LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
CARACTERIZAÇÃO
REINSERÇÃO SOCIAL
Sumário

I - A decisão sobre a liberdade condicional assenta, exclusivamente, em fins preventivos, não comportando a possibilidade de atribuição de qualquer relevo ao grau de culpa do agente, afirmado na determinação da medida concreta da pena.
II - Para efeitos de concessão da liberdade condicional facultativa, cumpridos 2/3 da pena, deve-se chegar a um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável sob o ponto de vista criminal.
III - Decisivo deve ser não o bom comportamento prisional em si, no sentido da obediência aos regulamentos prisionais, mas o comportamento prisional, no seu todo e na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.
IV - A interiorização e reconhecimento do mal da sua conduta não são valores em si mesmo e valem, qualquer deles, enquanto factores demonstrativos de uma especial característica da personalidade do arguido.
V - A liberdade condicional só pode ser recusada se existir motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes, mormente da mesma natureza daquele que o levou à prisão, se voltarem a surgir as circunstâncias inerentes ao quotidiano do arguido e que o conduziram à prática do crime.
VI - Quando o percurso prisional do condenado, é francamente favorável, se constata o amadurecimento do juízo critico e o que verbaliza para o seu futuro imediato, em termos profissionais, o condenado procura o relacionamento com os filhos menores, existe indesmentivelmente, sem qualquer preconceito, um marco, que fundamenta uma alteração da visão do que constitui a personalidade do arguido, no sentido de aparente radical corte com o passado antes da reclusão, a permitir juízo favorável no sentido de que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 1130/11.9TXPRT-K.P1.
Tribunal de Execução das Penas do Porto
Juízo de Execução das Penas do Porto – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção da Relação do Porto

I. Relatório
1. Instaurados os autos de liberdade condicional, ao abrigo dos artigos 155.º e 173.º e ss. do CEP, depois de colhidos os necessários esclarecimentos no competente Conselho Técnico - o qual emitiu parecer maioritário favorável à concessão da liberdade condicional - procedeu-se à audição do condenado AA - o qual anuiu na liberdade condicional - pronunciou-se de seguida, o MP - emitindo parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional – vindo-se a decidir não conceder a liberdade condicional ao condenado.

2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o condenado – pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que lhe conceda a liberdade condicional, ainda que condicionada às habituais condições ou, caso se entenda mais oportuno, ao cumprimento de certas regras de conduta, podendo até implicar um regime de prova e um plano de reinserção social, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
“1.ª Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida que não concedeu a liberdade condicional, pelo que é pretensão do recorrente obter uma segunda análise, pois, entende-se, encontram-se verificados os pressupostos de que a Lei faz depender a respetiva concessão, existindo um erro na interpretação do estatuído, entre outros, no artigo 61.º/2 alínea a) e 3 CPenal.
2.º O recorrente AA, atingiu os dois terços das duas penas de três anos e dois meses, em 11.09.2024, atinge os cinco sextos em 2.10.2025 e atinge o termo da pena em 22.10.2026.
3.ª O recorrente, ouvido perante o Tribunal, consentiu na sua colocação em liberdade; os pareceres foram emitidos, por maioria favorável, e do Ministério Público, em sentido desfavorável à concessão da liberdade condicional.
4.º: Ora, se bem se percebe e pese embora a liberdade condicional só possa ser «recusada se existir motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para em liberdade, não repetir a prática de crimes» (vide, ac. TRP, proc. 698/13.0TXPRT- F.P1), a decisão recorrida afastou a possibilidade de o recorrente beneficiar da concessão da liberdade condicional, com base em (i) diluído juízo/ capacidade crítica face ao crime, à sua conduta e aos danos causados; (ii) Não ter ocupação laboral no E.P; (iii) Ser incapaz de manter comportamento normativo e conforme o dever jurídico (iv) As elevadas exigências de prevenção especial do caso em análise.
5.º: A concessão da liberdade condicional depende apenas da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização, mediante a realização de um juízo de prognose favorável (um juízo de probabilidade, e não de certeza, e "menos exigente" porque o condenado já cumpriu uma parte da pena) sobre o seu comportamento futuro e em liberdade (cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º CPenal).
6.ª O Tribunal começa por considerar que «No caso, o condenado não revela, apesar das condenações já sofridas e do tempo que já cumpriu de reclusão, adequado juízo crítico relativamente à sua conduta e aos danos causados», o que não se compreende, pois, os factos e a natureza dos crimes pelos quais o recorrente se encontra a cumprir pena de prisão efetiva, já foram analisados, julgados e sancionados, em que considerá-los, neste momento e para efeitos de não concessão a liberdade condicional, importa uma nova sanção em relação a factos passados e pelos quais o recorrente já cumpriu mais de dois terços da pena.
7.ª: Além de que, o recorrente cumpre pena de prisão efetiva pela primeira vez o que será de valorizar para efeitos de juízo de prognose favorável.
8.º O Tribunal a quo, considere ainda que o recorrente «externaliza a respetiva responsabilidade com o consumo de drogas e, ouvido em declarações, não sabe indicar as penas que cumpre e afirma, quando expressamente perguntado, não refletir “nada” sobre o comportamento ilícito, ter tomado medicação excessiva quando entrou em reclusão e nem saber o que disse quando ouvido para anterior apreciação de liberdade condicional”.
9.ª: Na verdade, no que toca à capacidade critica, não se poderá olvidar que, como consta dos autos e do relatório social, o recorrente apenas fez o 1.º ano de escolaridade sendo por isso limitado a nível de compreensão e expressão oral. Quando o recorrente respondeu “nada” acrescentou que dado estar muito medicado não se recordava de nada, resulta assim evidente que não compreendeu o alcance das perguntas formuladas nem o que se pretendia com as mesmas.
10.ª Acresce que o recorrente é pessoa com clara e evidente dificuldade em expressar-se apresentando discurso atrapalhado e confuso, exacerbado pelo normal nervosismo da audiência. Assim, salvo o devido respeito, não se pode concordar com o entendimento do Tribunal pois a falta de desenvoltura do arguido não é demonstrativa de falta de capacidade crítica, mas antes de falta de capacidade intelectual.
11.ª Relembra-se que o responsável pela área de tratamento penitenciário, a chefia do serviço de vigilância e segurança e a Direcção do Estabelecimento Prisional, com voto de qualidade, que acompanham o cumprimento da pena do recorrente, estabelecendo um contacto regular com este e conhecendo a sua situação votaram favoravelmente pela concessão da liberdade condicional, pelo que os seus votos deveriam ter sido valorizados e devidamente ponderados.
12.ª: Posto o que, o relatório da DGRS não poderia ter sido valorizado de sobremaneira em detrimentos dos demais operadores do serviço prisional.
13.º: Assim, no caso em apreço, resulta evidente que o recorrente interiorizou o desvalor da sua conduta e não reincidirá na prática de crimes de idêntica natureza, merecendo um juízo de prognose favorável ao seu comportamento futuro.
14.º Relembra-se que o recorrente atinge os cinco-sextos da pena em 2.10.2025, em que, nessa altura, será colocado em liberdade para todos os efeitos, sendo que, o instituto da liberdade condicional poderia assegurar um período de transição, supervisionado, entre a reclusão e a sua reintegração na sociedade.
15.ª O Tribunal considera ainda que o recorrente «Mostra-se, assim, pouco empenhado em manter ocupação no EP, sendo que apesar de invocar, para tanto, razões de saúde, as mesmas não serão impeditivas de perspetivar integrar-se na agricultura, uma vez em liberdade».
16.º: Ora, o Tribunal a quo assentou a sua decisão de não concessão da liberdade condicional pelo facto do arguido não possuir ocupação no EP, contudo tal, não pode, nem deve ser um aspeto desfavorável ao arguido pois a grande maioria dos reclusos dos estabelecimentos prisionais portugueses não possuem qualquer ocupação, nem existiria capacidade dos EPs para prover pela ocupação integral de todos os reclusos.
17ª: Acresce que, o recorrente conta já com 54 anos e apenas tem o 1.º ano de escolaridade, pelo que não tem estímulo nem motivação para se ocupar a nível académico. Por outro lado, o recorrente é reformado por invalidez pelo que também não pode ter ocupação laboral.
18.º: Assim, salvo o devido respeito, a falta de ocupação do arguido não poderia ser, como foi, entendido como um factor desfavorável à concessão de liberdade condicional.
19.º O tribunal considerou ainda que «Ora, apesar de se assinalar positivamente o comportamento normativo e de acordo com o expectável em meio prisional, além do aparentemente consistente afastamento do consumo de drogas, concluímos que o condenado não possui, como decorre do exposto supra e dos relatórios juntos, adequado juízo crítico para a respetiva conduta e, tendo gozado de apenas três licenças de saída, assumiu, na última, comportamento tendente a contactar os filhos, em violação de proibição imposta na concessão da licença, e suscetível de tolher a liberdade da ex-companheira, com quem terminou relacionamento ainda antes da reclusão. Revelou-se, portanto, incapaz de manter comportamento normativo e conforme ao dever-ser jurídico, revelando que o seu comportamento em meio livre carece de acrescida validação, ao que acresce a referida circunstância de não ter, em liberdade, qualquer apoio ou enquadramento, familiar ou social. Ser incapaz de manter comportamento normativo e conforme o dever jurídico».
