PENHOR FINANCEIRO
MÁ-FÉ
PREJUÍZO
Sumário

- O penhor é uma garantia especial que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, sendo que o penhor financeiro se apresenta como uma modalidade de contrato de garantia financeira;
- “O aumento do capital social por novas entradas, sempre que não subscrito pelo titular de acções, conduz a uma diminuição do seu valor e dos direitos a elas inerentes no seio da sociedade. Consequentemente, se as acções tiverem sido dadas em penhor, também o valor da garantia diminuirá” – cfr. Tiago Soares da Fonseca – in O Penhor de Acções, 2.ª Edição, pág. 102-104;
- Tendo o empenhador exercido os direitos de subscrição que lhe pertenciam e conforme foi acordado entre as partes, deverá entregar ao credor pignoratício o correspondente número de novas acções, de modo a evitar que o valor de mercado dos títulos empenhados não sofra diminuição;
- Agem de má fé as rés integradas no mesmo grupo de empresas que, tendo conhecimento do sentido e alcance do negócio e, particularmente, dos seus efeitos perante o credor pignoratício, adquirirem e transmitem as acções subscritas aquando do aumento do capital social, sabendo que a diluição da percentagem e do consequente valor das acções dadas em penhor àquele agravava a impossibilidade de cobrança do crédito. E tal agravamento consubstancia um prejuízo para o credor na acepção do art.º 612.º, n.º 2, do Código Civil, independentemente do último propósito ou finalidade da ré adquirente.

Texto Integral

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.
1.1. O autor Banco Comercial Português, S.A., intentou a presente acção sob a forma de processo comum contra as rés:
1. Associação de Coleções,
2. Statuschange, Lda., e,
3. Bacalhôa – Vinhos de Portugal, S.A..
Alegou que, de acordo com os estatutos da Associação de Coleções, são assegurados aos associados as seguintes percentagens de votos:
a) A: cinquenta e um por cento [51%];
b) B: dez por cento [10%]”.
Até julho de 2021, a AC deteve, direta e indiretamente, 100% do capital social da Statuschange.
O capital social da Metalgest e respetivos direitos de voto são detidos:
- Em 35,1 % por A, e
- Em 47,48% pela Fundação A.
Para garantia do bom cumprimento das responsabilidades assumidas pela Metalgest, foram constituídos, entre 2009 e 2011, entre outras garantias, penhores financeiros sobre um total de 16.508.157 ações representativas (então) de 30,742211% do capital social da Bacalhôa, detidas pela Metalgest, pela AC e por A.
O conjunto de financiamentos concedidos pelo BCP à Metalgest veio a ser objeto do Acordo de Consolidação de Financiamentos, tendo como partes o BCP, na qualidade de credor, a Metalgest, na qualidade de devedora, e a AC e A, na qualidade de devedores pignoratícios.
Em 8 de maio de 2017, o BCP interpelou a Metalgest para proceder ao pagamento da dívida que então se cifrava no montante de € 59.701.361,91.
Não tendo a Metalgest promovido a liquidação do referido montante em dívida, em 16 de maio de 2021, o BCP veio instaurar a competente ação executiva contra a Metalgest e contra a AC e A, estes na qualidade de devedores pignoratícios, pelo montante de € 76.212.601,55.
O BCP também honrou a Garantia Bancária emitida a pedido da Metalgest e procedeu ao pagamento da quantia de € 1.750.000.
Em 28 de novembro de 2012, entre o BCP, na qualidade de credor, a Metalgest, na qualidade de devedora, e a AC, na qualidade de autora do penhor, foi celebrado o Contrato de Penhor de Ações, tendo a AC constituído a favor do BCP penhor financeiro de primeiro grau (…) sobre 742.653 ações, tituladas, nominativas, (…), representativas de 1.43% do capital social da Bacalhôa – Vinhos de Portugal, S.A. e respetivos direitos de voto, que se encontram depositadas na conta de títulos ... de que a Associação de Colecções é titular junto do Millennium bcp”.
Através da consulta das publicações societárias no Portal da Justiça que promoveu em dezembro de 2017, o BCP apercebeu-se de terem sido tomadas pelos órgãos sociais da Bacalhôa deliberações sociais com impacto direto nos penhores financeiros a seu favor constituídos sobre as ações representativas do seu capital social, nomeadamente:
(i) Que as ações representativas do capital social da Bacalhôa passariam a ser escriturais; e,
(ii) Que foram deliberados dois aumentos de capital, um em espécie e outro em dinheiro.
Além disso, a AC, algures no ano de 2020 ou no início deste ano de 2021, transmitiu à Statuschange mais de 95% das Novas Ações.
Peticionou o seguinte:
i. Ser declarada ineficaz e sem qualquer efeito, relativamente ao Autor, a transmissão de 5.165.102 e 265.497 ações representativas do capital social da Bacalhôa, feita pela 1.ª Ré a favor da 2.ª Ré, nos termos dos artigos 610.º e seguintes do CC;
ii. Ser declarado que o Autor tem direito a obter a satisfação do seu crédito à custa das identificadas ações, praticando todos os atos de conservação e garantia patrimonial previstos na lei e nos contratos de penhor financeiro celebrados e, bem assim, a executá-las, nos termos do artigo 616.º, n.º 1, do CC;
iii. Ser ordenado que a 3.ª Ré proceda ao registo, no registo de emissões de valores mobiliários da Sociedade, do penhor financeiro de primeiro grau a favor do BCP sobre as 5.165.102 e 265.497 ações representativas do seu capital social, nos termos e condições Previstos no Penhor Financeiro Dívida Consolidada e Penhor Financeiro Garantia Bancária.
Subsidiariamente, caso não se considere procedente o pedido principal de impugnação pauliana, deverá declarar-se a nulidade, por simulação, da transmissão das Novas Ações da AC para a Statuschange.
*
1.2. A ré BACALHÔA – VINHOS DE PORTUGAL, S.A., contestou a acção, excepcionando a sua ilegitimidade e impugnando a generalidade dos factos invocados pela autora.
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1.3. A ré STATUSCHANGE, LDA., contestou a acção referindo que a cláusula contratual que ampliou o penhor de ações existentes a ações futuras é, pura e simplesmente, nula, por o penhor financeiro, que é aquele que está em causa nos autos, ter como requisito essencial, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 105/2004 (Regime Jurídico dos Contratos de Garantia Financeira), a efetiva prestação da coisa empenhada ao credor, o que não sucedeu relativamente às ações da BVP, que só tiveram existência jurídica posteriormente à celebração do contrato de penhor. A transmissão de ações da AdC resultantes de aumentos de capital da BVP a favor da Statuschange foi feita através de contrato inteiramente válido e regular.
Pugnou pela improcedência da acção.
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1.4. A ré Associação de Colecções também contestou a acção, impugnando a generalidade dos seus fundamentos e defendendo a sua manifesta improcedência. A circunstância de não ter sido demandada a pretenda devedora Metalgest, constitui preterição de um litisconsórcio necessário natural, logo uma situação de ilegitimidade passiva.
Terminou requerendo que se julgue procedente a exceção dilatória da ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário natural, determinando, em caso de não suprimento, a absolvição dos RR da instância. Assim não se entendendo, que se julgue improcedente a ação.
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1.5. A autora respondeu às excepções.
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1.6. Foi proferido despacho a sanear os autos, julgando improcedente as invocadas exceções de ilegitimidade passiva e de preterição de litisconsórcio necessário.
Após julgamento da causa, foi proferida a sentença que decidiu o seguinte:
a) declara-se ineficaz e sem qualquer efeito, relativamente ao Autor, a transmissão de 5.165.102 e 265.497 ações representativas do capital social da Bacalhôa, feita pela 1.ª Ré a favor da 2.ª Ré, nos termos dos artigos 610.º e seguintes do CC;
b) declara-se que o Autor tem direito a obter a satisfação do seu crédito à custa das identificadas ações, praticando todos os atos de conservação e garantia patrimonial previstos na lei e nos contratos de penhor financeiro celebrados;
c) ordena-se que a 3ª Ré proceda ao registo, no registo de emissões de valores mobiliários da Sociedade, do penhor financeiro de primeiro grau a favor do BCP sobre as 5.165.102 e 265.497 ações representativas do capital social da Bacalhôa, nos termos e condições previstos no Penhor Financeiro Dívida Consolidada e Penhor Financeiro Garantia Bancária.
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1.7. A ré Associação de Coleções interpôs o recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões:
A - Na Sentença impugnada há claramente um pré-juízo de partida: os atos que integram a causa de pedir foram praticados no círculo de um “Grupo Empresarial”, detido pela família AA, pelo que foram certamente realizados para prejudicar alguém, para fugir ao cumprimento de obrigações contratuais. E este pré-juízo determinou todo o Julgamento da matéria de facto (no que é julgado e no que é silenciado) e aplicação de Direito (no que é discutido e não é discutido). O Tribunal a quo desconsidera, na prática, a personalidade jurídica coletiva sem observar os requisitos que a doutrina e jurisprudência tornaram pacíficos para o efeito.
B - A Sentença impugnada é nula por omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d). CPC) quanto à extensão, conteúdo e ou sentido dos dois contratos de penhor que integram a causa de pedir. Com efeito, no Julgamento da matéria de facto, no elenco dos pontos 2.1.1 a 2.1.88 (factos provados) e pontos 2.2.1 a 2.2.4 (factos não provados), não se encontram referências à matéria enunciada no Tema da Prova c), no que diz respeito à extensão dos penhores constituídos.
C - A circunstância de o Tribunal a quo só ter relevado (e de modo muito abstrato/conclusivo) 2 h e 5m, das 21h e 15 minutos de produção de prova pessoal registada, não pode deixar de ser indiciador, de que na Sentença o Tribunal não se pronunciou sobre matéria tratada na instrução da maior relevância.
D - A sentença é ainda nula por falta de fundamentação (art.º 615.º, n.º 1, al. b). CPC), quanto ao julgamento da matéria de facto dada como provada no Ponto 2.1.87 (“Ao outorgarem o contrato de compra e venda a AC e a Statuschange tinham consciência que dessa forma agravavam a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest”).
E -A sentença é ainda nula por falta de fundamentação (art.º 615.º, n.º 1, al. b). CPC), quanto ao julgamento da matéria de facto dada não provada no Ponto 2.2.2 (As ações empenhadas, cujo valor considerado nos contratos de penhor foi de € 1, 00 por ação, valem atualmente € 1,50”;
F -A sentença é igualmente nula por contradição entre a fundamentação (num elemento essencial) e a decisão. Da fundamentação decorre que para o Tribunal a quo, tanto do Penhor Financeiro da Dívida Consolidada como do Penhor Financeiro da Garantia bancária decorria para a AdC a obrigação de “constituir penhor financeiro sobre as Novas Ações” (vide p. 32). Ora, se a garantia não estava constituída ou não estava constituída com a extensão pretendida, não pode concluir-se que a transmissão das novas ações afetou a garantia. A impugnação pauliana visa a conservação das garantias patrimoniais existentes, não o seu reforço ou a constituição de novas garantias.
G - O Tribunal a quo errou ao julgar como provado, que com o ato impugnado se agravou a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest (ponto 2.1.87); e como não provado que “as ações empenhadas tivessem atualmente um valor unitário de € 1,50.
H - Certo é que o Crédito garantido (como a Autora confessou) diminuiu e que o valor da Garantias aumentou. Por referência ao Penhor Financeiro da Dívida Consolidada é incontroverso que se mantiveram empenhadas as mesmas 16.580.157 ações “dadas” pelos Garantes, para garantir uma dívida reduzida a 44,67%. A Ré/Recorrente manteve integralmente o penhor de 1.320.499 ações que fora por si prestado para garantir, nessa medida, uma dívida total que ultrapassava o dobro do montante a que o próprio A./Recorrido reconhece ter sido reduzida a dívida.
I - Na Sentença ficou por se indicar qual o facto ou factos concretos instrumentais que permitiram ao juiz concluir pelo agravamento da impossibilidade de cobrança de crédito (entretanto reduzido).
J - Caso a Sentença impugnada viesse a transitar em julgado, seria certamente a primeira ação de impugnação pauliana a ser julgada procedente sem a indicação de um prejuízo concreto para o Credor decorrente do ato impugnado. É que nem o invocado “prejuízo” pretensamente decorrente da diluição da participação no capital da Bacalhôa decorre do ato impugnado.
K - Da prova efetivamente produzida, o que decorre é que, por força dos aumentos de capital, o valor de cada ação e, mais importante, o valor global das ações, ou seja, o valor das duas garantias em causa aumentou. Assim resulta dos depoimentos das Testemunhas: BB, CC, bem como das Declarações de parte de DD e EE. Estes meios de prova impõem um diferente julgamento quanto aos Pontos 2.1.87 e 2.2.2.
(…)
L -O Tribunal a quo não relevou, nem sequer mencionou, os depoimentos pessoais supra referidos. Fez mal, porque gostando-se ou não do seu conteúdo, elas são inequivocamente merecedores de apreciação. Os depoimentos foram lógicos, coerentes e assentes em válidas e confirmadas, razões de ciência. As respostas, explicações e esclarecimentos dados em sede de “instâncias” confirmam que os depoimentos mereciam ser valorados como credíveis.
M - O único depoimento referido – muito genericamente – pelo Tribunal a quo foi o da Testemunha C, indicada pelo Autor. Por que razão, o depoimento da testemunha C foi credível ou mais credível do que as demais que depuseram no sentido de não ter havido agravamento, mas antes um aumento da garantia? Tanto mais que, a instâncias, a mesma afirmou que o que “sabe” foi o que “perguntei aos meus colegas” (cfr. depoimento prestado por esta testemunha em 30/01/2023, pelas 11h20, registo áudio com a referência Diligencia_700- 22.4T8FNC_2023-01-30_11-20-54, minutos 00h28´20 a 00h30’09’’). De onde retirou o Julgador a credibilidade da testemunha? Atentas as funções? Quais funções? É que nem estas (funções) são enunciadas.
N - O Tribunal a quo errou ao julgar como provado, que “Ao outorgarem o contrato de compra e venda a AC e a Statuschange tinham consciência que dessa forma agravavam a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest.” (ponto 2.1.87)
O - O erro na apreciação da prova é evidente. Das mencionadas pelo Tribunal a quo “regras de experiência” ou do depoimento da única testemunha referida pelo Tribunal (C) não é possível concluir por qualquer elemento volitivo ou sequer apenas representativo de prejuízo (qual?) que para o A. (BCP) decorreria do ato impugnado. Não há qualquer elemento de prova que efetivamente permita concluir como o Tribunal concluiu.
