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ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO
OPOSIÇÃO
INTERPRETAÇÃO
Sumário
No contrato de arrendamento para habitação em que os locadores enviam ao locatário a comunicação de oposição à renovação do contrato indicando uma data anterior àquela em que o termo iria ocorrer e tendo o réu respondido indicando a data correcta do termo do contrato e transmitindo que iria sair do locado antes da mesma, a comunicação de oposição à renovação produziu efeitos para a data correcta, não necessitando os locadores de enviar outra comunicação com a data rectificada.
Texto Integral
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa. RELATÓRIO.
A… e AA… intentaram acção declarativa com processo comum contra B… (falecido depois de proferida a sentença e da interposição do recurso, tendo sido declarada deserta a instância do recurso por falta de impulso da respectiva habilitação de herdeiros) e esposa BB…, alegando, em síntese, que em 1/7/2004 os autores, através do seu procurador, deram de arrendamento ao réu, então divorciado, uma fracção autónoma para habitação permanente, com início nessa data e termo em 30/6/2009, renovável se não fosse denunciado ou não houvesse oposição à renovação, pela renda mensal de 750,00 euros, actualmente de 778,97 euros e, face às alterações sucessivas da lei, o contrato sofreu várias renovações, tendo em 8/2/2018 representante dos autores comunicado ao réu a sua decisão de se oporem à renovação com efeitos em 30/6/2018, a que o réu respondeu interpretando de forma diferente os prazos de renovação e aceitando a decisão de não renovação para 30/6/2019, o que o representante dos autores aceitou, aguardando esta data para a entrega do locado, o que não se verificou, pois o réu, depois de interpelado em 6/6/2019, respondeu em 19/6/2019 que afinal não entregava o locado.
Mais alegaram que, depois da celebração do contrato, o réu casou com a ré em 2008, residindo o casal em Moçambique há vários anos e mantendo o locado fechado, deixando-o a degradar-se e não mantendo nele residência permanente, não tendo também os réus informado os autores da morte do seu fiador e tendo recusado aos autores o exame do locado.
Concluíram pedindo a declaração de cessação do contrato de arrendamento em 30/06/2019, por oposição dos locadores à renovação, ou, se assim não se entender, ser declarado cessado o contrato com fundamento na violação reiterada de normas legais que tornam inexigível aos locadores a manutenção do vínculo contratual, com a consequente devolução do locado aos autores.
Os réus contestaram, arguindo excepções e, por impugnação, alegaram, em síntese, que não foi aceite a data indicada pelos autores como sendo a data do fim do prazo de renovação do contrato e que não saíram do locado, nem prometeram sair, em qualquer outra data, porque não foi efectuada nova comunicação de oposição à renovação corrigindo a anterior, que não produziu os seus efeitos.
Alegaram ainda que não são verdadeiros ou não são fundamento de resolução do contrato os factos invocados quanto à não comunicação da morte do fiador, à recusa de facultar o locado para exame e à não utilização do locado, continuando os contestantes a utilizar como como residência alternada o locado, que não foi cedido para residência permanente.
Concluíram pedindo a absolvição de todos os pedidos deduzidos pelos autores.
Os autores responderam, opondo-se, à matéria de excepção e concluindo como na petição inicial.
Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou procedente a acção, declarando a caducidade do contrato de arrendamento por validade da oposição à renovação efectuada em 1/7/2018 com efeitos em 30/6/2019 e condenou os réus a restituir o locado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, absolvendo-os dos restantes pedidos.
*
Inconformados, os réus interpuseram recurso e alegaram, formulando as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo julgou a acção totalmente procedente e declarou verificada a caducidade do contrato de arrendamento por validade da oposição à renovação efectuada em 01.07.2018, com efeitos a 30.06.2019 mais condenando o Réu e a sua esposa a restituir o locado, livre de pessoas e bens aos Autores, no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado da sentença.
B. O contrato iniciou-se no dia 01.07.2004, com a duração inicial de 5 anos, com término previsto no dia 30.06.2009, cfr. doc. 1 da petição inicial.