20.ª: No que ao comportamento normativo diz respeito, reaviva-se que o arguido está a cumprir pena por crimes de furto qualificado, na forma consumada e tentada e pelo crime de tráfico de menor gravidade.
21.ª Mais refira-se que no processo n.º ..., no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo de Família e Menores de Vila Real, foram em 21 de Abril de 2021, reguladas as responsabilidades parentais dos filhos menores do arguido, sendo que não foi aplicada pelo Tribunal de Família e Menores qualquer proibição de contato com os menores, antes foi determinado o seguinte: “Uma vez que o pai se encontra em cumprimento de pena, o mesmo poderá estabelecer contactos telefónicos ou videochamadas com os filhos aos fins de semana, entre as 9 horas e as 18 horas”.
22.ª Desta feita, não se compreende, nem se alcança, que na licença de saída jurisdicional a beneficiar entre os dias 17 a 22 de outubro tenha sido imposta a proibição de contacto com os filhos menores pois o arguido não tem, nem nunca teve qualquer processo de violência doméstica onde figurassem os seus filhos e/ou a sua ex-companheira como vítimas.
23.ª Corresponde à verdade que encontra-se a decorrer processo de promoção e proteção de menores sob o n.º ... na Comarca de Vila Real. Contudo, após queixa de violência doméstica da ex-companheira do recorrente contra companheiro desta, contudo este processo nada tem que ver com o arguido/recorrente.
24.ª Pelo referido, não se percebe nem alcança a decisão de proibir o recorrente de ver e estar com os seus filhos menores, tanto que, do relatório juntos aos autos, não se depreende se a ex-companheira do arguido mostrou receio na reaproximação entre o arguido e os filhos menores, por temer qualquer comportamento agressivo contra aqueles ou antes por causa do hiato temporal entretanto decorrido.
25.ª: Acresce que, o arguido não tinha consciência que não se podia aproximar dos seus filhos menores, e apesar de os ter procurado, nunca quis, nem tencionou, tolher a sua ex-companheira, aliás, o que nunca fez.
26.ª Desta feita, a imposição de proibição de contactos, que como já se referiu não se compreende nem se alcança, foi preponderante para o Tribunal, alicerçado na tentativa de violação de contactos levado a cabo pelo recorrente, decidir pela não concessão da liberdade condicional.
27.ª: Assim, a imposição arbitrária ao recorrente, que cumpre pena de prisão por furtos qualificados, resultou num meio para fundar a não concessão da liberdade condicional o que, salvo o devido respeito, merece total censura.
28.ª: Por fim, não se concorda com o entendimento preconizado pelo douto Tribunal de que se afiguram «… ainda, nesta fase de cumprimento da pena, elevadas as exigências de prevenção especial, não sendo possível um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado, sendo imprescindível, sim, um acrescido período de prisão efetiva. Tal continuação da intervenção prisional permitirá, além de manter o percurso pessoal positivo nas vertentes que se assinalou supra, aferir da interiorização da crítica adequada, designadamente para adoção de comportamentos protetores e avaliar a conduta na reaproximação ao meio livre, tudo de molde a permitir a erradicação ou minimização dos fatores de risco e potenciar a sua reintegração, implementando, de forma sólida, uma mudança substancial no seu comportamento em sociedade» pois, por todos os motivos supra referidos, o recorrente vem-se esforçando e mostra-se apto para adotar um comportamento conforme às regras de vivência em comunidade – através ausência de incidentes disciplinares, abstinência do consumo de drogas, comportamento conforme no gozo das licenças de saída - o que atenua essas exigências de prevenção especial e permitem arbitrar positivamente quanto a um comportamento futuro.
29.º: Relembra-se que o recorrente, regista ausência de incidentes disciplinares; abstinência do consumo de drogas e já beneficiou de 2 licenças de saída jurisdicional e 1 licenças de curta duração.
30.ª: Tudo visto e ponderado, diferentemente do juízo efetuado pelo Tribunal a quo, crê-se que as circunstâncias concretas do caso, a vida anterior do recorrente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, permitem formular um juízo de prognose favorável, ao seu comportamento futuro, tendo em vista a concessão da liberdade condicional.
31.ª Posto o que, ao decidir da forma como decidiu, entende o recorrente que o Tribunal a quo incorreu numa incorreta interpretação e aplicação dos comandos legais dos artigos 18.º da CRP, 49.° da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, 40.°, 42.°, 61.°/2 alínea a) e 3 CPenal e 2.° do CEP, assim como a finalidade político-criminal do instituto de liberdade condicional e da prevenção especial positiva ou ressocialização, devendo aquela decisão ser substituída por outra que lhe conceda a liberdade condicional, podendo esta ficar subordinada às habituais condições ou, caso se entenda mais oportuno, ao cumprimento de certas regras de conduta ou um regime de prova e um plano de reinserção social, com todas as respetivas consequências legais político-criminal do instituto de liberdade condicional e da prevenção especial positiva ou ressocialização.
32.ª Pelo que se considerando, como se considera, que se encontram verificados todos os pressupostos estatuídos no artigo 61.º/1 e 2 alínea a) CPenal, o Tribunal tem o poder-dever de colocar o recorrente em situação de liberdade condicional, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente, podendo esta ficar condicionada às habituais condições ou, caso se entenda mais oportuno, ao cumprimento de certas regras de conduta, que até pode implicar um regime de prova e um plano de reinserção social.
(…)”

3. Na sua resposta, o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância, defendeu a improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“1. O recluso ultrapassou os 2/3 da pena em execução.
2. Apesar de admitir a prática dos crimes não revela consciência crítica relevante;
3. Por outro lado não se mostra comprovado que durante a reclusão o recorrente se tenha dotado de mecanismos de auto-controlo;
4. Tendo mesmo adoptado comportamento belicoso no decurso de licença de saída jurisdicional;
5. O artigo 61.º CPenal regula os pressupostos para a concessão da medida, ditos materiais ou substantivos e encontram-se cumpridos dois terços da soma de penas, pelo que, face ao disposto no artigo 61.º/3 CPenal, importa atentar no preceituado na al. a) do nº 2 do mesmo preceito;
6. Mas, não temos dados que nos permitam concluir com alguma confiança por uma motivação interior para a mudança de comportamentos, uma vez que, na situação em concreto, importa perceber da capacidade psicológica do condenado para optar conscientemente por uma vida diferente, normativa, com resiliência bastante perante as dificuldades, pressões e fracassos inerentes à vida em liberdade;
7. Por tudo o já exposto não assumimos a existência de quaisquer garantias que nos permitam executar um juízo de prognose positiva quanto ao comportamento futuro, no exterior, do condenado;
8. Na douta decisão constante dos autos estão elencados os elementos de facto e de direito que a suportam e são ponderados e devidamente explicados os critérios de valoração;
9. Pelo que entendemos que decidiu bem a Mmª Juiz a quo, na sua douta decisão em não conceder essa medida de flexibilização de cumprimento de pena;
10. Pelo exposto e mantendo dessa forma a posição assumida processualmente, manifestamo-nos pela improcedência do recurso interposto.”

4. Subidos os autos a esta Relação, a Digna Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, concordando com a resposta, da mesma forma, defendeu a improcedência do recurso.
5. No exame preliminar a relatora deixou exarado o entendimento de que o recurso foi admitido com o efeito adequado e que nada obstava ao seu conhecimento.
6. Seguiram-se os vistos legais.
7. Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

*
II. Fundamentação
1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é a de saber se se verificam – como defende o arguido – ou não - como se entendeu na decisão recorrida, com o aplauso do MP – os pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional aos 2/3 do cumprimento da pena.

2. Os fundamentos da decisão recorrida.
2.1. De facto.
A verificação e avaliação dos apontados requisitos assentará, inevitavelmente, nos elementos de facto carreados para os autos, com base no teor da(s) certidão(ões) proveniente(s) do(s) processo(s) da condenação, do CRC do condenado, dos relatórios elaborados, da ficha prisional, da reunião do Conselho Técnico e da audição do recluso, conforme documentado nos autos.
No caso em apreço vem assente a seguinte materialidade:
1. O recluso cumpre, sucessiva e ininterruptamente, à ordem do processo n.º … (que englobou a pena do processo nº …), a pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática dos crimes de furto qualificado e de tráfico de menor gravidade; à ordem do processo nº …, a pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada (nas circunstâncias e modo descritos na factualidade dada como provada na decisão condenatória, que aqui se dá por integrada).
2. Já cumpriu metade, ou mais, de cada uma das penas; os dois terços da soma das penas ocorreram em 11.9.2024, os cinco sextos estão previstos para 2.10.2025 e o termo para 22.10.2026.
3. Tem os antecedentes criminais documentados no certificado de registo criminal junto aos autos, cujo teor, por brevidade, aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, datando a primeira condenação de 1996.
4. É a primeira vez que cumpre pena de prisão efetiva.
5. Está em R.A.I. desde junho de 2024.
6. Beneficiou de 2 licenças de saída jurisdicionais e uma licença de curta duração, sendo a última de outubro de 2024.
7. A última licença de saída jurisdicional foi concedida para os dias 17 a 22 de outubro, a beneficiar numa unidade hoteleira em Paços de Ferreira, com imposição da proibição de contactar os filhos, por qualquer meio.
