MANDATO
MEDIAÇÃO
DESPORTO
INSCRIÇÃO
EMPRESÁRIO DESPORTIVO
Sumário

1. O conhecimento da impugnação da decisão de facto, no que respeita a factos sem relevo para a decisão das questões colocadas no recurso, mais não se trata que da prática de acto inútil e, nessa medida, de acto que o tribunal de recurso está impedido de praticar, em observância do disposto no art.º 130º do Código de Processo Civil.
2. A falta de inscrição do empresário desportivo no registo da Federação Portuguesa de Futebol determina que se considere inexistente o contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato, celebrado pelo mesmo com jogador profissional, por força do art.º 23º, nº 4, da Lei 28/98, de 26/6.
3. Se a norma estatui que os contratos de mandato (celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo) são inexistentes, a gravidade dessa consequência determina que não se deve ir além da letra do preceito e incluir na previsão legal outros contratos, eventualmente próximos, mas que não se qualifiquem como mandato.
4. Tendo presente as semelhanças entre o mandato e a mediação, designadamente a circunstância de a actuação do mandatário poder englobar a do mediador, será mais seguro afirmar, para efeitos da verificação do referido vício da inexistência, que só haverá mandato se o empresário desportivo tiver sido incumbido de celebrar o contrato de trabalho desportivo por conta do jogador profissional.
5. Em face de eventuais dificuldades qualificativas do negócio celebrado entre o empresário desportivo e o jogador profissional, deve-se entender que se está perante um contrato de mediação e não perante um contrato de mandato, salvaguardando‑se a sua validade.
6. O art.º 560º do Código Civil não permite o anatocismo de juros moratórios.

(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 8/11/2016 C. intentou acção declarativa com processo comum contra I., pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de € 225.559,07, acrescida de juros vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento, bem como juros a título de sanção pecuniária compulsória desde o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Alega para tanto e em síntese que:
• Na sua qualidade de agente desportivo celebrou com o R. um contrato de mediação para gestão da carreira desportiva deste, como jogador profissional de futebol;
• Ficou acordado que a remuneração do A. correspondia a 10% do montante global estipulado em favor do R. no contrato de trabalho negociado ou renegociado pelo A., bem como uma penalização de € 1.000,00 e, no caso de qualquer atraso ou recusa de pagamento, um acréscimo sobre o valor principal em dívida correspondente a uma taxa de juro de 5% por cada ano, com capitalização;
• O A. iniciou negociações com vários clubes de futebol, logrando a contratação do R. pelo Sporting Clube de Portugal (SCP), por um período de 4 anos, e tendo o contrato assinado entre o R. e o referido clube o valor global de € 1.612.013,30;
• O A. acompanhou igualmente o R. na sua vinda para Portugal e ao longo da execução do contrato com o SCP, permitindo a sua valorização profissional e o aumento do seu salário;
• O R. não pagou ao A. a remuneração devida, correspondente ao valor de € 183.201,33.
Citado o R., apresentou contestação onde excepcionou com a incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, mais invocando a inexistência do contrato de mediação, por não estar o A. registado na Federação Portuguesa de Futebol e por não haver qualquer menção ao mesmo no contrato de trabalho celebrado entre o R. e o SCP, invocando igualmente que o A. não teve qualquer actuação determinante da celebração do referido contrato de trabalho, ou do aumento do salário do R., porque as negociações foram feitas directamente pelo R. e sem a presença do A. Conclui pela absolvição da instância e pela improcedência da acção, com a absolvição do pedido, pedindo ainda a condenação do A. como litigante de má fé.
O A. exerceu o contraditório quanto à matéria de excepção e à litigância de má fé, concluindo como na P.I. e ainda pela condenação do R. como litigante de má fé.
O R. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé.
Foi julgada procedente a excepção da violação de convenção de arbitragem, tendo tal decisão sido objecto de recurso, e sendo revogada por acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 26/3/2019.
Em audiência prévia realizada em 25/10/2019 foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência final foi proferida sentença, em 23/10/2024, com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, julgo a acção procedente, e consequentemente,
1. Condeno o Réu a pagar ao autor a quantia de 168.201,33 € (cento e sessenta e oito mil duzentos e um euros e trinta e três cêntimos), acrescido de uma taxa de 5% por cada ano de atraso com capitalização, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
2. Condeno o Réu a pagar ao A. a penalização de 1.000,00 € conforme previsto na cláusula VI do contrato.
3. Julgo improcedentes os pedidos de litigância de má-fé de A. e R..
Custas pelo Réu”.
O R. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com correcção dos lapsos de escrita manifestos):
1. A douta decisão em crise, pese embora constitua uma peça jurídica formalmente inexpugnável, ainda assim e salvo melhor, não é totalmente conforme à lei e ao direito, sendo por isso merecedora de objectiva censura por encerrar, além de manifesto erro na aplicação do Direito, também desconforme apreciação da prova produzida.
2. Antes de mais deverá ser expurgado dos factos assentes o Ponto 22, que encerra um verdadeiro juízo conclusivo e sem qualquer conteúdo fáctico.
3. É manifesto que a Douta Sentença em apreço enferma de um evidente erro de direito, que acarreta a improcedência da acção.
4. Com efeito, pese embora considere, e bem, que o Autor praticou actos de intermediação e que esses são os actos praticados pelos agentes desportivos, conclui que os mesmos não são subsumíveis à figura do mandato, porque não revestem natureza jurídica.
5. Conclusão, inesperada e absolutamente incongruente, por ter sido dado por assente nos Factos 15 e 17 (o que apenas aqui se admite por razões de exposição) que foi graças ao trabalho do Autor que o Réu foi contratado pelo SCP, em cujos termos do contrato participou.
6. Tendo sido essencial para esse efeito, a circunstância do Tribunal ter ficado com a convicção do Autor ter negociado e ajustado as cláusulas do contrato celebrado com o SCP.
7. Ora, como resulta cristalinamente da jurisprudência citada, a negociação e o ajuste de condições com vista à contratação de um jogador de futebol, consubstanciam a prática de actos jurídicos próprios de uma relação de mandato.
8. Razão pela qual, para que os contratos de intermediação celebrados entre o Autor e Réu fossem legalmente válidos, era mister que o primeiro estivesse inscrito como agente desportivo na Federação Portuguesa de Futebol, como injuntivamente decorre do disposto no nº 1, do artigo 23.º da Lei 28/98.
9. Não estando verificada essa essencial condição, cuja exigência legal se justifica pela enorme relevância do sector desportivo e pelas avultadas quantias pecuniárias envolvidas, como é o caso, os contratos que o Autor celebrou com o Réu são juridicamente inexistentes, nos termos do nº 4, do artigo 23.º da Lei 28/98.
10. Logo, sendo inexistente o direito deles decorrentes que Tribunal errada e ilegalmente reconheceu ao Autor, de poder exigir ao Réu a obrigação do pagamento da comissão resultante da sua contratação pelo SCP, a acção teria natural, mas forçosamente que soçobrar.