C. Quando o contrato terminou o seu período de vigência inicial estava em vigor a Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro.
D. A primeira renovação ocorreu entre 01.07.2009 e 30.06.2012.
E. Porém, andou mal o Tribunal a quo ao aplicar o disposto no artigo 1096.º do Código Civil, na redacção à data da primeira renovação, isto é,
F. Invocou o Tribunal a quo o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil com a seguinte redacção “renovação automática – 1 Excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos.”
G. Porém, o contrato em causa destina-se a habitação não permanente, logo a primeira renovação não era de cinco anos (n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil) mas sim de 3 (três) anos, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 26.º do NRAU.
H. O que significa que andou mal o Tribunal a quo ao fundamentar a sua decisão relativamente à segunda renovação tendo por base a Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto, na exacta medida em que se o contrato se renovou no dia 01.07.2012 e a Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto só foi publicada neste dia, então o período da segunda renovação teria que ser ainda realizada à luz do n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro
– PORQUE ERA ESTA QUE ESTAVA EM VIGOR.
I. O que significa que em 01.07.2012 o contrato de arrendamento renovou-se por mais três anos (n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro) e não por dois anos (lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto que ainda não estava em vigor à data da renovação.
J. Logo, a segunda renovação do contrato de arrendamento ocorreu entre 01.07.2012 e 30.06.2015, de acordo com o n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção em vigor à data da renovação.
K. Assim, aquando do fim da segunda renovação está em vigor a Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro.
L. A terceira renovação ocorreu entre 01.07.2015 e 30.06.2017, de acordo com o n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro.
M. Em Junho de 2017, encontrava-se em vigor o disposto no n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho.
N. Ou seja, o contrato renovou-se em 01.07.2017 e terminava em 30.06.2019, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho.
O. Logo, decidiu mal o Tribunal a quo ao afirmar que o contrato terminou no dia 30.06.2018, porque, conforme vimos, o mesmo caducaria em 30.06.2019 e não tendo existindo comunicação para esta data, então o contrato mais uma vez renovou-se.
P. Para além da caducidade do contrato de arrendamento não se verificar em 30.06.2018, os Recorridos receberam as rendas pela locação do imóvel e, por conseguinte, não estamos perante uma liberalidade.
Q. Logo, verifica-se que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento não feita tendo em conta a data real da caducidade do contrato de arrendamento 30.06.2019 e, por conseguinte, tal comunicação viola o disposto no n.º 1 do artigo 1054.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º, todos do Código Civil.
R. O que significa que a sentença recorrida está em manifesta violação com o direito aplicável e, por conseguinte, inquina toda a fundamentação de direito da sentença e, por conseguinte, verifica-se que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva os Recorrentes.
S. Mas mais, o Tribunal a quo ao fundamentar a sua decisão relativamente à segunda renovação tendo por base a Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto, quando o contrato se renovou no dia 01.07.2012 e a Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto só foi publicada neste dia, então o período da segunda renovação teria que ser ainda realizada à luz do n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
T. Ou seja, a aplicação do Tribunal a quo da Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto é manifestamente inconstitucional, na medida em que aplicou retroactivamente uma lei.
U. De acordo com o n.º 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa as leis não podem ter efeito retroactivo.
V. Assim, a aplicação pelo Tribunal a quo da Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto a factos anteriores à sua entrada em vigor, faz com que a aplicação do referido diploma seja inconstitucional – alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
W. Face a todo o exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente do pedido, sob pena de manifesta inconstitucionalidade na aplicação das normas, conforme n.º 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa e alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve dar provimento ao presente recurso de apelação, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva totalmente os Réus dos pedidos, fazendo assim a costumeira Justiça!!
*
Os recorridos apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
*
O recurso foi admitido como apelação com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo, mas, tendo, entretanto, sido junta a certidão de óbito do réu, com data posterior à interposição do recurso e às contra-alegações, foi suspensa a instância e determinada a subida do recurso só após a respectiva habilitação de herdeiros.