P - Provado foi que a R./Recorrente agiu convicta de não ter qualquer obrigação de reforço do(s) penhor(es) constituído(s) a favor de terceiros (Metalgest) perante o BCP no âmbito dos acordos celebrados e das garantias por si prestadas. Sempre existiu e existe a convicção de que não havia qualquer obrigação de ampliar os penhores outorgados e, por outro lado, o contrato de transmissão das ações, outorgado entre a AdC e a Statuschange, foi explicado e tem uma racionalidade própria nada tendo que ver com uma atuação de má-fé.
Q - É incompreensível que face aos depoimentos prestados sobre o ato negocial impugnado, a única observação feita na Sentença diga respeito à circunstância de o mesmo ter sido celebrado após a declaração de antecipação do vencimento.
R - Quanto à racionalidade e justificação daquele contrato (do contrato impugnado), importa atentar nos depoimentos de DD (“declarações”) CC e BB, que permitem concluir, com a necessária certeza de que não houve uma atuação de má-fé.
(…)
S -Quanto à convicção de que não existia qualquer obrigação de ampliar o conteúdo dos penhores, reputamos como suficientemente esclarecedoras as declarações de DD.
(…)
T - O tribunal a quo errou, igualmente, ao dar como “demonstrado” que tanto no Penhor Financeiro da Dívida Consolidada como no Penhor Financeiro da Garantia Bancária, “as partes convencionaram que ficariam abrangidas pelo penhor os ativos financeiros que, no futuro, a ré AC viesse a ter direito (…) sendo clara a intenção das partes que as garantias prestadas não pudessem ser desvalorizadas por via de aumentos de capital ou eventuais fusões ou cisões da Bacalhôa” (pág. 32).
U - O julgamento que integra o ponto 2.1.42, alínea (iii) dos Factos Provados contém um manifesto erro na forma como “funde” duas disposições contratuais distintas, com âmbitos de aplicação diferentes (cláusulas 2.5 e 2.7 do Sub-Anexo 15 (a) do ACF).
V - Impõem um julgamento diferente: os próprios documentos (juntos aos autos) em que os contratos foram formalizados (docs. 12 e 13 junto à P.I) as declarações de parte prestadas pela representante da R./Recorrente, de DD, e o depoimento de CC.
(…)
W - O julgamento da matéria de facto deve, pois, ser alterado em conformidade com os depoimentos supra especificados, que não foram minimamente abalado pelos depoimentos das testemunhas apresentadas pelo A./Recorrido.
X - Com efeito, os depoimentos destas últimas testemunhas, como resulta, nomeadamente, das transcrições acima reproduzidas, não merecem credibilidade, atenta as razões de ciência invocadas, bem como a inconsistência lógica do seu teor.
Y -O Tribunal errou na configuração da ação de impugnação pauliana quanto à sua relação com os pedidos e a causa de pedir apresentada. A circunstância de se peticionar o efeito típico da ação pauliana sem integrar na causa de pedir (como sucede in casu) um pressuposto essencial daquele efeito: a existência de uma garantia patrimonial que o ato impugnado possa afetar; impede, inexoravelmente, a procedência da ação.
Z - A impugnação pauliana está regulada no Código Civil (arts. 610.º e ss. do Código Civil) e em lado algum prevê a impugnação de atos praticados por quem nada deve ao autor da ação.
AA - Mesmo que o tribunal a quo defendesse a tese de possível aplicação analógica da impugnação pauliana a situações não previstas no C.C. (nomeadamente a alienações praticadas pelo terceiro garante), sempre haveria de o ter explicitado na sua fundamentação.
BB - Perante a constatação de que o crédito é sobre a Metalgest, e a alienante no negócio impugnado é a AdC, o tribunal a quo, como num passe de magia, cria uma nova figura jurídica: o devedor pignoratício. Ora, “devedor pignoratício”, no sentido de terceiro que deu coisa sua em penhor, é uma categoria jurídica que não existe, pois, para ser devedor, é preciso dever.
CC - A circunstância de, na Petição Inicial, o ora Recorrido começar por se insurgir de um (invocado) incumprimento por parte da Ré AdC, quanto à sua obrigação empenhar as Novas Ações, de que, entretanto, se tornou titular (art.º 186.º da Petição Inicial) deveria obstar, por respeito à lógica e natureza da ação de impugnação pauliana à sua procedência; pois esta tem em vista a conservação/manutenção de garantias constituídas e não de reforço ou constituição de novas garantias.
DD - O objeto processual tal como configurado pelo Recorrido, não se mostra conforme com a tutela jurisdicional dos interesses a que a impugnação pauliana se refere, pelo que o pedido de declaração de ineficácia da transmissão das referidas ações não poderia ter procedido, não deveria, sequer, ter ultrapassado a barreira do saneador/sentença previsto no art.º 595.º nº 1, al. c) CPC.
EE - Ao contrário do postulado pelo Tribunal a quo, as partes não estabelecerem uma disciplina contratual segundo a qual qualquer ação do capital da Bacalhôa que viesse a ser adquirida pela AdC, por que via fosse, constituiria esta última na obrigação de a integrar de imediato, no âmbito das garantias prestadas.
FF - O Tribunal a quo errou ao não ter em conta os precisos termos usados nos Contratos em causa; ao não ter em conta que são diferentes as respetivas cláusulas quanto às obrigações dos Garantes manterem a integralidade das garantias prestadas.
GG - Atenta a Cláusula 2.7 do Penhor Financeiro da Dívida Consolidada que se impunha concluir, é que a preocupação do beneficiário da garantia, não era a de evitar a diluição das ações empenhadas, isto é, a diminuição da sua percentagem no capital social da Bacalhoa, mas tão somente (a norma é clara) de evitar a sua perda de valor.
HH - Não tendo o Autor provado o valor das ações da Bacalhôa à data dos aumentos de capital, ficou por demonstrar a verificação da condição de que dependia a obrigação da AdC ou dos demais garantes de subscrever ações nos aumentos de capital.
II - O Tribunal a quo errou, igualmente, ao não ter presente que não foi estipulada nem resulta da lei qualquer solidariedade entre os Garantes. As partes afastaram tal regime ao definirem como “Garante”, “cada uma das seguintes entidades, relativamente aos ativos por si empenhados a favor do Banco: AC, JB e Metalgest”.
JJ - Ainda que se pudesse entender que no Penhor Financeiro da Dívida Consolidada, se exigia (que não exige) uma obrigação dos Garantes ampliarem o seu objeto, de modo a integrar no mesmo as Novas ações adquiridas, para desse modo manter a mesma percentagem do capital empenhado, sempre haveria, então, de se concluir que cada Garante se obrigava a manter a percentagem das ações por si empenhadas e não a percentagem correspondente a todas as ações, em jeito de solidariedade.
KK - Com efeito, a aceitar-se a interpretação do Autor e Tribunal a quo (o que de modo algum se concede ou concebe), as Novas ações que aquela teria ficado obrigada a integrar seriam, em qualquer caso, “apenas” as necessárias para manter os referidos 3,97% (2,54% + 1,45%) – rectius, 3,84%, (2,46% + 1,38%), sendo esta a percentagem detida pelo A. após o aumento de capital ocorrido em 2016, em que a Recorrente não participou –, a saber, 644.048 ações (413.801 ações + 230.247 ações) (sendo 2,46% de 70.500.000 ações igual a 1.734.300, e estando prestado penhor de 1.320.499, a diferença ainda a prestar seria de 413.801 ações; sendo 1,38% de 70.500.000 ações igual a 972.900, e estando prestado penhor de 742.653, a diferença ainda a prestar seria de 230.247 ações).
LL - Carece, assim, de qualquer sentido, em qualquer caso, a conclusão de que a Recorrente houvesse que ampliar com mais 5.165.102 ações mais 265.497 ações (conforme peticionado pelo A.), num total de 5.430.599!
MM - Do Contratos não resulta, nem poderia resultar, que os outorgantes estipularam um aumento automático do objeto do penhor. Assim o reconheceram, aliás, as testemunhas indicadas pelo Autor.
NN - O Tribunal a quo errou, igualmente, na aplicação do Direito, ao não ter presente que a existência de uma cláusula contratual que permitisse uma ampliação automática do penhor de ações existentes a ações futuras sempre de deveria nula. Ao não ter presente que a autonomia contratual não afasta as nulidades; que esta invalidade se carateriza, precisamente, por se impor aos interesses individuais das partes.
OO -Na cláusula 2.7. do Penhor da Divida Consolidada, estipula-se “apenas” uma obrigação de subscrição de ações necessárias para que a garantia empenhada não perca o seu valor. Não há, ao contrário da leitura do tribunal a quo uma obrigação de constituir ou estender o objeto do penhor constituído; mas ainda que assim se não entendesse, ou seja, considerando-se que os penhores, todos eles (ainda que com diferentes textos) poderiam vir a abranger as ações futuramente adquiridas e, portanto, que o seu objeto pudesse ser automaticamente alargado, a ação de impugnação pauliana haveria de naufragar atenta, então, a nulidade de uma estipulação assim entendida.
PP - Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal a quo violou, por errónea aplicação e subsunção, os artigos 610.º, 612.º e 615.º do Código Civil; artigos 410.º, 607.º, n.ºs 3 e 4 e 608.º, n.º 2 do Código do Processo Civil.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas, que se solicita, deverá:
A) Julgar-se procedentes as arguições de nulidades da Sentença e em conformidade:
a) Determinar-se a pronúncia quanto ao ponto omisso supra identificado, designadamente quanto à matéria de facto para que remete o Tema da Prova c);
b) Determinar-se a fundamentação do julgamento constante dos pontos 2.1.87 e 2.2.2 da Sentença;
c) Determinar-se a eliminação da contradição entre a fundamentação aduzida (existia uma obrigação de constituir/estender os penhores) e a decisão proferida (procedência da impugnação pauliana, com a condenação da 3ª Ré).
B) Assim não se entendendo, deverá declarar-se o erro de julgamento na configuração e aplicação da disciplina legal da Impugnação Pauliana, na sua relação com a causa de pedir e pedidos apresentados; absolvendo os RR de todos os pedidos.
C) Não se entendendo conforme A) e B) supra, deverá alterar-se o julgamento da matéria de facto:
a) Julgando como não provada a factualidade indicada nos pontos 2.1.8.7 da Sentença;
b) Julgando como provada a factualidade indicada em 2.2.2;
c) Julgando como provado, atentos os meios de prova especificadamente acima indicados, que o valor das garantias prestadas pelos Garantes aumentou, ao passo que o valor do crédito garantido diminuiu.
D) Não se entendendo conforme A) e B) supra, deverá alterar-se a aplicação do Direito ou subsunção dos factos dados como provados, absolvendo-se os Réus de todos os pedidos, considerando:
a) O erro na Interpretação da disciplina contratual estatuída nos penhores sub judice;
b) A inexistência de uma solidariedade entre os Garantes;
c) A nulidade de uma estipulação que permitisse uma ampliação automática dos penhores sub judice;
d) Não ter o Autor cumprido o ónus de demonstrar as condições da ação de impugnação pauliana e, designadamente, que o ato impugnado diminuiu as garantias prestadas.
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1.8. A ré Bacalhôa – VINHOS DE PORTUGAL, S.A., interpôs igualmente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1. A sentença é nula por falta de fundamentação, quanto ao julgamento da matéria de facto dada não provada no Ponto 2.2.2 (As ações empenhadas, cujo valor considerado nos contratos de penhor foi de € 1,00 por ação, valem atualmente € 1,50”.
2. O Tribunal a quo errou ao julgar como provado que com o ato impugnado se agravou a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest (ponto 2.1.87); e como não provado que “as ações empenhadas tivessem atualmente um valor unitário de € 1,50”.
3. A sentença é ainda nula por ambiguidade da decisão.
4. Sendo a ratio da decisão que a ADC estaria obrigada a obter a titularidade de novas acções, e a dá-las de penhor ao BCP, em número que assegurasse a manutenção de penhor sobre a mesma percentagem de capital social da Bacalhôa, a declaração de ineficácia da venda de acções pela ADC só poderia abranger o número de acções necessário à manutenção daquela percentagem.
5. Mas a decisão em crise afectou a transmissão de quase dez vezes mais acções, redundando na criação de penhor sobre uma percentagem muitíssimo superior do capital social da Bacalhôa pertencente à ADC, sem qualquer justificação.
6. O que torna a decisão ininteligível, logo nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.
7. Caso não se entenda que a decisão é ininteligível, sempre a sentença continua a ser nula, nos termos da mesma disposição legal, por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Nestes termos, deverá:
a) Ser suprida a nulidade, fundamentando a decisão sobre a matéria de facto do ponto 2.2.2. e esclarecendo o sentido da sentença mediante nova decisão que não enferme dos vícios apontados;
b) Ser alterada a decisão em matéria de facto, quanto ao valor das acções empenhadas e, consequentemente, quanto ao agravamento da impossibilidade de cumprimento;
c) O presente recurso ser julgado procedente, substituindo-se a decisão por outra cujo conteúdo não padeça de ambiguidade nem de contradição, e que tenha por base a factualidade alterada nos termos aqui requeridos.
*
1.9. Por último, a ré STATUSCHANGE, Lda., recorreu igualmente da sentença apresentando as seguintes conclusões:
1. O acto impugnado, de venda de ações da Bacalhoa pela AC à recorrente, em cujo objeto não se incluíam ações empenhadas, não teve como resultado a diminuição da garantia patrimonial do crédito do A. constituída, no que responde o património da garante AC, terceiro não devedor, pelas ações da Bacalhoa empenhadas em garantia dos créditos do A. sobre a Metalgest.
2. Com efeito, as ações vendidas estavam livres de penhor e de qualquer outro ónus, por não resultar dos contratos de penhor, na sua correcta interpretação, a constituição de penhor sobre essas ações, mas uma mera obrigação, condicional, de constituição de penhor, em certas circunstâncias.
Circunstâncias essas que não se demonstrou estarem verificadas, nomeadamente quanto ao valor de mercado das ações adquiridas em aumento de capital.
3. Ainda que se entendesse que nos contratos de penhor se estipulava a constituição de penhor sobre as ações vendidas, emitidas em aumentos de capital da Bacalhoa em dinheiro, posteriores àqueles contratos, tratar-se-ia e penhor de coisa futura, nulo, por força do art.º 6º do dec.-lei no 105/2004, de 8.5, e do art.º 280º do CC, devendo tal nulidade ser oficiosamente declarada, com a consequência de essas ações se manterem livres do penhor.
4. Também não houve diminuição da garantia de penhor, resultante do acto impugnado, por diluição da participação na Bacalhoa das ações empenhadas, desde logo por tal diluição ter resultado dos aumentos de capital e não da venda das ações e, também, por diluição não implicar necessariamente desvalorização, com a qual não se confunde, não se tendo provado que tenha diminuído o valor das ações empenhadas.