11. Segundo os ensinamentos decorrente do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a matéria de facto só deve ser alterada quando exista inequívoco erro de apreciação da prova carreada para os autos e não mera divergência relativamente à sua apreciação.
12. E é esta a situação que se verifica nos presentes autos no que respeita aos factos insertos nos Pontos 2, 15, 16 e 17, dos factos provados, de acordo com a prova testemunhal e documental carreada para os autos.
13. Quanto a qualquer deles, avultam pelo conhecimento directo, o depoimento do Réu e as declarações do Autor, dado que as restantes testemunhas, ou não presenciaram os factos ou deles têm conhecimento indirecto, resultante do que lhes foi dito por uma das partes.
14. Quanto ao Facto 2, as partes foram unânimes em afirmar que o contrato com o SCP, durou TRÊS, em vez dos QUATRO anos inicialmente previstos, uma vez que o Réu foi transferido para o Leicester na época de 2016/17, como constitui facto de conhecimento público.
15. Uma vez que o Réu afirmou que foi jogador no Sporting Clube de Portugal … entre 2013 a 2016 e o Autor declarou que foram 3 anos, a venda foi em 2016.
16. Assim, o Facto 2, deve ser alterado como segue: 2) O réu é jogador de futebol profissional, de nacionalidade argelina tendo estado ao serviço do Sporting Club de Portugal – SCP, entre 2013 e 2016.
17. Também o Facto 20 não corresponde integralmente à prova documental que fundamentou a sua demonstração, dado omitir menção ao período temporal a que se referem as passagens de avião.
18. Estando comprovado que a primeira viagem do Autor a Portugal teve lugar em 22/10/2013 (doc. 18) e a última em 30/09/2014 (doc. 12) razão pela o Ponto 20 dos Factos, deve ser corrigido como segue. 20) O autor a pedido do réu, deslocou-se a Portugal várias vezes para ajudar o R. entre 22/10/2013 e 30/09/2014 (Cfr. doc. N.º 12 a 24).
19. Quanto aos factos 15, 16 e 17, resulta sobejo do seu depoimento, que o Réu não admitiu, antes foi peremptório em afirmar terem sido outros que não o Autor a negociar a sua contratação pelo SCP - e numa noite como estava em França, recebeu uma chamada deste Senhor xx que o contactou para ele ir assinar com o Sporting em Portugal e quando chegaram em Portugal, quando chegou a Portugal foi discutido que teriam que assinar com a sociedade clássico, se não, não poderiam assinar com o Sporting porque foram foi esta sociedade clássico que encontrou a oportunidade (00:23:07).
20. E questionado directamente pela Sr.ª Juiz sobre se tinha sido graças ao Autor que tinha sido contratado pelo SCP, respondeu De todo, não tinha nada a ver com isso, nada a ver com isso (00:31:30).
21. Por sua vez o Autor confirmou que eram terceiros, no caso a Clássico, quem estava a negociar telefonicamente com o SCP - O autor explica que o senhor yy que estava presente, estava em contacto pelo telefone e que fala em português estava em contacto por telefone com os dirigentes do Sporting (01:04:56).
22. E instado pela Sr.ª Juiz sobre se aquilo que estava a ser discutido eram questões salariais respondeu que O autor explica que tratou-se de uma discussão que ele próprio tirou notas, explicava ao jogador o que estava a ser discutido (01:11:11).
23. Pelo que e em obediência ao princípio da aquisição processual das provas, ínsito no artigo 515º, do Cód. Proc. Civil, os Pontos 15 e 16 dos Factos devem ser dados como não provados e o ponto 17 corrigido para: 17) O A. acompanhou o R. no dia da assinatura do referido contrato.
24. Uma vez que perante o quadro descrito, só o desconhecimento do mundo real, a falta de vivência, explica que se possa ter dado como assente ter sido graças ao Autor que o Réu assinou o contrato com o SCP.
25. Dado que de acordo com as regras da experiência comum, ninguém vivido e experimentado, consegue entender que um Agente de um jogador de futebol vá para uma negociação sem saber à partida, pelo menos, qual o salário proposto ou o período de vigência do contrato.
26. Que não tenha nenhum contacto formal do Clube (SCP) mesmo que a marcar uma reunião e o seu papel se limitasse a tirar notas da negociação que outros estavam a levar a cabo para transmitir ao Réu, atroz desprezo pelas regras da experiência comum que os Senhores Desembargadores certamente reprovarão.
27. Pelo que as declarações de parte, porque interessadas e não suportadas por qualquer outro diferente meio probatório, sempre serão insuficientes para que esses factos pudessem ter sido dados como provados.
28. Mais que não fosse por aplicação do disposto no artigo 414º, do Cód. Proc. Civil, segundo qual a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita, no caso o Autor.
29. Pelo que a acção teria que improceder quanto ao pedido da comissão de 10% sobre o valor do contrato celebrado com o SCP em 2013, ou seja, 161.201,33 €.
30. Procedendo apenas quanto aos 10% do bónus concedido em 2014, isto é, quanto a 22.000,00 €, por existir evidência documental nos autos da sua atribuição ter sido formalmente comunicada ao Autor pelo SCP.
31. Sempre sem conceder, mesmo que se conclua que foi graças ao Autor que o Réu foi contratado pelo SCP, ainda assim, jamais poderia ser devida a totalidade da comissão relativa aos quatro anos do contrato celebrado com o SCP, o que encerra ostensivo erro de direito.
32. Pela simples razão, de resto sobejamente demonstrada, que o contrato não durou QUATRO, mas apenas TRÊS épocas, por constituir facto do conhecimento público que o Reu foi contratado pelo Leicester na época de 2016/17.
33. Donde jamais poderia ser devido ao Autor a comissão de 47.800,08, relativa ao valor que o Réu receberia, mas não recebeu no quarto ano do contrato e que era de 478.008,00 €.
34. Pelo que em quanto muito seria devida apenas a quantia de 161.201,33 €.
35. Até quanto a juros a Douta Sentença é merecedora de censura, dado que só as obrigações emergentes do contrato celebrado em 8/02/2014estavam sujeitas a uma taxa de juro de 5%, com capitalização.
36. O que equivale a dizer que só a quantia relativa ao bónus atribuído em 2014 –22.000,00 € - está sujeita ao pagamento de juros a essa taxa contratual, nenhuma outra.
37. Dado o contrato celebrado em 7/08/2013 ser totalmente omisso no que respeita ao pagamento de juros moratórios.
38. Tudo visto e ao assim decidir, é a Douta Decisão proferida merecedora de objectiva censura, por ter infringido o disposto nos artigos 342º, do Cód. Civil, 414º, do Cód. Proc. Civil e nos nº 1 e 4, do artigo 23.º da Lei 28/98, sendo por isso imperioso que, dando provimento ao presente recurso, seja revogada e substituída por outra, que absolva o Réu dos pedidos, ou quanto muito que seja devida apenas ao Autor a importância de 22.000,00 €, única quantia que, em qualquer caso, vencerá juros à taxa de 5%, doutra forma não se fará rigorosa aplicação da lei e haverá fundado motivo para se afirmar não ter sido feita JUSTIÇA!
