qual sempre que a reconstituição natural não seja possível (o que sucede in casu), o dano deve ser fixado em dinheiro, ponderando a diferença que existe entre a situação real do lesado e a que existiria se não tivesse ocorrido a lesão.
Este expediente indemnizatório apresenta como medida a diferença entre a situação real em que se encontra o património do lesado e a situação hipotética atual em que o mesmo se encontraria caso tal evento lesivo não tivesse ocorrido (teoria da diferença, consagrada legalmente no artigo 566º, nº 2, CC). E tal aferição deve reportar-se ao momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal.
Iniciando a análise dos pedidos do autor (controvertidos em sede de recurso) pela vertente patrimonial, salienta-se que se caraterizam pela sua suscetibilidade de avaliação pecuniária. E como tal devem considerar-se quer os prejuízos causados nos direitos ou bens do lesado à data da lesão - danos emergentes -, quer os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão - lucros cessantes, em consonância com o disposto no artigo 564º, nº1 CC.
A obrigação de indemnização que impende sobre o lesado tem como fim essencial, nos termos do artigo 562º, nº1 CC, a reconstituição da situação que existiria se o dano não se tivesse verificado.
A primeira discordância do autor radica na fixação da indemnização a título de danos patrimoniais, na vertente do dano futuro, considerando, para o efeito, que os autos deveriam ser remetidos para liquidação: “Tendo em conta o estado físico e clínico em que o recorrente se encontra em consequência do acidente de que foi vítima, com perda total da capacidade do ganho até à idade da reforma” (Conclusão 1, das alegações de recurso).
A apreciação de tal fundamento recursório implica, desde logo, uma análise detalhada dos pedidos formulados pelo autor.
Percorrendo a petição inicial, verifica-se que nos artigos 65º a 68º daquele articulado, o autor descreve a sua atividade profissional e os rendimentos que gerava, concluindo que desde a data do acidente deixou de auferir até à data da interposição da ação a quantia de € 129.800,00. Como resulta dos seus próprios termos, o pedido de atribuição daquela parcela indemnizatória que formulou reporta-se a dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes (benefícios patrimoniais que deixou de obter em consequência do facto ilícito até à data da interposição da ação).
Já nos artigos 109º e ss da petição inicial, o autor alude aos “danos patrimoniaisfuturos/lucroscessantes”, solicitando a fixação da correspondente indemnização em liquidação de sentença.
Ou seja, o autor não liquidou o pedido indemnizatório relativo a danos futuros (salientando-se que devem aqui ser abrangidos os pedidos formulados pelo autor quer na alínea b, quer na alínea d da petição inicial, pois trata-se em ambos os casos de pedidos genéricos relativos a danos patrimoniais futuros no momento da propositura da ação, devendo assim ter tratamento unitário).
Não obstante, na decisão recorrida, a tal propósito, consignou-se:
“A) DANOS EMERGENTES 1. DANOS CORPORAIS, DANO BIOLÓGICO OBJECTIVO, DANOS FUTUROS Está em causa a diminuição da capacidade futura de ganho em função do dano biológico adveniente do acidente causador de incapacidade permanente. Na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, maxime do Supremo Tribunal de Justiça, mostra-se consolidado o entendimento de que a limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz a incapacidade é apta a provocar, no lesado, danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (de que são exemplo os acórdãos do STJ de 28-01-2016, Proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1, e de 04-06-2015, Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1.) Como se referiu no ac. do STJ de 26-01-2017 (proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt): “havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.”. Para além de danos de natureza não patrimonial, a afetação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é suscetível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas atividades. Cumpre ponderar, tendo presente que: - O défice funcional permanente é de 58%, o qual não possibilita ao A. exercer a sua atividade profissional de taxista, nem qualquer outra compatível com a sua formação. -A idade do A. (tinha 52 anos, à data do acidente); - A redução do capital em resultado da sua entrega antecipada, para que o valor encontrado corresponda a um capital (produtor de rendimento) que tendencialmente se extinga no final do período provável de vida deste – a que corresponderá uma dedução entre 1/3 e 1/4. Tudo ponderado o tribunal fixa a indemnização por perda da capacidade de ganho no valor de 90.000,00€ (noventa mil euros).”