5. Nem se diga que houve perda de dividendos devido à diluição, o que só relevaria se a diluição tivesse resultado do ato impugnado, além de que, sendo os dividendos acessórios do penhor, sempre teriam de seguir as ações e a respetiva situação jurídica.
6. Não se tendo verificado diminuição da garantia de penhor em resultado do ato impugnado, não se verifica o requisito essencial e de primeira ordem da impugnação pauliana, a qual, só por isso, não poderia ter procedido.
7. É certo que também não se verifica o requisito de agravamento da impossibilidade para o A. de obter a satisfação integral do seu crédito em resultado do ato impugnado, uma vez que, por um lado, não houve diminuição da garantia e, por outro lado, as ações empenhadas até se valorizaram em relação ao montante garantido, que diminuiu, como é confessado pela A.
8. Também não se verifica o requisito de má-fé, uma vez que não pode haver consciência de um prejuízo que não existiu, além de que, como deverá ter-se por demonstrado, dando provimento ao alegado em impugnação da matéria de fato, o objetivo da venda das ações à recorrente não foi o de as retirar do alcance do A., mas o de realizar uma operação de reestruturação de atividades e de otimização fiscal, não havendo consciência, das partes no contrato de compra e venda de ações de, dessa forma, agravarem a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest, o qual, relembre-se, já era, ainda para mais, de montante muito inferior ao existente na data de constituição dos penhores existentes.
9. Assim, há erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 2.1.87. (Ao outorgaram o contrato de compra e venda de ações a AC e a Statuschange tinham consciência que dessa forma agravavam a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest), devendo esta factualidade (que tem muito de conclusivo, em qualquer caso) ser dada por não provada.
10. Há também erro de julgamento em matéria de Direito, pois a impugnação pauliana destina-se a impugnar um acto de alienação praticado pelo devedor. In casu, o devedor é a Metalgest, que não praticou o acto impugnado. Quem praticou o acto impugnado foi a ADC, que é terceiro garante (e não "devedora pignoratícia", como se diz na sentença, pois a ADC nada deve).
9. Ao julgar procedente a ação, dando por verificados os requisitos da impugnação pauliana, que não se verificam, o Senhor Juiz "a quo" violou os arts. 6100 e 6120 do CC, sendo assim ilegal a sentença recorrida, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a ação.
6.10 No caso de se entender que no contrato de penhor dívida consolidada se estipulou a constituição de penhor sobre ações futuras, ocorrendo a violação dos arts. 6º do dec.-lei no 195/2004, de 8.5, e 280º, nº 1, do CC, deveria ter sido declarada a nulidade dessa estipulação, por impossibilidade física do objeto, como, aliás, requerido na contestação da recorrente, com a consequência da não oneração por penhor das ações vendidas.
Concluiu no sentido de ser dado provimento ao vertente recurso, declarando-se a plena validade e eficácia "erga omnes" do contrato de compra e venda de ações impugnado, declarando-se a nulidade da estipulação de constituição de penhor sobre ações emitidas em aumentos de capital da Bacalhoa, caso seja essa a interpretação da dita estipulação, e declarando-se nenhum direito assistir ao A. sobre as ações objeto daquele contrato e que a Bacalhoa não deverá proceder a qualquer registo de penhor sobre as mesmas ações.
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1.10. O autor Banco Comercial Português, S.A., respondeu aos três recursos e requereu a ampliação do objeto do recurso, sustentando que a sentença não merece censura, improcede a invocada nulidade por omissão de pronúncia, por falta de fundamentação da decisão de facto e por contradição entre a fundamentação e a decisão, improcede igualmente a impugnação da matéria de facto e concluiu ainda que:
JJ. Subsidiariamente, para o caso de este Venerando Tribunal concluir pela procedência da impugnação que a Recorrente AC faz do ponto 2.1.88 acerca da consciência daquela e da Statuschange de que o ato impugnado agravava a impossibilidade do BCP satisfazer o seu crédito – o que apenas por mera hipótese e dever de patrocínio se admite – vem o BCP, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, requerer a ampliação do objeto do recurso, no que respeita à conclusão do Tribunal a quo de que “as rés AC e Statuschange praticaram um ato oneroso, mesmo tendo em conta que o preço acordado será liquidado através de prestações acessórias não remuneradas, não existindo um prazo para essa liquidação”.
KK. Resultou dos factos provados e dos termos da transação, quanto às partes e condições de pagamento, que não foi realizada uma transação comercial, tendo saído da devedora pignoratícia mais de 40 milhões de ações da BVP, para um terceiro que até hoje não prestou uma única contrapartida, referindo-se somente o negócio a prestações acessórias sem prazo nem remuneração, a pagar por uma entidade que não tem capacidade para gerar os mais de 90 milhões de euros de preço.
LL. Devendo concluir-se que o ato foi gratuito.
(v) Dispensa do remanescente da taxa de justiça
MM. Deverá ainda ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela presente apelação – e, bem assim, pelas demais apelações e, cautelarmente, em primeira instância –, ou, subsidiariamente, pelo menos, reduzido, porquanto encontram-se verificados os pressupostos de dispensa previstos no n.º 7 do artigo 6.º do RCP e, além do mais, a tributação do recurso de apelação por intermédio da aplicação tabelar do RCP e a consequente exigência de um pagamento que ascenderia a um valor de cerca de € 145.550,00, implica uma oneração excessiva e desajustada das partes (artigo 20.º da CRP).
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1.11. A ré Associação de Colecções respondeu que não pode duvidar-se que as partes celebraram um acordo com contrapartidas, um contrato sinalagmático. Pelo que, assim, jamais se poderia concluir no sentido de que o ato impugnado foi gratuito.
Sempre se deverá julgar improcedente a pretendia ampliação do objeto do recurso.
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1.12. Os recursos foram admitidos com efeito meramente devolutivo, considerando que o invocado “prejuízo considerável” com a execução da sentença não causará danos irreparáveis, pelo que, não se mostram preenchidos os pressupostos do art.º 647º, nº 4, do C.P.C..
Não se encontram razões para contrariar tal entendimento, pelo que se mantém tal efeito devolutivo.
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1.13. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões dos recorrentes e centram-se no seguinte:
- Arguidas nulidades da sentença;
- Impugnação da matéria de facto;
- Pressupostos para a impugnação pauliana e seu alcance, particularmente em face das garantias prestadas pela ré AC; e,
- Dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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2. Fundamentação.
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2.1. A questão das arguidas nulidades da sentença.
No seguimento do comando constitucional previsto no art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o art.º 154.º, do Código de Processo Civil, dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. E, de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Afigura-se ser jurisprudência pacífica dos tribunais e particularmente do Supremo Tribunal que “o vício de falta de fundamentação só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos da decisão e já não quando a fundamentação seja meramente deficiente, incompleta, aligeirada ou não exaustiva” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2021, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3.
A elaboração da sentença obedece aos ditames da lei processual civil e, particularmente quanto à sua estrutura, o disposto no art.º 607.º, do Código de Processo Civil, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
A sentença não tem que se pronunciar sobre todas as questões e argumentos aduzidos pelas partes em defesa das suas pretensões, mas apenas conhecerá das questões com influência na decisão, quer tenham sido suscitadas por aquelas, quer sejam de conhecimento oficioso, pois como ensinou José Alberto dos Reis “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” – in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1984, volume V, pág. 143.
No caso em apreço, o art.º 615.º, do Código de Processo Civil, preceitua que:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
(…)
Ora, o tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre os actos praticados pelas rés e seus efeitos ou reflexos sobre tais contratos, particularmente se agravam a possibilidade do autor obter a satisfação integral dos seus créditos. O que fez afirmativamente, desde logo, ao considerar que: “face aos aumentos de capital da Bacâlhoa e face à alienação da maioria das Novas Ações adquiridas pela AC nesses aumentos de capital, diminuiu o valor percentual das ações empenhadas em relação ao capital social da Bacâlhoa e, consequentemente, diminuiu o valor da garantia que a AC prestou a BCP” – cfr. a pág. 33 da douta sentença e ainda os factos # 2.1.84 a 2.1.87.
Por conseguinte, não se acolhe a invocada nulidade.
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2.2. A fundamentação dos factos # 2.1.87 e 2.2.2..
A apelação insurge-se igualmente contra o que invoca ser a nulidade da sentença por falta de fundamentação (art.º 615.º, n.º 1, al. b). CPC), quanto ao julgamento da matéria de facto dada como provada nos Pontos 2.1.87 e Ponto 2.2.2.
Vejamos:
No que diz respeito ao facto # 2.1.87 (Ao outorgaram o contrato de compra e venda de ações a AC e a Statuschange tinham consciência que dessa forma agravavam a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest), foi expressamente consignado na página 27 da decisão recorrida o seguinte:
Quanto à factualidade a que se reporta o ponto 2.1.87., a convicção do tribunal fundou-se nas regras da experiência comum. Efetivamente, quando o contrato de compra e venda de ações foi outorgado, a AC detinha direta e indiretamente 100% da Statuschange, sociedade criada poucos dias depois da Metalgest e da AC terem sido notificadas do vencimento antecipado dos financiamentos do BCP, sendo que, aquando daquela transmissão os representantes legais, coincidentes em todas aquelas sociedades (todas fazem parte do Grupo Berardo), também já tinham conhecimento da interpelação para reembolso da garantia bancária.
O efetivo agravamento da impossibilidade de cobrança do crédito também ficou evidenciado pelas declarações da testemunha C, funcionário do BCP, o qual, atentas as funções que exerce naquela instituição demonstrou ter conhecimento de tal factualidade e foi convincente”.
Importa ainda considerar que este facto # 2.1.87. decorre logicamente e é, em larga medida, uma decorrência dos factos antecedentes – particularmente os # 2.1.84. a 2.1.86. – e que foram igualmente motivados.
Relativamente ao facto não provado referido sob o # 2.2.2. (As ações empenhadas, cujo valor considerado nos contratos de penhor foi de € 1,00 por ação, valem atualmente € 1,50 cada ação), de modo algum se acolhe a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação, na medida em que aí se motivou a resposta, nos seguintes termos:
Também não se fez prova suficiente de que as ações empenhadas tivessem atualmente um valor unitário de € 1,50.
Pelo contrário, da ação executiva resultou que o valor dessas ações será até inferior a € 1,00, não sendo suficientes para satisfazer os créditos do BCP sobre a Metagest, conforme resulta da análise da certidão emitida pelo agente de execução nomeado no processo de execução 2625/21.1T8STB - Juízo de Execução de Setúbal – J2, junta aos autos com o requerimento do autor de 30.10.2023, bem como da informação do agente de execução datada de 22.03.2023, junta aos autos com o requerimento do BCP de 26.05.2023” – cfr. a pág. 27 da douta sentença.
Ou seja, relativamente a ambos os factos, é inegável que houve uma expressa indicação dos fundamentos da decisão do tribunal e que são passíveis de serem sindicados, em termos de concordância ou discordância sobre o sentido do julgamento de facto. Tal é igualmente evidente em face da circunstância da apelação não se limitar a arguir a nulidade da falta de fundamentação da resposta. Na verdade, a arguição da nulidade é o único mecanismo para atacar a decisão quando se desconhece o respectivo fundamento. Porém, os recorrentes vieram depois argumentar quanto ao erro no julgamento sobre tais factos, o que evidencia o conhecimento dos fundamentos que constam da sentença.
Em resultado desta evidência, não se acolhe a arguida nulidade por falta de fundamentação.
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2.3. A invocada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, quanto à questão da constituição ou extensão da garantia.
As rés insurgem-se igualmente contra o que consideram ser uma contradição da sentença, porque “se a garantia não estava constituída ou não estava constituída com a extensão pretendida, não pode concluir-se que a transmissão das novas ações afetou a garantia. A impugnação pauliana visa a conservação das garantias patrimoniais existentes, não o seu reforço ou a constituição de novas garantias”.
Em termos ditos clássicos, a estrutura da sentença assenta em premissas (maiores e menores) que conduzem à decisão proferida pelo juiz. Porém, como apontou Antunes Varela: “a generalidade das sentenças obedece a um traçado formal bastante mais complexo do que esse módulo rígido e excessivamente elementar construído pela antiga teoria processualista.
(…)
Assim, em lugar de assentar sobre um único silogismo, a decisão final repousa sobre os vários silogismos que ajudam, cada qual com a sua contribuição, a encontrar a resposta completa à pretensão formulada pelo autor, à luz do direito aplicável” – in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra, pág. 672-674.
Para as rés, a sentença será nula por contradição entre a fundamentação (num elemento essencial) e a decisão, pois decorre que para o Tribunal a quo, tanto do Penhor Financeiro da Dívida Consolidada como do Penhor Financeiro da Garantia bancária decorria para a AdC a obrigação de “constituir penhor financeiro sobre as Novas Ações” – ut conclusão F), das alegações da ré AC. Porém, tal alegação assenta na interpretação da própria recorrente acerca da sentença e não na construção do tribunal. A sentença não assenta na ideia de que o penhor incidiria apenas sobre as novas acções a constituir, mas, pelo contrário, que abrangeria igualmente “os ativos financeiros que, no futuro, a ré AC viesse a ter direito por força da detenção das ações já empenhadas, quer no caso de aumentos de capital, quer no caso de uma eventual fusão ou cisão da sociedade cujas ações foram dadas em penhor, sendo clara a intenção das partes que as garantias prestadas não pudessem ser desvalorizadas por via de aumentos de capital ou eventuais fusões ou cisões da Bacalhôa” – cfr. pág. 32 da sentença. Tal consubstancia algo bem diferente do que é enunciado pelas rés recorrentes e a decisão de ineficácia da transmissão das acções não é contraditória com tal entendimento, mas antes consequente com a lógica intrínseca da sentença.
Por conseguinte, não se reconhece essa invocada contradição à sentença, sendo que a questão da extensão dos efeitos do penhor em caso de aumentos ou alienações do capital social releva apenas do mérito dos pedidos – vd. infra 2.8.. Por outro lado, vem sendo reiterado há longa data pela jurisprudência que a inexatidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/1978, in BMJ n.º 281, pág. 241.
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2.4. Foi julgado provado que (por uma questão de ordem e facilidade, segue-se a numeração que já consta da sentença):
2.1.1.- O Banco Comercial Português, SA. é uma sociedade comercial que tem por objeto o exercício da atividade bancária.