O A. apresentou alegação de resposta, aí sustentando a manutenção da sentença recorrida.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com:
• A alteração da matéria de facto;
• A validade dos contratos celebrados entre as partes;
• A obrigação pecuniária do R.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais e eliminam-se as referências probatórias):
1. O A. é agente autorizado pela Federação Argelina de Futebol com a licença n.º xx/xx-09.
2. O R. é jogador de futebol profissional, de nacionalidade argelina tendo estado ao serviço do Sporting Club de Portugal. (alterado, nos termos adiante decididos)
3. Em 23 de Fevereiro de 2013, entre A. e R., foi celebrado um contrato de mediação – devidamente assinado pelos intervenientes. Posteriormente, em 08 de Fevereiro de 2014, foi celebrado um novo contrato de mediação entre os mesmos - devidamente assinado pelos intervenientes.
4. Consta do considerando n.º 4 do primeiro contrato, que “I. pretende beneficiar das competências e experiência do Agente Desportivo em matéria de transferência e de gestão da sua carreira desportiva, e, por conseguinte, as partes decidiram formalizar pela via contratual a colaboração com vista ao interesse comum”.
5. Este contrato vigoraria por um período de seis meses (com término em 1 de Setembro de 2013 inclusive) e a remuneração do A. consistia numa comissão de montante equivalente a “10% do montante global bruto estipulado pelo lucro do jogador ao longo do curso do contrato de trabalho negociado ou renegociado como agente” (cláusula 5.1).
6. Mais acordaram o pagamento do valor fixo no início do período coberto pelo contrato de trabalho do jogador, ou seja, do R. – cláusula 5.1.
7. O segundo contrato, estabelecia que o A. prestaria assistência em negociações, na prorrogação, na conclusão e no termo de qualquer contrato relativo a actividades desportivas e profissionais do jogador com um clube de futebol.
8. Nos termos da cláusula VI, as partes acordaram que: “Em contrapartida dos serviços do agente e em caso de recrutamento do Jogador para determinado clube ou numa hipotética prolongação do contrato de trabalho com o seu clube empregador dentro da execução do presente contrato, o jogador aceita pagar dez por cento do prémio da assinatura do contrato (ou do seu prolongamento) com um outro clube (ou com o seu clube actual) junto do qual foi contratado (ou prolongado) assim como dez por cento da remuneração bruta sobre a totalidade do seu contrato”.
9. Mais acordaram a “a remuneração do agente deverá ser paga pelo jogador (ou nos termos do artigo 19 ponto 4 do Regulamento da FIFA vigente, pelo seu novo empregador…e o mais tardar dentro dos quinze dias a contar da assinatura do contrato de trabalho com determinado clube junto do qual o Jogador foi contratado (ou prolongado)”.
10. Ainda na mesma cláusula acordaram as partes que “qualquer atraso ou recusa no pagamento acarretará um acréscimo sobre o valor principal em dívida de uma taxa de juro de 5% por ano com capitalização, para além de uma penalização de 1.000,00 €”. (corrigido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 607º, nº 4 segunda parte, ex vi art.º 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil para que esteja fielmente reproduzido o teor da cláusula em questão, tal como a mesma resulta do documento 2 junto com a P.I., não impugnado)
11. No seguimento da execução dos contratos supra mencionados o A. encetou negociações com vários clubes de futebol no sentido de conseguir a contratação do R.
12. Nesse sentido, recebeu propostas de vários clubes, nomeadamente:
a. do ESTAC Troyes,
b. do FC Nantes.
13. A imprensa, designadamente o site de futebol Argelino “Competition.dz” noticiou, em 04.02.2013 que o A. era o agente do R., noticiando o evoluir das negociações com o ESTAC, Nantes.
14. O site “DZfoot.com” noticiou, em 18.07.2013 que o R. comentou “no que concerne às conversações com o FC Nantes…confirma os contactos do clube, mas deixa nas mãos do seu agente, C., o poder de se ocupar dos seus negócios. (…) A pista Lisboeta, com o tempo muito quente esfriou repentinamente, e o futuro de I. parece estar mais na França entre Nantes e o Evian, mas o mercado ainda está longe, e as reviravoltas são possíveis até ao dia 2 de Setembro, data do encerramento do mercado Francês”.
15. Foi no seguimento das negociações levadas a cabo pelo A. que o R. conseguiu assinar um contrato de quatro anos, com o Sporting Club de Portugal, em 7/08/2013, contrato esse no valor global de € 1.612.013,30.
16. A contratação nestes termos para o Sporting Club de Portugal só foi conseguida devido ao bom desempenho dos serviços prestados pelo A. que era o agente do R. na referida data.
17. O A. participou nas negociações e burocracia relacionadas com o contrato com o SCP e acompanhou o R. no dia da assinatura do referido contrato,
18. O A. acompanhou, ainda o R. numa conferência de imprensa, já após ter assinado contrato com o Sporting Club de Portugal.
19. Em Outubro de 2014 o A. renegociou e conseguiu o aumento do salário do R. para o montante de € 220.000,00.
20. O A. a pedido do R., deslocou-se a Portugal várias vezes para ajudar o R.
21. Tendo mantido permanente contacto com ele, telefonicamente, quer para ajudar no dia a dia, quer para coadjuvar na interligação e adaptação inicial ao país.
22. O A. acompanhou o R. em todos os momentos primordiais durante a execução do contrato com o SCP.
23. A impressa, nacional e estrangeira, sabia quem era o agente do R., sendo auscultado sempre que necessário e prestando informação aos jornais desportivos.
24. Para lá do aspecto puramente profissional, o A. desenvolveu com o R. uma relação pessoal na qual o A. investiu a fundo para que fosse bem-sucedida.
25. O R. jogou no Campeonato do Mundo de 2013 em representação da Selecção Nacional da Argélia.
26. O A. instou o R. para liquidação dos valores contratualmente acordados.
27. Para obter a compensação pela sua prestação de serviços, o A. recorreu aos seus advogados, que o interpelaram para pagamento.
28. O A. intentou contra o R. um procedimento cautelar de arresto, já decretado e que correu os seus termos na Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1ª Secção Cível – J20, sob o n.º xxxxx/xx.4T9LSB.
29. Procedimento cautelar de arresto decretado por este Tribunal, no qual se requereu o arresto de créditos, saldos ou depósitos bancários, dois veículos automóveis e 2/3 do vencimento auferido no SCP.
30. No contrato celebrado entre o R. e o Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, consta expressamente da condição 16ª ter sido outorgado sem intervenção de qualquer agente.