Assim, embora o autor não tenha liquidado o pedido quanto a danos futuros (alíneas b e d do pedido), este foi objeto de liquidação pelo tribunal recorrido, decisão que o recorrente pretende reverter, por forma a que o montante respetivo seja liquidado ulteriormente.
Com relevo nesta matéria, dispõe o artigo 569º, CC, sob a epígrafe “Indicação do montante dos danos”: “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da ação, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”
A propósito deste dispositivo, referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, Vol I, 4ª edição, pág.s 586 e 587), que o mesmo deve ser observado na fixação da indemnização em dinheiro, regulada no artigo 566º, nº 2, CC e ainda que: “São duas as regras aqui fixadas que se completam. Por um lado, havendo dúvidas quanto à importância da indemnização (…) pode a vítima deixar de pedir na ação o montante exato desta. Por outro lado, fixado o montante na petição, se surgirem dados que não tinham sido previstos (…) pode reclamar-se no decurso da ação quantia mais elevada”.
Também com relevo nesta matéria, haverá que atender à norma relativa aos “Limites da condenação” consagrada no artigo 609º. CPC estabelecendo o seu nº 1, a proibição de condenação “em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”. Já o nº 2 desta mesma norma dispõe: “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo na condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Interessa, assim, reiterar que o autor deduziu não apenas um pedido líquido (no valor total de € 384.803,22, após ampliação), mas também um pedido ilíquido reportado aos danos futuros/perda de capacidade de ganho. E ao fazê-lo, baseando-se na alegação dos artigos 109º e ss da petição inicial, não indicou qualquer valor. O certo é que a liquidação oficiosa de tal pedido genérico pelo tribunal mereceu a sua oposição, importando decidir se deve persistir.
Sobre esta matéria, pronunciou-se Miguel Teixeira de Sousa (Blog do IPPC Instituto Português de Processo Civil, disponível online em https://blogippc.blogspot.com/2015/03/pedido-generico-condenacao-generica-e.html) nos seguintes termos: “se o autor formular um pedido genérico no âmbito de uma ação de responsabilidade civil, pode perguntar-se se o tribunal da ação declarativa, fazendo uso do disposto no art.º 566º, n.º 3, CC, pode vir a condenar o réu numa quantia líquida (ou, mais em concreto, na quantia que o tribunal apure segundo um critério de equidade). A resposta parecer ter de ser negativa pelas seguintes razões: – O art.º 566.º, n.º 3, CC destina-se a resolver um non liquet sobre o montante da indemnização em dinheiro, não a permitir uma disparidade entre o pedido genérico do autor e a condenação líquida pelo tribunal; é, aliás, esta a diferença entre o art.º 566.º, n.º 3, CC e o art.º 609.º, n.º 2, CPC; – Quando o autor formula um pedido genérico numa ação de responsabilidade civil, não tem o ónus de alegar os factos que permitam a quantificação dos danos e da correspondente indemnização: é o que resulta do disposto no art.º 569.º CC; logo, não é sequer possível que na ação pendente se verifique um non liquet sobre o montante da indemnização, pois que este montante não constitui objeto da causa e, por isso, não pode vir a tornar-se tema da prova; – Por fim, a aplicação do disposto no art.º 566.º, n.º 3, CC e a determinação do montante da indemnização segundo um critério de equidade pelo tribunal da ação traduzir-se-iam numa penalização do autor, dado que esta parte ficaria impossibilitada de, numa liquidação posterior, demonstrar, com base em factos não alegados na ação, o real montante dos danos e a quantia exata da correspondente indemnização”.