2.1.2.- A Associação de Coleções (doravante “AC”) é, nos termos do artigo 1.º dos seus Estatutos, “uma associação sem fins lucrativos, que goza de personalidade jurídica e se rege pelos presentes estatutos e pelas disposições legais subsidiariamente aplicáveis”, fazendo parte o Grupo Berardo.
2.1.3.- De acordo com o que resulta do artigo 7.º dos seus Estatutos, A e B são associados instituidores da AC, detendo os correspondentes títulos de participação e respetivos direitos de voto.
2.1.4.- Independentemente da titularidade dos títulos de participação, o artigo 12.º, n.º 2 dos mesmos Estatutos, garante que, na Assembleia Geral da AC, seriam “sempre asseguradas aos associados instituidores as seguintes percentagens de voto: A: cinquenta e um por cento [51%] e B: dez por cento [10%]”.
2.1.5.- Os membros dos órgãos sociais da AC têm sido os seguintes: ⎯ “O presidente vitalício da associação é o comendador A” (n.º 1 do artigo 14.º dos Estatutos da AC) ⎯ Conselho de Administração: Presidente: A; FF (inicialmente Vice-Presidente, tendo depois passado a Vogal); B (inicialmente Vogal, tendo depois passado a Vice-Presidente); Vogais: GG; HH; II e JJ ⎯ Mesa da Assembleia Geral: Presidente: A; Secretário: GG.
2.1.6.- A vinculação da AC, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 dos seus Estatutos, ocorre através da assinatura do presidente da associação, isto é, pela assinatura de A, ou pela assinatura conjunta de dois membros do conselho de administração, incluindo, portanto, A, FF, B, HH, II ou JJ.
2.1.7.- A Statuschange é uma sociedade por quotas, constituída em 23 de maio de 2017, que tem por objeto a prestação de serviços de consultoria estratégica, de gestão e reestruturações societárias, sendo que, no momento da sua constituição, foi designado como seu gerente B.
2.1.8- A partir de 2019, passaram a ser gerentes da Statuschange, A, B e GG.
2.1.9.- Desde setembro de 2021, são gerentes da Statuschange, A, B, GG, II, KK e LL.
2.1.10.- O capital social da Statuschange, de € 1.000,00, está dividido da seguinte forma: a sociedade Delicious Dialogue, Unipessoal Lda. (NIF 513733213, doravante “Delicious Dialogue”) detém 50% da Statuschange, com uma quota no valor de € 500,00, enquanto a AC detém os restantes 50% da Statuschange, com uma quota no valor de € 500,00.
2.1.11.- A Delicious Dialogue é uma sociedade unipessoal constituída em dezembro de 2015, que tem por objeto a administração e gestão de imóveis, compra e venda de imóveis, compra e venda de imóveis para revenda, tendo sede no mesmo local da Statuschange (Rua …, Lisboa, Freguesia de Alcântara).
2.1.12.- Até julho de 2021, a Delicious Dialogue teve como sócia única a AC, que detinha 100% do seu capital social, sendo que, partir de então, por via de um aumento de capital, JJ passou a ser sócia da Delicious Dialogue.
2.1.13.- Entre 2015 e setembro de 2021, eram gerentes da Delicious Dialogue, A, B e GG.
2.1.14.- Desde setembro de 2021, a Delicious Dialogue passou a ter os seguintes gerentes: A, B, GG, II, KK, LL.
2.1.15.- A Bacalhôa-Vinhos de Portugal, S.A. é uma sociedade comercial que se dedica à produção agrícola e pecuária e comércio de vinhos e derivados e organização de atividades de animação turística.
2.1.16.- O Conselho de Administração da Bacalhôa é atualmente composto por: B, Presidente; A, Vice-Presidente; HH, Vogal; FF, Vogal; MM, Vogal; e NN, Vogal.
2.1.17.- A, B, HH e FF integram o Conselho de Administração da Bacalhôa desde o ano 2000.
2.1.18.- Para além dos cargos que assume no Conselho de Administração da Bacalhôa, A é também Presidente da Mesa da Assembleia Geral e HH seu 1.º Vice-Presidente.
2.1.19.- O capital social da Bacalhôa é de € 70.500.000,00 sendo, maioritariamente detido, por diversas entidades do Grupo Berardo, nomeadamente, A, a AC, a Metalgest e, mais recentemente, pela Statuschange.
2.1.20.- O capital social da Metalgest e respetivos direitos de voto são detidos em 35,1 % por A, e em 47,48% pela Fundação A.
2.1.21.- São membros, pelo menos desde 2009, do órgão de administração da Metalgest, A (Presidente), FF (Vice-Presidente) e B (Vogal).
2.1.22.- A Metalgest obrigava-se (e obriga-se) pela assinatura do presidente do conselho de administração, isto é, pela assinatura de A, ou pela assinatura conjunta de dois membros do conselho de administração, incluindo, portanto, A, FF e/ou, B.
2.1.23.- As rés, bem como a Metalgest integram o denominado “Grupo Berardo”.
2.1.24.- No exercício da sua atividade bancária, o BCP concedeu vários empréstimos, por via de operações de financiamento de diversa natureza, à Metalgest.
2.1.25.- Para garantia do bom cumprimento das responsabilidades assumidas pela Metalgest, foram constituídos, entre 2009 e 2011, entre outras garantias, penhores financeiros sobre um total de 16.508.157 ações representativas (então) de 30,742211% do capital social da Bacalhôa, detidas pela Metalgest (11.030.680), pela AC (1.320.499) e por A (4.156.978).
2.1.26.- A AC foi dando conhecimento à Bacalhôa da constituição dos penhores financeiros a favor do BCP sobre as 1.320.499 ações, solicitando-lhe que promovesse os correspondentes registos, conforme comunicações de 31 de dezembro de 2010, 12 de abril de 2011 e 4 de maio de 2011, que a Bacalhôa declarou ter recebido.
2.1.27.- Em 16.03.2012, foi celebrado entre o BCP, por um lado, e a Metalgest, a Associação de Coleções e A, por outro, o “Acordo de Consolidação de Financiamentos” (doravante “ACF”), conforme cópia junta como doc. 12 da p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.1.28.- No ACF, a Associação de Coleções e a Metalgest são representadas por A, que ali também é parte, para além de representante das demais entidades do Grupo Berardo.
2.1.29.- De acordo com a cláusula 1.1. do ACF, o mesmo teve como objetivo “consolidar num só a totalidade dos financiamentos vigentes em nome da Metalgest junto do Banco e modificar os termos e condições contratuais aplicáveis aos financiamentos em causa e às garantias constituídas a favor do BCP no âmbito dos mesmo”.
2.1.30.- Na cláusula 1.3. do referido ACF ficou estipulado que “mantêm-se em pleno vigor e eficácia as garantias constituídas a favor do BCP no âmbito dos financiamentos ora consolidados, reconhecendo a Metalgest e a AC que, salvo as cartas de conforto que subsistem nos seus exatos termos, as garantias prestadas passarão a cobrir todas e cada uma das obrigações que para a Metalgest resultam e/ou venham a resultar do contrato que doravante regerá o financiamento consolidado da Metalgest, nos termos do Anexo 1.3.. Neste âmbito, as Partes acordam que os termos e condições das garantias em questão serão modificadas nos termos previstos no presente Acordo”.
2.1.31.- Nos termos da cláusula 1.6. do ACF, esse acordo não constitui, nem produziu, os efeitos de uma novação de dívida, mantendo-se em vigor, após consolidação, as garantias constituídas a favor do BCP no âmbito dos financiamentos objeto de consolidação, as quais passariam a cobrir todas e cada uma das obrigações que para a Metalgest resultassem do contrato que veio a materializar o financiamento consolidado e que constitui o Anexo 1.3. do ACF.
2.1.32.- As garantias constituídas a favor do BCP no âmbito dos financiamentos objeto de consolidação são identificadas no Anexo B do ACF e nelas se incluem, entre outras, os penhores financeiros sobre um total de 16.508.157 ações da Bacalhôa, detidas pela Metalgest (11.030.680), pela AC (1.320.499) e por A (4.156.978), acima referidos em 2.1.25.
2.1.33.- Os financiamentos consolidados nos termos do ACF, e as garantias prestadas no âmbito dos mesmos, passaram a reger-se exclusivamente pelos termos e condições constantes do Anexo 1.3. do ACF.
2.1.34.- O referido Anexo 1.3. do ACF corresponde, assim, ao “Contrato de Financiamento com Penhor” que passou a vigorar entre as partes, junto com o documento nº 12 da p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.1.35.- Em conformidade com o reconhecimento de dívida constante da Cláusula 2. do ACF, também na Cláusula 2. do “Contrato de Financiamento com Penhor”, a Metalgest reconheceu-se devedora ao BCP do montante de € 128.577.375,26, já então integralmente utilizado (correspondente ao valor da dívida antes de ser promovida a liquidação parcial referida na aludida Cláusula 2. do ACF), quantia que, já após tal liquidação, e com os juros e demais encargos, se obrigou a reembolsar nos termos convencionados (cf. Cláusula 4. do Contrato de Financiamento com Penhor).
2.1.36.- O Contrato de Financiamento com Penhor, de acordo com o que foi previsto na sua Cláusula 7., foi celebrado pelo prazo de 7 anos (de 15 de março de 2012 a 15 de março de 2019), obrigando-se a Metalgest a reembolsar 30% do capital em dívida em 15 de março de 2018 e o remanescente em 15 de março de 2019.
2.1.37.- De acordo com a Cláusula 17. do “Contrato de Financiamento com Penhor”, “O Millennium bcp poderá, sem prejuízo da sua faculdade legal de exigir o reforço ou a substituição das garantias prestadas, declarar a antecipação do vencimento e considerar automaticamente vencidas as dívidas da METALGEST emergentes deste Contrato e exigir o cumprimento imediato das correspondentes obrigações, sem prejuízo da efetivação de outras responsabilidades a que haja lugar, após a ocorrência de qualquer uma das seguintes situações e desde que a mesma se mantenha: (…); (m) Caso seja decretado o vencimento de qualquer outro contrato de financiamento bancário em que a METALGEST seja mutuária ou, em geral, se a METALGEST incumprir quaisquer obrigações de natureza pecuniária decorrentes de valores mobiliários ou monetários de qualquer natureza por si emitidos.”
2.1.38.- Na Cláusula 15. do “Contrato de Financiamento com Penhor” veio a ser clausulado que, após consolidação, se manteriam em pleno vigor e eficácia as garantias constituídas a favor do BCP no âmbito dos financiamentos objeto de consolidação - incluindo os penhores financeiros sobre as 16.508.157 Ações representativas do capital social da Bacalhôa -, passando a reger-se pelos termos e condições do Sub-Anexo 15. (a), intitulado “Termos do Penhor Financeiro de Ações” (doravante “Penhor Financeiro Dívida Consolidada”), o qual faz parte integrante do documento nº 12 da p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.1.39.- De acordo com a alínea (l) da Cláusula 1.1. daquele instrumento contratual, as Obrigações Garantidas pelos penhores são “todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir pela Metalgest perante o Banco, incluindo as assumidas ou a assumir ao abrigo ou em conexão com o Financiamento [o financiamento no montante de € 128.577.375,26], suas renovações, prorrogações, reformas ou modificações, incluindo o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões, impostos e quaisquer outros encargos, designadamente honorários de advogado ou solicitador”.
2.1.40.- De acordo com a Cláusula 2. do Penhor Financeiro Dívida Consolidada, os penhores financeiros constituídos a favor do BCP pela Metalgest e pelos devedores pignoratícios (AC e A) sobre os ativos dados em penhor, incluindo os direitos acessórios, que são identificados no Apêndice 1.1. Ativos Financeiros, passaram a garantir o integral e atempado cumprimento de todas e de cada uma das Obrigações Garantidas.
2.1.41.- No referido Apêndice 1.1. dos “Termos do Penhor Financeiro de Ações” são identificadas, como parte dos Ativos Financeiros empenhados, as 16.508.157 Ações representativas do capital social da Bacalhôa, dadas em penhor pela Metalgest, pela AC e por A, acima referidas em 2.1.25.
2.1.42.- De acordo com o Penhor Financeiro Dívida Consolidada (Sub-Anexo 15. (a) do documento n.º 12):
(i) O penhor constituído sobre as sobre as 16.508.157 ações ordinárias nominativas representativas do capital social da Bacalhôa inclui os Direitos Acessórios das ações empenhadas (com a abrangência fixada na alínea (j) da Cláusula 1.1.) – e de quaisquer outras que viessem a ser objeto de penhor nos termos convencionados -, bem como o direito do seu exercício pelo BCP, sem prejuízo do seu exercício pelos respetivos titulares, até à notificação de declaração de vencimento antecipado das obrigações garantidas, momento a partir do qual se obrigaram “(i) a não exercer, ou procurar exercer, qualquer um dos Direitos Acessórios e, bem assim, (ii) a não praticar qualquer acto que possa prejudicar, limitar ou impedir o pleno exercício dos Direitos Acessórios pelo Millennium bcp” (cf. Cláusulas 2.1., 2.2. e 3.5.); (ii) Declarado o vencimento antecipado das obrigações garantidas, o penhor passaria a abranger os direitos de voto inerentes às ações empenhadas (cf. Cláusula 3.3.);
(iii) Ficariam abrangidos pelo penhor os ativos financeiros que, no futuro, a AC, A ou a Metalgest, viessem a ter direito por força da detenção das ações já empenhadas, tendo-se, para o efeito, a AC, A e a Metalgest, comprometido a exercer os direitos de subscrição e/ou conversão que lhes pertencessem, tendo-se especificamente convencionado que (cf. Cláusulas 2.5. e 2.7.) “no caso de haver um ou mais aumentos de capital dos emitentes dos respectivos Activos Financeiros, por entradas em dinheiro, a GARANTE [AC, A e Metalgest, cf. 1.1. alínea (k) do Penhor Financeiro Dívida Consolidada] compromete-se a: a) Exercer os direitos de subscrição que lhe pertencerem, se o preço por acção for inferior ao seu valor de mercado, de modo a que o valor de mercado dos títulos empenhados não sofra diminuição; ou, b) Se não pretender exercer esses direitos de subscrição, desenvolver os seus melhores esforços para promover a respetiva alienação, considerando-se empenhadas ao abrigo do presente Contrato as acções subscritas ou os valores obtidos através da alienação dos direitos de subscrição, consoante o caso.”
(iv) Para os efeitos previstos na cláusula 2., a AC, A e Metalgest mandataram e autorizaram o BCP “a praticar, em seu nome e por sua conta, todos os atos eventualmente necessários à eficácia do penhor (…), designadamente a assinar todas as declarações necessárias ou convenientes para o efeito, a requerer registos e a apresentar os documentos comprovativos dos penhores.” (cf. Cláusula 2.9.).