31. Em Março de 2014 o R. ordenou que fosse entregue ao A. o bónus pelos direitos de marketing que a NIKE lhe atribuiu, no valor de € 15.000,00.
32. O A. não estava registado na Federação Portuguesa de Futebol.
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Na sentença recorrida considerou-se como não provado que:
a. O A. tenha recebido propostas para a transferência do R. dos seguintes clubes:
i. do Evian,
ii. do West Ham United,
iii. do Unión Deportiva Almería,
iv. do Trabzonspor Sportif Yatirim Ve Futbol,
v. do Essevee Grensverleggend CVBA
vi. e do Lokomotiv Moscou;
b. Daquelas negociações o A. sempre deu conhecimento ao R., nomeadamente, através de contacto pessoal e telefónico com o mesmo, contactos telefónicos que mantinham diariamente e várias vezes por dia;
c. Aliás na imprensa diária o aqui A. ia informando publicamente o evoluir das negociações, com o Sporting;
d. Em Dezembro de 2013, então devido à falta de tempo de jogo na perspectiva do Mundial por parte do R., o A. apresentou junto do SCP propostas de empréstimo com opção de compra, da parte do West Ham, Almeria e de um grande clube belga;
e. Outro exemplo do desempenho activo do trabalho do A. é o do Trabzonspor que esteve muito activo a tentar contratar o R.;
f. De outro lado, em Inglaterra, o West Ham, o Hull City e ainda o Hannover, da Bundesliga, manifestaram claramente as suas intenções, através de trabalho do A. em estabelecer os contactos.
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Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art.º 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, resulta das conclusões da alegação de recurso do R. que este visa a alteração dos pontos 2, 17 e 20, a par da eliminação dos pontos 15, 16 e 22, todos do elenco dos factos provados.
Ou seja, no que respeita à dimensão primária ou fundamental do ónus da especificação, correspondente à delimitação do objecto da impugnação da decisão de facto, pode-se afirmar que o R. deu cumprimento ao mesmo, já que delimitou a impugnação com relação aos referidos seis pontos da decisão de facto, concretizando igualmente as alterações pretendidas.
Assim, e relativamente à pretendida eliminação do ponto 22, sustenta o R. que a mesma se justifica por se tratar de um juízo conclusivo e sem qualquer conteúdo fáctico.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 365-366), “a separação entre o que constitui matéria de facto e que integra matéria de direito é questão que percorre toda a instância processual, desde os articulados, passando pela sentença, até aos recursos (…)”. E “os respectivos contornos poderão sofrer variações em função das concretas circunstâncias, designadamente em razão do verdadeiro objecto do processo, de tal modo que uma mesma proposição pode assumir, num determinado contexto, uma questão de facto e, noutro contexto, uma questão de direito”.
E como explica Paulo Ramos de Faria, no artigo “Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto)” (Julgar Online, Novembro de 2017), “é manifestamente errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto. Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis, inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas”.
O A. alegou na P.I. (ponto 44) a matéria que ficou a constar do referido ponto 22 dos factos provados, depois de alegar todo um conjunto de actos (pontos 37 a 43) que concretizam o referido acompanhamento do R. durante o tempo em que este esteve em Portugal, ao serviço do SCP. E alegou igualmente (ponto 45), como factualidade concretizadora do referido acompanhamento em “momentos primordiais”, o acompanhamento do R. “quando lhe foi endereçada carta com uma nota de culpa, com vista a instauração de processo disciplinar”.
Ou seja, é certo que o referido acompanhamento do R. “em todos os momentos primordiais durante a execução do contrato com o SCP” se apresenta com uma formulação conclusiva. Mas não deixa de estar reportada a uma determinada “descrição natural e inteligível da realidade”, assim se apresentando (ainda) com conteúdo fáctico, a determinar a sua inclusão no elenco de factos provados, e só assim se mostrando respeitado o disposto no art.º 5º do Código de Processo Civil.
Pelo que é de manter o ponto 22 no elenco dos factos provados.
Relativamente à alteração do ponto 20, pretende o R. que se adite ao mesmo o período temporal em que decorreram as deslocações do A. a Portugal, tendo em atenção o teor dos documentos 12 a 24 juntos com a P.I., e de onde emergem as datas das viagens aéreas que o A. fez, tendo Lisboa como destino.
Sucede que o pretendido aditamento se apresenta como irrelevante para os fins do presente recurso.
Com efeito, o âmbito do presente recurso prende-se com a determinação da relação contratual estabelecida entre as partes, tendo em vista o reconhecimento do direito do A. a uma remuneração devida pelo R., correspondente a “10% do montante global bruto estipulado pelo lucro do jogador [o R.] ao longo do curso do contrato de trabalho negociado” com o SCP (ponto 5 dos factos provados, que não foi objecto de impugnação). E tal remuneração será devida caso seja de afirmar a validade dos contratos celebrados entre as partes e bem ainda que foi na sequência da actividade desenvolvida pelo A. junto do SCP (enquanto expressão do cumprimento das obrigações assumidas contratualmente) que o R. assinou o referido contrato de trabalho desportivo com essa entidade.
Ou seja, o que releva para a determinação do direito do A. não é a qualidade e quantidade da ajuda prestada pelo A. ao R. no tempo em que este esteve ao serviço do SCP (durante três épocas desportivas, entre 2013 e 2016, como se pode retirar da consulta ao site www.zerozero.pt), mas antes a contribuição do A. para a celebração, em 7/8/2013, do contrato de trabalho desportivo entre o R. e o SCP.
E como as datas das deslocações que o R. visa concretizar situam‑se entre 22/10/2013 e 30/9/2014, logo se alcança que as mesmas não se devem ter por compreendidas na referida contribuição do A. para a celebração do contrato de trabalho desportivo, mas antes para a referida ajuda prestada ao R., que em nada releva para a afirmação do direito do A. à retribuição referida.
Pelo que se torna inútil estar a alterar o ponto 20, como pretendido pelo R.
Relativamente à alteração do ponto 2, visa o R. que se concretize o tempo em que esteve ao serviço do SCP.
Tal concretização apresenta-se com relevo para a questão da (eventual) determinação quantitativa do direito de crédito do A., uma vez que o R. sustenta que o cálculo da remuneração do A. não pode ter por referência o “montante global bruto” da remuneração prevista no contrato celebrado entre o R. e o SCP, dado que este reportava-se a um período temporal de quatro épocas desportivas, mas o R. só esteve ao serviço do SCP durante três épocas desportivas.
Assim, e tendo-se já apurado que a relação laboral entre o R. e o SCP só durou três épocas desportivas, importa aditar tal factualidade ao ponto 2, nos termos pretendidos pelo R.
Assim, altera-se o ponto 2 nos seguintes termos:
2. O R. é jogador de futebol profissional, de nacionalidade argelina, tendo estado ao serviço do Sporting Club de Portugal durante três épocas desportivas, entre 2013 e 2016.