No mesmo sentido, no Acórdão da Relação do Porto de 23-09-2019 (Proferido no processo nº 68/17.0T8AVR.P1, disponível em www.dgsi.pt) decidiu-se que “se o Autor deduzir um pedido genérico, a coberto do preceituado artigo 556.º, n.º 1, al. b) do CPCivil, e não procedendo à sua liquidação no decurso da ação declarativa em momento prévio à sentença, o tribunal não pode proceder a uma condenação líquida, até por desconhecer o limite do pedido que o Autor deduziria se formulasse pedido concreto. Terá, nesse caso, de remeter para posterior liquidação o valor de tal pedido, a efetuar nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do CPCivil. Portanto, a condenação ilíquida, se não pedida, pode surgir “ex officio”, mas não é possível a situação inversa, sob pena de comissão da nulidade da alínea e) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil”. Ainda neste aresto, refere-se acertadamente que “não tendo os referidos danos sido objeto de liquidação, o tribunal não se podia substituir aos próprios Autores e fixar, sem qualquer base de referência líquida (pelos interessados), o valor das respetivos montantes” e “a defender-se o contrário, teríamos que, deduzido pedido genérico, sempre poderia o tribunal condenar em qualquer valor, o que não é admissível”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07-2009 (proferido no processo nº 630-A/1996.S1, disponível em www.dgsi.pt) consignou-se que: “A liquidação em execução de sentença é um incidente da instância declarativa com estreita e indissociável ligação à ação onde se reconheceu a existência do crédito, sem que se tivesse conseguido quantificá-lo, ou por não ter sido possível, ou porque, desde logo, o Autor formulou um pedido ilíquido ou genérico”.
Ainda neste sentido, veja-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2006 e da Relação de Lisboa de 20-01-2004 (proferidos, respetivamente nos processos nº 06A4115 e nº 7544/2004-6, disponíveis em www.dgsi.pt). No primeiro destes acórdãos, assumiu-se entendimento similar sumariado nos seguintes termos: “Formulado um pedido genérico por a demandante entender que o "quantum" indemnizatório deve ser relegado para execução de sentença, o tribunal não pode proceder a uma condenação líquida, até por desconhecer o teto do pedido que o Autor deduziria se formulasse pedido concreto.” No segundo acórdão, com referência às normas do CPC então vigente, defendeu-se que: “Formulado pedido genérico (ilíquido), para se obter a condenação em indemnização fixa, haverá que previamente proceder à liquidação (art.º 471 nº 2), o que poderá ocorrer na própria ação, mediante o incidente previsto no art.º 378 CPC ou no caso da 2ª parte do art.º 569 CC, mediante ampliação do pedido”.
E se bem se atentar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2021 (Proferido no processo nº 4335/16.2T8BRG.G1.S1., disponível em www.dgsi.pt), aí se menciona que “o princípio do dispositivo não constitui obstáculo a que o juiz, confrontado com um pedido genericamente formulado, o concretize na decisão condenatória, estribado nos dados fornecidos pelo processo até ao momento do encerramento da discussão, incluindo os factos instrumentais que resultem da instrução da causa”, mas condiciona essa atividade oficiosa ao acatamento dos “limites da condenação impostos pelo art.º 609º do CPC”.
Ora, no caso em apreço, o autor não indicou (nem foi convidado para o fazer) qualquer valor para o seu pedido genérico, pelo que o tribunal recorrido não poderia garantir que o valor que fixou se compreenderia nos limites do princípio do pedido. Aliás, embora não correspondendo à configuração atribuída pelo autor/recorrente ao fundamento de recurso ora em apreciação, julgamos que a liquidação oficiosa desse pedido ilíquido constitui, na prática, uma decisão surpresa, relativamente à qual as partes não se puderam pronunciar.
Afigura-se, por isso, que se impunha a liquidação ulterior de tal dano, nos termos do disposto no artigo 358º, nº 2, CPC, dado que tal incidente não está reservado apenas para as situações em que no decurso da ação não se logrou proceder à sua quantificação mas também para os casos em que o autor formulou um pedido genérico que nunca liquidou até à decisão final. Desta forma, entendemos que estava vedado ao tribunal recorrido proceder à liquidação sem ter convidado o autor a liquidar o pedido genérico, com o posterior contraditório.
E certo é que o autor, em conformidade com os termos do pedido formulado, reiterou que deve ser remetido para liquidação de sentença o cálculo do pedido indemnizatório relativo a danos patrimoniais futuros (alíneas b) e d) do pedido).
Em conformidade, conclui-se, nesta parte, pela procedência do recurso, revogando-se a decisão no que se reporta à fixação dos danos corporais/dano biológico na vertente patrimonial, no montante de € 90.000,00, determinando-se a sua definição em liquidação ulterior (alíneas b) e d) do pedido).
Por outro lado, o recorrente discorda do desconto relativo a IRS dos anos de 2011, 2012 e 2013.