Não tendo sido promovida a habilitação de herdeiros, foi proferido despacho que julgou extinta a instância de recurso quanto ao réu e determinou o seu prosseguimento relativamente à ré, com a remessa dos autos a este Tribunal da Relação.
*
A questão a decidir é a de saber se caducou o contrato de arrendamento por oposição dos autores apelados à renovação do respectivo prazo.
* FACTOS.
São os seguintes os factos considerados provados e não provados pela sentença recorrida (acrescentando-se, no ponto 10, o esclarecimento de que BBB…o era o fiador, como consta no contrato escrito e, no ponto 16, a rectificação do lapso de escrita, “tendo o réu vive residência habitual em Moçambique desde essas datas”, eliminando o verbo “vive”): Provados.
1.1. Da petição inicial:
1. Em 10.08.2000 A… e AA…, casados no regime de comunhão geral de bens, residentes na África do Sul, constituíram por procuração com assinatura reconhecida no Consulado Geral de Portugal em Joanesburgo, como seu procurador, C… com poderes de livre e geral administração civil, incluindo gerir imóveis, despedir inquilinos, renovar, prorrogar ou rescindir os respetivos contratos.
2. Em 01.07.2004 por documento particular denominado “contrato de arrendamento no regime de renda livre previsto no decreto-lei 321-B/90 de 15/10/90”, A… e AA…, casados no regime de comunhão geral de bens, representados por C… deram de arrendamento com destino exclusivo de habitação, a fração autónoma denominada pela letra “U”, correspondente ao 5.º A, oitavo piso, com arrecadação e um lugar de estacionamento na cave, sito na Rua … Lote …, Cascais, inscrito na matriz predial urbana das freguesias de Cascais e Estoril sob o artigo … a B…, advogado, divorciado, que a tomou, pelo prazo de cinco anos, renovável, nos termos da lei, se nenhuma parte o denunciar (n.º 2 e 4 do art.º 100.º RAU), com início em 01.07.2004 e termino em 30.06.2009, pela renda anual de € 9.000,00 euros, paga em duodécimos de € 750,00 euros.
3. Cerca de 3 ou 4 anos após o início do contrato, o Réu argumentando que viajava muito e passava largos períodos fora de Portugal, solicitou que as comunicações passassem a ser feitas por telefone e por email.
4. Por carta datada de 08.02.2018, dirigida à morada do locado, o procurador dos Autores, C…, comunicou ao Réu B…, que o proprietário se opunha à renovação do contrato, sendo que caso pretendesse continuar como arrendatário, a renda a partir de 01.07.2018 inclusive seria no valor igual da € 1.100,00 euros mensais, sendo que caso não aceitasse a proposta, o imóvel deveria ser entregue devoluto de pessoas e bens até 30.06.2018.
5. A carta de 08.02.2018 não foi reclamada pelo Réu.
6. Por correio eletrónico datado de 23.02.2018, o Réu comunicou ao procurador dos Autores, C…, comunicando que não concordava com a data de cessação devido às alterações legislativas ocorridas, indicando que a mesma só poderia ocorrer a partir de 30.06.2019 e dando conta que estaria na disposição de proceder à entrega da casa antes do fim do contrato, logo que encontrasse casa, embora não sabendo dizer quando, devido à necessidade de procurar.
7. Por correio eletrónico datado de 10.09.2018, o procurador dos Autores solicitou ao Réu, o acesso ao apartamento a fim de os proprietários o mostrarem ao filho que iria estar em Portugal de 24 a 27 de setembro de 2018, não tendo o Réu consentido.
8. Por correio eletrónico datado de 06.06.2019, o procurador dos Autores solicitou ao Réu, qual a posição do mesmo em relação à entrega do apartamento arrendado cujo contrato termina no final de junho.