Relativamente aos pontos 15, 16 e 17, visa o R. que se eliminem os dois primeiros e que se elimine do último a referência à participação do A. nas negociações e burocracia relacionadas com o contrato por si celebrado com o SCP.
Não estando em causa que o R. celebrou com o SCP um contrato de trabalho desportivo, a vigorar durante quatro épocas desportivas e com o valor global de € 1.612.013,30, aquilo que o R. pretende é que se elimine da factualidade provada qualquer referência à actividade do A. no sentido da outorga desse contrato, actividade essa decorrente do contrato mencionado em 3 dos factos provados.
Na sentença recorrida ficou motivada pela seguinte forma a verificação da factualidade em questão:
A convicção do Tribunal expressa na factualidade elencada resultou da análise critica e ponderada de toda a prova produzida nos autos, designadamente documental conjugada com o depoimento da testemunha inquirida em sede de audiência, declarações de parte da A. e bem assim, por acordo das partes.
Prestaram depoimento as seguintes testemunhas:
(…)
- M., advogado especializado em desporto e em futebol.
Afirmou conhecer o A. e saber que ele foi agente do R. Teve conhecimento do contrato celebrado com o R. em 2013 porquanto ajudou na sua redacção. Quanto ao contrato com o SCP referiu saber que o clube de Lisboa estava interessado no R. e que o A., apesar de não ter tido o 1º contacto acabou por ser envolvido nas negociações por ser agente do R., sendo que acompanhou estas negociações porquanto o A. lhe pediu sugestões e conselhos, por telefone, antes da assinatura do contrato.
(…)
- Prestaram depoimento e declarações de parte o R, e o A.
O R. admite a celebração dos contratos em causa nos autos, admitindo que o A. foi seu agente desde 2013 até ao início de 2015. Admitiu, ainda o A. que o R. o acompanhou a Lisboa, que esteve presente na assinatura do contrato, que posteriormente negociou o aumento com o clube. Confirmou as viagens do A. a Portugal, confirmando que veio para o visitar, referindo que quando se tem o contrato, o trabalho do agente é acompanhar o jogador mas como não lhe trouxe nenhum clube decidiu não renovar o contrato.
O A. explicou como acompanhou a carreira do jogador no Sporting, contactos que manteve.
Mais esclareceu como decorreu a vinda do R. para o SCP e a intervenção que teve na assinatura de tal contrato.
(…)
Os factos 15 e 16 assim se consideraram porquanto, não obstante ter resultado das declarações das partes que A. e R. vieram a Lisboa falar com o Sporting, por intermédio do Clube Argelino para o qual o R. jogava, o certo é que em data anterior já as notícias davam nota do interesse do SCP no jogador, conforme facto 14. Por outro lado, resultou que o A. acompanhou o R. a Lisboa, esteve presente nas negociações entre o jogador e clube, aconselhando o jogador a assinar o contrato. Efectivamente, das declarações e A. e R. resultou que entre estes existia uma relação de proximidade e confiança e que o jogador aceitaria assinar o contrato com o clube se o agente assim o aconselhasse.
Acresce ainda que da conjugação das declarações do A., que se afiguraram sérias, relatando como decorreu a negociação, com o depoimento da testemunha M., formou o Tribunal a convicção de que o A. não só esteve presente como negociou e ajustou as cláusulas do contrato de modo a que o R. o assinasse
As fotografias juntas aos autos determinaram a prova dos factos 17 e 18”.
Contrapõe o R. que as declarações que prestou na audiência final (cujas passagens identifica), quando conjugadas com as declarações prestadas pelo A., apresentam-se como determinantes para afastar a verificação da factualidade em questão, na medida em que daí resulta que o A. apenas esteve em Lisboa para acompanhar a negociação do contrato do R. com o SCP, a qual estava a ser feita por elementos de uma entidade denominada “Clássico”.
É certo que decorre da letra e do espírito do art.º 466º do Código de Processo Civil que as declarações de parte são susceptíveis de, só por si, servir de meio de prova, devendo ser valoradas da mesma forma que é valorado um depoimento testemunhal.
Com efeito, e como afirmam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 529 532), quanto à prova por declarações de parte, “ao invés de um mero poder/dever do tribunal, regula-se aqui um verdadeiro direito potestativo de natureza processual conferido a qualquer das partes, permitindo-lhe oferecer-se para prestar declarações”.
Do mesmo modo, “não se diga, de forma preconcebida, que a parte irá reproduzir a versão dos factos que o seu mandatário já terá exposto nos articulados. O poder da imediação não deve ser desconsiderado, do mesmo modo que não deve ser desprezado o relevo que pode ser atribuído a declarações mais ou menos espontâneas de alguém que não está condicionado necessariamente pelos efeitos jurídicos que podem ser extraídos das suas declarações. É que uma coisa é a versão da parte exposta pelo seu mandatário (…); outra, bem diversa, é a que pode emanar da própria parte quando depõe perante o juiz, tudo podendo decorrer de modo mais espontâneo e impressivo, permitindo porventura uma maior aproximação à realidade que subjaz ao litígio”.
E do mesmo modo, ainda, “a circunstância de, por princípio, este meio de prova resultar da iniciativa da parte que se propõe depor não é de molde a negar a sua utilidade, pois tudo decorrerá com sujeição ao teste do interesse que a parte tem no desfecho da acção, acrescendo que tais declarações, quando não tenham valor confessório, são livremente apreciadas pelo tribunal (…)”, pelo que “nada obstará a que factos que, de acordo com a lei substantiva, não estejam sujeitos a prova tarifada, sejam considerados provados com base nas declarações da parte, se acaso o tribunal se convencer da sua veracidade”.
E estando as declarações da parte sujeitas ao princípio da livre apreciação, “pese embora a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma auto suficiente, assumindo um valor probatório autónomo”, havendo que “valorar em primeiro lugar as declarações de parte e só depois a pessoa do depoente, porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações de parte e incorrer no viés confirmatório”.
Também este Tribunal da Relação de Lisboa vem concluindo repetidamente pela auto suficiência e valor probatório autónomo das declarações de parte, como no acórdão de 26/4/2017 (relatado por Luís Filipe Pires de Sousa e disponível em www.dgsi.pt), quando se afirma que “no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente”, mais se afirmando que “em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”. Ou ainda como no acórdão de 28/5/2019 (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt), quando se afirma que “as declarações de parte estão ao mesmo nível que os demais meios de prova, sendo valoradas de forma autónoma e integrada, sem que se estabeleça qualquer hierarquia entre os vários elementos probatórios”, o que significa que “as declarações de parte devem ser valoradas, ponderando-se o seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra”.
Assim, e no caso concreto das declarações do R., aquilo que importa apurar é se as mesmas são merecedoras de credibilidade, no que respeita às relatadas circunstâncias em foi negociado o contrato de trabalho desportivo que celebrou com o SCP, e designadamente no que respeita à intervenção do A. como mero acompanhante.
