I – No âmbito de um incidente de oposição à penhora, pretendendo o Tribunal proferir decisão de mérito findos os articulados, deve ser concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria em litígio, em obediência ao princípio consagrado no art. 3º, nº3, do C.P.C.
II – A inobservância do princípio do contraditório, caso venha a ser proferida essa decisão, constitui uma nulidade processual, nos termos previstos no art. 195º, nº1, do C.P.C.
III – Tendo sido arroladas testemunhas, por parte do executado, no requerimento em que é suscitado o incidente, não pode o Tribunal recusar a inquirição das mesmas com o fundamento de que a prova documental junta aos autos é suficiente e idónea para apreciar o objecto do litígio.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO.
Por apenso à execução que lhe é movida por AA e BB veio CC deduzir oposição à penhora que incide sobre a fracção autónoma melhor identificada nos autos principais [1], alegando, em resumo, o seguinte:
- O bem imóvel objecto da penhora consubstancia a casa de morada de família do executado, sendo que o mesmo possui outro imóvel [2], não penhorado na acção executiva em apreço, cujo valor é suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e custos do respectivo processo;
- A penhora realizada é manifestamente excessiva e desnecessária, mostrando-se violados os mais elementares princípios que regem o processo executivo, designadamente o princípio da proporcionalidade.
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Para prova do alegado, apresentou documentos e arrolou testemunhas.
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Os exequentes deduziram oposição, impugnando a factualidade alegada pelo executado e sustentando que o outro imóvel de que o mesmo é proprietário tem um valor manifestamente insuficiente para poder satisfazer a quantia exequenda e as custas do processo, pelo que não se verifica excesso de penhora.
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Por ter sido entendido que a defesa apresentada pelos exequentes integrava matéria de excepção, foi proferido despacho, em 3/11/2024, que determinou a notificação do executado para se pronunciar sobre a mesma, tendo, nessa sequência, sido incorporado nos autos, em 18/11/2024, um articulado que se pronunciou sobre a correspondente factualidade.
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Em 5/1/2025, foi proferida decisão com o seguinte teor:
“Saneamento
O Tribunal é absolutamente competente.
Inexistem nulidades que invalidem todo o processado
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Inexistem questões prévias, nulidades ou exceções que importe conhecer.
***
Atendendo a que a prova documental junta aos autos é suficiente e idónea a permitir ao Tribunal conhecer do objecto do litígio, não dependendo de prova a produzir em sede de audiência de julgamento - a qual, por desnecessária, se afiguraria como meramente dilatória - e dado já se encontrar plenamente exercido o direito ao contraditório pelas partes nos articulados; cumpre, desde já, decidir.
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CC deduziu contra AA e BB, a presente oposição à penhora que foi realizada sobre a fracção autónoma, designada pela letra “G” do prédio urbano em propriedade horizontal descrito sob o n.º ...17 da Freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...10 da União de freguesias ... e ... sito na Rua ..., ... na ....
O Executado alega, em síntese, que a penhora é desproporcional, devendo ter incidido sobre outro bem de que é titular. Alega, ademais, que o bem penhorado corresponde à sua habitação própria e permanente, considerando que a penhora e uma consequente venda é ofensiva dos bons costumes, atentando contra direitos fundamentais que lhe assistem.
Notificados, os Exequentes contestaram pugnando pela improcedência da oposição.
Questões a decidir
Impõe-se determinar se a penhora realizada nos autos principais sobre a fracção autónoma do Opoente é excessiva e se a quantia exequenda está assegurada pela penhora de outros bens; bem como aferir se a mesma é admissível por recair sobre a habitação própria e permanente do executado.
Fundamentação
Factos Provados
Atenta a posição das partes assumida nos articulados, bem como os documentos juntos nessa sede e, ainda, os elementos que constam dos autos executivos e dos autos com o n.º de proc. 1043/22.... - cuja consulta foi realizada no âmbito dos poderes funcionais do julgador, consideraram-se como provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. Os Exequentes intentaram contra o Executado/Opoente, em 08.08.2022, a acção executiva, constante do apenso 1, para pagamento da quantia de € 27.134,25, apresentando como título executivo a sentença de condenação proferida nos autos com o n.º de proc. 332/20.....
2. Nos autos executivos, foi penhorado, em 19.05.2023, o crédito de IRS do Executado relativo ao ano de 2022, no montante de € 1.839,41 (cfr. auto de penhora com a ref.ª 3244120, dos autos de execução).