2.1.43.- Na data de celebração do ACF, 16 de março de 2012, a Metalgest, a AC e A, comunicaram à Bacalhôa que a partir daquela data, o pagamento de quaisquer dividendos ou rendimentos referentes às ações empenhadas seria efetuado ao BCP.
2.1.44.- Em 18 de julho de 2014 o ACF foi objeto de um aditamento (doravante “Aditamento”), igualmente celebrado entre o BCP, na qualidade de credor, a Metalgest, na qualidade de devedora, e AC e A, na qualidade de devedores pignoratícios, conforme documento n.º 14 da p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, atualizando, nomeadamente o pacote de garantias.
2.1.45.- Em consequência, de acordo com a Cláusula 1. do Aditamento, desde 14 de julho de 2014, o quadro constante do Anexo B (Garantias) ao ACF, passou a ter a redação constante do Anexo 1.1. (a) do Aditamento e o quadro constante do Apêndice 1.1. (Ativos Financeiros) ao Sub-Anexo 15. (a) (Termos do Penhor Financeiro de Ações) ao ACF, passou a ter a redação constante do Anexo 1.1.(b).
2.1.46.-Apesar das alterações verificadas, manteve-se, sem quaisquer modificações, o penhor financeiro constituído sobre as mesmas 16.508.157 ações representativas (então) de 30.742211% do capital social da Bacalhôa.
2.1.47.- Em 8 de maio de 2017, o BCP, face à declaração de vencimento antecipado de financiamentos à Metalgest promovida por outra instituição bancária, veio também declarar o vencimento antecipado do “Contrato de Financiamento com Penhor”, ao abrigo da alínea (m) da sua Cláusula 17., o que fez através de carta registada com aviso de receção dirigida à Metalgest, conforme cópia junta aos autos como documento n.º 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.1.48.- Nos termos da aludida comunicação, foi a Metalgest interpelada para proceder ao pagamento da dívida que então se cifrava no montante de €59.701.361,91.
2.1.49.- A mesma comunicação foi igualmente remetida, na mesma data, à AC e a A, na qualidade de autores dos penhores, de primeiro grau, constituídos sobre as ações (e quotas), identificadas nos Anexos ao Aditamento de 14 de julho de 2014.
2.1.50.- Entretanto, e face à execução de parte dos penhores, o valor da dívida da Metalgest ao BCP foi reduzido para o montante, de capital, de € 57.438.938,87.
2.1.51.- Não tendo a Metalgest promovido a liquidação do referido montante em dívida, em 16 de maio de 2021, o BCP veio instaurar a competente ação executiva contra a Metalgest e contra a AC e A, estes na qualidade de devedores pignoratícios, a qual se encontra a correr os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Execução – Juiz 2, sob o n.º 2625/21.1T8STB, pelo montante de € 76.212.601,55 (setenta e seis milhões duzentos e doze mil seiscentos e um euros e cinquenta e cinco cêntimos), a que acrescem os correspondente juros de mora.
2.1.52.- Conforme o pedido que lhe foi apresentado pela Metalgest em 28 de novembro de 2012, o BCP emitiu a garantia bancária n.º 125-02-1838371 a favor do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) S.A. (“BBVA”), no montante de €1.750.000,00 (um milhão setecentos e cinquenta mil euros).
2.1.53.- De acordo com o teor da Garantia Bancária emitida a pedido da Metalgest, a mesma destinava-se a caucionar o crédito que o BBVA sobre si detinha e que se encontrava a ser executado no âmbito do processo executivo n.º 30927/11.8YYLSB a correr termos junto da, então, 2.ª Secção do 2.º Juízo de Execução de Lisboa, processo entretanto transitado para o Juízo de Execução de Lisboa, Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
2.1.54.- Sendo uma garantia bancária autónoma, incondicional, irrevogável e à primeira solicitação, o BCP obrigou-se, pois, a pagar, até ao limite de € 1.750.000,00, as quantias que o Juiz titular daquele processo executivo viesse a “oportunamente” ordenar mediante despacho de pagamento a notificar ao BCP.
2.1.55.- Em 28.11.2012, foi assinado entre a Metalgest, a Associação de Coleções e o BCP um “Contrato de Penhor de Acções”, nos termos do qual a Associação de Coleções constituiu penhor financeiro de primeiro grau sobre 742.653 ações, tituladas e nominativas, com o valor nominal de € 1,00 euro cada, representativas de 1,43% do capital social da Bacalhôa – Vinhos de Portugal, S.A. e respetivos direitos de voto, de que é titular, para garantia das obrigações assumidas ou a assumir pela Metalgest perante o BCP emergentes da emissão de uma garantia bancária no montante de € 1.750.000,00 a favor do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A. (“BBVA”), de cujo texto resultava, além do mais, o seguinte, conforme documento n.º 24 junto com a petição inicial: «O BANCO, pelo presente documento, presta uma garantia bancária, no valor de € 1.750.000,00 (…), destinada a caucionar o crédito do BENEFICIÁRIO sobre a ORDENADORA decorrente da Execução que, sob o n.º 30927/11.8YYLSB, corre termos pela 2ª Secção do 2º Juízo dos Juízos de Execução de Lisboa. Pelo presente documento, o BANCO acima identificado presta garantia total, autónoma, incondicional e irrevogável à primeira solicitação a favor do BENEFICIÁRIO, responsabilizando-se pelo pagamento ao Beneficiário das importâncias que o Senhor Juiz Titular da Execução venha, oportunamente, a determinar, mediante Despacho de pagamento a notificar ao BANCO, e até ao montante supra-indicado, (…).» e, nos termos do n.º 23 da Cláusula 1ª, «o penhor subsistirá enquanto perdurarem quaisquer das responsabilidades que assegura (provenientes das obrigações identificadas no número 1 supra), ainda que sob condição, abrangendo reformas, prorrogações, moratórias ou quaisquer outras reformulações de que as mesmas venham a ser objecto».
2.1.56.- Uma vez celebrado o Contrato Penhor de Acções, a Autora remeteu à Bacalhôa a competente instrução para registo do penhor sobre as 742.653 ações, através de carta datada de 28.11.2012.
2.1.57.- O penhor da ações acima referido em 2.1.55., de acordo com o nºs 15, 16 e 17 da Cláusula 1.ª “abrange os direitos aos lucros das ações empenhadas bem como os demais direitos sociais a elas relativos, incluindo o direito de participar e deliberar em assembleias gerais”, sem prejuízo de a AC conservar tais direitos até se verificar mora ou incumprimento das obrigações da Metalgest, caso em que os mesmos passariam a ser exercidos pelo BCP.
2.1.58.- Tendo imediatamente a AC “mandata[do] e autoriza[do] o Millennium bcp a praticar, em seu nome e por sua conta, todos os atos eventualmente necessários à eficácia do penhor, designadamente a assinar todas as declarações necessárias ou convenientes para o efeito, a requerer registos e a apresentar os documentos comprovativos do penhor “(cf. n.º 4 da Cláusula 1.ª).
2.1.59.- Na cláusula 1.ª daquele Contrato de Penhor de Acções ficou também estatuído que: “(…) 18. Ficam igualmente abrangidas pelo penhor as ações a que, no futuro, a Associação de Colecções venha a ter direito por incorporação de reservas em virtude da titularidade das ações empenhadas.
19. No caso de haver um ou mais aumentos de capital da sociedade cujas ações foram oferecidas em penhor por outras modalidades que não a referida no número anterior, a Associação de Coleções compromete-se a exercer os direitos de subscrição e/ou conversão que lhe pertencerem e a constituir, a favor do Millennium bcp, primeiro penhor financeiro sobre as ações de que vier a ser titular resultantes desses futuros aumentos de capital, por forma a manter sempre empenhadas, com o mesmo grau de prioridade, a percentagem de participação social referida supra no número um e nos respectivos diretos de voto.
20. A Associação de Coleções concede, pelo presente, ao Millennium bcp os poderes necessários para a representar no exercício dos direitos de subscrição e/ou conversão aqui referidos.
21. O penhor abrangerá ainda as ações a que as ações empenhadas dêem direito, decorrentes de uma eventual, transformação, fusão ou cisão da sociedade cujas ações foram dadas em penhor ao Millennium bcp.
22. Em caso de uma eventual fusão ou cisão da sociedade cujas ações foram dadas em penhor ao Millennium bcp, o objeto do penhor passará a ser constituído ou completado pelas ações representativas do capital social da sociedade resultante da fusão ou cisão, por forma a que o Millennium bcp não veja a sua garantia diminuída, devendo as ações ser, para o efeito, depositadas na conta de títulos acima identificada, ficando a Associação de Coleções desde já obrigada a praticar todos os atos necessários à constituição do penhor das ações representativas do capital social da sociedade resultante da fusão ou cisão. (…)”. 2.1.60.- Na sequência dos despachos de 29.11.2017 e de 29.01.2018, proferidos no âmbito do mesmo processo executivo que, sob pena de multa, ordenaram o pagamento, à ordem daqueles autos, do montante de € 1.750.000,00 assegurado pela Garantia Bancária, o BCP honrou a Garantia Bancária e procedeu ao pagamento da citada quantia de € 1.750.000,00. 2.1.61.- Tendo honrado a garantia bancária, o BCP interpelou a Metalgest, por carta de 22 de fevereiro de 2018, para, no prazo de 10 (dez) dias, efetuar o reembolso da quantia de € 1.752.348,83 (um milhão setecentos e cinquenta e dois mil trezentos e quarenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), correspondente valor da garantia, comissões e juros. 2.1.62.- Pedido que veio a reiterar por carta de 5 de março de 2021, em que esclareceu as dúvidas que haviam sido suscitadas pela Metalgest, aproveitando para atualizar o montante cujo reembolso a Metalgest deveria efetuar, no valor de € 1.917.906,52 (um milhão novecentos e dezassete mil novecentos e seis euros e cinquenta e dois cêntimos).
2.1.63.- Aquelas cartas foram também enviadas para a AC “na qualidade de autora do penhor financeiro que, para garantia das obrigações emergentes da garantia bancária supra identificada, foi constituído sobre 742.653 ações representativas do capital social da Bacalhôa – Vinhos de Portugal, S.A.”.
2.1.64.- Não tendo o pagamento da dívida emergente do pagamento da Garantia Bancária sido efetuado pela Metalgest, o BCP veio contra a mesma instaurar uma ação declarativa de condenação, que sob o n.º 3389/21.4T8FNC, correu os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Central Cível do Funchal - Juiz 3, tendo sido proferido saneador-sentença, transitado em julgado a 23.11.2022, que condenou a Metalgest a pagar ao BCP a quantia de €1.750.334,75 acrescida de juros de mora vencidos desde 21 de março de 2021 e vincendos, à taxa legal de 7,00%, até efetivo e integral pagamento.
2.1.65.- No âmbito de uma alteração dos estatutos da Bacalhôa, registada em abril de 2016, o capital social daquela sociedade passou a ser representado por ações escriturais.
2.1.66.- Em 9 de julho de 2020 o BCP entregou à Bacalhôa as ações empenhadas (16.508.157 e 742.653), que se encontravam depositadas nas contas tituladas pela AC, A e Metalgest e, em contrapartida, recebeu os Certificados emitidos pela Bacalhôa nos termos do artigo 78.º do Código dos Valores Mobiliários, comprovativos do registo das aludidas ações, e correspondentes penhores, nas contas de valores mobiliários abertas em nome da AC, de A e da Metalgest.
2.1.67.- Através de carta entregue em mão na sede da Bacalhôa em 22 de maio de 2019 e remetida, para conhecimento, à AC, A e Metalgest, conforme documentos n.ºs 30 e 31 da p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o BCP, entre outros aspetos:
(i) Solicitou à Bacalhôa que anotasse nos seus registos, para todos os efeitos legais e estatutários, ser ele o titular do direito de voto sobre as 16.508.157 ações empenhadas;
(ii) Informou que iria participar na assembleia geral que havia sido convocada para o dia 24 de maio de 2019;
(iii) Reiterou que havia comunicado aos Garantes que, na assembleia geral convocada para o dia 24 de maio de 2019, iria exercer os direitos de voto inerentes às ações empenhadas a seu favor; e
(iv) Requereu acesso aos elementos preparatórios da assembleia geral, previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”).
2.1.68.- Por carta entregue em mão na sede da Bacalhôa em 25 de junho de 2020 e remetida, para conhecimento, à AC, A e Metalgest, conforme documento n.º 34 da p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o BCP, entre outros aspetos: (i) Voltou a solicitar à Bacalhôa que, caso ainda não o tivesse feito, anotasse nos seus registos, para todos os efeitos legais e estatutários, ser ele o titular do direito de voto sobre as 16.508.157 ações empenhadas; (ii) Informou que iria participar na assembleia geral que havia sido convocada para o dia 3 de julho de 2020, e exercer os direitos de voto inerentes às ações empenhadas a seu favor; e, (iii) Requereu acesso aos elementos preparatórios da assembleia geral, previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 289.º do CSC.
2.1.69.- O BCP remeteu à Associação de Coleções, com conhecimento da Bacalhôa, a carta datada de 20.05.2021 com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 36 junto com a petição inicial: «Ref. Penhor de acções – exercício dos direitos de voto – Assembleia Geral de 28/05/2021 (…) Nesse sentido, informamos que – para além dos direitos de voto que vem exercendo, e que igualmente exercerá na próxima assembleia geral, sobre as 16.508.157 (…) acções representativas do capital social da Sociedade, empenhadas para garantia das obrigações emergentes do Acordo de Consolidação de Financiamentos celebrado em 16 de Março de 2012 – o Banco exercerá, também, os direitos de voto inerentes às 742.653 Acções acima referidas na próxima assembleia geral da Sociedade, que terá lugar no dia 28 de Maio de 2021, bem como os direitos à informação previstos no artigo 293º do Código das Sociedades Comerciais, devendo V.Exas. nos termos legais e contratuais, colaborar no exercício dos direitos em causa pelo Banco (…)».
2.1.70.- Na mesma data, por carta que dirigiu à Bacalhôa, com conhecimento da AC, conforme documento n.º 37 da p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o BCP, entre outros aspetos:
(i) Solicitou à Bacalhôa que anotasse nos seus registos, para todos os efeitos legais e estatutários, ser ele o titular dos direitos de voto, também, sobre as 742.653 ações empenhadas; e,
(ii) Informou que iria participar na assembleia geral que havia sido convocada para o dia 28 de maio de 2021 enquanto credor pignoratício, também, das aludidas ações.