9. Por correio eletrónico datado de 19.06.2019, o Réu comunicou ao procurador dos Autores que considerava que a comunicação anterior tinha ficado anulada e que desde essa data não tinha sido efetuada qualquer comunicação posterior, pelo que considerava o contrato em vigor, mais dando conta que também não houve qualquer procedimento de aumento de renda.
10. Em 23.12.2020, os Autores tomaram conhecimento do óbito de B…, ocorrido em 31.01.2017, que assinou o contrato como fiador.
11. O Réu não comunicou aos Autores o óbito do fiador.
12. Em 28.08.2008 o Réu celebrou casamento no Consulado Geral de Portugal em Maputo, Moçambique.
13. Em 19.12.2011, em 17.07.2012 e em 06.11.2012, o Réu surge mencionado em notícias como detendo uma quota em empresa de exploração mineira, a companhia mineira de naburi (…) que se encontrava em litígio comercial com uma companhia britânica de nome ….
14. O Réu na sua página internet da rede social “linked in” declara-se presidente do conselho de administração da sociedade ….
15. Em 30.11.2018 o Réu fundou com outro sócio uma sociedade com a designação “…, Limitada”, com sede em Maputo, Moçambique, onde assumiu a posição de sócio e administrador.
16. Em setembro de 2014, março de 2016, setembro de 2016 a esposa do Réu comentou nas redes sociais a sua vivência em Maputo, tendo o Réu residência habitual em Moçambique desde essas datas. Não provados.
2.1. Da petição inicial:
17. O representante dos Autores ligou para o Réu e aceitou a data de cessação proposta e, confiando na sua palavra ficou a aguardar a entrega do locado na data por ele indicada, em 30.06.2019.
18. O Réu recusou aos Autores o examine o locado.
19. A prestação de fiança pelo inquilino constituiu uma das condições determinantes da celebração do contrato.
20. O Réu no passado entrou em incumprimento do pagamento de renda durante vários meses.
21. E desde 2007/2008, deixou de ser visto no locado, e ausentava-se por longos períodos.
22. O Réu mantém o locado desocupado e fechado, deixando-o a degradar-se e a desvalorizar-se de forma acentuada.
* ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
Os factos provados integram a celebração entre os autores, como locadores, e o falecido réu, como locatário, de um contrato de arrendamento para habitação, com início em 1 de Julho de 2004 e com o prazo de cinco anos, regulado nos artigos 1022º e seguintes do código civil e, actualmente, também no NRAU (novo regulamento do arrendamento urbano, aprovado pela Lei 6/2006 de 27/2, que sofreu várias alterações, nomeadamente da Lei 31/12 de 14/8 e da Lei 79/2014 de 19/2).
Com o falecimento do réu na pendência da acção, não tendo sido promovida a sua habilitação de herdeiros, prosseguiram os autos, já na fase de recurso, apenas contra a ré, sua esposa, não interveniente no contrato de arrendamento, mas demandada nos termos do artigo 34º nºs 1 e 3 do CPC.
Por outro lado, tendo a sentença recorrida entendido que os factos não integram o fundamento de resolução do contrato pedida subsidiariamente pelos autores, que não foi impugnado por estes, o presente recurso tem como único objecto a decisão proferida na sentença de declarar a caducidade do contrato de arrendamento decorrente da oposição à sua renovação por parte dos autores, decisão com a qual a apelante não se conforma, defendendo que a mesma não produziu efeitos.
O contrato foi celebrado em 1 de Julho de 2004, na vigência do RAU (regime do arrendamento urbano aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10), destinado à habitação do arrendatário e pelo prazo de 5 anos, ou seja, abrangido na previsão dos artigos 98º e 100º deste diploma.
Permitia o referido artigo 98º do RAU, no seu nº 1, a estipulação de prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para a habitação, desde que a respectiva cláusula fosse inserida no texto escrito do contrato assinado pelas partes e impunha, no seu nº2, que esse prazo não fosse inferior a cinco anos.