3. Nos autos executivos, foi penhorado, em 12.06.2024, o crédito de IRS do Executado relativo ao ano de 2023, no montante de € 1.880,68 (cfr. auto de penhora com a ref.ª 3624542, dos autos de execução).
4. Nos autos executivos, pela AP. ...62 de 13.08.2024, foi registada, a título provisório, a penhora da fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...17 da Freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10 (cfr. auto de penhora com a ref.ª 3716604, dos autos de execução).
5. Pela AP. ...60 de 22.10.2024, o registo da penhora foi convertido em definitivo, na sequência da aquisição da propriedade da fracção pelo Executado, no âmbito do proc. 1043/22.... que correu termos neste juízo local cível da Covilhã.
6. A fracção autónoma descrita em 4 tem o valor patrimonial de € 75.074,88.
7. A fracção descrita em 4. é a casa onde reside a título permanente o Executado e a sua família.
Direito Aplicável
O Executado deduziu a presente oposição à penhora com fundamento na desproporcionalidade da penhora efectuada, visto que, na sua perspectiva, possui outros bens adequados a garantir a quantia exequenda e que deveriam ter sido penhorados previamente à fracção em causa.
O incidente de oposição à penhora, deduzido independentemente ou conjuntamente com a oposição à execução, pode ser usado nas situações referidas no art. 784.º n.º 1 do C.P.Civil, a saber:
“a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”
O fundamento invocado insere-se na citada al. a), segunda parte, entendendo o Opoente que a penhora é excessiva.
Ao tribunal incumbe uma acção fiscalizadora dos actos que agridem o património das partes, pelo que cumpre apreciar se a penhora efectuada é ou não desproporcional à quantia exequenda e se esta poderia ficar salvaguardada com a penhora de outros bens.
“A agressão ao património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que conduz a uma indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na manutenção do seu património” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição; e também, RL 25/02/1997, CJ, 1, 137).
A execução dos bens só deve abranger, como princípio natural, os bens de valor suficiente para satisfazer a quantia exequenda e as custas, cfr. art. 751.º do C.P.Civil.
Assim, vejamos,
Na presente execução, a quantia exequenda apresenta o valor de € 27.134,25 (produto da liquidação que o Exequente efectuou no requerimento executivo), tendo o Sr. Agente de Execução previsto, em 23.09.2024, despesas e juros no valor global de € 9.588,01; calculando o total em dívida em € 36.722,26.
Note-se que a quantia exequenda continua a vencer juros enquanto não estiver integralmente paga, juros estes que foram fixados na sentença à taxa legal cível e sobre os quais acrescem os juros compulsórios nos termos do art. 829.º-A, n.º 4 do C.Civil.
Na execução foram já penhorados os créditos de IRS do Executado referentes aos anos de 2022 e 2023, tendo sido recuperado, nessa sequência, o valor de € 3.720,09.
Após, foi penhorada a fracção autónoma propriedade do Executado, a qual tem o valor patrimonial de € 75.074,88.
Foram realizadas pesquisas pelo Sr. Agente de Execução pela obtenção de outros bens penhoráveis tais como saldos bancários, mas todas as referidas diligências resultaram infrutíferas, não tendo sido penhorados outros bens no processo executivo.
O Executado indica, por sua vez, outro bem imóvel de que é proprietário, penhorável, e que, na sua perspectiva, é susceptível de satisfazer a quantia exequenda; mais concretamente o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44.
Juntou a caderneta predial respectiva, onde consta o valor patrimonial do bem fixado em € 2.015,94.
Ainda que se conceba que o valor patrimonial ínsito na caderneta predial não se confunde com o valor comercial do imóvel, certo é que o Executado não apresentou qualquer avaliação comercial actualizada do bem em concreto, nem tão-pouco requereu tal avaliação nos autos, de molde a demonstrar que o mesmo detém um valor superior - incumbindo-lhe o ónus de demonstrar a suficiência de uma eventual penhora de tal bem para garantir o crédito exequendo e, consequentemente, a desnecessidade ou desproporcionalidade da penhora objecto de oposição.
O facto de, em sede de resposta à matéria de excepção, datada de 18.11.2024, ter o Executado “protestado” juntar documento correspondente à avaliação imobiliária do bem, tal não tem qualquer consequência, pois a intenção de praticar um acto processual não equivale à sua prática, não podendo o juiz ao abrigo do princípio do inquisitório suprir e/ou postergar o princípio da autorresponsabilização das partes, designadamente no domínio probatório, que se repercute em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir.