8. Na sequência do gozo da referida licença, contactada pela DGRSP a ex-companheira do recluso, pela mesma foi dito recear aproximações do recluso, uma vez que um familiar lhe transmitiu que o mesmo a procurou no dia 19.10.24 na localidade de ..., Peso da Régua, onde anteriormente residiram juntos, e, apesar de não a ter encontrado, verbalizou, num café, que lhe daria “uma mocada nos cornos e a atirava ao rio” caso não o deixasse ver os filhos.
9. Confrontado pelo técnico de reinserção social, o recluso confirmou a ida a ... com o objetivo de confrontar a ex-companheira da razão de não ver os filhos, verbalizando que se era pai para pagar a pensão de alimentos também o era para estar com os filhos.
10. No decurso da reclusão sofreu 1 sanção disciplinar (repreensão escrita) de janeiro de 2022.
11. Tem historial de consumo abusivo de álcool e drogas (cocaína), afirmando-se abstinente.
12. Realizou teste de despistagem de consumo de estupefacientes em preparação do Conselho Técnico, com resultado negativo.
13. No E.P. tem comportamento adaptado, calmo e estabelece relações positivas e funcionais com os pares.
14. Tem apenas o 4º ano de escolaridade e, em reclusão, nunca investiu nas competências escolares, tendo sido faxina da Ala, entretanto desocupado por falta de assiduidade e razões de saúde.
15. Padece de diversos problemas de saúde, sendo acompanhado nos Serviços Clínicos.
16. Não tem visitas nem estabelece contactos com familiares, que desconhecem a sua reclusão.
17. Assume a prática dos crimes pelos quais cumpre pena, embora tenda a minimizar a dimensão da sua culpa aludindo à problemática aditiva e à condição de “sem abrigo”, mas reputa a prisão como justa.
18. No exterior não dispõe de enquadramento habitacional nem apoio familiar, sendo que após rutura da relação com a ex-companheira, ficou em condição de sem abrigo, com quotidiano desestruturado em função da toxicodependência.
19. A ex-companheira manifesta receio pela aproximação do condenado aos filhos menores, sem qualquer preparação prévia ou acompanhamento, dados os antecedentes de vida do recluso e o afastamento relacional ocorrido.
20. Carecerá, segundo os serviços de reinserção social, de apoio institucional em meio livre.
21. Verbaliza, contudo, dispor de meios económicos para arrendar uma casa e prover pelo seu sustento e poder trabalhar na agricultura, designadamente nas vindimas.
22. O condenado prestou consentimento à aplicação de liberdade condicional.

2.2. De direito.
Na decisão recorrida - no que se refere aos requisitos substanciais – para se concluir pela não concessão da liberdade condicional, expendeu-se pela forma seguinte:
“cumpre atentar, por isso, além dos requisitos formais - claramente preenchidos atentos os marcos temporais enunciados supra e o consentimento prestado - nas exigências de prevenção especial e no juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado, designadamente sobre a possibilidade de reiteração criminosa ou sobre a sua capacidade de manutenção de comportamento normativo e socialmente adequado.
No caso, o condenado não revela, apesar das condenações já sofridas e do tempo que já cumpriu de reclusão, adequado juízo crítico relativamente à sua conduta e aos danos causados, externaliza a respetiva responsabilidade com o consumo de drogas e, ouvido em declarações, não sabe indicar as penas que cumpre e afirma, quando expressamente perguntado, não refletir “nada” sobre o comportamento ilícito, ter tomado medicação excessiva quando entrou em reclusão e nem saber o que disse quando ouvido para anterior apreciação de liberdade condicional.
Assume discurso autocentrado, destacando os seus problemas de saúde e suposta incompatibilidade dos mesmos com o cumprimento de pena no EP..., ainda que confirme nunca ter formulado qualquer pedido de transferência.
Confirma não ter apoio no exterior, mas invoca ter poupanças que lhe permitem prover pelo seu sustento e querer trabalhar nas vindimas, ao mesmo tempo que afirma não querer ocupação no EP nem ter “cabeça” para trabalhar.
Mostra-se, assim, pouco empenhado em manter ocupação no EP, sendo que apesar de invocar, para tanto, razões de saúde, as mesmas não serão impeditivas de perspetivar integrar-se na agricultura, uma vez em liberdade.
Ora, apesar de se assinalar positivamente o comportamento normativo e de acordo com o expectável em meio prisional, além do aparentemente consistente afastamento do consumo de drogas, concluímos que o condenado não possui, como decorre do exposto supra e dos relatórios juntos, adequado juízo crítico para a respetiva conduta e, tendo gozado de apenas três licenças de saída, assumiu, na última, comportamento tendente a contactar os filhos, em violação de proibição imposta na concessão da licença, e suscetível de tolher a liberdade da ex-companheira, com quem terminou relacionamento ainda antes da reclusão.
Revelou-se, portanto, incapaz de manter comportamento normativo e conforme ao dever-ser jurídico, revelando que o seu comportamento em meio livre carece de acrescida validação, ao que acresce a referida circunstância de não ter, em liberdade, qualquer apoio ou enquadramento, familiar ou social.
Em suma, afigura-se serem, ainda, nesta fase de cumprimento da pena, elevadas as exigências de prevenção especial, não sendo possível um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado, sendo imprescindível, sim, um acrescido período de prisão efetiva.
Tal continuação da intervenção prisional permitirá, além de manter o percurso pessoal positivo nas vertentes que se assinalou supra, aferir da interiorização da crítica adequada, designadamente para adoção de comportamentos protetores e avaliar a conduta na reaproximação ao meio livre, tudo de molde a permitir a erradicação ou minimização dos fatores de risco e potenciar a sua reintegração, implementando, de forma sólida, uma mudança substancial no seu comportamento em sociedade.”

2.3. Elementos processualmente relevantes:
- foram elaborados os relatórios legais pelos serviços de reinserção social e pelos serviços prisionais - artigo 173.º/1 alíneas a) e b) do CEPMPL;
- o conselho técnico emitiu parecer favorável (maioria) à concessão da liberdade condicional - artigo 175.º do CEPMPL - com voto desfavorável do representante dos serviços de reinserção social;
- ouvido o recluso, entre outros esclarecimentos, aquele prestou o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional - artigo 176.º do CEPMPL;
- o Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da liberdade condicional, conforme parecer que antecede - artigo 177.º do CEPMPL;
- após realização do Conselho Técnico e audição, foi suspensa a decisão, aguardando-se o resultado da última licença de saída, tendo vindo a ser junto relatório da DGRSP a dar conta que:
“em relação ao assunto supramencionado informo que AA na licença de saída jurisdicional que lhe foi concedida a beneficiar entre os dias 17 a 22 de outubro pernoitou na morada autorizada pelo Tribunal - A... – Praça ... ... Paços de Ferreira, tendo a mesma sido avaliada positivamente pela referida Pensão.
Porém, no contacto estabelecido com a ex-companheira BB, esta verbalizou que teve conhecimento, através do seu ex-cunhado, que no dia 19.10.2024, o condenado esteve à sua procura em Caldas de Modelo, concelho do Peso da Régua, localidade onde residiu anteriormente com o condenado, concretamente no Café – B..., tendo este, alegadamente, referido, segundo a mesma, que se BB, não permitisse que visse os filhos “lhe dava uma mocada nos cornos e atirava ao rio”.
- atualmente, BB encontra-se a residir na cidade de Peso da Régua que fica localizada a 5Km de Caldas de Modelo, referindo a mesma receio que o condenado numa próxima saída a volte a procurar e lhe faça mal.
- questionado o condenado sobre as informações recolhidas, este confirma que se deslocou a Caldas de Modelo de táxi, com o objetivo de confrontar a ex-companheira BB relativamente à razão pela qual não quer que ele, arguido, veja os filhos.
- verbalizando “se sou pai para pagar a pensão de alimentos, também sou pai para estar com os meus filhos.”
3. As razões do arguido.
Discorda o arguido da decisão recorrida pois que entende que se encontram verificados os pressupostos de que a Lei faz depender a concessão da liberdade condicional aos 2/3 do cumprimento da soma das penas.
Para o que linha o seguinte raciocínio:
- foram elaborados os pertinentes relatórios: o dos serviços prisionais, contendo a avaliação da evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena, das competências adquiridas nesse período, do seu comportamento prisional e da sua relação com o crime cometido, e o da equipa da DGRSP que, nos termos da Lei, contem a avaliação das necessidades subsistentes de reinserção social, das perspetivas de enquadramento familiar, social e profissional do recluso;
- o Conselho Técnico, por maioria emitiu parecer favorável à concessão da liberdade condicional e o Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da liberdade condicional;
- se bem se percebe, a decisão recorrida afastou a possibilidade de o recorrente beneficiar da concessão da liberdade condicional, após ter atingido os 2/3 do cumprimento da pena de prisão aplicada, com base nos seguintes argumentos:
- o diluído juízo/ capacidade crítica face ao crime, à sua conduta e aos danos causados;
- não ter ocupação laboral no E.P;
- ser incapaz de manter comportamento normativo e conforme o dever jurídico;
- as elevadas exigências de prevenção especial do caso em análise.