Previa por seu lado o artigo 100º nº 1 do mesmo diploma que os contratos de duração limitada celebrados ao abrigo do artigo 98º se renovavam automaticamente no fim do prazo, por períodos de três anos, se outro não estivesse especialmente previsto, quando não fossem denunciados por qualquer das partes e, no nº2, que a denúncia deveria ser feita com a antecedência de um ano sobre o fim do prazo ou da sua renovação, mediante notificação judicial avulsa do inquilino.
O RAU foi revogado pelo DL 6/2006 de 27/2 (NRAU), prevendo este, no seu artigo 59º nº1, que “O novo regime do arrendamento urbano aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.
E a norma transitória do artigo 26º nº 1 do NRAU, aplicável aos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU e não habitacionais celebrados depois do DL 257/95 de 30/9, estatui no seu nº 1 e na sua redacção inicial: “Os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes”, estatuindo o nº3 deste artigo 26º que: “Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional” (sublinhado nosso).
Com o NRAU, passou também a lei a prever, no artigo 9º, que as comunicações do senhorio ao inquilino fossem efectuadas por carta registada com aviso de recepção, com excepção apenas das comunicações de cessação do contrato por resolução.
A Lei 31/2012 de 14/8, que entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, veio alterar o nº 1 e o nº 3 do artigo 26º, passando a redacção do nº 1 a ser a seguinte: “Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do regime do arrendamento urbano (RAU), aprovado pelo Decreto Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, bem como o contrato para fins não habitacionais celebrado na vigência do Decreto Lei nº 257/95, de 30 de Setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes” e passando a redacção do nº3 a seguinte: “Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos se outro superior não tiver sido previsto” (sublinhado nosso).
A mesma Lei 31/2012 de 14/8 alterou ainda a redacção dada pelo NRAU ao artigo 1097º do CC (que havia sido revogado pelo RAU e que, na redacção introduzida pelo NRAU previa uma antecedência de um ano, em relação ao termo do contrato, para a oposição à renovação do contrato pelo senhorio), passando a prever um prazo de antecedência de 120 dias para a comunicação de oposição à renovação pelo senhorio, se o prazo inicial ou da sua renovação fosse igual ou superior a um ano e inferior a seis anos.
Posteriormente, a Lei 79/2014 de 2/12 alterou novamente o nº 3 do artigo 26º do NRAU, que ficou com a seguinte redacção: “Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos os casos, se outro prazo superior não sido previsto” (sublinhado nosso).
A sentença recorrida, entendendo que não é aplicável o artigo 1096º do CC, mas sim a norma transitória do artigo 26º do NRAU, considerou que, depois do período inicial do contrato de cinco anos, que decorreu entre 1/7/2004 e 30/6/2009, o contrato se renovou por cinco anos de 1/7/2009 a 30/6/2014, por aplicação do artigo 26º nº 3, na redacção inicial do NRAU, renovou-se por dois anos de 1/7/2014 a 30/6/2016, por aplicação do artigo 23º nº 3 na redacção da Lei 31/2012 de 14/8 e por mais dois anos de 1/7/2016 a 30/6/2018, por aplicação da Lei 79/2014 de 19/12.
Contudo, apesar de entender que à data de 8/2/2018, em que foi feita a comunicação de oposição à renovação, o contrato teria o seu termo em 30/6/2018 (mais de 120 dias depois), a sentença recorrida entendeu também que deverá ser atendida a data de 30/6/2019 para a produção dos efeitos da denúncia e que tal não implicou a renovação do contrato ao abrigo do artigo 1056º do CC porque os autores não desejavam a renovação, como se retira da comunicação do ponto 8 dos factos provados.
Acompanha-se a sentença recorrida na parte em que entendeu não ser aplicável o artigo 1096º do CC, que respeita aos novos contratos que, entretanto, foram celebrados depois da revogação do RAU, sendo, sim, aplicável o artigo 26º nº 3 do NRAU, que é a norma transitória que regula a renovação dos contratos celebrados na vigência do RAU, como é o contrato dos autos.