Mais, apesar de não ter o Executado junto o aludido documento até ao momento presente (volvido mais de um mês), nenhuma justificada dificuldade na sua apresentação foi invocada que inculcasse a existência de algum condicionamento no exercício dos seus direitos.
Ademais, uma análise por comparação com outros prédios rústicos é absolutamente inviável, já que não são conhecidas as premissas para considerar os valores resultantes das pesquisas online nos sites de promoção imobiliária, juntas aos autos pelo Executado (e que, aliás, se revelam discrepantes entre si), como correspondentes ou próximos do valor de mercado do bem indicado.
Pelo que, inexistindo quaisquer outros elementos para aferir se o valor comercial do bem em concreto será ou não superior ao seu valor patrimonial tributário, terá que ser tomado em consideração o único valor conhecido - que é o de € 2.015,94 - e que é manifesta e inegavelmente insuficiente para assegurar o supra aludido montante em dívida que ascende a € 33.002,17, já considerando a dedução do valor recuperado de € 3.720,09.
Por outro lado, no que concerne ao facto de o bem imóvel penhorado corresponder à habitação do Executado, atente-se no n.º 4 do art. 751.º do C.P.Civil que estabelece que:
“Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado: a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses;
b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses.”
De acordo com a norma transcrita, a penhora de imóveis é admissível, mesmo que se trate da habitação própria permanente do executado e a dívida seja de valor inferior, sempre que não sejam conhecidos outros bens que permitam a satisfação da dívida, num prazo razoável.
Cumpre, assim, in casu, apreciar se estão reunidos os requisitos previstos na citada al. b), considerando que a dívida excede o dobro do valor da alçada do tribunal de primeira instância.
Desde logo, saliente-se o facto de inexistirem outros bens penhorados que permitam antever a possível satisfação integral da dívida num prazo de 12 meses.
Por outro lado, também não são conhecidos outros bens passíveis de penhora que assegurem tal objectivo - designadamente, como já se analisou supra, o bem indicado pelo próprio Executado nesta sede de oposição, atento o valor conhecido do mesmo, não é idóneo a fazer presumir que a sua penhora permitiria a satisfação total do credor, quanto mais no prazo legalmente estipulado.
Assim, sempre se conclui que a dívida exequenda não estaria convenientemente assegurada apenas com a penhora do bem indicado pelo Executado, nem com outros bens cuja existência se desconhece.
Conclui-se, consequentemente, que a penhora objecto de oposição não se poderá considerar desproporcional ou excessiva, uma vez que o pagamento da quantia exequenda não está assegurado por qualquer outra via.
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No que concerne à requerida suspensão da execução da venda da casa de morada de família do Executado até outubro de 2025, por considerar o Executado aplicar-se aos autos, por identidade de circunstâncias, o disposto nos arts. 1.º e 2.º da Lei 13/2016, de 23 de maio e no art. 224.º n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo e de Procedimento Tributário; analisemos:
Por força do disposto no n.º 2 do art. 244.º do Código de Processo e de Procedimento Tributário, “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.”
De acordo com o entendimento jurisprudencial dominante, tal preceito deverá ser interpretado no sentido de que a impossibilidade legal de venda do imóvel penhorado só se verifica no âmbito do processo de execução fiscal; reconduzindo tal protecção da casa de morada de família do executado, que o normativo pretende prosseguir, à exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal, não sendo extensível aos autos de execução comum (vide, a propósito, e a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.11.2019, proc. 7389/17.0T8CBR-A.C1).
Saliente-se, a respeito, que a jurisprudência tem-se debruçado sobre a matéria relativamente aos casos em que sobre o imóvel penhorado em execução cível incide já uma penhora com registo anterior realizada no âmbito de uma execução fiscal (onde o imóvel penhorado não pode ser vendido por se tratar de casa de morada de família do executado), sendo o entendimento predominante, que aqui subscrevemos, que tal circunstância não deverá determinar a sua sustação; podendo a AT reclamar o seu crédito na execução comum (a título de exemplo vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.11.2024, proc. 1902/17.0T8OER-B.L1-6).