Tal divergência inscreve-se na fixação da indemnização relativa a lucros cessantes/perda de rendimento verificados antes da interposição da ação, cujo montante global o autor não aceita e impugna. A tal propósito, consignou-se na fundamentação da decisão recorrida:
“(…) Consubstanciam benefícios que o A. deixou de ter por causa da lesão, os rendimentos do trabalho que deixou de ter por estar naquele período impedido de trabalhar. A remuneração diária do A. corresponde a 66,66€ (2.000,00€:30 dias). Provou-se que o A. esteve sem trabalhar durante 995 dias, sendo 11 meses e 4 dias do ano de 2011, 12 meses do ano de 2012 e 9 meses e 16 dias do ano de dias do ano de 2013, ou seja 32 meses e 20 dias. A quantia ascende assim a 65.333,20€, [(32 meses x 2.000,00€ = 64.000,00€) + (20 dias x 66,66€ = 1.333,20€]. Porque o valor acima referido é ilíquido, cumpre recorrer à equidade, com vista a determinar, ainda que por aproximação, o valor líquido de tais rendimentos que o A. deixou de receber por ter tido o acidente. Assim sendo, considerar-se-á a taxa de IRS aplicável ao referido rendimento bruto, correspondente a um rendimento anual de 20.000,00€. O A. integraria o escalão de IRS correspondente a um Rendimento coletável anual de mais de 16.472,00€ a 21.321,00€ euros, correspondente à taxa normal de 25% com o que se obtém a quantia de 54.444,43€ (cinquenta e quatro mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos). Temos assim que, pelo período em que esteve sem trabalhar, por força das lesões sofridas no acidente de viação, o A. deixou de receber a quantia de 54.444,43€ (cinquenta e quatro mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos), em cujo pagamento vão os RR. Condenados”.
Ora, salvo o devido respeito, a decisão recorrida incorre em vários equívocos que inquinaram, nesta parte, a correção do montante indemnizatório do dano em questão.
Como acima se referiu, o dano em questão é patrimonial, já verificado (no momento da propositura da ação), e relativo a valores retributivos que o autor deixou de auferir por causa da incapacidade derivada do acidente (lucro cessante).
Tendo em perspetiva o pedido formulado (alínea a) do pedido), enunciam-se os seguintes factos nucleares:
- O autor exercia, por conta de outrem, a profissão de motorista de táxi, auferindo mensalmente, em média, “cerca de € 2.000, sem impostos” (expressão equívoca, mas que deverá ser interpretada como montante ilíquido, em face do referido na fundamentação da sentença);
- O autor não pode exercer a sua profissão, e assim auferir rendimentos do trabalho, no período em questão (alínea a do pedido): de 26 de janeiro de 2011 (data do acidente) a final de dezembro de 2015 (data fixada no pedido do autor), ou seja, 4 anos, 11 meses e 5 dias.
Assim, não tendo sido possível apurar um valor remuneratório certo, urge lançar mão do dispositivo do artigo 566º, nº 3, do Código Civil: Não sendo possível determinar o valor exato do dano, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Desta forma, sendo o autor trabalhador por conta de outrem, teria então direito a receber anualmente 14 remunerações mensais, uma por cada mês de trabalho efetivo, mais a remuneração do período de férias e respetivo subsídio de férias, e ainda o chamado “13º mês” ou “subsídio de Natal” (artigos 237º, nº 1, 263º, nº 1, e 264º, nº 1 e 2, do Código do Trabalho). Por conseguinte, multiplicando o valor mensal apurado (€ 2.000) por 14 prestações, obtemos o salário anual total: € 28.000; dividindo este valor por 12 meses, obtemos o salário mensal: € 2.333,33; e dividindo este valor por 30 dias, obtemos o salário diário: € 77,77. Aplicando estes valores ao período acima mencionado em que o autor esteve impedido de trabalhar (alínea a do pedido), atinge-se o valor indemnizatório total deste dano: € 138.055,48.