Mas já não se acompanha a sentença recorrida quando conclui que, à data em que foi feita a oposição à renovação do contrato, em 8/2/2018, o termo da renovação seria em 30/6/2018, pois tal prazo ocorreria só em 30/6/2019.
A diferença na contagem dos prazos que leva a esta divergência de datas reside no facto de a sentença recorrida ter aplicado, na 1ª renovação do contrato, um prazo de cinco anos, de 2009 a 2014, com base na redacção inicial do artigo 26º nº3 do NRAU, quando o prazo aplicável é o de três anos previsto nesta disposição legal, pois estamos perante um contrato habitacional e não perante um contrato não habitacional.
Com efeito, provou-se que no contrato se consignou que o mesmo se destinava exclusivamente à habitação do inquilino, nada constando no texto que essa habitação tivesse qualquer fim especial ou a habitação não tivesse carácter não permanente.
Apenas ficou provado que a dada altura os réus passaram a ter residência habitual em Moçambique e que logo passados 3 ou 4 anos após o início do contrato o réu pediu aos autores que, devido ao facto de viajar muito e de passar largas temporadas fora de Portugal, as comunicações passassem a ser por telefone e email (pontos 3 e 16 dos factos provados), factos estes que não alteram a natureza do contrato como sendo destinado a habitação permanente, apenas demonstrando que os autores há muito conheciam esta situação.
Sendo assim, depois de decorrido o prazo de cinco anos estipulado no contrato, de 1/7/2004 a 30/6/2009, e estipulando-se também que o contrato era renovável nos termos previstos na lei, sem que fosse contratualmente fixado um prazo de renovação diferente daquele que era previsto na lei à da outorga do mesmo contrato, este renovou-se nas seguintes datas: 1ª renovação por três anos, de 1/7/2009 a 30/6/2012, por aplicação do artigo 26º nº 3 do NRAU na sua redacção inicial; 2ª renovação por três anos, de 1/7/2012 a 30/6/2015, por aplicação do artigo 26º nº3 do NRAU na sua redacção inicial; 3ª renovação por dois anos, de 1/7/2015 a 30/6/2017, por aplicação do artigo 26º nº3 na redacção da lei 79/2014 de 19/12; 4ª renovação por 1/7/2017 a 30/6/2019, por dois anos, por aplicação do artigo 26º nº3 da lei 79/2014 de 19/12.
Está assim correcta a contagem defendida no recurso pela apelante, no sentido de que o termo do prazo de renovação prazo ocorreria em 30/6/2019 e não em 30/6/2018, apenas com a diferença de que a última renovação ocorreu no âmbito da lei 79/2017 de 19/12 e não da lei 43/2017 de 14/6 como se alega no recurso, pois, embora esta lei, que alterou o NRAU, já estivesse então em vigor, a mesma não introduziu alteração no artigo 26º nº3.
A apelante imputa, por outro lado, à contagem feita pela sentença recorrida, a violação da norma constitucional do artigo 18º do Constituição, por ter sido aplicada retroactivamente a lei 31/2012 de 14/8, sucedendo, porém que a aplicação da lei 31/2012 de 14/8 pela sentença recorrida resultou de ter contado o prazo de 5 anos na 1ª renovação com o termo em 30/6/2014, data em que a lei 31/2012 de 14/8 já estava em vigor e ainda não tinha sido publicada a lei 79/2014 de 9/12. Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade, o que, de qualquer forma, não é relevante, tendo em atenção que a contagem correcta é aquela que, nos termos acima expostos, conclui que o termo da renovação era em 30/6/2019 e não em 30/6/2018.
Deste modo, concordando a apelante com a data do termo da do prazo de renovação, de 30/6/2019, a questão a apreciar é a de saber se a comunicação de oposição à renovação do contrato, efectuada pelos autores ao réu no dia 8/2/2018, produziu ou não efeitos.
A oposição à renovação do contrato respeitou a antecedência mínima de 120 dias prevista no artigo 1097º nº 1 b) do CC.