Ou seja, o entendimento, que não tem sido sequer objecto de controvérsia na jurisprudência, é o de que o impedimento da venda do bem penhorado que constitui a habitação do executado consubstancia um impedimento objectivo processual, estabelecido em função do processo, concretamente, do processo de execução fiscal e, como tal, mesmo a penhora anterior sobre um bem imóvel que se encontre nessa circunstância (de se tratar da habitação própria e permanente do executado), realizada no âmbito de uma execução fiscal, não terá a virtualidade de impedir que outro credor, com garantia real posterior sobre o mesmo imóvel, promova, na execução comum, a realização da venda, de molde a não paralisar o direito à satisfação do seu crédito.
Assim, se não se justifica o impedimento da venda do bem imóvel que constitua a casa de morada de família do executado ao credor cível que tenha reclamado créditos no âmbito da execução fiscal, viabilizando-lhe outro meio para o fazer, concretamente, através da acção executiva comum; por identidade de razões, também não se afigura proporcional coarctar na execução comum o exequente de obter a satisfação do seu crédito mediante a venda da casa de morada de família do executado, sobre a qual beneficia de penhora, por força da aplicação de regras concebidas, em específico, para a execução fiscal; quando a própria lei processual cível assim o permite, de forma expressa, verificados certos pressupostos, designadamente, a inexistência de qualquer outro bem passível de assegurar tal finalidade (que, como analisado supra, se verifica in casu).
Neste sentido, atento tudo quando ficou exposto, considera-se não ser aplicável ao caso concreto as normas ínsitas nos arts. 1.º e 2.º da Lei 13/2016, de 23 de maio e no art. 224.º n.º 2 do Código de Processo e de Procedimento Tributário.
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Nestes termos, mantém-se a penhora sobre a fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...17 da Freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10.º (identificada no auto de penhora com a ref.ª 3716604, dos autos de execução) de que é proprietário o Opoente.
Decisão
Pelo exposto, julgo a presente oposição à penhora improcedente e, consequentemente, determino a manutenção da penhora sobre a fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...17 da Freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10.º.
De acordo com o disposto no art. 306.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, fixo à causa o valor de € 27.134,25.
Custas da oposição à penhora pelo Opoente, cfr. art. 527.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil.
Registe e notifique.”.
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Não se conformando com a decisão proferida, o executado interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
"1. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pela Juiz 1 do Juízo Local Cível da Covilhã, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, no âmbito dos presentes autos, em que é Opoente o aqui Recorrente, e no qual se decidiu nos seguintes termos “Pelo exposto, julgo a presente oposição à penhora improcedente e, consequentemente, determino a manutenção da penhora sobre a fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...17 da Freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10.º”.
2. Bem como do segmento do Despacho, também datado de 05.01.2025 (referência eletrónica Citius n.º 37973039), que consta imediatamente antes da Sentença, o qual o Recorrente impugna nestas Alegações de Recurso.
3. O Recorrente de forma alguma se pode conformar com a citada decisão e com o aludido Despacho, por entender que o Tribunal a quo incorreu em erro (em erros, melhor dizendo) na interpretação e aplicação da lei, bem como no julgamento dos factos subjacentes ao pedido.
DOS ERROS DE JULGAMENTO DA SENTENÇA
DA PROLAÇÃO DE DECISÃO SURPRESA
4. Da interpretação conjugada dos artigos 785.º, n.º 2, 292.º, 293.º, 294.º, e, 295.º, todos do CPC, dúvidas não restam de que, não obstante o carácter simplificado do incidente de oposição à penhora, regra geral, existe lugar à produção de prova em sede de audiência de julgamento.
5. Tanto assim é que, no requerimento inicial datado de 07.10.2024 (ref.ª Citius 3735155) foram arroladas 3 (três) testemunhas, e bem, assim, no requerimento datado de 18.11.2024 (ref.ª Citius 3790833) ao abrigo do qual o Opoente exerceu o contraditório e concretamente rebateu o raciocínio falacioso do Exequente foi indicada prova testemunhal adicional (uma (1) testemunha, arquitecta de profissão) e foi protestado juntar um documento do qual constem avaliações imobiliárias do imóvel penhorado e que não tinham sido possível juntar até àquele momento porquanto se encontrava o Opoente a aguardar por informação imprescindível a prestar pelo Município ....
6. Previamente à prolação da Sentença não logrou o Tribunal a quo proferir despacho nos termos do qual (i) se pronunciasse quanto à admissão (ou não) da prova testemunhal arrolada pelo Opoente, ou, (ii) informasse as partes de que dispensava a convocação de audiência prévia à prolação de sentença (para produção de prova e prolação de alegações orais).
