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ERRO
OMISSÃO
SECRETARIA JUDICIAL
INVENTÁRIO
CITAÇÃO
PRAZO
Sumário
Sumário elaborado pelo Relator: - A regra estabelecida pelo n.º 6 do artigo 157.º do CPC, no sentido de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial, implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria; - Se, em processo de inventário, em vez de proceder-se à notificação da requerente do inventário nos termos art.º 1100.º, n.º 3, do CPC, foi aquela indevidamente citada para os termos do inventário, concedendo-se à mesma um prazo superior ao legal para apresentar a reclamação à relação de bens, é este o prazo a ter em conta para a admissão da reclamação junta aos autos.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. O relatório
AA veio propor PROCESSO DE INVENTÁRIO para partilha da herança ilíquida e indivisa por óbito de seu pai, BB.
A Requerente indicou a herdeira CC, para desempenhar as funções de cabeça de casal.
A cabeça de casal apresentou relação de bens. Em 19/06/2024, foi proferido o seguinte despacho: Sobrevindo requerimento aperfeiçoado, conforme suprarreferido, cite os interessados diretos na partilha indicados pela requerente no requerimento inicial (artigo 1100.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil), para os termos do disposto no artigo 1104.º, do Código de Processo Civil. Notifique a requerente deste despacho (artigo 1100.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Em 18-09-2024, foi expedita carta registada com aviso de recepção para a recorrente, com o seguinte teor: Assunto: Citação Fica citado(a) na qualidade de interessado do inventário acima identificado, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 1104.º do Código do Processo Civil, podendo, no prazo de 30 dias, finda a dilação de 15 dias, contados da data da assinatura do aviso de recepção: Deduzir oposição ao inventário; Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; Apresentar reclamação da relação de bens que se junta cópia; Impugnar os créditos e as dívidas da herança Caso a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.ºs 228.º e 245.º do CPC). Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. Fica advertido de que só é obrigatória a constituição de advogado caso se suscitem ou discutam questões de direito e ainda em sede de recurso.
A recorrente assinou o aviso de recepção em 25.09.2024.
A recorrente juntou aos autos a reclamação à relação de bens no dia 12.11.2024, tendo procedido ao pagamento de multa. Em 06/02/2025, foi proferido o seguinte despacho: Sabendo-se que os prazos peremptórios extinguem o direito de praticar os actos – artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – e que os actos podem ser praticados dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sujeitando-se tal validade ao pagamento de uma multa – artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil – é a esta luz que a questão tem que se apreciada. No caso dos autos verifica-se que o presente inventário foi requerido por AA. Por despacho de 10-01-2024 foi nomeada CC para desempenhar o cargo de cabeça-de-casal. Após prorrogação do prazo para o efeito, por despacho de 08-07-2024 foi concedido à cabeça-de-casal o prazo suplementar de 10 dias para cumprimento do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tendo, em 09-09-2024 apresentado relação de bens. Essa relação de bens foi objecto de notificação à Il. Mandatária da requerente AA – artigo 221.º, Código de Processo Civil. Pese embora conste do citius citação pessoal interessado, há que considerar que a carta expedida e recebida (e assinada) pela requerente AA a 25-09-2024, se destinou à notificação para os termos do artigo 1105.º, do Código de Processo Civil. Ora: o prazo para apresentar reclamação à relação de bens é de 30 dias – artigo 1104.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil –, a interessada AA assinou o aviso de recepção a 25-09-2024, considerando-se notificada no 3.º dia útil posterior, ou seja, a 30-09-2024; tinha, por isso, até ao dia 04-11-2024 para a prática do acto. Constata-se, por isso, que é manifestamente extemporânea a reclamação à relação de bens apresentada, não havendo que ser considerada. Notifique. Em 28/02/2025, foi proferido o seguinte despacho: A dilação a que se refere o artigo 245.