Dito de outra forma, o que está em causa não é a recusa arbitrária da tese fáctica apresentada pelo R., apenas porque resulta das próprias declarações do mesmo. O que está antes em causa é aferir se o relato apresentado pelo R. se apresenta em concordância com a restante prova produzida, não se desviando daquilo que é a “ordem natural das coisas” e que permite afirmar, segundo juízos de experiência comum, que o relatado é verosímil e, nessa medida, representa a expressão da actuação do A. no âmbito das negociações preliminares à celebração do contrato de trabalho desportivo.
Ora, desde logo, milita a favor da inverosimilhança do relatado pelo R. a circunstância de inexistir qualquer referência, no contrato de trabalho desportivo celebrado com o SCP, a qualquer entidade denominada “Clássico” (ou um seu qualquer representante), agindo perante o SCP na qualidade de agente, intermediário, mediador, ou mesmo gestor, do R.
Do mesmo modo, inexiste qualquer escrito onde esteja corporizada a vontade do R. (ainda que expressa imperfeitamente) de beneficiar dos serviços da referida “Clássico” (ou de qualquer outra entidade com denominação semelhante) para gerir a sua carreira de futebolista profissional e, designadamente, negociar a sua transferência para o SCP (ou para qualquer outro clube).
Todavia, esse mesmo escrito existe, no que respeita ao A. (trata-se do contrato identificado em 3 dos factos provados, e que não é objecto de impugnação), em termos que o próprio R. reconheceu nas declarações que prestou. E, do mesmo modo, a imprensa da especialidade reconhece a existência dessa ligação entre A. e R., identificando o A. como “agente” do R., mas sem fazer qualquer menção à existência da referida “Clássico”, igualmente nessa qualidade funcional.
Ou seja, face à divulgação jornalística do interesse do R. em ser transferido do clube argelino onde jogava para um clube europeu, e mais sendo divulgado o interesse de dois clubes franceses, para além da possibilidade de ser transferido para o SCP, a “ordem natural das coisas” aponta para que, caso as abordagens respectivas estivessem a ser feitas pela referida “Clássico”, fosse o nome dessa entidade que surgisse na comunicação social (ou, pelo menos, o nome de algum dos elementos da mesma) como agente/mediador do R., e não o nome do A., como resulta da factualidade apurada.
Do mesmo modo, a referida “ordem natural das coisas” determinaria que se tivesse sido a “Clássico” quem tivesse actuado como agente/mediador do R. nas negociações com o SCP, seria algum elemento da referida entidade que acompanharia o R. no dia da assinatura do contrato com o SCP, bem como na conferência de imprensa que se lhe seguiu. Todavia, da factualidade apurada não resulta essa presença, mas sim a presença do A.
Acresce, por último, que inexiste qualquer prova testemunhal que corrobore as declarações do R., do mesmo modo que as declarações prestadas pelo A. também as não corroboram, relativamente à não intervenção do A., por contraponto à intervenção da referida “Clássico”. Pelo contrário, o que resulta da conjugação do depoimento da testemunha M. com o teor das notícias surgidas acerca da transferência do R. é que foi o A. que conduziu as negociações respectivas, do lado do R., tal e qual o A. o referiu nas suas declarações.
Ou seja, do apontado conjunto de circunstâncias retira-se a inverosimilhança dos factos relatados pelo R., o que equivale a afirmar a falta de credibilidade do seu testemunho pessoal, que determina que não seja acolhido para a demonstração de que não foi o A., mas sim uma terceira entidade, quem cuidou de negociar com o SCP os termos do contrato de trabalho desportivo que o R. celebrou.
Pelo que não há que eliminar do elenco dos factos provados a factualidade dos pontos 15 e 16, nem há que alterar a factualidade do ponto 17.
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Em suma, e no que respeita à impugnação da decisão de facto, apenas há lugar à alteração da matéria factual do ponto 2, nos termos acima decididos, mantendo-se no mais o elenco de factos provados que consta da sentença recorrida.
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Da validade dos contratos celebrado entre as partes
Segundo a al. d) do art.º 2º da Lei 28/98, de 26/6 (em vigor à data dos factos em apreço), entende-se por empresário desportivo a “pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos”.
Por outro lado, resulta do nº 1 do art.º 23º da mesma Lei 28/98, de 26/6, que “os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade”.
E mais resulta do nº 4 do mesmo art.º 23º que “os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos que se não encontrem inscritos no registo referido no presente artigo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam a respectiva remuneração pela prestação desses serviços, são considerados inexistentes”.
Não sofre controvérsia que o relacionamento entre A. e R. tem na sua génese a intitulada qualidade funcional do A. de “agente desportivo”, isto é, de intermediário na contratação do R. enquanto jogador profissional de futebol.
Nessa medida, e como decorre do nº 1 do referido art.º 23º, carecia o A. de estar registado como tal junto da Federação Portuguesa de Futebol, o que resulta demonstrado não se ter verificado.
Nessa mesma medida, e desde que os contratos celebrados entre A. e R. hajam de ser qualificados como contratos de mandato, serão os mesmos tidos por inexistentes, (segundo a terminologia do nº 4 do referido art.º 23º da Lei 28/98, de 26/6).
Com efeito, e como vem afirmando o Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 28/9/2017 (relatado por Olindo Geraldes e disponível em www.dgsi.pt), “para além da autorização do exercício da actividade de empresário desportivo, este, em Portugal, tem ainda de estar registado na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga de Clubes de Futebol Profissional”, sendo que a “falta de tal registo acarreta a invalidade do contrato de prestação de serviço, na modalidade de mandato, celebrado com empresário desportivo, considerando-se o contrato juridicamente inexistente, por disposição expressa da lei (art.º 23.º, n.º 4, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho)”.
Por outro lado, e como ficou afirmado no acórdão de 6/12/2017 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Higina Castelo e disponível em www.dgsi.pt), “sendo a inexistência jurídica um conceito controverso, de contornos imprecisos, sem regime legalmente estabelecido, mas de consequências pelo menos tão gravosas como a nulidade, a norma que a estabelece para um dado «contrato» deve ser interpretada de forma contida, estrita e rigorosa, pois no campo dos contratos, o princípio é o da liberdade”. E, por isso, é que aí se conclui que “se a norma determina que os contratos de mandato (celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo) são inexistentes, não devemos ir além da letra do preceito e incluir outros contratos, eventualmente próximos, mas que não se qualifiquem como mandato”.
Ou seja, para que se possa afirmar o vício da inexistência dos contratos celebrados entre A. e R., em razão da falta de inscrição do A. no registo da Federação Portuguesa de Futebol, torna-se necessário que os mesmos possam ser qualificados como contratos de mandato.