7. Ao invés, no mesmo documento de que consta a Sentença, ínsito no parágrafo imediatamente anterior o Tribunal a quo fez constar a seguinte menção: “Atendendo a que a prova documental junta aos autos é suficiente e idónea a permitir ao Tribunal conhecer do objecto do litígio, não dependendo de prova a produzir em sede de audiência de julgamento - a qual, por desnecessária, se afiguraria como meramente dilatória - e dado já se encontrar plenamente exercido o direito ao contraditório pelas partes nos articulados; cumpre, desde já, decidir”.
O que não se aceita, por manifestamente ilegal!
8. Em 1.º lugar, é incompatível a conclusão do Tribunal a quo de que “não dependendo de prova a produzir em sede de audiência de julgamento (…); cumpre, desde já, decidir” com a conclusão do mesmo tribunal de que “inexistindo quaisquer outros elementos para aferir se o valor comercial do bem em concreto será ou não superior ao seu valor patrimonial tributário, terá que ser tomado em consideração o único valor conhecido - que é o de € 2.015,94 - e que é manifesta e inegavelmente insuficiente para assegurar o supra aludido montante em dívida que ascende a € 33.002,17, já considerando a dedução do valor recuperado de € 3.720,09”.
9. Em 2.º lugar, entendeu o Tribunal a quo que a realização de audiência de julgamento “por desnecessária, se afiguraria como meramente dilatória”.
10. Foram arroladas 4 (quatro) testemunhas pelo Opoente, das quais uma arquitecta que tem conhecimento de causa quanto às características do bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) e à possibilidade de edificação no terreno, cuja inquirição era imprescindível ao apuramento da verdade material já que, aquando da apresentação da Oposição à Penhora e aquando do exercício do contraditório quanto à Contestação apresentada do Exequente, o Opoente não dispunha ainda de prova documental de onde constasse o valor comercial do imóvel, e, para não correr o risco de o tribunal designar data para realização de audiência de julgamento antes da obtenção de prova documental de onde constasse a avaliação do imóvel, foi arrolada esta testemunha.
11. Da mesma forma que foi arrolada como testemunha a filha do Opoente que o ajuda há já vários meses a tratar de todas as questões de importância na vida do Opoente (o que, aliás, é do amplo conhecimento funcional do Tribunal a quo por via do conhecimento funcional dos autos com o n.º de processo 1043/22....), sendo a pessoa que tratou de toda a tramitação necessária à obtenção da documentação necessária e imprescindível à obtenção das avaliações imobiliárias do bem imóvel
12. Bem como a Cuidadora Informal do ora Recorrente que, veremos adiante, apresentou Pedido de intervenção do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Covilhã, para aplicação de medidas de acompanhamento de pessoa adulta contra o ora Recorrente.
13. Não há, pois, qualquer expediente dilatório.
14. Pelo contrário, há uma tentativa clara de produzir prova variada que corrobora a alegação do Opoente, e, lograr alcançar a justa composição do litígio e a descoberta da verdade material.
Tanto mais quando se trata da possibilidade de um casal de idosos perder a casa de morada de família.
15. Por outro lado, o que se verifica ao ler a Sentença recorrida é a existência de um preconceito e pré-julgamento do Tribunal a quo que considerou – sem qualquer fundamento para tal – que o Opoente ao exercer um direito que lhe cabe, de deduzir oposição à penhora, estaria a utilizar expedientes dilatórios, e, por essa razão, impediu o Opoente de fazer a necessária produção de prova em audiência de julgamento, a qual dispensou sem prévia comunicação às partes, impedindo-as do exercício do contraditório.
16. Não tendo o Tribunal a quo notificado as partes da intenção de dispensar a realização de audiência de julgamento previamente à prolação de sentença, permitindo-lhes o exercício do contraditório e/ou a possibilidade de juntarem prova adicional que não tinha sido possível juntar aos autos até esse momento (o que o Tribunal a quo sabia ser o caso, já que o Opoente havia protestado juntar prova documental imprescindível à descoberta da verdade material), o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa.
17. O contraditório exercido pelas partes ocorreu quanto aos argumentos esgrimidos por Opoente e Exequente. Todavia, o Opoente não sabia que ia ser proferida sentença sem realização prévia de audiência de julgamento. Pelo que, não é verdadeira a afirmação do Tribunal a quo ao referir “já se encontrar plenamente exercido o direito ao contraditório pelas partes nos articulados; cumpre, desde já, decidir”.