O regime extraordinário e transitório de protecção de arrendatários previsto no artigo 8º da Lei 1-A/2020 de 19/3 (resposta epidemiológica provocada pelo coronavírus sars-cov-2), que foi invocado pelos réus na contestação, mereceu pronúncia pela sentença recorrida, que o considerou inaplicável sem impugnação da apelante nas suas conclusões de recurso, sendo certo que este regime (entretanto já revogado pela Lei 31/2023 de14/7) não é aplicável ao contrato dos autos, em que o termo da renovação é anterior ao início da sua vigência e em que as suspensões nele contempladas seriam relevantes apenas para uma fase executiva da acção.
A questão de a oposição à renovação não ter sido comunicada à ré ora apelante foi igualmente apreciada pela sentença recorrida como não sendo irregular, não tendo a apelante impugnado tal decisão nas alegações de recurso e sendo certo que, não sendo alegado nem provado que os réus comunicaram às autores o seu casamento, não está demonstrada o conhecimento desse facto pelos autores e a sua obrigação de comunicarem a oposição da renovação à ré.
Também a questão da forma da comunicação foi apreciada pela sentença recorrida como não sendo irregular, não tendo a apelante impugnado tal decisão nas suas alegações de recurso, sendo igualmente certo que, apesar de não se ter provado que a carta enviada para a comunicação da denúncia o foi com aviso de recepção, como manda o artigo 9º do NRAU, foi o próprio réu que pediu aos réus que as comunicações fossem feitas por telefone ou por email, devido a encontrar-se ausente do locado por largas temporadas (ponto 3 dos factos provados), tendo o réu respondido à oposição à renovação, enviando um email ao representante dos autores, mencionando ter recebido a comunicação da oposição à renovação por carta e por email, o que fez sem invocar qualquer irregularidade, para além da sua discordância com a data indicada como sendo o termo do prazo de renovação (ponto 6 dos factos provados), pelo que se tem de considerar a oposição à renovação foi recebida e entendida pelo destinatário sem prejuízo dos seus direitos.
Resta saber se, como se defende nas alegações de recurso, face à divergência da data indicada pelos autores na oposição, a comunicação da oposição à renovação não produziu efeitos porque os autores não enviaram uma nova comunicação corrigindo a data de 30/6/2018 anteriormente indicada e indicando a data correcta de 30/6/2019.
Conforme se entendeu no ac. RL de 10/9/2020, p. 25874/18, citado pelos apelados nas suas contra-alegações e disponível em www.dgsi.pt (em que, como no presente caso, foi indicada uma data anterior à data correcta para o termo da renovação do contrato), a comunicação de oposição à renovação constitui um acto jurídico unilateral previsto no artigo 295º do CC, ao qual são aplicáveis as disposições do capítulo anterior relativas à declaração negocial, nomeadamente o artigo 236º sobre o sentido normal da declaração, sendo de considerar a situação em apreço e com base no comportamento do declarante, como entendida pelo declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, com o sentido de que a oposição à renovação dos locadores pretende ser exercida na data efectiva do termo da renovação do contrato, posterior àquela que foi incorrectamente indicada.
E, no caso dos autos, tal sentido deduzia-se manifestamente do comportamento dos autores locadores, através do seu representante, uma vez que o réu locatário, ao receber a comunicação, rectificou a data e declarou a intenção de sair do locado antes da mesma.
Não pode, assim, deixar de se concluir que no caso dos autos a comunicação produziu os seus efeitos na data correcta do termo do prazo de 30/6/2019, não sendo necessário o envio de uma nova comunicação por parte dos locadores.
Improcedem, pois, as alegações de recurso.
* DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, embora com fundamentação diferente, confirma-se a decisão da sentença recorrida de declarar a caducidade do contrato de arrendamento por via da oposição à renovação de 8 de Fevereiro de 2018, com efeitos em 30 de Junho de 2019.
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Custas pela apelante.
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2025-05-22
Teresa Pardal
Jorge Almeida Esteves
Adeodato Brotas