Discorda o arguido do entendimento sufragado na decisão recorrida pois a sua falta de desenvoltura não é demonstrativa de falta de capacidade crítica, mas antes de falta de capacidade intelectual;
- cumpre pena de prisão pela primeira vez e como consta dos autos e do relatório social, apenas fez o 1.º ano de escolaridade;
- sendo, compreensivelmente, limitado a nível de compreensão e expressão oral, respondeu “nada” pois não compreendeu o alcance das perguntas formuladas nem o que se pretendia com as mesmas, tendo ademais, na audição, dito que não refletiu nada porque estava muito medicado sendo que não se recordar de nada – o que bem evidencia que não percebeu as perguntas formuladas nem o seu alcance;
- sendo pessoa com clara e evidente dificuldade em se expressar, apresentando discurso atrapalhado e confuso não se fazendo entender e perceber, o que associado ao normal nervosismo da audiência foi exacerbado;
- no que toca à capacidade critica, não se poderá olvidar que apenas os serviços da DGRSP emitiram parecer desfavorável tendo os demais serviços, por maioria, emitido parecer favorável à concessão da liberdade condicional;
- por outro lado, resulta dos autos que não consume produtos estupefacientes e tem um comportamento adequado com os normativos vigentes, sem registos de incidentes disciplinares, pelo que, no caso em apreço, resulta evidente que interiorizou o desvalor da sua conduta e não reincidirá na prática de crimes de idêntica natureza, merecendo um juízo de prognose favorável ao seu comportamento futuro;
- a falta de ocupação não poderia ser, como foi, entendido como um factor desfavorável à concessão de liberdade condicional;
- a falta de ocupação no EP, não pode, nem deve ser um aspeto desfavorável - a grande maioria dos reclusos não possui qualquer ocupação, nem existiria capacidade dos EP para prover pela ocupação integral de todos os reclusos;
- a que acresce que, é natural que uma pessoa com 54 anos, que apenas tem o 1.º ano de escolaridade, não tenha estímulo nem motivação para se ocupar a nível académico;
- no que toca a ocupação laboral, está provado que é reformado por invalidez;
- quanto ao comportamento normativo, realça o facto de estar a cumprir pena por crimes de furto qualificado, na forma consumada e tentada e pelo crime de tráfico de menor gravidade;
- no processo 329/19.4T8VRL, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo de Família e Menores de Vila Real, foram em 21 de Abril de 2021, foram reguladas as responsabilidades parentais dos filhos menores do arguido, sendo que não foi aplicada ao pai qualquer proibição de contacto com os menores, antes foi determinado que “uma vez que o pai se encontra em cumprimento de pena, o mesmo poderá estabelecer contactos telefónicos ou videochamadas com os filhos aos fins de semana, entre as 9 horas e as 18 horas”;
- não compreende, nem aceita, que no que respeita à licença de saída jurisdicional que lhe foi concedida a beneficiar entre os dias 17 a 22 de outubro tenha sido imposta a proibição de contacto com os filhos menores;
- o arguido não tem, nem nunca teve qualquer processo de violência doméstica onde figurassem os seus filhos e/ou a sua ex-companheira como vítimas;
- sabe que figura como progenitor do processo de promoção e proteção de menores que corre sob o n.º ... na Comarca de Vila Real, contudo, tal processo teve início por iniciativa do MP após queixa de violência doméstica da ex-companheira do arguido contra o seu atual companheiro, e por isso nada tem que ver consigo;
- dos relatórios juntos aos autos, não se depreende se a sua ex-companheira mostrou receio na reaproximação entre o arguido e os filhos menores, por temer qualquer comportamento agressivo contra aqueles ou antes por causa do tempo entretanto decorrido;
- a que acresce que não tinha consciência que não se podia aproximar dos seus filhos menores e, apesar de os ter procurado, nunca quis nem tencionou tolher a sua ex-companheira, aliás, o que nunca fez;
- donde esta facto não deveria ter sido preponderante para fundamentar a decisão recorrida, até porque a tentativa de violação de contactos, ocorreu de forma inadvertida;
- o arguido não tem quaisquer processos judiciais pendentes;
- finalmente, entende que as circunstâncias concretas do caso, a sua vida anterior, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão e a abstinência do consumo de drogas permitem formular um juízo de prognose favorável, tendo em vista a concessão da liberdade condicional;
- discorda do entendimento de que “nesta fase de cumprimento da pena, são elevadas as exigências de prevenção especial, não sendo possível um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado, sendo imprescindível, sim, um acrescido período de prisão efetiva. Tal continuação da intervenção prisional permitirá, além de manter o percurso pessoal positivo nas vertentes que se assinalou supra, aferir da interiorização da crítica adequada, designadamente para adoção de comportamentos protetores e avaliar a conduta na reaproximação ao meio livre, tudo de molde a permitir a erradicação ou minimização dos fatores de risco e potenciar a sua reintegração, implementando, de forma sólida, uma mudança substancial no seu comportamento em sociedade”;
- para que o objetivo das finalidades de prevenção especial seja atingido é necessário que estejam reunidas as condições adequadas para esse efeito nos estabelecimentos prisionais, no entanto, ressalta evidente que, atendendo à conjuntura atual do sistema prisional, dificilmente as finalidades de prevenção especial positiva são alcançadas na prisão;
- a reclusão que está a sofrer está a revelar-se positiva no sentido em que, no dia a dia, revela comportamento adequado e sentido critico pela prática dos factos sancionados e vem-se esforçando para se dotar de competências necessárias à vivência em comunidade, o que denota à sociedade que a reclusão o muniu de maior autocrítica e autorreflexão;
- o esforço que vem realizando na manutenção de abstenção do consumo de drogas e o seu comportamento adequado atenuam as exigências de prevenção especial, exigíveis ao caso, permitindo arbitrar positivamente quanto a um comportamento futuro da sua parte, comportamento esse que se alvitra, será conforme com o Direito;
- regista ausência de incidentes disciplinares e ausência de consumo de estupefacientes, já beneficiou de duas licenças de saída jurisdicional e uma licença de curta duração.

4. O enquadramento legal.
A propósito concretamente da situação de estarem cumpridos 2/3 da pena, que constitui o caso dos autos e acerca dos pressupostos da liberdade condicional, estipula o artigo 61º/1 e 2 alínea a) e 3, o seguinte:
“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
(…)
3. o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos 2/3 da pena e no mínimo 6 meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.”
A liberdade condicional constitui uma forma (a par da suspensão da execução, do regime de prova e, agora, também, do RPH) de execução da pena de prisão.
O instituto da liberdade condicional surgiu historicamente, como uma providência que, procurando responder ao aumento significativo da reincidência observado no segundo quartel do século XIX, visava essencialmente promover a ressocialização de delinquentes condenados a penas de prisão de média ou de longa duração, através da sua libertação antecipada – uma vez cumprida, naturalmente, uma parte substancial daquelas – e deste modo, de uma sua gradual preparação para o reingresso na vida livre, assumindo a sua libertação condicional e antecipada, um carácter de última fase de execução da pena.
A decisão sobre a liberdade condicional deve ser encontrada sob pontos de vista exclusivamente preventivos, não comportando a possibilidade de atribuição de qualquer relevo ao grau de culpa do agente, afirmado anteriormente na determinação da medida concreta da pena.
Saliente-se, previamente, que se a propósito da aplicação das penas o artigo 40.º/1 do Código Penal dispõe que estas visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a propósito da execução das penas de prisão, dispõe o artigo 42.º/1 CP, que, a execução da pena de prisão, servindo de defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Em matéria de liberdade condicional o artigo 61.º do CP prevê duas modalidades distintas, que a Doutrina convencionou denominar de obrigatória e de facultativa ou automática.
Estabelece aquela norma, uma diferenciada gradação temporal, a propósito dos pressupostos formais, situando-os em metade e 2/3 da pena de prisão cumprida e no mínimo 6 meses, no caso da liberdade condicional facultativa e em 5/6 de pena de prisão superior a 6 anos, no caso da liberdade condicional obrigatória ou automática, quer, uma diferenciação nos pressupostos materiais relacionados com a liberdade condicional facultativa: no caso de metade da pena, acentuam-se razões de prevenção especial e geral e no caso dos 2/3, acentuam-se, tão só, razões de prevenção especial, negativa, de que o condenado não cometa novos crimes e, positiva, de reinserção social.
Assim, para efeitos de concessão da liberdade condicional facultativa, cumpridos 2/3 da pena – situação do recorrente - deve-se chegar a um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
Estamos perante a necessidade de um prognóstico favorável especial-preventivamente orientado.

5. Baixando ao caso concreto.
O núcleo essencial da questão submetida à nossa apreciação, com a interposição do presente recurso cinge-se, então, em saber se o recorrente beneficia de condições para lhe ser concedida a liberdade condicional, uma vez cumpridos que estão mais de 2/3 da pena de prisão e, no mínimo 6 meses, pelo que estamos no âmbito da liberdade condicional na sua modalidade, facultativa.
Impõe-se então, apreciar se se verificam, in casu, os requisitos, formais e materiais para poder ser concedida ao condenado, a liberdade condicional.
Manifestamente, que os primeiros estão verificados – cumprimento de 2/3 da pena de prisão e o mínimo 6 meses.
A divergência (entre a posição do condenado, por um lado e a plasmada no despacho recorrido, por outro) surge, então, a propósito do requisito material - “ser fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
O agente uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (no caso 2/3 da pena e no mínimo 6 meses), no pressuposto de que por tal facto se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização, vê recair sobre si um juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro em liberdade que, se favorável, justifica a sua libertação antecipada.