Este valor indemnizatório, caso fosse calculado com base em rendimentos líquidos, não deveria ser objeto de qualquer desconto de IRS, uma vez que, como decorre do artigo 12º, nº 1, alínea b), do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Lei 82-E/2014, de 31-12): “o IRS não incide, salvo quanto às prestações previstas no regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, alterado pelas Leis nº 59/2008, de 11 de setembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 11/2014, de 6 de março, sobre as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, pagas ou atribuídas, nelas se incluindo as pensões e indemnizações auferidas em resultado do cumprimento do serviço militar, as atribuídas ao abrigo do artigo 127.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, e as pensões de preço de sangue, bem como a transmissão ao cônjuge ou unido de facto sobrevivo de pensão de deficiente militar auferida ao abrigo do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 240/98, de 7 de agosto: (…) ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente”.
Acresce que o valor final de I.R.S. pago por cada contribuinte depende de vários fatores além do valor do rendimento do trabalho: outros rendimentos, número de sujeitos ativos e dependentes do agregado familiar, estado civil, eventuais deduções e despesas dedutíveis, etc. Fatores estes que não constam da factualidade provada, nem sequer foram alegados e/ou averiguados pela primeira instância.
Daí que não seja juridicamente correto o desconto direto de uma taxa de I.R.S. no valor da indemnização por este dano.
Todavia, importa não esquecer que este valor é ilíquido, não podendo o autor receber indemnização superior ao dano que efetivamente sofreu, sendo certo que os valores remuneratórios deverão ser líquidos, ou seja, não conter as parcelas que o autor nunca receberia mesmo que estivesse a trabalhar, sem lesão: retenção (na fonte) de I.R.S. Por isso, importa proceder, não ao desconto do valor do I.R.S., mas à redução equitativa do montante indemnizatório, de molde a garantir o respeito pela norma do artigo 566º, nº 2, do Código Civil (teoria da diferença).
Desta forma, ponderando, como fator de enquadramento, a taxa de I.R.S. para o ano em curso (em que se encontra a ser calculada a indemnização, como decorre do artigo 566º, nº 2, do C.C. – “na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal”), de 17,5% e a certeza que não sabemos a situação fiscal completa do autor (desconhecendo-se que abatimentos e deduções deveriam ser feitos no rendimento coletável), opta-se pelo desconto equitativo daquela fração (17.5%). Assim, o valor da indemnização relativa a lucros cessantes no referido período deverá fixar-se na quantia de € 113.895,77 (€ 138.055,48 x 82,5%).
Nesta parte, portanto, procede parcialmente o recurso interposto, devendo a indemnização deste dano ser equitativamente fixada no montante global de € 113.895,77.
Considerou o autor exígua a quantia indemnizatória de € 180.000,00 fixada a título de danos morais, defendendo que deve ser fixada em € 220.000,00.
Dispõe o artigo 496º, nº 1, CC: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. (…) 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”.
Mostrando-se impossível a reparação/restauração (natural) de tais danos, o seu ressarcimento só poderá ocorrer por via da indemnização/compensação em dinheiro (cfr. art.º 566º, nº. 1).
Na verdade, e como afirma Pinto Monteiro (Revista Jurídica Portucalense, Porto 2021, A Tutela dos Direitos de Personalidade no Código Civil, www.upt.pt) os danos não patrimoniais, em rigor, não são suscetíveis de ser avaliados em dinheiro. Refere este autor (ob. cit. pág. 19) que: “(…) o dinheiro que o tribunal atribui ao lesado não visa,em rigor, indemnizá-lo, isto é, torná-lo indemne, sem dano, antes visa compensar o lesado: compensa-se uma dor, um sofrimento, um vexame, com uma alegria ou satisfação a proporcionar ao lesado através de uma soma em dinheiro; este permitir-lhe-á satisfazer interesses de vária ordem, até de ordem espiritual ou ideal, que poderão contrabalançar aquelas dores ou sofrimentos(…)”.
Subjacente à fixação da indemnização por danos não patrimoniais estão juízos de equidade, com ponderação da culpa do lesante e das demais circunstâncias do caso, nos termos do nº 3 do artigo 496º e 494º, CPC. Deverá ainda atender-se a decisões judiciais proferidas em casos similares, por forma a “(…) obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, sem que tal signifique proceder a uma mera “(…) transposição numérica de valores”, dada a essencialidade de “(…) ponderação do caso concreto” – cfr. artigo 8º nº 3, CC; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2025 (proferido no processo nº 2073/20.0T8VFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-02-2025 (proferido no processo nº 2707/22.2T8VRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Julgamos ainda ser de salientar que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reconhecer a necessidade de atribuir indemnizações relevantes por danos não patrimoniais, salientando-se o acórdão daquele tribunal de 15-04-2009 (proferido no processo 08P3704, disponível em www.dgsi.pt) que consignou: “(…) a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de compensação, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios”.