2.1.71.- A essas missivas a AC respondeu através de carta datada de 27 de maio de 2021, junta aos autos como documento nº 38 da p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, referido, para além do mais, que: “(…) 1. Em primeiro lugar, o acto de constituição do penhor das ações pela Associação de Colecções é nulo, na medida em que é contrário e incompatível com os fins da mesma, facto que o Banco, enquanto credor profissional e entidade obrigada a elevados deveres de diligência e cuidado não pode ignorar. 2. A Associação de Colecções, no âmbito do contrato celebrado, nunca foi informada por V. Exas. de qualquer incidente (interpelações e/ou pagamento) quanto ao crédito que foi garantido ilicitamente; 3. Desta forma, não pode a Associação de Colecções deixar de considerar totalmente ilegítima a pretensão a que V. Exas se arrogam de exercer quaisquer direitos sociais sobre 742.653 ações objeto de penhor. Mais informa a Associação que não vai participar na Assembleia Geral de 28 de Maio de 2021 enquanto titular das 742.653 ações, imputando a V. Exas a responsabilidade por quaisquer prejuízos que venha a ter caso V. Exas exerçam os direitos que se arrogam pela carta de 20 de maio de 2021 p.p. (…)”.
2.1.72.- Por sua vez, a ré Bacalhôa também respondeu ao BCP, através de carta datada de 1 de junho de 2021, junta aos autos como documento nº 39 da p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, referido, para além do mais, que: “(…) Informo V. Exas, como certamente é do vosso conhecimento, que foi permitido pela Mesa da Assembleia Geral da Bacalhoa Vinhos de Portugal S.A. (“Bacalhôa) que a mandatária do Banco Comercial Português, S.A. (“BCP”) representasse as 742.653 acções referidas na vossa comunicação, atendendo a que se arrogaram a titularidade de voto.
A Mesa permitiu tal exercício, única e exclusivamente porque existe penhor registado sobre tais ações e a Associação de Coleções, titular das mesmas comunicou que não participaria com essas mesmas ações na referida Assembleia. Não tomou, assim, a Mesa da Assembleia Geral da Bacalhôa, qualquer posição sobre o litígio entre a acionista desta sociedade e o BCP, quanto à validade do penhor invocado pelo Banco e consequente eventual ilegitimidade para exercer o direito de voto quanto às mesmas. (…)”.
2.1.73.- A AC veio instaurar ação judicial contra o BCP pedindo a declaração de nulidade dos penhores que a seu favor constituiu, representativas do capital social da Bacalhôa, ação que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – J17, sob o nº 8859/21.1T8PRT, a qual veio a ser julgada improcedente, por decisão transitada a 04.12.2023.
2.1.74.- O BCP propôs ação executiva contra a Metalgest em 16.05.2021, a qual corre termos no Tribunal Judicial de Setúbal – Juízo de Execução de Setúbal – J2, sob o proc. n.º 2625/21.1T8STB, a qual se iniciou com a penhora dos bens dados em garantia, incluindo as 1.320.499 ações Bacalhôa empenhadas pela Autora.
2.1.75.- O BCP participou nas assembleias gerais da Bacalhôa que ocorreram em 24.05.2019, 03.07.2020 e 28.05.2021, aí exercendo os seus direitos sociais, onde votou sobre os diversos pontos da ordem do dia.
2.1.76.- Na sequência de deliberação tomada a 02 de junho de 2017, foi efetuado um aumento de capital da Sociedade Bacalhôa, de € 53.598.665,00 para 61.500.000,00, por entradas em dinheiro, reservado a acionistas no exercício dos respetivos direitos de preferência, através da emissão de até 7.801.335 novas acções ordinárias, escriturais e nominativas, com o valor nominal unitário de €1.00.
2.1.77.- Na sequência de deliberação tomada a 4 de Maio de 2018, foi efetuado um aumento de capital da Sociedade Bacalhôa, de €61.500.000,00 para €70.500.000,00€, por entradas em dinheiro, reservado a acionistas, mediante a emissão de até 9.000.000 novas ações ordinárias, com o valor nominal unitário de €1.00.
2.1.78.- Por força daqueles dois aumentos de capital, a AC adquiriu, por subscrição, um total de 16.295.018 Novas Ações.
2.1.79.- Na sequência dos referidos aumentos de capital por entradas em dinheiro, reservados a acionistas no exercício dos respetivos direitos de preferência, a AC passou a deter 45.606.587 ações da Bacalhôa, correspondentes a 64,6901% do capital social da Bacalhôa.
2.1.80.- O BCP remeteu à Bacalhôa duas cartas, datadas de 25.03.2021, cujas cópias correspondem aos documentos 44 e 45 juntos com a petição inicial, fazendo menção as Novas Ações adquiridas pela AC nos referidos aumentos de capital, solicitando-lhe:
(i) Relativamente ao Penhor Financeiro Dívida Consolidada, no âmbito do qual haviam sido empenhadas a seu favor 16.508.157 ações representativas do capital social da Bacalhôa, procedesse ao registo do penhor financeiro de primeiro grau sobre 5.165.102 Novas Ações que haviam sido adquiridas pela AC, de modo a que o penhor financeiro passasse a incidir sobre 30,742211% do capital social da Bacalhôa; e
(ii) Relativamente ao Penhor Financeiro Garantia Bancária, no âmbito do qual haviam sido empenhadas a seu favor 742.653 ações representativas do capital social da Bacalhôa, procedesse ao registo do penhor financeiro de primeiro grau sobre 265.497 Novas Ações que haviam sido adquiridas pela AC, de modo a que o penhor financeiro passasse a incidir sobre 1,43% do capital social da Bacalhôa.
2.1.81.- Na mesma data o BCP deu conhecimento daquelas cartas à Associação de Coleções. 2.1.82.- A Bacalhôa recusou o registo de penhores sobre as Novas Ações solicitado pelo BCP.
2.1.83.- Na assembleia geral do dia 28 de maio de 2021, entre outras declarações de voto que pediu fossem transcritas em ata, o BCP declarou o seguinte: “Não obstante o nosso voto de abstenção à apreciação geral da Administração e da Fiscalização da Sociedade, manifestamos o nosso desagrado pela ausência de resposta aos pedidos de documentação oportunamente dirigidos pelo BCP ao Conselho de Administração da Sociedade.
Manifestamos também o nosso desagrado pelo teor das respostas que foram dirigidas ao BCP, na sequência dos pedidos de registo de penhor financeiro de primeiro grau sobre, respetivamente, 265.497 e 5.165.102 novas ações da sociedade subscritas pela acionista Associação de Coleções em aumentos de capital ocorridos em 2017 e 2018, dirigidos pelo BCP ao Conselho de Administração da Sociedade. O BCP responderá às referidas cartas oportunamente, não deixando, contudo, de rejeitar os argumentos ali apresentados pelo Conselho de Administração, os quais, além de manifestamente infundados, evidenciam o incumprimento, pelos membros do Conselho de Administração, dos deveres legais que sobre si impendem. Tais condutas não só revelam a desconsideração pelos direitos do BCP como credor pignoratício, como são suscetíveis de prejudicar o exercício desses mesmos direitos, e dão continuidade a um comportamento do Conselho de Administração que se vem verificando ao longo dos últimos exercícios.”
2.1.84.- Por contrato de compra e venda celebrado a 05 de agosto de 2019, a AC, representada por A, declarou vender, 43.543.435 ações da Bacalhôa, livres de quaisquer ónus e encargos, à Statuschange, representada por B, sendo que esta sociedade obrigou-se a pagar o preço de €94.112.008,60 pela aquisição dessas ações, conforme documento nº 6 da contestação da AC, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.1.85.- De acordo com o ponto 2 da Cláusula Terceira daquele contrato “o preço das Ações Contratuais será liquidado mediante a realização de prestações acessórias não remuneradas pela Vendedora na Compradora, atenta a qualidade de sócia da Vendedora na Compradora. 2.1.86.- Com a aquisição destas 43.543.435 ações da Bacalhôa, a Statuschange ficou com 61,7637% do capital daquela sociedade, enquanto a AC ficou com as 1.320.499 ações empenhadas ao BCP pelo Penhor Financeiro Dívida Consolidada, com as 742.653 ações empenhadas ao BCP pelo Penhor Financeiro Garantia Bancária, sendo ainda titular de 595.415 ações.
2.1.87.- Ao outorgaram o contrato de compra e venda de ações a AC e a Statuschange tinham consciência que dessa forma agravavam a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest.
2.1.88.- O património da Associação de Coleções tem um valor superior ao valor do crédito do BCP sobre a Metalgest.
*
2.5. A impugnação da matéria de facto:
O artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o dever de obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/1/2022 sintetizou a orientação jurisprudencial aí seguida, ao referir que: “No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1 TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia.
No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
Acrescenta-se que este conjunto de exigências se reporta especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.
A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9 TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção).
No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2 TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 417/18.4T8PNF.P1.S1.
O inconformismo dos recorrentes está centrado em vários pontos da sentença, designadamente no seguinte: “Ao outorgarem o contrato de compra e venda a AC e a Statuschange tinham consciência que dessa forma agravavam a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest” (ponto 2.1.87) – cfr. conclusão N) das doutas alegações da ré AC.
Como já foi supra referido quanto a este facto (vd. 2.2.), a decisão recorrida foi particularmente motivada em face das regras da experiência comum, de factos instrumentais e das declarações da testemunha C, funcionário do BCP, o qual, atentas as funções que exerce naquela instituição demonstrou ter conhecimento de tal factualidade e foi convincente. Este ponto apela à consciência ou conhecimento que as rés AC e Statuschange teriam quanto aos actos que praticaram e às circunstâncias que os rodeavam e aos efeitos que daí decorriam, particularmente para o autor BCP. Não se afigura que tal raciocínio evidencie qualquer erro ou mereça censura.
O princípio da liberdade do julgamento está consagrado no art.º 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil: O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Porém, mesmo nas situações gerais em que vigora tal princípio, a liberdade de julgamento não pode ser confundida com a arbitrariedade, mas deve ser enquadrada em termos de requisitos ou “standards de prova”. Michele Taruffo defendeu que, apesar das dificuldades, o “standard” da preponderância da prova é uma racionalização adequada do princípio da livre apreciação da prova, tanto nos sistemas de common law, quanto nos de civil law: “Essencialmente esse standard estabelece que, quando sobre um facto existirem provas conflituantes, o julgador deverá “sopesar” as probabilidades relativas às diversas versões dos fatos e fazer uma escolha em favor da afirmação que lhe parecer relativamente “mais provável”, com base nos meios de prova disponíveis. Tal standard é obviamente racional, uma vez que seria irracional permitir ao julgador escolher a versão dos fatos mais debilmente sustentada pelos meios de prova: é claro que a versão relativamente mais “forte deve” prevalecer sobre a relativamente “mais fraca”.
(…)
A valoração da prova consiste em determinar o valor probatório de cada elemento de prova em relação a um fato específico, tendo por objecto o estabelecimento de quando, e em que grau, com base nas prova relevantes, o enunciado do que afirma a sua ocorrência possa ser considerado “verdadeiro” (…) - in A Prova – Marcial Pons, São Paulo, 2014, pág. 150.
De acordo com o disposto no art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. E o crivo crítico relativo à demonstração do facto deverá considerar, particularmente, as presunções, que são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art.º 349.º, do Código Civil.
Afigura-se evidente que muito dificilmente se poderá produzir prova directa sobre todos os aspectos relativos à “consciência” das rés que possam ser do seu conhecimento pessoal. Não obstante, o tribunal pode e deve extrair dos factos apurados múltiplas presunções que resultem da lei ou da experiência comum. Além disso, os factos apurados até evidenciam directamente múltiplos aspectos relativos ao conhecimento ou “consciência” das rés sobre a sua conduta.
Em primeiro lugar, importa começar por notar que o conhecimento e vontade das rés assenta sobremaneira nas pessoas que dominam a sua vida sociedade, como accionstas e/ou representantes legais, particularmente A e B.
Em segundo lugar, também cumpre notar que as rés se apresentam como sociedades fechadas ou em que o capital não está cotado e acessível ao público, cuja entrada pressupõe o conhecimento que advém das relações pessoais pré-existentes, nomeadamente quanto às pessoas que dominam a vida societária.
Por outro lado, as rés AC, Bacalhôa e Statuschange tinham conhecimento da existência das dívidas ao BCP e da constituição dos penhores – cfr. factos # 26, 43, 44, 49, 55 e 56. Além disso, as regras da experiência comum impõem que se presuma que o conhecimento de A e B relativamente a tais factos seria extensivo às rés onde exerciam funções, sendo que todas integram o denominado “Grupo Berardo” – cfr. facto # 23.
A testemunha C, que participou nas negociações com PP, A e B para tratar do (re)financiamento em torno da Metalgest, confirmou a necessidade de garantir a operação, nomeadamente através das múltiplas cláusulas acordadas e da importância de salvaguardar a percentagem do capital dado em garantia. E da consequente diminuição do valor garantido pelas acções, em função do aumento de capital. O depoimento desta testemunha revelou-se credível pelas razões de ciência que evidenciou e pelo raciocínio que apresentou, sendo que a questão dos efeitos dos aumentos de capital releva já do mérito da acção.
A ré apelante insurge-se ainda contra a circunstância de se ter dado como provado um juízo valorativo (“agravou a impossibilidade”) ou, o que é aqui equivalente, uma expressão legal
[“agravamento da impossibilidade” - art.º 610.º, al. b) CC] e não factos propriamente ditos é merecedor de censura desde os bancos da Escola. Pode dar-se como demonstrado um “agravamento”, mas para assim suceder importa que na enunciação do julgamento da matéria de facto se indiquem os factos concludentes”. Porém, a redacção deste ponto não pode ser desligada da restante matéria de facto, nomeadamente dos factos relativos aos aumentos e à venda das acções representativas do capital social. Estes factos resultam provados e não podem ser ignorados em termos do estabelecimento de um nexo com o agravamento da situação do credor.
Por conseguinte, entende-se manter a resposta a este ponto da matéria de facto.
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2.6. As rés apelantes também se insurgiram quanto à matéria de facto dada como não provada no Ponto 2.2.2 (“As ações empenhadas, cujo valor considerado nos contratos de penhor foi de € 1,00 por ação, valem atualmente €1,50”).
Argumentam que “é censurável que o Autor/Recorrido desconsidere a redução da dívida (que o próprio reconhece) e entenda insuficientes, no que diz respeito à aqui Recorrente, as 1.320.499 ações que aceitou para garantia (nessa medida) de mais do dobro do montante a que a dívida se reduziu”. No entanto, as rés apelantes confundem conceitos distintos, a saber: a dívida e a garantia. A dívida pode diminuir (como diminuiu), mas a garantia subsiste enquanto não for reduzida ou eliminada.