Essa mesma linha de raciocínio foi a utilizada na sentença recorrida, aí se concluindo que a actuação do A. “não pode qualificar-se como de mandato”, através da seguinte fundamentação:
(…) o contrato celebrado entre A. e R. visava a prestação de serviços pela A. tendentes a prestar assistência, fornecer conselhos e orientação em matéria de transferências e gestão de carreira. Ou seja, a actuação do A. visava permitir a celebração de contratos pelo Réu, sem que o A. tivesse qualquer intervenção nessa contratação, não actuando em nome ou em representação do Réu, daí que, no contrato celebrado com o SCP tenha ficado a constar, na cláusula 16ª, que inexistiu intervenção de um agente. O que implica concluir que não pode qualificar-se o contrato celebrado entre A. e R. como de mandato, já que o A. não interveio como mandatário do Réu em qualquer momento, nem, em qualquer momento, praticou qualquer acto jurídico por conta ou em nome do réu.
É inquestionável que o A. agiu como intermediário, no sentido em que mediou, facilitou, negociou cláusulas, aproximando as partes, assim auxiliando a contratação, mas sem que tenha tido qualquer intervenção no contrato visado. Não pode, pois, ter‑se o contrato celebrado como e mandato e como tal, não é subsumível ao disposto no n.º 4 do art.º 23º da lei 28/98 de 26/07, que refere que é inexistente “o contrato de mandato celebrado com empresário desportivo não inscrito no registo referido no art.º 23.”
Na verdade, afigura-se que tal exigência apenas se aplica aos casos de mandato e não já aos de intermediação em que não haja representação ou em que o empresário desportivo não actue por conta ou em nome de outrem.
É que só na situação de mandato se justifica tal exigência porquanto o mandato implica a prática de actos jurídicos, exigindo-se, assim, um empresário especialmente idóneo, enquanto que na simples intermediação apenas são realizados actos materiais tendentes à realização futura de actos jurídicos”.
Com efeito, e como resulta da definição do art.º 1157º do Código Civil, o “mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, 1986, pág. 706), “normalmente os actos praticados pelo mandatário, em consequência do mandato, são negócio jurídicos. Mas podem não o ser; podem ser simples actos jurídicos (cfr. art.º 295º). Há mandato, por exemplo, quando se encarrega alguém de confessar um facto ou o direito de terceiro, de interpelar o devedor para pagar, de publicar um obra literária (…), de efectuar um pagamento, etc. sempre, porém, as utilidades que o acto oferece ao mandante provêm dos efeitos jurídicos do acto (…)”. E acrescentam ainda que é essencial que “o acto jurídico deve ser praticado (…) por conta do mandante”.
Regressando ao caso concreto, ficou tão só demonstrado que:
• Pelos contratos celebrados com o R. o A. obrigou-se a negociar um contrato de trabalho desportivo para aquele;
• A remuneração devida ao A. correspondia a 10% do montante fixado como retribuição total do R. nesse contrato de trabalho desportivo que fosse outorgado em resultado de tal actividade do A.;
• O A. encetou negociações com vários clubes de futebol e recebeu propostas dos mesmos;
• No seguimento dessas negociações o R. outorgou um contrato de trabalho desportivo por quatro anos e com um montante global de € 1.612.013,30;
• O A. participou nas negociações e burocracia relacionados com tal contrato de trabalho;
• O R. só conseguiu assinar tal contrato de trabalho desportivo devido ao bom desempenho dos serviços prestados pelo A.;
• Na época desportiva seguinte o A. renegociou e conseguiu um aumento do salário do R., no valor de € 220.000,00.
A respeito “Da Nulidade ou da Inexistência de um Contrato de Prestação de Serviço, na Sua Modalidade de Contrato de Mandato, Quando o Empresário Desportivo Não Está Inscrito na Respectiva Federação” (comentário ao já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/9/2017, publicado no BFDUC (ano de 2019), vol. XCV, Tomo I, pág. 213 e seguintes, e igualmente disponível para consulta online em http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=113), Mafalda Miranda Barbosa explica que “a doutrina vem apontando com principal nota diferenciadora entre o mandato e o contrato de mediação a juridicidade do acto do mandatário, por oposição à actividade material prestada pelo mediador”. Para sustentar tal afirmação a autora remete para os ensinamentos de Higina Castelo, na obra “O contrato de mediação”, onde se afirma (pág. 303) que “as semelhanças entre os dois contratos não são despiciendas. Em ambos os casos, alguém desenvolve uma actuação no interesse de outrem, tendo por finalidade a efectivação de um ou vários actos jurídicos (ainda que no caso da mediação a celebração destes não faça parte da prestação). Em ambos os casos também, aquela actuação pode englobar, a título acessório, actos jurídicos e/ou actos materiais”. E mais afirma esta última autora (pág. 304) que “a circunstância de a actuação do mandatário poder englobar a do mediador – o mandatário deve praticar os actos, jurídicos ou simplesmente materiais, acessórios ou preparatórios do acto jurídico de que foi incumbido –, aliada à de o mandatário estar sujeito a não conseguir, afinal, ultimar o acto jurídico para o qual foi contratado, pode conduzir a que na prática seja difícil reconduzir um contrato concreto a uma ou a outra das espécies contratuais”.
E é a partir destas considerações que Mafalda Miranda Barbosa conclui (ainda que com referência ao caso concreto apreciado no referido acórdão de 28/9/2017 do Supremo Tribunal de Justiça) que “só haverá mandato se o empresário desportivo tiver sido incumbido de celebrar o contrato com o jogador por conta da SAD”, mais advertindo que “em face de eventuais dificuldades qualificativas do negócio celebrado (…), devemos entender que estamos diante de um contrato de mediação e não de um contrato de mandato, salvaguardando-se a sua validade”.
Ora, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, embora não esteja em dúvida que as negociações desenvolvidas pelo A. correspondem à prática de actos materiais tendentes à celebração de um negócio jurídico (o contrato de trabalho desportivo por parte do R., incluindo o posterior aumento do salário), a ausência de elementos factuais seguros quanto à prestação do A. (quer aquela estipulada, quer aquela efectivamente realizada) aconselha que se afaste a qualificação dos contratos como sendo de mandato, antes os reconduzindo a contratos de mediação.
E, nessa medida, é de afastar a verificação do vício da inexistência acima referido, antes havendo de considerar, como na sentença recorrida, que se está perante uma relação contratual válida e eficaz, a determinar o cumprimento das obrigações daí emergentes.
Pelo que, nesta parte, improcedem as conclusões do recurso do R.
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Da obrigação pecuniária do R.
Face ao acima exposto resulta ter o R. ficado obrigado a pagar ao A. a contrapartida pecuniária dos serviços prestados por este, correspondente a “10% do montante global bruto estipulado pelo lucro do jogador [o R.] ao longo do curso do contrato de trabalho” celebrado com o SCP.
Do mesmo modo, o R. ficou obrigado a pagar ao A. a mesma percentagem de 10% quanto ao valor do aumento do salário que lhe era pago pelo SCP, aumento esse (no valor de € 220.000,00) que resulta demonstrado ter sido renegociado e conseguido pelo A.
Ou seja, o R. ficou obrigado a pagar ao A. o montante de € 183.201,33, correspondente a 10% de € 1.832.013,30 (soma de € 1.612.013,30 com € 220.000,00).