Importa agora fazer, primeiro a devida e ajustada leitura dos factos e circunstâncias relevantes para o efeito aqui em causa e, depois, deles extrair as pertinentes consequências, em termos de valoração em sede do apontado artigo 61.º/1 e 2 alínea a) do CP.
Assim, há que ponderar, no âmbito das circunstâncias do caso, da vida anterior do agente, da sua personalidade e da evolução desta durante a execução da pena de prisão, os seguintes factos.
- o recluso cumpre, sucessiva e ininterruptamente, a pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática dos crimes de furto qualificado e de tráfico de menor gravidade e a pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada;
- os dois terços da soma das penas ocorreram em 11.9.2024, os cinco sextos estão previstos para 2.10.2025 e o termo para 22.10.2026;
- é a primeira vez que cumpre pena de prisão efetiva;
- está em R.A.I. desde junho de 2024;
- beneficiou de 2 licenças de saída jurisdicionais e uma licença de curta duração, sendo a última de outubro de 2024;
- a última licença de saída jurisdicional foi concedida para os dias 17 a 22 de outubro, a beneficiar numa unidade hoteleira em Paços de Ferreira, com imposição da proibição de contactar os filhos, por qualquer meio (desconhecendo-se em absoluto e não fornecendo os autos qualquer elemento que permitam compreender e justificar esta proibição);
- na sequência do gozo da referida licença, contactada pela DGRSP a ex-companheira do recluso, pela mesma foi dito recear aproximações do recluso, uma vez que um familiar lhe transmitiu que o mesmo a procurou no dia 19.10.24 na localidade de ..., Peso da Régua, onde anteriormente residiram juntos, e, apesar de não a ter encontrado, verbalizou, num café, que lhe daria “uma mocada nos cornos e a atirava ao rio” caso não o deixasse ver os filhos (mais uma vez notando-se desconhecer-se totalmente o que motiva a verbalizada apreensão e não fornecendo os autos qualquer elementos que permita aferir pela bondade e verosimilhança da mesma);
- confrontado pelo técnico de reinserção social, o recluso confirmou a ida a ... com o objetivo de confrontar a ex-companheira da razão de não ver os filhos, verbalizando que se era pai para pagar a pensão de alimentos também o era para estar com os filhos;
- no decurso da reclusão sofreu uma sanção disciplinar (repreensão escrita) de janeiro de 2022 (ou seja há mais de três anos atrás);
- tem historial de consumo abusivo de álcool e drogas (cocaína), afirmando-se abstinente;
- realizou teste de despistagem de consumo de estupefacientes em preparação do Conselho Técnico, com resultado negativo;
- no E.P. tem comportamento adaptado, calmo e estabelece relações positivas e funcionais com os pares;
- tem apenas o 4º ano de escolaridade e, em reclusão, nunca investiu nas competências escolares, tendo sido faxina da Ala, entretanto desocupado por falta de assiduidade e razões de saúde;
- padece de diversos problemas de saúde, sendo acompanhado nos Serviços Clínicos;
- não tem visitas nem estabelece contactos com familiares, que desconhecem a sua reclusão;
- assume a prática dos crimes pelos quais cumpre pena, embora tenda a minimizar a dimensão da sua culpa aludindo à problemática aditiva e à condição de “sem abrigo”, mas reputa a prisão como justa;
- no exterior não dispõe de enquadramento habitacional nem apoio familiar, sendo que após rutura da relação com a ex-companheira, ficou em condição de sem abrigo, com quotidiano desestruturado em função da toxicodependência;
- a ex-companheira manifesta receio pela aproximação do condenado aos filhos menores, sem qualquer preparação prévia ou acompanhamento, dados os antecedentes de vida do recluso e o afastamento relacional ocorrido;
- carecerá, segundo os serviços de reinserção social, de apoio institucional em meio livre;
- verbaliza, contudo, dispor de meios económicos para arrendar uma casa e prover pelo seu sustento e poder trabalhar na agricultura, designadamente nas vindimas;
- o condenado prestou consentimento à aplicação de liberdade condicional.
Da leitura, avaliação e ponderação conjugada de toda esta materialidade, cremos resultar de forma líquida, o “diagnóstico” definitivo da situação envolvente ao recorrente, bem como, de resto, da “terapêutica” que, seguramente, não passa pela sacramental fórmula utilizada pelo TEP - “nesta fase de cumprimento da pena, são elevadas as exigências de prevenção especial, não sendo possível um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado, sendo imprescindível, sim, um acrescido período de prisão efetiva. Tal continuação da intervenção prisional permitirá, além de manter o percurso pessoal positivo nas vertentes que se assinalou supra, aferir da interiorização da crítica adequada, designadamente para adoção de comportamentos protetores e avaliar a conduta na reaproximação ao meio livre, tudo de molde a permitir a erradicação ou minimização dos fatores de risco e potenciar a sua reintegração, implementando, de forma sólida, uma mudança substancial no seu comportamento em sociedade”.
Fórmula que, de forma genérica e não ponderando as circunstâncias do caso concreto, traduz a omnipresente ideia de que a prisão é para cumprir até ao fim, sem preparação, sem transição, para a restituição à liberdade, até ao dia em que, por imperativo leal, o recluso é restituído ao meio livre.
Recorde-se que o arguido não tem visitas nem estabelece contactos com familiares, que desconhecem a sua reclusão, pelo que a sua libertação sempre constituirá um choque com a vida quotidiana, de onde esteve ausente nos últimos anos, sem qualquer rede de apoio (pelo que o caminho mais fácil seria o de retomar aquele que interrompeu com a reclusão).
Importa, então, fundadamente, em função da realidade dos factos - e não de meros preconceitos e de frases feitas - averiguar se a concessão de liberdade condicional é adequada à realização das necessidades de prevenção especial.
Será que no caso concreto, a libertação antecipada do condenado, atingido que foi os 2/3 da pena, se justifica à luz de considerações de prevenção especial de socialização, sendo que só a resposta positiva a esta questão, permitirá a sua libertação antecipada?
Será que se pode concluir, num juízo de prognose antecipada, que o condenado, uma vez em liberdade, adoptará conduta de homem fiel ao direito; que se vai integrar normalmente na sociedade; que tem as condições necessárias para que, no futuro, não volte a cometer crimes?
A concessão da liberdade condicional aos 2/3 da pena implica a possibilidade de se formular um juízo de prognose que apresente o condenado como capaz de, em liberdade, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, sendo que nesse juízo assume, desde logo, essencial valor, por um lado, as circunstâncias do caso e a vida anterior do agente e, por outro, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão.
E, esta última, traduzida na conjugação, articulação e ponderação de um vasto conjunto de factores, como a conduta e o comportamento assumidos em reclusão, mormente em termos de conformidade com as regras impostas, a inserção, ou não em termos de valorização académica e de trabalho, o facto de ter já beneficiado de medidas de flexibilização da pena, com ou sem incidência de relevo, a existência (ou não) de sentido de autocrítica face ao seu percurso anterior, bem como, naturalmente, o que verbaliza para o seu futuro próximo e as expectativas com que se depara.
Tudo isto é essencial, no sentido de transmitir (ou não), um quadro geral e uma imagem global positiva na perspectiva da sua reinserção social, sem se poder considerar que, a priori, umas circunstâncias tenham mais valor, tenham maior peso, do que outras.
Nem será decisivo, só por si, a falha numa das vertentes, o que deve ser avaliado no conjunto das aludidas circunstâncias. Ou seja, se é certo que pode obstaculizar, de modo mais ou menos acentuado, não impede definitivamente o juízo de prognose favorável à concessão da liberdade condicional.
Como é sabido na ponderação da liberdade condicional terão que ser atendidas diversas circunstâncias, sem as quais se não pode decidir pela sua concessão.
A mera falta, não afirmação, de um qualquer delas não constitui impedimento definitivo para a resposta positiva, constituirá, somente indício para se não decidir positivamente.
Tudo a ser lido, conveniente e circunstanciadamente no seu conjunto.
Como, por outro lado, não basta a verificação, digamos que, formal, de todas elas, para se decidir pela concessão da liberdade condicional.
Se a verificação de bom comportamento prisional, desde logo, só por si não se poderá ter como factor com relevo decisivo, não menos certo é que a sua falta constituirá indício, forte, da falta de preparação do condenado para levar uma vida de acordo com as regras e com as normas que regulam a vida em sociedade.
Como parece medianamente evidente, decisivo deve ser não o bom comportamento prisional em si, no sentido da obediência aos (e conformismo com) os regulamentos prisionais – mas o comportamento prisional, no seu todo e na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade, em última análise a evolução da personalidade durante a execução da prisão.
Assim, para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é a “capacidade objectiva de readaptação”, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.
O bom comportamento prisional, não é mais que uma obrigação natural para qualquer condenado, dado encontrar-se coagido a tal. E, por outro lado, não garante, só por si, bom comportamento no exterior.
Como a evolução positiva da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão não se exterioriza ou se esgota através do “padrão de boa conduta prisional” - tanto mais que qualquer recluso, tendo a noção de que o cumprimento dos normativos prisionais pode ser condição sine qua non de determinadas medidas flexibilizadoras da pena, se esforça veementemente, mesmo que não acredite verdadeiramente na necessidade de comportamento normativo, em fazê-lo. É uma questão de “custo-benefício” inteligente.