18. O Opoente não exerceu qualquer contraditório quanto à dispensa da realização de audiência de julgamento porquanto não teve oportunidade de dela tomar conhecimento e sobre ela se pronunciar.
19. Em rigor, não configurou (nem poderia ter configurado, na ausência de notificação prévia) o Recorrente como possível a prolação de sentença sem a prévia realização de audiência de julgamento.
20. E, é precisamente por isso que a Sentença recorrida configura uma decisão-surpresa.
21. A Sentença recorrida configura uma decisão-surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, pois contende com uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever. O que a lei pretende é evitar que as partes sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar.
22. Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 02.12.2019, proferido no âmbito do processo n.º 14227/19.8T8PRT.P1, e, mutatis mutandis o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16.12.2021, proferido no âmbito do processo n.º 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
23. Em face do exposto, a dispensa da realização da audiência de julgamento prévia à prolação de sentença ocorreu sem se encontrarem reunidos os respectivos requisitos processuais indispensáveis para esse mesmo efeito (a possibilidade de as partes terem tomado conhecimento de tal intenção do Tribunal a quo e a possibilidade de exercício do contraditório sobre a mesma) e passado ao conhecimento imediato do mérito da causa, a Sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2ª parte do CPC.
24. Mais, a Sentença recorrida surpreendeu as partes com o conhecimento que não poderia ter tido lugar antes de as mesmas exercerem o seu direito à produção de prova em sede de audiência de julgamento e à prolação de alegações, não se circunscrevendo ao limitado e estrito âmbito da mera irregularidade procedimental, pelo que, é nula, nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC.
25. Fê-lo em manifesta violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva do Opoente ora Recorrente, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante abreviadamente designada “CRP”), nomeadamente sendo-lhe denegado um processo equitativo.
26. Pelo que, ao declarar a oposição à penhora improcedente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito.
DOS ERROS DE JULGAMENTO QUANTO AOS FACTOS
27. Não há um único facto dado como provado que demonstre o valor comercial actual do outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) e que este não é suficiente para pagar o valor da dívida exequenda e as despesas prováveis da execução.
28. Além de que, da Sentença recorrida não constam quaisquer “Factos não provados” com relevo para a boa decisão da causa.
29. Se o Tribunal a quo não deu como provado o valor comercial do outro bem imóvel ((o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44), correspetivamente também não deu como provado que não é suficiente para pagar a dívida exequenda e as despesas prováveis da execução.
30. Ao declarar a acção improcedente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito.
QUESTÃO PRÉVIA: da insuficiência dos factos dados como provados para assacar a conclusão de que o outro bem imóvel propriedade do Opoente ora Recorrente (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) não é suficiente para assegurar o montante em dívida
31. O Tribunal a quo identificou na Sentença recorrida como as “Questões a decidir” neste litígio saber “se a penhora realizada nos autos principais sobre a fracção autónoma do Opoente é excessiva e se a quantia exequenda está assegurada pela penhora de outros bens”.
32. O Tribunal a quo dá como provados 7 (sete) factos,
33. Os quais, diga-se, são laterais ou até mesmo irrelevantes para a aferição da suficiência ou não do outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) para assegurar o montante em dívida e aferir da ilegalidade da penhora por ser excessiva.
34. Dos 7 (sete) factos dados como provados, todos eles são de natureza puramente contextual do caso vertente, com excepção do facto ínsito no ponto 7..
35. Isto num processo em que está em causa apurar se o bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) é efectivamente suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução.
36. O facto de o bem imóvel penhorado à ordem dos presentes autos e que consubstancia a casa de morada de família poder ser suficiente para pagar o montante em dívida não exclui que outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) também o seja.
37. E, sendo-o, o gradus executionis exige que seja esse outro bem imóvel a ser penhorado e vendido em primeiro lugar.
38. Tendo em conta a matéria de facto dada como provada (e inexistindo matéria de facto dada como não provada), não discerne o ora Recorrente, como pôde o Tribunal a quo, sem mais, e sem a realização de audiência de julgamento, concluir que a prova documental produzida era suficiente e idónea a permitir ao Tribunal a quo conhecer do objecto do litigio, ou seja, a inexistência de outros bens suficientes para assegurar o montante em dívida.