Ora, analisando os danos não patrimoniais sofridos pelo autor, descritos na factualidade provada e ponderados na sentença recorrida, julgamos que assumem gravidade suficiente para merecerem tutela jurídica.
De facto, e evidenciando tal gravidade, apurou-se que o autor, que tinha 52 anos à data do evento lesivo, sofreu sequelas físicas e psicológicas, cuja consolidação perdurou no tempo, que o acompanharão pelo resto da sua vida, designadamente:
- Défice funcional temporário de 99 dias;
- Défice funcional temporário de 896 dias;
- Quantum doloris de grau 6, numa escala de 7 valores;
- Défice funcional de 58 pontos percentuais;
- Sequelas incompatíveis com o exercício da sua profissão de taxista e qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
- Dano estético de grau 6 numa escala de 7 valores;
- Repercussão permanente das atividades desportivas e de lazer de grau 5, numa escala de 7 valores;
- Dependência de canadianas, de medicação (esporádica) e de ajuda de terceira pessoa na realização de compras e higiene pessoal.
Tais aspetos evidenciam bem o caráter significativo das sequelas resultantes para o autor do evento lesivo, que alteraram profundamente o seu modo de vida, e a gravidade dos danos não patrimoniais a ressarcir.
Enunciam-se as seguintes decisões proferidas em casos que apresentam alguma similitude com o presente (“Danos Não Patrimoniais na Jurisprudência das Secções Cíveis do STJ”, Caderno de Jurisprudência Temática, disponível em www.stj.pt.):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-01-2024, proferido no processo nº 3571/21.4T8VNPG.P1.S1, relativo a sinistrada de 26 anos de idade, que ficou afetada de défice funcional permanente de 61 pontos, sofreu dores fixadas no grau 6, numa escala de 7 valores, sofreu lesões que demandaram dois anos e meio até à sua consolidação, que atribuiu a título de danos não patrimoniais a quantia de € 175.000,00;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-02-2024, proferido no processo nº 2146/20.0T8VCT.G1.S1, relativo a sinistrada de 22 anos que sofreu um défice funcional de 76%, cujas lesões são impeditivas do exercício da sua atividade habitual embora compatíveis com outras atividades da sua área de preparação, sofreu dores de grau 7, (o último da escala considerada), que atribuiu € 150.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Tudo ponderado, seguindo os fatores acima indicados, julgamos razoável e equitativo o montante global de € 180.000,00 fixado pela primeira instância pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Revela-se, pois, improcedente o recurso do autor quanto à alteração da quantia indemnizatória fixada a título de danos não patrimoniais, que se mantém em € 180.000,00.
Insurge-se ainda o recorrente contra a retirada do valor da indemnização que já recebeu da Segurança Social (quantia retificada de € 67.456,42). Defende o recorrente que desde o final do ano de 2013 passou a receber a reforma por invalidez, a que tinha direito, cujo cálculo foi efetuado de acordo com as regras relativas à idade e aos anos de contribuições, no montante de € 326,00 pelo que a respetiva quantia deve ser reposta no cômputo da indemnização.
A tal propósito, o tribunal recorrido, após fixar a indemnização devida ao autor por danos patrimoniais e não patrimoniais em € 324.502,48, concluiu:
“A tal montante cumpre deduzir o valor que o A. já recebeu do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, no valor de 67.456,22€ (…), o que perfaz a quantia de 257.046,06€ (…)”.
Tal decisão radica nos seguintes factos apurados:
23. O A. é pensionista por invalidez desde 13-12-2011.
24. Em 08-03-2024 foi fixada a incapacidade permanente global definitiva do A. em 65% por Junta Médica do Sistema Nacional de Saúde.
25. O Instituto da Segurança Social, I.P. pagou ao A. a quantia total de 67.456,42€, sendo:
25.1. 58.501,91€ a título de pensões entre 13-12-2011 e 30-04-2024; e
25.2. 8.954,51€ a título de complemento por dependência do 1º Grau, relativo ao período de 01-08-2017 a 30-04-2024.