O que se espera não é, só, um comportamento positivo em reclusão. A aposta vai muito mais além, pretendendo-se que o condenado, em reclusão, medite, faça um exercício de reflecção, sobre o caminho que no passado o levou a este presente, por forma a melhor interiorizar e perspectivar as vantagens de no futuro adoptar comportamentos normativos.
Isto sem embargo de se reconhecer que, pelo contrário, comportamento inadequado em reclusão, poderá ser valorado, negativamente, em si mesmo, pelo que representa e, pelo que faz esperar no futuro.
Da mesma forma, quanto à utilização – ou não - do tempo de reclusão, para a formação académica ou para séria e empenhada ocupação laboral, de valor sempre relativo e parcimonioso como, de resto, tudo o que se reporta com a vida em reclusão, dadas as suas particularidades e contexto envolventes em nada semelhantes a uma vida em liberdade.
Até porque é isso que a sociedade exige a um condenado - que o mesmo enquanto detido procure adoptar regras de conduta, compatíveis com os regulamentos internos, registando desta forma um comportamento, que faça prever, que uma vez em liberdade, continue com uma postura de acordo com o direito
O mesmo se diga, ainda, em relação à interiorização do desvalor da conduta e juízo crítico sobre a mesma – naturalmente dependente da admissão da prática dos factos, da verbalização de arrependimento por os ter levado a cabo.
A interiorização e reconhecimento do mal da sua conduta não são valores em si mesmo e valem, qualquer deles, enquanto factores demonstrativos de uma especial característica da personalidade do arguido, de apontar o sentido da evolução da sua postura e maneira de pensar.
Tão pouco devem ser assinalados como um fim em si mesmo – como quase sempre, invariavelmente, são entendidos - desde logo, dada a particular vulnerabilidade do condenado na situação em que se encontra e o pessoal interesse em transmitir qualquer deles, para daí pretender retirar benefício processual e pessoal imediato.
Desde logo este entendimento inviabilizaria, à partida, qualquer possibilidade de concessão da liberdade condicional a quem não tivesse confessado os factos no julgamento, independentemente de tudo o mais, entendimento que não encontra na lei qualquer respaldo.
E não são raras as decisões onde se entende que a ausência de um arrependimento efectivo e sincero, não permite um juízo objectivo de estar o condenado definitivamente afastado de tais comportamentos. Ou que, sem arrependimento não pode considerar-se que o condenado teve evolução favorável durante a execução da pena, faltando uma clara interiorização da ilicitude da sua conduta.
A apontada interiorização e demonstração de afastamento do mundo que o conduziu à reclusão, deve ser um objectivo a almejar, através e ao longo do cumprimento e da execução da pena de prisão.
Só assim, poderá o arguido apresentar condições para em liberdade se comportar de acordo com as regras que regulam a vida em sociedade e não volte à senda do crime.
Naturalmente que, mais que a verbalização, a efectiva demonstração de arrependimento pelo crime é um indício importante de ressocialização, mas não se pode olvidar, que mais importante do que palavras de circunstância, medidas por vezes em função do resultado que visa alcançar, proferidas numa audição que dura minutos, é o conjunto dos comportamentos, da conduta, da postura em ambiente de reclusão, ao longo de vários anos e o que daí se pode concluir sobre a evolução da personalidade do condenado.
Exige-se que a evolução do arguido ao longo da execução da reclusão seja de tal modo, ampla, sustentada e consistente, a traduzir uma radical alteração da maneira de pensar, de actuar e de agir, que seja demonstrativa, que indicie, que sugira, um virar de página, a emissão de um juízo de prognose favorável, no sentido de não voltar a cometer crimes, uma vez restituído à liberdade antes do tempo.
Como da mesma forma, não será, seguramente, por nunca ter beneficiado de qualquer medida de flexibilização da pena - com vista à sua preparação e readaptação à vida no exterior, a funcionarem como teste ao seu comportamento no exterior - que alguém, só por isso, não poderá ver ser concedida a liberdade condicional.
Mister, em todas as apontadas situações, será a imagem global, na ponderação e articulação de todos os pertinentes factores, pressupostos para afirmação de que em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
E, por isso, é habitual, corrente e comum o recurso neste tipo de ponderação, onde se contrapõe a um factor favorável, sempre um desfavorável, antecedido da utilização das expressões “contudo”, “pese embora”.
Com efeito, esta é a realidade e sendo certo que ninguém é tão mau elemento que não possua nenhuma virtude, como ninguém é tão bom, que não tenha nenhum defeito, há, assim, que procurar a articulação prática e ponderação conjugada de todos os vectores aqui relevantes na procura da imagem global.
Assim como cumpre ter presente, sempre, a gravidade do crime.
E a este propósito devemos referir que se é certo que os crimes de tráfico de estupefacientes e de furto (muitas vezes intrinsecamente co-relacionados) revestem acentuada e indesmentida gravidade, manifestada, desde logo, nas inerentes molduras penais abstractas, primeiro e, medida da pena, depois, resultando fortes as (notórias) exigências de prevenção ao nível geral, atenta frequência com que ocorrem, assim como a correlativa e consabida danosidade social – a traduzir a necessidade de preservar a ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática deste crime, tais factores foram, seguramente convocados e valorados – a par da intensidade da culpa - no momento processualmente adequado e oportuno, seja aquando da determinação da medida da pena, na decisão condenatória.
O ponto essencial, neste momento, são as necessidades de prevenção especial, como vimos já.
A apontada circunstância justificativa, da não concessão da liberdade condicional aos 2/3, que surge, reiterada e permanentemente em todas as decisões em que é negada a concessão de liberdade condicional, daí se retirando a consequência de ser necessário prolongar a execução da pena de prisão de forma a que o factor da necessidade de melhor interiorização do mal do crime se venha a evidenciar, invariavelmente não pela qualidade, mas pela quantidade do tempo de reclusão, o que, no entanto, tem presente uma petição de princípio e um equívoco.
Primeiro por falta de demonstração que mais tempo de reclusão seja adequado a atingir tal desiderato.
E, depois, que se exija a alguém que até pode não ter confessado, sinceramente e demonstrado arrependimento, em julgamento, que agora assuma tal vertente na sua plenitude, por eles se penitencie, peça desculpa e prometa expressamente que não voltará a cometer facto das mesma natureza.
Se não o faz, tal demanda, acrescido período de prisão efectiva, por forma a ser possibilitado um aprofundamento da interiorização do desvalor das condutas praticadas e dos fundamentos da condenação - pois só assim poderá ser evitada a reincidência.
E, se o faz, invariavelmente, se entende que se o faz não é de forma sincera e, apenas o faz para daí colher vantagens imediatas.
A fixação dos factos, neste tipo de processo, em que não existem partes, nem dispositivo, nem a possibilidade de cada um dos intervenientes poder alegar os que entende deverem suportar a sua pretensão, merece, por isso mesmo, porventura, ainda maior particular cuidado, atenção e rigor.
Será que dos factos provados se pode concluir, como faz a decisão recorrida, que, o condenado não possui adequado juízo crítico para a respetiva conduta e, tendo gozado de apenas três licenças de saída, assumiu, na última, comportamento tendente a contactar os filhos, em violação de proibição imposta na concessão da licença, e suscetível de tolher a liberdade da ex-companheira, com quem terminou relacionamento ainda antes da reclusão;
- revelou-se, portanto, incapaz de manter comportamento normativo e conforme ao dever-ser jurídico, revelando que o seu comportamento em meio livre carece de acrescida validação, ao que acresce a referida circunstância de não ter, em liberdade, qualquer apoio ou enquadramento, familiar ou social;
- são, ainda, nesta fase de cumprimento da pena, elevadas as exigências de prevenção especial, não sendo possível um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado, sendo imprescindível, sim, um acrescido período de prisão efetiva e a continuação da intervenção prisional permitirá, além de manter o percurso pessoal positivo nas vertentes que se assinalou supra, aferir da interiorização da crítica adequada, designadamente para adoção de comportamentos protetores e avaliar a conduta na reaproximação ao meio livre, tudo de molde a permitir a erradicação ou minimização dos fatores de risco e potenciar a sua reintegração, implementando, de forma sólida, uma mudança substancial no seu comportamento em sociedade?
Será que o facto de não ter actualmente ocupação laboral no EP, estando reformado por invalidez, ter deixado de ser faxina, por razões de saúde e padecer de diversos problemas de saúde, sendo acompanhado nos Serviços Clínicos, merece a ponderação que foi feita?
Cremos que não.
Será que, depois de estar em RAI, de ter beneficiado de duas licenças jurisdicionais e de uma licença de curta duração, o facto de ter procurado estar com os filhos, na área da residência, onde vive a ex-companheira, merece a avaliação que foi feita?
Cremos, igualmente, que não.
Independentemente do facto de tal ter sido cominado na decisão de concessão da dita licença e do facto de o recluso, dela ter, ou não, ficado ciente e, decisivamente da sua justificação, em termos de necessidade adequação e proporcionalidade, reportada ao caso concreto, sempre diremos que em lado nenhum consta que o recluso, ora recorrente, esteja proibido de contactar com os filhos menores (ou com a ex-companheira, já agora).
É um direito que assiste ao pai. Tanto mais justificada sua preocupação e cuidado em o exercer, dado o contexto de reclusão.
E, decisivamente é um direito, na expressão do seu superior interesse, que os filhos sejam visitados, estejam e convivam com o pai (naturalmente desde que não haja qualquer factor comprovadamente demonstrativo do contrário).