39. Nunca poderia o Tribunal a quo ter-se furtado do exercício do seu poder-dever ao abrigo do princípio do inquisitório, previsto no artigo 411.º do CPC, invocando um pretenso princípio de autorresponsabilização das partes para proferir sentença quando é notório da fundamentação da própria sentença que os autos não forneciam ainda elementos bastantes para conhecer do mérito da causa, pelo que sempre haveriam de prosseguir e não, como sucedeu in casu, ver encurtada a respectiva tramitação para prolação de uma decisão injusta.
40. Nestes termos, e nos demais de direito, nunca o Tribunal a quo poderia ter declarado a improcedência da Oposição à Penhora apresentada pelo Opoente ora Recorrente.
IMPUGNAÇÃO DE CONCLUSÕES INADMISSÍVEIS - assacadas na fundamentação de direito da sentença, as quais não têm arrimo no elenco de factos dados como provados
41. É manifestamente errada e injusta a conclusão do Tribunal a quo que na sua fundamentação aduz que “[f]oram realizadas pesquisas pelo Sr. Agente de Execução pela obtenção de outros bens penhoráveis tais como saldos bancários, mas todas as referidas diligências resultaram infrutíferas, não tendo sido penhorados outros bens no processo executivo”.
42. Porém, tais pesquisas que supostamente se revelaram infrutíferas, nas palavras do Tribunal a quo, não foram posteriores à penhora da casa de morada de família, como a fundamentação da Sentença recorrida dá a entender.
43. Pelo contrário, há mais de 4 (quatro) anos que o Exequente e o Senhor Agente de Execução sabiam, sem possibilidade de desconhecer, que existia no património do Opoente ora Recorrente aquele outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44). E, propositadamente, optaram por não o penhorar. Por razões que o ora Recorrente desconhece.
44. O Tribunal a quo fez praticamente tábua rasa da prova documental produzida durante a fase dos articulados e escolhe ignorar factos que não podia desconhecer por via do conhecimento funcional que o próprio Tribunal a quo refere possuir na Sentença recorrida.
45. Trata-se, mais uma vez, de um manifesto e inadmissível erro de julgamento por parte do Tribunal a quo!
DAS ILAÇÕES DESRAZOÁVEIS (INADMISSÍVEIS E SURPREENDENTES) PROFERIDAS PELO TRIBUNAL A QUO SOBRE O “ÚNICO VALOR CONHECIDO” DO OUTRO BEM IMÓVEL PROPRIEDADE DO OPOENTE ORA RECORRENTE (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44)
46. Foi dado como provado no ponto 1. dos Factos Provados, e tendo em conta como o Tribunal a quo identifica “a posição das partes assumida nos articulados, bem como os documentos juntos nessa sede e, ainda, os elementos que constam dos autos executivos e dos autos com o n.º de proc. 1043/22.... - cuja consulta foi realizada no âmbito dos poderes funcionais do julgador” que:
“1. Os Exequentes intentaram contra o Executado/Opoente, em 08.08.2022, a acção executiva, constante do apenso 1, para pagamento da quantia de € 27.134,25, apresentando como título executivo a sentença de condenação proferida nos autos com o n.º de proc. 332/20.....”
47. Pese embora não conste (erradamente) da matéria de facto dada como provada, é igualmente do conhecimento funcional do Tribunal a quo, que consta daquela Sentença de condenação, junta aos autos executivos em 08.06.2022 (ref.ª Citius 2917669), a seguinte “III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”: “Uma vez que o Réu não contestou e que não se verifica nenhuma das exceções ao funcionamento da revelia, ao abrigo do disposto no art. 567º/1, do Código Processo Civil e em conjugação com os documentos juntos aos autos, considero confessados os factos articulados pelos Autores” (destaque nosso).
48. Concatenada a Petição Inicial datada de 24.02.2020 (ref.ª Citius 2213616) junta nos autos declarativos principais, os quais o Tribunal a quo confirmou resultar do seu conhecimento funcional, consta alegado pelo ali Autor ora Exequente, que
“1º Em 21.03.2019, os Autores, como promitentes compradores, e o Réu, como promitente vendedor, celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda, tendo por objeto o imóvel rustico, sito em Quinta ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...44, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...72, da freguesia .... Cfr. com Doc. nº 1 – contrato de promessa de compra e venda e Doc. 2 – cópia da caderneta predial, que se juntam e se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
2º
O preço acordado foi de €50.000,00 (cinquenta mil euros). Cfr. com Cláusula Quarta do doc. 1 ora junto ao presente.