A redução do valor da dívida não importa necessariamente a alteração do valor da garantia. Por se tratar do penhor de acções, a redução do valor da dívida poderá (ou não) ter reflexo no valor da sociedade e das suas acções. Porém, tal não resulta da matéria de facto, nomeadamente do ponto # 50: Entretanto, e face à execução de parte dos penhores, o valor da dívida da Metalgest ao BCP foi reduzido para o montante, de capital, de € 57.438.938,87. Ou seja, o passivo da Metalgest ao BCP de € 59.701.361,91 foi reduzido para € 57.438.938,87. Não obstante, tal redução terá ocorrido à custa da execução de parte dos penhores, o que consubstancia uma equivalente redução de activos (se bem que não descriminada). Além de que a garantia incide sobre acções da Bacalhôa e não da Metalgest…
Por conseguinte, essa redução da dívida não permite concluir que o valor de cada acção seja actualmente de € 1,50. Além de que este facto reduz a problemática da diminuição da garantia patrimonial ao seu valor actual e não ao valor que as acções teriam se não tivesse ocorrido os actos que fundamentam a acção. Como é evidente, em face da argumentação das rés impunha-se igualmente saber qual seria o valor das acções dadas em penhor caso não tivessem ocorrido os actos em causa, particularmente os aumentos de capital.
A ré apelante argumenta que, “na sentença ficou, pois, por se indicar, qual o facto ou factos concretos instrumentais que permitiram ao juiz concluir pelo referido agravamento”. Porém, o tribunal não pode ignorar os princípios das ciências da matemática e das finanças: ¼ de algo será sempre menos do que 1/3 dessa mesma coisa. Numa fracção ou quota parte, quanto maior for o denominador, menor será o valor. Independentemente do tamanho da piza ou da empresa.
Os depoimentos das testemunhas indicadas pela ré apelante não justificam a sua incongruência ou a natureza meramente opinativa e contra-intuitiva que evidenciaram. A Bacalhôa apresenta-se em juízo munida de estudos que contrariam o senso comum e como fosse dotada de alguma extraordinária excepcionalidade. Em qualquer outra sociedade, um aumento de capital é percepcionado com ansiedade e contrariedade pelos accionistas, conscientes da diluição da sua participação nos resultados e valor. Pelo contrário, a compra de acções próprias pelas sociedades é apresentada como um instrumento de valorização e reforço da posição dos accionistas. A Bacalhôa é uma firma que se apresenta como se funcionasse em contraciclo com as regras financeiras, sem que sejam concretizados motivos credíveis para explicar as opiniões dessas testemunhas. Como é evidente, os aumentos de capital não justificam tal juízo, pelo que não merece censura a resposta dada a esta matéria.
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2.7. O penhor das acções.
Consabidamente, o cumprimento das obrigações sempre dominou o comércio jurídico e o reconhecimento de garantias especiais foi um elemento determinante para o estabelecimento da necessária confiança e segurança. O penhor é uma dessas garantias e confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro – art.º 666.º, n.º 1, do Código Civil.
Outra das vantagens apontadas às garantias financeiras traduz-se na fluidez das relações entre as partes aquando da resolução dos contratos e na redução dos riscos de incumprimento – cfr. Hugo Ramos Alves, in Do Penhor, Almedina, 2010, pág. 269.
O penhor financeiro apresenta-se como uma modalidade de contrato de garantia financeira – cfr. art.º 2.º, do Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8/5 (Aprova o regime jurídico dos contratos de garantia financeira e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/47/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Junho, relativa aos acordos de garantia financeira).
Tiago Soares da Fonseca refere que: “sendo o penhor de acções um contrato, é necessária, pelo menos a intervenção de duas partes, o empenhador, titular das acções, e o credor pignoratício, credor da obrigação garantida. Na maioria das situações, o devedor, o empenhador e o titular das acções são a mesma pessoa. (…) Todavia, na impede que os bens dados em penhor sejam de pessoa que não o devedor, caso em que teremos um terceiro elemento” – in O Penhor de Acções, 2.ª Edição, pág. 31.
A circunstância da garantia ser, por regra, prestada de forma gratuita não evidencia especiais problemas quando ocorre com sociedades em relação de domínio ou de grupo – cfr. João Labareda, in Direito Societário Português, 1998, pág. 74 e seg.
Em caso de alienação de quota ou de acções a um terceiro, com frequência, surgem situações de “potencial conflito entre o interesse do credor pignoratício e o interesse da sociedade e/ou dos restantes sócios. Será o caso do pacto proibitivo da transmissão (lock up), dos direitos de preferência, dos direitos de opção (cal e put option) e dos direitos de alienação paralela (tag along)” – Catarina Moteiro Pires, in A execução extrajudicial do penhor – os casos particulares dos penhores de acções e de quotas, O Direito, ano 142, volume III, pág. 561.
Cumpre notar que o direito sobre as acções de uma sociedade confere ao respectivo titular o exercício de múltiplos direitos, além do direito à sua transmissão e recebimento do preço, como sejam quinhoar nos lucros, preferir no aumento de capital, discutir e votar, etc.. De particular importância no presente caso, importa salientar que “as pessoas que, à data da deliberação do aumento de capital por entradas em dinheiro, forem accionistas podem subscreve novas acções, com preferência relativamente a quem não for acionista (art.º 458.º, do CSC). Trata-se do chamado direito de preferência nos aumentos de capital por entradas em dinheiro.
(…)
Importa, deste modo, conciliar a não subscrição do aumento do capital social pelo titular-empenhador com o direito do credor pignoratício à conservação do valor económico do bem empenhado (art.º 670.º, al. c), a contrario, do Cód. Civil). Com efeito, o aumento do capital social por novas entradas, sempre que não subscrito pelo titular de acções, conduz a uma diminuição do seu valor e dos direitos a elas inerentes no seio da sociedade. Consequentemente, se as acções tiverem sido dadas em penhor, também o valor da garantia diminuirá. Deste modo, na sequência da não subscrição do aumento do capital social, o credor pignoratício poderá passar a exigir a substituição/reforço do penhor, o cumprimento imediato da obrigação garantida ou mesmo a venda judicial antecipada do bem empenhado (art.º 670.º, al. c), do Cód. Civil, e art.º 1013.º do CPC) - Tiago Soares da Fonseca, ob. cit., pág. 102-104, nosso sublinhado.
Este autor também destaca, com acerto, a necessidade de contrariar o esvaziamento do conteúdo da garantia, nomeadamente em face das regras da boa fé: “deverá o sócio empenhador, aquando da execução do contrato, informar o credor pignoratício de todos os actos susceptíveis de colocar em causa o valor do bem empenhado ou alterar de forma significativa a situação existente, designadamente, a aprovação de deliberações sociais de aumento ou diminuição do capital social (…)” – idem, pág. 108.
A apelante AC começa por se insurgir contra a circunstância de não ter sido demandada a devedora Metalgest e que “como resulta cristalino da lei e do trecho da sentença transcrito, a impugnação pauliana seria meio apto a atacar atos praticados pelo devedor – ou seja, atos praticados pela Metalgest”.
O artigo 610.º, do Código Civil, refere apenas que os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor. Mas não indica contra quem deverá ser dirigida a impugnação. Naturalmente, teremos que pressupor que a impugnação terá que ser dirigida contra quem praticou tais actos, sendo que, geralmente, o devedor concorre para a sua prática. O art.º 611.º, do Código Civil, alude reflexamente à questão, admitindo alternativamente que incumbe ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.
João Cura Mariano admite que a solução consagrada no actual Código Civil não sancionou a imposição expressa de um litisconsórcio necessário, mas apelou a sua intervenção de forma a obter a autorização para o credor executar o bem transmitido no património de terceiro – in Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, pág. 274-277.
No entanto, importa considerar as circunstâncias próprias dos actos impugnados e que não incidem sobre a alienação de qualquer bem do devedor, mas sim das acções adquiridas pela ré AC na sequência do aumento de capital da ré Bacalhôa e que foram vendidas à ré Statuschange. A presente acção perspectiva-se para além da impossibilidade do devedor principal (a Metalgest) honrar o pagamento da sua dívida e projecta-se na impossibilidade do prestador garantir o cumprimento da obrigação, nomeadamente em resultado de actos que desvalorizaram as acções dadas em penhor. Aliás, João Cura Mariano reconhece expressamente que “o pedido formulado na acção pauliana poderá assumir conteúdos diversos, para além da sempre presente declaração de ineficácia” – ob. cit., pág. 278.
Por outro lado, ao contrário do que sustenta a ré apelante, o autor pretende a extensão do penhor às novas acções (5.165.102 + 265.497) da ré AC na sociedade Bacalhôa, invocando o contrato de Penhor Financeiro. A questão de saber se o autor tem o direito à satisfação do seu crédito à custa das novas acções é algo que depende do mérito da acção, particularmente à luz do que foi acordado entre as partes.
Por outro lado, a ré apelante sustenta que “não tendo o Autor provado qual o valor das ações da Bacalhôa à data dos aumentos de capital, o mesmo não demonstrou (e não podia demonstrar) ter-se verificado a condição de que dependia a obrigação da AdC ou dos demais garantes de subscrever ações nos aumentos de capital”.
Já foi acima assinalado que o aumento do capital de uma sociedade por meio da emissão e venda a dinheiro de novas acções importa necessariamente uma diminuição do valor e dos direitos dos accionistas. Tal acto consubstancia uma diluição da sua quota parte na sociedade e do respectivo valor, no direito à repartição dos lucros, no direito de voto, etc..
Importa ainda considerar que “a verificação destes pressupostos visa igualmente salvaguardar os interesses do devedor e de terceiros, pelo que quer a liquidação por compensação, quer a própria avaliação das garantias deve ser efectuada de uma forma comercialmente correcta, havendo, assim, a necessidade de as valorações terem de se ajustar ao valor de mercado dos instrumentos dados em garantia no momento em que se procederá à sua execução, sem prejuízo do concreto acordo existente no contrato de garantia“ - Hugo Ramos Alves, ob. cit., pág. 281-282. Como parece evidente, as rés também não mostraram qualquer interesse em introduzir a discussão ampla desta vertente da questão, particularmente em face do concreto acordo existente no contrato de garantia e do impacto ou consequências da diluição da participação dada em penhor.
Em princípio, não existirá a obrigação dos accionistas subscreverem novas ações nos aumentos de capital. Porém, excepcionalmente, a ré AC assumiu contratualmente tal obrigação por meio do ponto 1.1. alínea K) do Penhor Financeiro Dívida Consolidada – cfr. facto # 2.1.42. Note-se que tal compromisso só importava o exercício dos direitos de subscrição que lhe pertencerem, se o preço por acção for inferior ao seu valor de mercado, de modo a que o valor de mercado dos títulos empenhados não sofra diminuição (e as rés incansavelmente reiteram ao longo do processo o elevado valor das acções por comparação ao preço de aquisição). E a ré AC efectivamente, por força dos dois aumentos de capital, adquiriu, por subscrição, um total de 16.295.018 novas acções das 16.901.335 que foram emitidas (70.500.000-53.598.665).
Também, ao contrário do que sustenta a ré apelante, não se encontra fundamento legal para considerar nula a estipulação de que, em caso de aumento de capital, o empenhador deverá exercer os direitos de subscrição que lhe pertençam, de modo a evitar que o valor de mercado dos títulos empenhados não sofra diminuição. Tal trata-se apenas de um reflexo da função do penhor de satisfação do crédito e até pode ser visto como um mecanismo de protecção do seu autor, nomeadamente evitando que o credor pignoratício exija a substituição ou o reforço do penhor ou o cumprimento imediato da obrigação – cfr. art.º 670.º, alínea c), do Código Civil.
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2.8. Em suma e como decorre da sentença recorrida, os aumentos de capital e subsequente venda da novas acções envolveram a diminuição da garantia patrimonial do crédito, para a qual concorreu deliberadamente a vontade das rés e que agravou a impossibilidade do autor de obter a satisfação integral do seu crédito. O que justificou a decisão de declarar ineficaz relativamente ao Autor, a transmissão de acções representativas do capital social da Bacalhôa, feita pela 1.ª Ré a favor da 2.ª Ré, nos termos dos artigos 610.º e seguintes do CC.
Não se acolhe a argumentação das rés apelantes em como inexistiu actuação de má-fé, nomeadamente por inexistência de prejuízo ou por acolhimento da impugnação da matéria de fato.
O artigo 612.º, do Código Civil, consagra o requisito da má fé, nos seguintes termos:
1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.
2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
Desde logo se nota que a ré Statuschange não se apresenta como um terceiro estranho à prestação do penhor, na medida em que as rés, bem como a Metalgest, integram o denominado “Grupo Berardo” – cfr. facto # 2.1.23.. A ré Statuschange foi gerida pelos accionistas do grupo AA - cfr. factos # 2.1.7. a 2.1.9.. E, à data da venda das acções (Agosto de 2019), a ré Statuschange era detida pela ré AC (50%) e pela firma Delicious Dialogue (50%) cfr. facto # 2.1.10.. E esta firma Delicious Dialogue tinha como sócia única a ré AC - cfr. facto # 2.1.12. Ou seja, em última análise e não obstante a venda, a AC continuou a ser a única e derradeira beneficiária das acções. Já não directamente, mas através da ré Statuschange (que dominava directamente e através da firma Delicious Dialogue).
A matéria do facto # 2.1.87. (Ao outorgaram o contrato de compra e venda de ações a AC e a Statuschange tinham consciência que dessa forma agravavam a impossibilidade de cobrança do crédito do BCP sobre a Metalgest) é apenas uma evidência que salta à vista de todos, não obstante a sua impugnação e a alegada controvérsia interpretativa. Como é evidente, as rés AC e Statuschange necessariamente tinham conhecimento do sentido e alcance do negócio e, particularmente, dos seus efeitos perante o credor pignoratício. Sabiam que a diluição da percentagem e do consequente valor das acções dadas em penhor ao autor BCP agravava a impossibilidade de cobrança do crédito, pelas razões acima evidenciadas. E tal agravamento consubstancia um prejuízo para o credor na acepção do referido art.º 612.º, n.º 2, do Código Civil, independentemente do último propósito ou finalidade da ré Statuschange (animus nocendi). Ou da ré AC que era quem dominava plenamente aquela.
Como refere João Cura Mariano: “(…) pode dizer-se que a má fé é a consciência de que o acto em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade. Tendo os outorgantes representado atempadamente as consequências danosas do seu acto, têm a possibilidade de o omitir, pelo que, se nele insistem, apesar desse conhecimento, esta sua atitude é eticamente censurável e por isso considerada de má fé” - ob. cit., pág. 191.