Como bem refere, a ex-companheira - que se terá sentido constrangida pelo facto de o recluso se ter dirigido à sua área de residência para aquela finalidade e que manifesta receio pela aproximação do condenado aos filhos menores (sem que se vislumbre onde esteja a razão para tal verbalização) – a visita não pode ocorrer sem qualquer preparação prévia ou acompanhamento - dados os antecedentes de vida do recluso e o afastamento relacional ocorrido.
Donde, manifestamente, que se a ex-companheira assim o entende, não podiam as instituições, deixar de ter chegado a tal conclusão, primeiro. E, depois de em função desse diagnóstico adoptar as providências necessárias para que, afinal o pai estivesse, possa estar, com os filhos, devendo ser este o procedimento habitual, corrente e normal para os serviços técnicos de reinserção social. Porventura, mais custoso, trabalhoso, mas sem que tal possa conduzir a que se entenda dever ser negada a liberdade condicional.
O custo/benefício é, de longe, favorável, não ao prolongamento da reclusão. Mas sim favorável ao acompanhamento do recluso na retoma da vida em liberdade, também, na vertente da aproximação e da retoma de convívio com os filhos menores.
A não ser assim, quando aos 5/6 da pena, tiver que obrigatoriamente ser libertado, encontrar-se-á no estado actual: sem qualquer “rede” or preparação prévia, tal como agora se encontra.
Tudo leva a crer que também nesse momento o arguido vai, naturalmente, procurar encontrar-se com os filhos, pelo que o tempo a decorrer entre 2/3 e s 5/6 terá sido um tempo perfeitamente inútil, sem que o arguido tenha alcançado o que quer que seja em termos da desejada reinserção.
Entendimento diverso, afinal dá razão à irresignação do recluso traduzida no facto de verbalizar que pai não é apenas para pagar – e não sabemos se paga – a pensão de alimentos, apesar dos antecedentes de vida e o afastamento ocorrido, como diz a ex-companheira.
Por outro lado, se tinha historial de consumo abusivo de álcool e drogas (cocaína), afirma-se abstinente e tendo realizado teste de despistagem de consumo de estupefacientes em preparação do Conselho Técnico, o mesmo teve resultado negativo.
E, no E.P. tem comportamento adaptado, calmo e estabelece relações positivas e funcionais com os pares.
Donde o comportamento do arguido, em reclusão não pode ser tido como anti-normativo ou violador das regras.
Quanto ao diluído juízo/ capacidade crítica face ao crime, à sua conduta e aos danos causados de onde se infere a elevada exigência de prevenção especial, cumpre também ponderar que o arguido tem 54 anos de idade, tem o 4º ano de escolaridade e está reformado por invalidez.
Será de censurar, no caso concreto, não ter investido nas competências escolares?
Não cremos, de todo.
Quando ouvido, assumiu a prática dos crimes pelos quais cumpre pena, verbalizando a adição – obviamente, a causa próxima dos crimes que cometeu e nenhum fundamento tem a decisão recorrida ao afirmar que com isto tenda a minimizar a dimensão da sua culpa, ainda que verbalize, também, a condição de “sem abrigo”, quando se deu como provado que o arguido reconheceu a prisão como justa, apesar de dizer nada à pergunta sobre que crimes e que pena está a cumprir.
Diz o arguido que não refletiu, aquando da audição, porque estava muito medicado sendo que não se recordar de nada – o que bem evidencia que não percebeu as perguntas formuladas nem o seu alcance.
Quer queiramos, quer não, a verdade é que o referido estado de alienação é comum a muitos reclusos, nas mesmas condições. Estado que ou passa despercebido ou não é verdadeiramente analisado e ponderado.
Curiosamente, ou não, quem melhor o conhece, lidando com ele diariamente na prisão, deu parecer favorável à concessão da liberdade condicional, sendo perfeitamente compreensível (ainda que nunca desejável), como vem provado, que, no passado, finda a relação com a relação com a ex-companheira, num quotidiano desestruturado em função da toxicodependência, ficou em condição de sem abrigo.
Obviamente que o que, no momento actual, se justifica a conclusão, também, provada, de que carecerá, segundo os serviços de reinserção social – cujo parecer, curiosamente, foi desfavorável à concessão da liberdade condicional - de apoio institucional em meio livre.
E, em mais uma demonstração de erro de perspectiva, diz-se, na decisão recorrida que, “apesar” de não trabalhar do EP, verbaliza, “contudo”, dispor de meios económicos para arrendar uma casa e prover pelo seu sustento e poder trabalhar na agricultura, designadamente nas vindimas.
Em tom de censura, como se isso não fosse de valorar, apesar da reforma por invalidez e da doença de que padece, a necessitar de tratamento médico – “apesar de invocar, para tanto, razões de saúde, as mesmas não serão impeditivas de perspetivar integrar-se na agricultura, uma vez em liberdade”.
Ora, se a liberdade condicional só pode ser recusada se existir motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes – mormente da mesma natureza daquele que o levou à prisão, se voltarem a surgir as circunstâncias inerentes ao quotidiano do arguido e que terão conduzido ao crime - então, a decisão recorrida, apesar de tudo, está muito longe, desde logo, de fazer uma correcta leitura da realidade dos factos.
E daí, o consequente e inevitável erro na interpretação e aplicação do direito.
A análise deve ser concretizada na valoração concreta, não só pelos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre, sempre temperados nos limites da liberdade condicional.
Este é o ponto, o cerne da quase totalidade das decisões em que o tribunal de execução de penas se decide pela não concessão da liberdade condicional.
Seja, a avaliação, a ponderação, a leitura, a interpretação, a ilação que se retira do conjunto da conduta do condenado durante o período de execução da pena, delimitado pelo período em que inicia a reclusão até ao momento da sua audição pelo juiz do TEP.
Onde, muitas vezes, as palavras, o sentido das palavras do condenado, é interpretado no sentido de que se “afiguram muito acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise, as quais demandam acrescido período de prisão efectiva, por forma a ser possibilitada, por parte do condenado, uma melhor interiorização do desvalor das condutas assumidas e dos fundamentos da condenação”.
Invariavelmente, esta é a conclusão.
Daí, a vulgar e frequente acusação de que as decisões do TEP são sempre iguais umas às outras e que tanto faz o condenado portar-se bem, como portar-se mal, a decisão é sempre a mesma. E, que não compensa adoptar um qualquer comportamento normativo, pois que tudo culmina na negação da liberdade condicional.
Cremos que, manifestamente que assiste razão, neste segmento, à irresignação do recorrente.
Ou porque confessa ao juiz das penas – quando os não havia confessado já, ao juiz do julgamento.
Ou porque confessa ao juiz das penas quando os não confessou ao juiz de julgamento e, então, o está a fazer por mera estratégia, para conseguir a benevolência daquele.
Seja, diga o que disser neste capítulo, será sempre lido e interpretado contra os seus interesses pessoais e com um único sentido – o prolongar da vida no cárcere. E, aqui não há como resistir a invocar a absolutamente paradigmática “cena do filme” em que o condenado, sempre que vai ao Juiz do TEP, vai refinando o seu discurso e dizer o que entende que é esperado e suposto ser dito, acrescentando, cada vez novos actos de contrição e novas promessas e projectos, sempre em vão, até, que, desencantado, desiludido e sem qualquer esperança, da próxima vez, decide afinal, falar sem filtros e assumir que se lhe fosse concedida a condicional iria fazer aquilo que sempre fez e a única coisa que sabia fazer e, vê este seu apontamento e intervalo de sinceridade, de genuinidade e de verdade, premiado, com a concessão da condicional.
No caso concreto tal não poderia acontecer, qua tale, é verdade, desde logo, porque da factualidade assente não consta sequer o que o condenado disse ao juiz do TEP. Nada de relevante, porventura nesta matéria.
Na sede em que agora nos movemos, o arguido vê ser prolongada a sua reclusão por mais cerca de 1 ano (que é o resultado prática imediato da decisão recorrida) com base numa grosseira e apressada apreciação de quem, teoricamente, em melhor situação está, pela proximidade e mediação com o condenado, para apreciar a realidade dos factos, que o levaram até aqui, a sua personalidade e, o sentido da sua evolução ao longo da execução da pena.
O que é perigoso nesta sede é se estivermos perante um padrão de entendimento - será sempre preciso mais tempo de reclusão, para reflexão.
Nunca ½ da pena será suficiente. Nunca os 2/3 da pena serão suficientes. E, logo, necessariamente, cumprirá concluir que nunca os 5/6 da pena seriam suficientes.
Obviamente que relativamente a alguns reclusos tudo aponta para que, em liberdade, voltem a praticar crimes, maxime da mesma natureza dos que o conduziram à prisão, no caso de tráfico de estupefacientes e de atentados contra o património.
É a saída que encontram para sobreviver, uns e, para viver melhor, outros. Uns por não vislumbrarem alternativa, outros por comodismo, por inércia, por tendência.
Mas cada caso é um caso e há que bem e fundadamente escrutinar cada situação, cada contexto e cada circunstância.
Sem que se recorra, até ao limite, à argumentação de falta de interiorização do mal do crime e da necessidade de maior tempo de reclusão como conclusão genérica, a aplicar acriticamente em qualquer situação.
Sem necessidade de recurso a estereótipos de argumentação, sem preconceitos, sem a ideia de normalização, de higienização na abordagem da questão da liberdade condicional, sob pena de este entendimento se vir a tornar no epitáfio do instituto, caindo-se no domínio da iniquidade e da arbitrariedade.