º, n.º 2, do Código de Processo Civil reporta-se à citação. AA é requerente do inventário, tendo, por isso, sido simplesmente notificada para, em 30 dias, reclamar da relação de bens apresentada. De resto, as notificações às partes que se encontram representadas por advogado e que destinem à prática de acto processual são feitas, não só na pessoa dos seus mandatários judiciais – artigo 247.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil –, como também à própria parte, presumindo-se as mesmas efectuadas no 3.º dia posterior à data da sua expedição – artigo 248.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. No caso, a Il. Mandatária da requerente AA foi até notificada da relação de bens apresentada em 09-09-2024 ao abrigo do artigo 221.º, do Código de Processo Civil – notificações entre mandatários. Assim sendo, renova-se o despacho de 06-02-2025: o presente inventário foi requerido por AA. Por despacho de 10-01-2024 foi nomeada CC para desempenhar o cargo de cabeça-de-casal. Por via da prorrogação do prazo para o efeito, em 09-09-2024 foi apresentada relação de bens. Essa relação de bens foi objecto de notificação à Il. Mandatária da requerente AA – artigo 221.º, Código de Processo Civil. A carta expedida a 18-09-2024 foi recebida (e assinada) pela requerente AA a 25-09-2024, destinou-se à notificação para os termos do artigo 1105.º, do Código de Processo Civil. Ora: o prazo para apresentar reclamação à relação de bens é de 30 dias – artigo 1104.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil –, a interessada AA assinou o aviso de recepção a 25-09-2024, considerando-se notificada no 3.º dia útil posterior à data da expedição, ou seja, a 30-09-2024; tinha, por isso, até ao dia 04-11- 2024 para a prática do acto. Constata-se, por isso, que é extemporânea a reclamação à relação de bens apresentada.
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Inconformada, AA interpôs recurso de apelação para esta Relação e formulou na sua alegação as seguintes conclusões: 1- Vem o presente Recurso interposto do douto despacho que rejeitou a reclamação à relação de bens por ter sido considerada manifestamente extemporânea. 2- A ora Recorrente deu entrada do presente Inventário para partilha dos bens por óbito de seu pai. 3- Indicou como cabeça de casal a sua irmã CC, a qual apresentou a respectiva relação de bens. 4- A ora Recorrente foi notificada, para os termos do artigo 1104º, da relação de bens, por carta, cujo aviso de recepção foi assinado pela própria em 25.09.2024. 5- Da notificação consta que Fica citado (a) na qualidade e interessado do inventário acima identificado, (...), podendo, no prazo de 30 dias, finda a dilação de 15 dias, contados da data da assinatura do aviso de recepção: (...) 6- Ora, tinha a recorrente o prazo de 30 dias, após a dilação de 15 dias para reclamar da relação e bens, ou seja, tendo assinado o aviso de recepção em 25.09.2024, iniciou-se o 1º dia de dilação no dia 26.09.2024, terminando os 15 dias em 10.09.2024, o prazo dos 30 dias iniciou-se em 11.09.2024 e terminou em 09.11.2024, sábado, passou para o dia útil seguinte, ou seja, o prazo terminou na segun-feira dia 11.11.2024. 7- Tendo a Recorrente junto aos autos a reclamação à relação de bens no dia 12.11.2024, praticou o acto no primeiro dia útil após o termo do prazo, tendo procedido ao pagamento da multa devida. 8- Pelo que, com o devido respeito mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o prazo para a prática do acto terminou no dia 04.11.2024, sendo por isso manifestamente extemporânea a reclamação. 9- O douto despacho não teve em conta a dilação nos termos do disposto no nº2 do artigo 245º do CPC. 10- Ora, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo, na medida em que, contrariamente ao decidido no douto despacho, a reclamação contra a relação de bens foi apresentada tempestivamente, pelo que deve ser aceite. 11- Em consequência, dúvidas não restam que o douto despacho que ora se recorre deve ser revogado e substituído por outro que admita a reclamação à relação de bens apresentada. 12-O douto despacho violou o disposto no artigo 245º, nº2 do CPC. *
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
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II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável).
Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver é a seguinte:
- determinar se, em processo de inventário, a reclamação à relação de bens foi apresentada tempestivamente pela recorrente.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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III. Os factos
Os factos relevantes são os referidos no relatório supra, que aqui se dão por reproduzidos.
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IV. O mérito do recurso
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O Direito
O Tribunal a quo decidiu rejeitar, por extemporânea, a reclamação à relação de bens apresentada pela recorrente, no essencial considerou:
- pese embora conste do citius citação pessoal interessado, há que considerar que a carta expedida e recebida (e assinada) pela requerente AA a 25-09-2024, se destinou à notificação para os termos do artigo 1105.º, do Código de Processo Civil;
- ora: o prazo para apresentar reclamação à relação de bens é de 30 dias – artigo 1104.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil –, a interessada AA assinou o aviso de recepção a 25-09-2024, considerando-se notificada no 3.º dia útil posterior, ou seja, a 30-09-2024; tinha, por isso, até ao dia 04-11-2024 para a prática do acto;
-no caso, a Il. Mandatária da requerente AA foi até notificada da relação de bens apresentada em 09-09-2024 ao abrigo do artigo 221.º, do Código de Processo Civil – notificações entre mandatários.
Avaliemos o acerto da decisão tomada.
Estamos no âmbito de um processo de inventário, inventário esse intentado pela recorrente AA, por óbito de BB, e no qual foi nomeada cabeça de casal CC.
No presente inventário, atendendo a que o requerimento inicial não foi apresentado pela cabeça de casal, após a apresentação da relação de bens por esta, importava dar cumprimento ao disposto no art.º 1104º nº 1 do CPC, segundo o qual: 1 - Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação: a) Deduzir oposição ao inventário; b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; d) Apresentar reclamação à relação de bens; e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança.
Relativamente à recorrente, dado que foi esta que apresentou o requerimento inicial do inventário, é aplicável o disposto no nº 2 do mencionado preceito, segundo o qual As faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo.
Por seu turno, dispõe o nº 3 do art.º 1100º daquele código que O requerente que exerça o cargo de cabeça de casal é notificado do despacho que ordene as citações referidas no número anterior.
No caso em análise, por despacho de 19/06/2024, (1) foi determinada a citação dos interessados directos na partilha indicados pela requerente no requerimento inicial (art.º 1100.º, n.º 2, alínea a), do CPC), para os termos do disposto no art.º 1104.º, do CPC, (2) mais foi ordenada a notificação da requerente/recorrente prevista no art.º 1100.º, n.º 3, do CPC.
Tal despacho foi cumprido em 18/09/2024 pela secretaria judicial, porém, e no que concerne à recorrente, em vez de proceder-se à notificação nos termos art.º 1100.º, n.º 3, do CPC, foi aquela indevidamente citada para os termos do presente inventário, à semelhança dos demais interessados que ainda não tinham intervindo no processo.
Da citação expedida à recorrente em 18/09/2024 consta que Fica citado (a) na qualidade e interessado do inventário acima identificado, (...), podendo, no prazo de 30 dias, finda a dilação de 15 dias, contados da data da assinatura do aviso de recepção: (...).
Ter-se procedido equivocamente do modo descrito relativamente à recorrente, tal não pode deixar de ter consequências processuais no que concerne ao prazo e modo de contagem deste para aquela deduzir reclamação à relação de bens, uma vez que caso tivesse sido cumprido o disposto no nº 3 do art.º 1100º do CC, o prazo contar-se-ia a partir da notificação da mandatária da recorrente nos termos do disposto nos arts. 247º e 248º, ambos do CPC.