Também assim foi considerado no acórdão desta Secção de 12/4/2018, relatado pelo aqui Exmo. 2.º Adjunto: “Resta portanto, aferir se, a factualidade provada, permite também considerar como verificado o requisito da má fé , tanto do devedor [in casu o primeiro Réu B], como do terceiro[in casuo segundo réu e ora apelante C ], e isto em face do que dispõe o artigo 612.°, nº 1, do CC, sendo que, tal como o estabelece expressis verbis o nº2, do mesmo normativo, “entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor” .
Ou seja, em razão do que dispõe o nº 2, do art.º 612º, do CC referido, exigível não é que que haja com o acto praticado a
intenção de prejudicar o credor, tendo tão só o legislador adoptado nesta matéria uma solução intermédia entre o antigo conceito psicológico do conhecimento da insolvência e o requisito bem mais apertado da intenção de prejudicar (animus nocendi) os credores.
Em conclusão, e como bem decidiu o STJ em recente e douto Ac., “ a má fé, enquanto requisito da impugnação pauliana, com ressalva da situação em que o acto a atacar for anterior à constituição do crédito, consiste na consciência do prejuízo que o negócio questionado causa ao credor , ou seja , na diminuição da garantia patrimonial do crédito, não sendo, por isso, necessário demonstrar a intenção de originar tal prejuízo”, sendo que, “nos negócios onerosos, a lei impõe a má-fé bilateral, no sentido de exigir ao vendedor e ao comprador a consciência, ou , simplesmente, a representação da possibilidade do prejuízo que o acto causa ao credor, isto é, que produz, necessariamente, no sentido da causalidade adequada, o que determina a necessidade da sua previsão” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 1069/16.1T8CSC.L1-6.
Assim, impõe-se a confirmação do entendimento expresso na sentença recorrida em como as rés actuaram de má fé.
Porém, há fundamento para o autor obter a satisfação do seu crédito à custa das 5.165.102 e 265.497 acções representativas do capital social da Bacalhôa e que foram adquiridas pela ré AC na sequência dos aumentos de capital?
A decisão recorrida referiu que “as partes convencionaram que ficariam abrangidos pelo penhor os ativos financeiros que, no futuro, a ré AC viesse a ter direito por força da detenção das ações já empenhadas, quer no caso de aumentos de capital, quer no caso de uma eventual fusão ou cisão da sociedade cujas ações foram dadas em penhor, sendo clara a intenção das partes que as garantias prestadas não pudessem ser desvalorizadas por via de aumentos de capital ou eventuais fusões ou cisões da Bacalhôa”. E as garantias poderão ser valorizadas, mediante a entrega pela ré AC ao autor BCP de um número de acções proporcionalmente superior ao que foi acordado inicialmente? É que não deverão existir dois pesos e duas medidas. Se o Tribunal afirma perante as rés que a redução proporcional, em face dos aumentos de capital social da sociedade Bacalhôa, das acções dadas em penhor (aprox. 3,85%) consubstancia um prejuízo para o autor BCP, também deverá afirmar perante este que o reconhecimento do direito à satisfação do seu crédito através de um número de acções proporcionalmente superior ao que foi inicialmente dado em penhor pela ré AC se traduz num injustificado e desproporcional favorecimento do credor pignoratício.
Recordemos que, antes dos aumentos, o capital social da ré Bacalhôa ascendia a € 53.598.665. Por força dos aumentos do capital social, este passou de € 53.598.665, para € 70.500.000, por entradas em dinheiro, reservado a acionistas, mediante a emissão de novas ações ordinárias, com o valor nominal unitário de € 1 – cfr. factos # 2.1.76. e 2.1.77.
E a ré AC deu de penhor:
- 1.320.499 acções em 2009-2011 – facto # 2.1.25.; e,
- 742.653 acções em 2012 – facto # 2.1.55. O que perfaz o total de 2.063.152 acções.
Por força daqueles dois aumentos de capital, a AC adquiriu, por subscrição, um total de 16.295.018 novas acções – facto # 2.1.78. E na sequência dos referidos aumentos de capital por entradas em dinheiro, reservados a acionistas no exercício dos respetivos direitos de preferência, a AC passou a deter 45.606.587 ações da Bacalhôa, correspondentes a 64,6901% do capital social da Bacalhôa – facto # 2.1.79.
Como resulta do acima referido e apenas no que diz respeito às acções tituladas pela ré AC, entende-se que o crédito do autor BCP foi garantido pelos penhores das acções da sociedade Bacalhôa no total de 2.063.152 acções (1.320.499+742.653). Tal é o que resulta da referida noção de penhor que consta do artigo 666.º, do Código Civil: a ré AC apenas garantiu o pagamento da dívida pelo valor das acções que deu de penhor. Não assumiu a obrigação de se substituir ao devedor e ainda aos outros empenhadores, caso estes não subscrevessem eventuais aumentos do capital social. A título de exemplo, basta atentar na definição que consta do Sub-anexo 15.(a) – Termos do Penhor Financeiro de Acções – pág. 58 do documento n.º 12 da petição inicial: Garante é cada uma das seguintes entidades, relativamente aos activos por si empenhados a favor do Banco: AC, JB e Metalgest. E não todas as entidades e relativamente a todos os activos conjuntamente empenhados.
O direito de crédito do autor BCP também foi garantido por penhor de acções tituladas por outros accionistas da sociedade Bacalhôa (aliás, não demandados na presente acção), mas que não releva para o mérito do segundo pedido formulado pelo autor (as identificadas acções que o autor pretende para a satisfação do seu crédito são as que a ré AC subscreveu aquando dos aumentos do capital social e depois transmitiu à ré Stauschange).
A ré AC obrigou-se contratualmente a exercer os direitos de subscrição e/ou conversão que lhe pertencerem e a constituir, a favor do Millennium bcp, primeiro penhor financeiro sobre as ações de que vier a ser titular resultantes desses futuros aumentos de capital, por forma a manter sempre empenhadas, com o mesmo grau de prioridade, a percentagem de participação social referida supra no número um e nos respectivos diretos de voto – cfr. factos # 2.1.42. e 2.1.59.. E a ré AC efectivamente adquiriu novas acções aquando dos aumentos do capital da ré Bacalhôa. No entanto, a interpretação que se impõe do acordo expresso pelas partes é que o primeiro penhor financeiro sobre as acções de que a ré AC vier a ser titular resultantes desses futuros aumentos de capital está limitada às novas acções que resultam do exercício dos direitos de subscrição correspondentes às acções sobre que incidia já o penhor. E não a todas e quaisquer acções que a ré AC subscrevesse.
Do clausulado resulta uma expressa correspondência entre a situação existente aquando da constituição dos penhores e a situação que deveria existir após o aumento de capital: manter sempre empenhadas, com o mesmo grau de prioridade, a percentagem de participação social referida supra no número um e nos respectivos diretos de voto. Logo, se a ré AC constituiu inicialmente penhores correspondentes a aproximadamente 3,85% do capital social da sociedade Bacalhôa, após os aumentos de capital e da subscrição de novas acções, o autor BCP deverá continuar a beneficiar da garantia que aquela prestou correspondente a aproximadamente 3,85% do aumentado capital social, ou seja mais 650.576 acções. E não mais 5.165.102 e 265.497 acções representativas do capital social da Bacalhôa, a pretexto de serem aquelas que foram vendidas à ré Statuschange.
Por uma questão de facilidade de exposição, apresenta-se um quadro com os respectivos cálculos e com o número de acções tituladas pela ré AC na sociedade Bacalhôa:

Acções% (Aprox.)
Capital Social - antes de 201753.598.665100,00%
Acções em penhor2.063.1523,85%
Novas acções16.901.335100,00%
Direitos (de subscrição)650.5763,85%
Capital social após 201870.500.000100,00%
Acções em penhor - inicial2.063.152
Acções em penhor - subscritas650.576
Acções em penhor - Total2.713.7283,85%

De notar que resulta um erro de cálculo nos factos alegados e provados (#2.1.55. e 2.1.80.), pois o segundo penhor de acções correspondia a cerca de 1,386(…)% e não a 1,43% do capital social da Bacalhôa (742.653 : 53.598.665 = 0,01386…). Os cálculos acima apresentados assentam na soma das acções dadas em penhor pela ré AC (742.653 + 1.320.499 = 2.063.152).
Entende-se, assim, correcta a conclusão EE) das doutas alegações da ré AC e a conclusão 4.ª das doutas alegações da ré Bacalhôa, em face dos princípios legais e dos termos dos contratos celebrados pelas partes. O autor BCP pode obter a sua satisfação do seu crédito mediante as acções inicialmente dadas em penhor pela ré AC (2.063.152) e ainda mediante as acções que esta subscreveu no exercício do direito proporcional sobre tais acções (650.576). No que diz respeito aos penhores dados pela ré AC, o crédito do autor BCP estava garantido por um número de acções correspondentes a aproximadamente 3,85% do capital social da sociedade Bacalhoa. Por força da subscrição dos aumentos do capital social, o crédito do autor BCP deverá continuar a ser garantido por um número de acções correspondentes a aproximadamente 3,85% do aumentado capital.
Impõe-se, assim, a correspondente alteração da parte decisória no que diz respeito ao alcance da impugnação, que está limitado ao penhor das acções detidas pela ré AC, ou seja:
a) Declara-se ineficaz e sem qualquer efeito, relativamente ao Autor, a transmissão de 2.713.728 acções representativas do capital social da Bacalhôa, feita pela 1.ª Ré a favor da 2.ª Ré, nos termos dos artigos 610.º e seguintes do CC;
b) Declara-se que o Autor tem direito a obter a satisfação do seu crédito à custa das identificadas acções, praticando todos os atos de conservação e garantia patrimonial previstos na lei e nos contratos de penhor financeiro celebrados; e,
c) Ordena-se que a 3ª Ré proceda ao registo, no registo de emissões de valores mobiliários da Sociedade, do penhor financeiro de primeiro grau concedido pela ré AC a favor do BCP sobre o total de 2.713.728 acções representativas do capital social da Bacalhôa, nos termos e condições previstos no Penhor Financeiro Dívida Consolidada e Penhor Financeiro Garantia Bancária.
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2.9. A ampliação do objeto do recurso.
O autor requereu a ampliação do objeto do recurso, no que respeita à conclusão do Tribunal a quo de que “as rés AC e Statuschange praticaram um ato oneroso, mesmo tendo em conta que o preço acordado será liquidado através de prestações acessórias não remuneradas, não existindo um prazo para essa liquidação”, o que o BCP faz a título subsidiário.
Sucede que a requerida ampliação foi expressamente realizada a título subsidiário, nomeadamente caso se concluísse pela procedência da impugnação que a recorrente AC faz do ponto 2.1.87 [seguramente por lapso, a apelado alude ao ponto 2.1.88] acerca da consciência daquela e da Statuschange de que o acto impugnado agravava a impossibilidade do BCP satisfazer o seu crédito.
Porém, como vimos, este tribunal não acompanhou a argumentação das recorrentes quanto a essa questão. Nem a decidida alteração se baseia na falta de fundamento para a impugnação pauliana, mas apenas no seu efeito ou alcance.
Por conseguinte, considera-se que se mostra inútil e prejudicado o conhecimento da ampliação do objeto do recurso. Pelo que não se conhecerá do mesmo.
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2.10. A dispensa do pagamento (total ou parcial) do remanescente da taxa de justiça.
O artigo 527.º, do Código de Processo Civil, estabelece o princípio geral de que a parte que deu causa à acção ou do processo tirou proveito suportará o pagamento das custas.
O conceito das custas judiciais abrange a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte – art.º 3.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais. O art.º 6.º, deste diploma, na redacção em vigor, prevê ainda que:
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A redacção deste número 7 foi consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, e faz eco de decisões de desconformidade constitucional que culminaram no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 538/2014, de 22 de setembro, que decidiu declarar: “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma contida na leitura conjugada dos artigos 12.º, n.º 1, alínea a), e 6.º, n.º 1, 1.ª parte, do Regulamento das Custas Processuais, na interpretação de que a apreciação da impugnação judicial da decisão administrativa que negou a concessão de apoio judiciário está condicionada ao pagamento prévio da taxa de justiça prevista no referido artigo 12.º, n.º 1, alínea a)”.
A parte interessada poderá requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça até ao trânsito em julgado da decisão final do processo – cfr. acórdão Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 1/2022, de 03-01.
O banco apelado suscitou esta questão, considerando que deverá ainda ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela presente apelação – e, bem assim, pelas demais apelações e, cautelarmente, em primeira instância –, ou, subsidiariamente, pelo menos, reduzido, porquanto encontram-se verificados os pressupostos de dispensa previstos no n.º 7 do artigo 6.º do RCP e, além do mais, a tributação do recurso de apelação por intermédio da aplicação tabelar do RCP e a consequente exigência de um pagamento que ascenderia a um valor de cerca de € 145.550,00, implica uma oneração excessiva e desajustada das partes (artigo 20.º da CRP).
No despacho saneador, foi fixado à causa o valor de € 8.199.880, sem impugnação. Já foram realizados pagamentos da taxa de justiça e nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, ou seja, reduzida a metade. Não obstante, entende-se que o valor remanescente ainda consubstanciará um valor elevado e algo desproporcional em relação ao impulso processual e à actividade evidenciada pelos autos, pelo que será de acolher parcialmente a pretensão do apelado.
Por conseguinte, dispensa-se o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça.
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, em revogar parcialmente a sentença, e decidem:
a) Declarar ineficaz e sem qualquer efeito, relativamente ao autor, a transmissão de 2.713.728 acções representativas do capital social da Bacalhôa, feita pela 1.ª Ré a favor da 2.ª Ré, nos termos dos artigos 610.º e seguintes do CC;
b) Declarar que o autor tem direito a obter a satisfação do seu crédito à custa das identificadas acções, praticando todos os atos de conservação e garantia patrimonial previstos na lei e nos contratos de penhor financeiro celebrados; e,
c) Ordenar que a 3ª Ré proceda ao registo, no registo de emissões de valores mobiliários da sociedade, do penhor financeiro de primeiro grau concedido pela ré AC a favor do BCP sobre o total de 2.713.728 acções representativas do capital social da Bacalhôa, nos termos e condições previstos no Penhor Financeiro Dívida Consolidada e Penhor Financeiro Garantia Bancária.
As rés vão absolvidas do demais peticionado.
3.2. Defere-se o pedido de dispensa do pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça.
3.3. As custas são a suportar pelas apelantes na proporção de 50% e pelo apelado na proporção de 50%, considerando o parcial decaimento.
3.4. Notifique.

Lisboa, 22 de Maio de 2025
Nuno Gonçalves
Vera Antunes
António Santos