26. O Instituto da Segurança Social, I.P. foi reembolsado pela R. seguradora em fevereiro de 2015, da quantia de 14.811,79€, correspondente ao período entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2014.
Em face de tal factualidade, afigura-se não assistir razão ao recorrente neste ponto.
Na verdade, o recorrente e autor sofreu um acidente que lhe causou danos físicos que, em simultâneo, lhe outorgaram um direito a prestações sociais de invalidez e apoio por terceira pessoa e um direito a indemnização. A obrigação de pagamento das referidas prestações sociais incumbe à Segurança Social, mas o valor da indemnização civil deve ser suportado pelo responsável civil, que no caso em apreço são os réus.
Ora, tratando-se do mesmo dano, o lesado não pode ser indemnizado por duas vias distintas em acumulação, o que, a verificar-se, importaria um enriquecimento sem causa, proibido pelo artigo 473º, nº 1, do Código Civil, que determina que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. Este princípio encontra tradução específica no regime do artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro (lei de bases do sistema de segurança social), que postula que “no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”. Este diploma é desenvolvido pelo D.L. nº 187/2007, de 10-05 (regime de proteção nas eventualidades de invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social), cujo artigo 6º prevê que “existindo responsabilidade civil de terceiro pelo facto determinante da incapacidade que fundamenta a atribuição da pensão de invalidez, não há lugar ao pagamento das respetivas prestações até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse tal responsabilidade, atinja o valor da indemnização por perda de capacidade de ganho”. Já o artigo 7º deste diploma legal, com mais direta aplicação no caso em apreço, prevê que, sem prejuízo do disposto no citado artigo 6º, “se tiver havido pagamento de pensões, a instituição gestora tem o direito de exigir o respetivo reembolso”.
Ora, a mera interpretação declarativa das normas acima indicadas conduz à conclusão que o autor não poderá receber em duplicado o valor em questão, pelo que se justifica plenamente o desconto determinado na sentença impugnada.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do S.T.J. de 11-11-2010, proferido no processo nº 270/04.5TBOFR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e o Acórdão do S.T.J. de 11-10-2023, proferido no processo nº 67/14.4TTFUN.L2.S1 (disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/67-2023-877528175), cujo sumário, embora a propósito de prestação social diversa, é esclarecedor, ali se referindo:
“I- O subsídio de doença é qualificável como prestação de segurança social, atribuída ao beneficiário com a finalidade de valer às suas necessidades, se e enquanto não tiver outro modo de prover à reparação do dano. Assim sendo, tal subsídio reveste a característica de uma prestação efetuada em termos de adiantamento pelo ressarcimento de danos da responsabilidade de terceiros, sendo, por isso, suscetível de reembolso por parte destes”.
Por isso, improcede nesta parte o recurso, mantendo-se o desconto de € 67.456,42 ao valor global da indemnização fixada, determinado na sentença impugnada.
Valor este que o ISS não receberá em duplicado, como afirma o recorrente, pois apenas lhe será reembolsado o valor das pensões que adiantou.
Por fim, o recorrente insurge-se relativamente à contabilização dos juros que, na sua perspetiva, deve ocorrer desde a data da apresentação da contestação no processo crime com o nº 5286/11.2TDLSB.
Como se extrai do relatório da presente decisão e dos factos provados, aquele processo crime culminou com a condenação do condutor do veículo lesante pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência na pessoa do autor em pena criminal. O autor, naquele processo de natureza criminal, deduziu pedido de indemnização civil, que veio a ser remetido para os meios comuns, ao abrigo do disposto no artigo 82º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Na alínea a) da decisão recorrida, ficou determinado que sobre a quantia indemnizatória atribuída ao autor incidiriam “juros de mora, à taxa aplicável às operações civis, atualmente fixada em 4%, contados da data da presente decisão até efetivo e integral pagamento”.