De forma alguma podemos aceitar a argumentação do despacho recorrido segundo a qual a Il. Mandatária da requerente AA foi até notificada da relação de bens apresentada em 09-09-2024 ao abrigo do artigo 221.º, do Código de Processo Civil – notificações entre mandatários-, já que tal notificação não corresponde à notificação do art.º 1100º nº 3 do CPC, que sempre teria de ser efectivada pela secretaria judicial e não pelo mecanismo legal de notificação entre mandatários. Nem tão pouco podemos aceitar que, tal como se escreve no despacho recorrido, a interessada AA assinou o aviso de recepção a 25-09-2024, considerando-se notificada no 3.º dia útil posterior à data da expedição, ou seja, a 30-09-2024, uma vez que este regime (art.º 249º do CPC), não é aplicável nos caso em que a citação/notificação vai acompanhada de aviso de recepção, pois nestes, a notificação considera-se efectuada no dia em que se mostre assinado o a/r (art.º 230º nº 1 do CPC).
Posto isto, quais deverão ser as consequências processuais de a requerente/recorrente ter sido notificada para apresentar reclamação à relação de bens por modo que, como supra dissemos, não corresponde à forma legalmente prevista?
No código de processo civil - integrado no Livro II - Do processo em geral - Título I - Dos actos processuais - Capítulo I - Actos em geral - Secção IV – Actos da secretaria, sob a epígrafe “Função e deveres das secretarias judiciais”- estabelece o actual art.º 157.º, no n.º 6 que: Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
Na dúvida deve entender-se, e assim se entende, que a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial, como estatui o artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente e preceituava identicamente, o n.º 6 do artigo 161.º do CPC (revogado).
A respeito da questão, justifica o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 5 de Abril de 2016, proferido na Revista n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1: (…) entendem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 316, em anotação ao aludido artigo 157.º: “O n.º 6 estabelece a regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial. Esta regra implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido (veja-se, designadamente, o art.º 191.º - 3).”. J. J. Gomes Canotilho, em Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 3.ª edição, Dezembro de 1998, integrado no segmento “C. O princípio do Estado de direito e os subprincípios concretizadores”, II. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, no ponto 1. O princípio geral da segurança jurídica, refere, a págs. 252 (realces do texto): “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. Estes dois princípios - segurança jurídica e protecção da confiança - andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esse actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.
A regra estabelecida pelo n.º 6 do artigo 157.º do CPC, no sentido de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial, implica, por exemplo, que o acto da parte não pode “em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contrariedade com o legalmente estabelecido, como ocorre com o estabelecido no n.º 3 do artigo 191.º do CPC.
Revertendo para o caso concreto a doutrina expendida, há que concluir que, contrariamente ao defendido no despacho recorrido, tinha a recorrente o prazo de 30 dias, após a dilação de 15 dias para reclamar da relação de bens, ou seja, tendo assinado o aviso de recepção em 25/09/2024, iniciou-se o 1º dia de dilação no dia 26/09/2024, terminando os 15 dias em 10/09/2024, o prazo dos 30 dias iniciou-se em 11/09/2024 e terminou em 09/11/2024, sábado, passou para o dia útil seguinte, ou seja, o prazo terminou na segunda-feira dia 11/11/2024.
A recorrente juntou aos autos a reclamação à relação de bens no dia 12.11.2024, isto é, no primeiro dia útil após o termo do prazo, tendo procedido ao pagamento da multa devida (art.º 139º nº 5 al. a) do CPC), pelo que a reclamação deverá ser considerada tempestiva.
Em face do exposto, deverá proceder a presente apelação.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por decisão que, considerando tempestiva a reclamação à relação de bens apresentada pela recorrente, determina a aceitação da mesma, prosseguindo o processo de inventário os seus ulteriores termos.
Custas pela recorrente (art.º 535º nº 1 do CPC).
Registe e notifique.
Lisboa, 22-05-2025
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Elsa Melo
Cláudia Barata