Enquanto o legislador mantiver a existência do instituto, há que valorizar o que é de valorizar e de censurar o que é de censurar, na justa e na estrita medida do por si exigido – saber se é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Sem exclusão, sem limitação, sem acrescida dificultação, em relação a determinados crimes e/ou a determinados arguidos.
Isto dito e, tendo presente como é fácil, ostensivo e evidente, no caso concreto, há que avaliar a evolução desde o ponto de partida, da prática dos factos e, da personalidade neles vertida, até ao momento actual da execução da pena e aplicar o direito aos factos. O que parece evidente, mas que no caso concreto se não verifica, de todo.
E assim se extraem conclusões sem que as premissas as sustentem.
Sob pena de estarmos a imputar ao condenado falta de sentido de auto-crítica, por responder “nada”, sob o efeito, aparentemente, de medicação.
O que não significa, que o condenado esteja a alijar a sua responsabilidade. Que esteja a culpar a vítima do furto. A culpar terceiros. Ou a dizer que foi acto fortuito, independente da sua vontade.
Se a habitual razão e premissa para a conclusão da não concessão de liberdade condicional até ser importada para uma grande parte das situações, no entanto, é manifesto que não adere ao caso concreto, sendo claro contrassenso afirmar, agora, que aumentaram as necessidades de prevenção especial, tendo em conta o percurso em reclusão que o arguido evidencia.
Será que em liberdade condicional vai voltar à senda do crime?
No caso não se vislumbra qualquer indício nesse sentido, nem a decisão recorrida qualquer subsídio fornece para que se tire a mencionada conclusão.
Cremos, que, por isso, nesta vertente – a única que aqui releva - se pode afirmar que o condenado não deixa de evidenciar uma evolução, no sentido positivo - pressuposto da aplicação e da execução da pena (não só negativo de afastamento do crime, mas, também, positivo de ressocialização) - bem como, uma inequívoca, crescente, aptidão e capacidade de auto-reflexão e auto-crítica, sobre todo o seu passado, a sugerir uma sólida, consistente, sustentada e motivada, ideia, ao nível da estruturação e delineação de projecto de vida futura, verbalizando o seguimento lógico da necessidade de angariar meio de sustento, em liberdade, compatível com o seu estado de saúde.
O que traduz, inequivocamente, um, actual, ponto de chegada, ainda assim, diverso do de partida, onde não ressaltam, como acentuadas, necessidades de prevenção especial, a desaconselhar a aplicação do regime da liberdade condicional.
E, não existem elementos de facto que permitam colocar em causa a manutenção da solidez dos seus propósitos e da motivação que lhe subjaz - que permitam duvidar do carácter irreversível deste “virar de página”.
Pelo contrário, o quadro apurado, com os actuais e presentes contornos, em que se situa hoje, o percurso da execução da pena, evidencia um sentido de autocrítica, assunção de responsabilidade e consciência do mal feito, pelo que, temos que, fundadamente, concluir que a sua libertação, neste preciso e concreto momento, terá a virtualidade de facilitar a sua readaptação, por um lado e, por outro, de alcançar as finalidades da aplicação da pena, de que, afinal, a procura dos filhos é um exemplo evidente.
Assim, se evidenciando a desnecessidade de continuar a testar a execução da pena, em reclusão, dadas que as apontadas exigências de prevenção especial, neste momento, se pode afirmar estarem, precavidamente acauteladas.
Não se vislumbra a existência de dados de factos, indesmentíveis – e nenhuma das leituras feitas na decisão recorrida, o consente - que permita duvidar do valor e da seriedade da constatada mudança de padrão de comportamento, de maneira de pensar, sustentada numa sólida vontade e capacidade psicológica, de resiliência, mesmo, em orientar a sua vida dentro dos parâmetros normativos.
Os apontados elementos de facto fazem transparecer que o efeito prospectivo socializador da pena estará, já, atingido, o que permite, de forma inequívoca, a possibilidade de emissão do dito juízo de prognose futura favorável.
Nenhum fundamento de facto tem a posição - desmentida pela realidade dos factos - de que necessita ser consolidado o percurso de vida relativamente à crítica que faz quanto ao seu comportamento criminal, já que na verdade, não assume a sua responsabilidade, o que incrementa seriamente o risco de repetição de actos idênticos, caso ocorra situação semelhante.
Ou, que a atitude actual não demonstra interiorização do desvalor da acção, o que revela uma evolução deficiente da crítica que faz para os seus actos.
Ou, ainda que, se torna necessário que através do prolongar da execução da pena se responsabilize, adquirindo consciência dos factos que cometeu.
Com feito, impõe-se questionar que mais poderia o arguido ter feito para merecer o benefício da concessão do direito à liberdade condicional?
Ou o que lhe falta fazer para se poder atestar a verificação da enunciada solidificação do seu percurso prisional?
Cremos que nada, descontado o facto, se fosse possível, regressar ao passado, não ter cometido os já longínquos crimes pelos quais foi condenado, no contexto, na forma, com a dimensão e com as características, com que os praticou.
Nada mais se poderia exigir, na sua evolução durante o período que já leva de reclusão, no sentido de demonstrar uma força de vontade de preparação no sentido de enfrentar a vida no exterior, com êxito e sem assinalável perigo de recaída.
Os factos provados constituem factores de garantia de que, assumindo igual postura em liberdade estarão criadas as condições para que o arguido conduza a sua vida de modo responsável e com observância dos padrões normativos vigentes.
De resto, a não ser reconhecida validade e mérito neste percurso, sempre se poderia estar a contribuir para – minimizando e desvalorizando o esforço individual e interior de cada recluso – desmobilizar e fazer desmerecer a utilidade do mesmo, a traduzir a ideia de que afinal, o bom comportamento, não por si só, mas responsável e enriquecido e enriquecedor, não teria adequado nem justo tratamento.
Em síntese, se como vimos já, subjacente à concessão da liberdade condicional, aos 2/3 da pena, estão irrenunciáveis exigências de prevenção especial, onde se incluem as concretas circunstâncias do facto, bem como, a personalidade manifestada nos mesmos, e o percurso de vida do condenado, para além dos referentes à evolução da sua personalidade durante a execução da prisão, impõe-se, então, a conclusão de que no caso concreto, se verifica o exigido pressuposto material, pois que, o descrito percurso prisional do condenado, o amadurecimento do juízo critico e o que verbaliza para o seu futuro imediato, em termos profissionais e a verbalizada e constatada procura de relacionamento com os filhos menores – em que o contacto o a proximidade com a mãe será o necessário dano colateral, traduz, indesmentivelmente, sem qualquer preconceito, um marco, que fundamenta uma alteração da visão do que constitui a sua personalidade, da sua linha de pensamento, do seu padrão de comportamento, do seu modo e estilo de vida, bem como, os contornos da sua evolução, com um aparente radical corte com o passado antes da reclusão, a permitir a crença de ser, fundadamente, de esperar que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Assim, pela verificação do pressuposto material da liberdade condicional, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º do C.P., está o recurso interposto pelo condenado votado ao sucesso - ainda que com a imposição, além, das comuns, regras de conduta:
- residir em morada certa a fixar pelo tribunal – no caso, na Travessa ..., ... Felgueiras;
- aceitar o acompanhamento da liberdade condicional por parte da competente equipa da DGRSP, ..., sediada na Rua ..., ... Penafiel, cumprindo as directrizes emanadas por esta entidade e apresentando-se no local onde está sediada esta equipa, no dia seguinte à sua libertação;
- dedicar-se ao trabalho com regularidade e,
- manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes;
- pelo período de tempo que a DGRS entender conveniente, efectuar visitas ao filhos supervisionadas por aquela entidade.
A liberdade condicional terá a duração, nos termos do artigo 61.º/5 do CP, igual ao tempo de prisão que falta cumprir, até ao seu termo, a atingir em 22.10.2026.
*
III. Dispositivo
Nos termos e com os fundamentos indicados, na procedência do recurso interposto pelo condenado AA, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em revogar o despacho recorrido e, consequentemente, conceder-lhe a liberdade condicional pelo período que vai até 22.10.2026, mediante a obrigação de,
- residir em morada certa a fixar pelo tribunal – no caso, na Travessa ..., ... Felgueiras;
- aceitar o acompanhamento da liberdade condicional por parte da competente equipa da DGRSP, ..., sediada na Rua ..., ... Penafiel, cumprindo as directrizes emanadas por esta entidade e apresentando-se no local onde está sediada esta equipa, no dia seguinte à sua libertação;
- dedicar-se ao trabalho com regularidade e,
- manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes;
- pelo período de tempo que a DGRS entender conveniente, efectuar visitas ao filhos supervisionadas por aquela entidade.
*
Passe, de imediato, mandados de libertação do condenado.
Comunique, de imediato, à equipa mencionada de reinserção social.
Após trânsito, a 1ª instância deverá dar cumprimento ao demais consignado no artigo 177.º/3 do CEP.
*
Sem tributação, atendendo ao provimento.
*
Porto, 07-05-2025
Elaborado e integralmente revisto pela relatora, nos termos do artigo 94.º/2 do CPP.
Assinado digitalmente pela relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos
Maria João Ferreira Lopes
Maria Deolinda Dionísio
William Themudo Gilman