Argumenta o R. que o montante devido ao A. deve ser reduzido, porque o valor global sobre o qual foi calculado correspondia ao salário do R. durante quatro anos, mas o contrato de trabalho desportivo durou apenas três anos (correspondentes a outras tantas épocas desportivas).
Como resulta do convencionado entre as partes, o cálculo da remuneração do A. tem por base o “montante global bruto” do valor salarial devido ao R. e fixado no contrato de trabalho, devendo ser satisfeito no “início do período coberto pelo contrato de trabalho”. Ou seja, não estão em causa os salários efectivamente auferidos pelo R. ao longo do contrato de trabalho desportivo, mas o valor fixado como correspondendo ao montante global desses salários, previsto no contrato (e sua renegociação), só assim se compreendendo que a remuneração do A. devesse ser paga por inteiro no início do contrato de trabalho, e não parcelarmente, por referência a cada ano/época desportiva.
E como já se viu que esse montante salarial global ascende a € 1.832.013,30, é sobre o mesmo que deve incidir o referido cálculo da remuneração devida ao A.
Por outro lado, apenas resulta demonstrado o pagamento do montante de € 15.000,00.
Pelo que o R. deve ser condenado no pagamento ao A. do montante ainda em dívida (€ 168.201,33), assim se mantendo o decidido pela instância recorrida, nesta parte.
Já relativamente à indemnização pela mora no cumprimento de tal obrigação pecuniária, as partes convencionaram juros moratórios de 5% ao ano. Pelo que, em obediência ao disposto nos art.º 804º a 806º, nº 2, todos do Código Civil, o R. deve ser igualmente condenado a pagar juros de mora a tal taxa convencional, sendo os mesmos devidos desde a citação e até integral pagamento, como referido na sentença recorrida.
Já relativamente aos restantes montantes destinados a indemnizar a mora, a parte da cláusula VI que os prevê apresenta-se como inválida, porque violadora do princípio da proibição de anatocismo de juros moratórios.
Com efeito, e como se conclui no acórdão de 28/2/2013 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado pelo ora primeiro adjunto e disponível em www.dgsi.pt), “o art.º 560 do CC permite, sob determinadas condições, o anatocismo (a capitalização de juros), mas apenas de juros remuneratórios, não de juros moratórios”.
Do mesmo modo, explicam Diogo Costa Gonçalves e Diogo Tapada dos Santos (Juros moratórios, indemnização e anatocismo potestativo, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXI (2020), 2, pág. 228-229) que “sendo os juros de mora uma indemnização, eles não se podem reconduzir a um novo crédito – como recordava Vaz Serra – que tenha por conteúdo uma nova disponibilização de dinheiro ao devedor. A mora causa certamente prejuízo e é esse dano que os juros de mora visam ressarcir; o que a mora seguramente não causa é uma fictícia disponibilização de dinheiro ao devedor, porquanto se está já a sancionar a disponibilização da prestação em mora”. E explicam ainda que “para mais, é uma indemnização que, no quadro geral da responsabilidade civil, envolve uma presunção de dano, como vimos, mas que não exclui a prova de um dano concreto superior ao valor dos juros moratórios (dano abstracto).
Ora, a possibilidade de anatocismo de juros moratórios levaria à majoração do dano abstracto e, deste modo, à obtenção de um valor indemnizatório superior ao valor abstractamente consentido pelo legislador, dispensando o lesado da prova do dano e do nexo de causalidade”.
Pelo que, reafirmando que “o escopo indemnizatório dos juros de mora visa colocar o credor na situação em que estaria caso o devedor houvesse pontualmente cumprido”, mas “não visa, seguramente, colocá-lo numa situação de vantagem, beneficiando do incumprimento”, concluem tais autores que “se o credor é lesado in concreto em montante superior ao valor resultante dos juros moratórios, nada o impede de fazer prova desse dano e deduzir a correspondente pretensão indemnizatória: consente-o o próprio n.º 3 do artigo 806.º”. E, “fora destes casos, a indemnização do credor, pela mora, circunscreve-se aos juros moratórios, sem possibilidade de capitalização”, o que equivale a dizer que “o anatocismo de juros moratórios não é permitido no direito português”.
Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins (Capitalização de juros moratórios, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 148º, nº 4016, Maio-Junho, 2019, pág. 272-315) sustentam posição contrária, a qual consta igualmente de artigo do primeiro autor com idêntico título e conteúdo (publicado em “A tutela dos Credores”, Encontros de Direito Civil II, Universidade Católica Portuguesa, 2020, pág. 415-447).
Todavia, já no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/4/2005 (sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-civel-2005.pdf) se concluía que:
O atraso no pagamento dos juros moratórios não dá lugar a novos juros. Constituindo os juros moratórios a indemnização devida, não parece razoável que esses juros “indemnizatórios” vençam novos juros, ao menos por acto unilateral do credor, como seria a notificação para capitalização nos termos do art.º 560 do CC”.
E essa vem sendo a posição maioritariamente assumida, dispensando-se aqui, por desnecessária, a repetição da demais jurisprudência mencionada no referido acórdão de 28/2/2013 deste Tribunal da Relação de Lisboa e no referido artigo de Diogo Costa Gonçalves e Diogo Tapada dos Santos, que mais não serve que de reforço à referida afirmação da proibição do anatocismo de juros moratórios.
Pelo que fica assim fundamentada a inaplicabilidade da cláusula contratual na parte em questão, que mais não visa que operar a referida (e proibida) exponenciação da indemnização pela mora, fazendo incidir sobre os juros moratórios novos cálculos de indemnizações.
O que significa que é de alterar o dispositivo da sentença recorrida, no sentido, tão só, da condenação do R. no pagamento do referido montante de € 168.201,33, acrescido de juros de mora à taxa de 5%, vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento, e assim estando encontrada a medida da procedência do recurso.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se parcialmente procedente o recurso e altera-se o dispositivo da sentença recorrida, sendo o R. condenado a pagar ao A. a quantia de € 168.201,33 (cento e sessenta e oito mil duzentos e um euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa convencional de 5%, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, e sendo absolvido do demais peticionado.
Custas da acção e do recurso por A. e R., na proporção do decaimento.

22 de Maio de 2025
António Moreira
Pedro Martins (com declaração de voto)
Laurinda Gemas
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Declaração de voto:
Quanto às declarações de parte: como se retira da argumentação do acórdão, o que importa, ao fim e ao cabo, é que as declarações de parte, não estando corroboradas por qualquer outro elemento de prova, não merecem credibilidade. De qualquer modo, quanto a elas e para o seu carácter subsidiário, remeto para a declaração de voto que fiz no ac. do TRL de 21/03/2024, proc. 13272/22.0T8LSB.L1-2, ou para uma versão mais desenvolvida em Da suposta auto-suficiência das declarações de parte.
Pedro Martins