Ora, não suscita controvérsia o facto de aos montantes indemnizatórios atribuídos ao autor, com exceção do valor ilíquido, acrescer o montante devido pelos juros moratórios, face ao pedido do autor nesse sentido. De facto, nos termos do artigo 805º, nº3, 2ª parte, CC, nos casos de responsabilidade baseada em facto ilícito (ou no risco), o devedor constitui-se em mora desde a citação, posto que ainda não esteja constituído em mora até esse momento. Assim sendo, dado que o pedido indemnizatório apresentado radica em facto ilícito, natural é a constatação de que, in casu, são devidos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, aplicável por força da Portaria n.º 263/99, de 8/4.
A discordância do recorrente é relativa ao momento a partir do qual tais juros devem ser contabilizados, designadamente se deverá ocorrer desde a notificação no processo crime n.º 5286/11.2TDLSB (no qual o autor deduziu pedido de indemnização civil que não veio a ser apreciado) ou desde a decisão recorrida.
Porém, a condenação no valor indemnizatório relativo a lucros cessantes e no valor relativo a danos não patrimoniais foi efetuada com recurso a juízos de equidade e consequentemente por cálculo atualizado. Assim, quanto a tais parcelas indemnizatórias, os juros serão contabilizados desde a data da decisão de primeira instância, e não desde a citação como peticionado – cfr artigos citados e Ac. STJ nº 4/2002, de 5/6, publicado no Diário da República nº 146/2002, Série I-A, de 2002-06-27, que fixou jurisprudência obrigatória – DR I-A, de 27/6/2002.
Subsiste, porém, uma parcela indemnizatória de € 58.05 (referente a despesas com medicamentos, consultas e RX) que se reporta a danos patrimoniais, e cujo montante, de valor exato, não foi calculado com recurso à equidade.
Ainda assim, dos factos provados não pode extrair-se que tal pretensão indemnizatória específica tenha sido formulada no processo de natureza criminal n.º 5286/11.2TDLSB, de molde a justificar o cômputo de juros desde a notificação da ali demandada Companhia de Seguros Allianz. Aliás, ponderada toda a prova documental junta aos presentes autos, por forma a perspetivar a ampliação da matéria de facto nos termos dos artigos 607º, nº 4 e 663º, nº 2, CPC, verifica-se que não foi junta cópia do pedido cível ali deduzido. Consequentemente, não pode sustentar-se a condenação em juros desde a notificação para contestar o pedido cível naqueles autos. Ao invés, os juros sobre a referida parcela de € 58,05 serão contabilizados desde a data da citação dos réus nestes autos, por aplicação do critério consagrado no artigo 805º, nº 3, CC.
Consequentemente, procedendo parcialmente o recurso, apenas quanto à referida parcela indemnizatória de € 58,05 será determinado o cômputo dos juros desde a citação efetivada nos presentes autos. No demais mantém-se a decisão recorrida
As custas do recurso serão suportadas provisoriamente em partes iguais por autor e réus, devendo, após a liquidação a efetuar (condenação ilíquida), ser suportadas por autor e réus, na proporção dos respetivos decaimentos, que dependerá então de cálculo aritmético.
Tudo sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga o autor – cfr. artigo 527º, CPC.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, julgando parcialmente procedente o recurso, acordam os juízes desta 2ª secção cível:
- Revogar a decisão recorrida no segmento em que fixou a indemnização por perda de capacidade de ganho do autor em € 90.000,00 (noventa mil euros), substituindo-a pela condenação dos réus no pagamento de indemnização a liquidar ulteriormente;
- Alterar a decisão recorrida no segmento em que fixou a indemnização por lucros cessantes/perda de rendimentos até à propositura da ação em € 54.444,43, fixando tal indemnização em € 113.895,77 (cento e treze mil, oitocentos e noventa e cinco euros e setenta e sete cêntimos);
- Alterar a decisão recorrida no que se reporta à condenação em juros de mora à taxa legal de 5% sobre a quantia de € 58,05 (cinquenta e oito euros e cinco cêntimos), determinando a sua contabilização desde a citação dos réus na presente ação;
- Mantendo o demais decidido.
Custas provisoriamente em partes iguais por autor e réus, devendo, após a liquidação a efetuar (condenação ilíquida), ser suportadas por autor e réus, na proporção dos respetivos decaimentos, que dependerão então de cálculo aritmético - sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga o autor – cfr. artigo 527º, CPC.
Lisboa, 22 de maio de 2025
Rute Sobral
Inês Moura
Laurinda Gemas