3º
No âmbito desse contrato, os Autores entregaram ao Réu, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), mediante cheque da Instituição Bancária Banco 1..., n.º ...06, emitido a favor de CC.
Doc 3 que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
4º
O remanescente do preço, no valor de €37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros), seria pago no ato da escritura pública de compra e venda” (destaque nosso).
49. É tendo por referência os factos considerados confessados supra que a sentença condenatória proferida nos autos declarativos, a qual serve de título executivo nos presentes autos executivos, proferiu a decisão seguinte (cuja execução se encontra pendente): “julga-se a ação totalmente procedente, declarando o contrato promessa resolvido, por incumprimento, com consequente direito ao percebimento em dobro da quantia entregue ao R. a título de sinal (num total de € 25.000,00) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo cumprimento”.
50. Em face do conhecimento funcional do Tribunal a quo e tendo por referência a documentação junta aos autos declarativos, não poderia o Tribunal a quo desconhecer que o outro bem imóvel
(o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44), integra o património do Executado, se encontra e permanece absolutamente livre de quaisquer ónus ou encargos, e que foi prometido comprar pelo Exequente, nos idos de 21.02.2019, pelo preço comercial atribuído pelos contratantes (Exequente e Opoente nos presentes autos) de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros).
51. Donde, mesmo que nenhum outro documento tivesse sido junto pelo Opoente ora Recorrente aos presentes autos, não poderia o Tribunal a quo desconsiderar na prolação de decisão, a existência de factos e provas do conhecimento funcional do Tribunal a quo que evidenciam que aquele bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) tem um valor comercial superior ao valor da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução.
52. Pelo que, sempre haveria de ser-lhe reconhecido, pelo menos, esse valor comercial, já que “[n]ão existe um valor juridicamente definido como o valor real do imóvel. O valor do imóvel é determinado pelo mercado, ou seja, pelo jogo da oferta e da procura. O valor do imóvel é o valor que os compradores estiverem dispostos a dar por ele, num determinado momento” – cfr. Bem salienta o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 02.11.2023, proferido no âmbito do processo n.º 950/17.5T8CHV-C.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
53. Inexistindo (como inexistem) razões que pudessem levar o Tribunal a quo a concluir que aquele bem imóvel perdeu valor comercial (menos ainda atendendo à situação de inflação generalizada, particularmente no ramo imobiliário e em face das recentes alterações à Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio que aprovou a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, no sentido de permitir a construção de imóveis em prédios rústicos).
54. Para mais quanto é a dívida emergente desse mesmo contrato referente (não ao pagamento do preço) mas, apenas, à devolução do sinal em dobro, correspondente a metade do preço acordado.
55. Portanto, não é verdade que inexistam “quaisquer outros elementos para aferir-se o valor comercial do bem em concreto”.
56. Aliás, o Opoente, teve a oportunidade de juntar aos presentes autos dois exemplos de prédios rústicos naquela mesma zona, sendo que as premissas para considerar os valores daquelas premissas se prendem, como resulta dos próprios documentos, com o facto de serem prédios rústicos que têm uma configuração em termos de dimensão e localização similar ao daquele bem imóvel.
57. Sendo certo que, um olhar atento como se impõe ao julgador, verificará que os exemplos juntos como Documento n.º 10 junto com o Requerimento datado de 18.11.2024 (ref.ª 3790833) demonstram que os exemplos recolhidos se referem apenas à área de “apenas” 25.334m2 e não à totalidade da área que compõe o bem imóvel (com uma área total de 71.000m2) registado como propriedade do Opoente.
58. Logo, o valor comercial actual do outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) sempre seria superior ao valor da dívida exequenda e as despesas prováveis da execução.
59. É, pois, bom de constatar, independentemente da existência de outros elementos probatórios, que o Tribunal a quo dispunha de variados factos, elementos e provas, que indiciavam com elevado grau de certeza (ou no limite, de probabilidade) que aquele outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...74) propriedade do Executado, que não se encontra onerado, tem um valor comercial elevado, e que a respectiva venda gerará receita suficiente para assegurar o valor da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução.
60. E, se o Tribunal a quo considerava que os elementos juntos aos autos não eram suficientes para conhecer o mérito da causa, desde logo por entender desconhecer o valor actual desse outro bem imóvel, então, imbuído do espírito do CPC de prevalência da substância sobre a forma, impunha-se ao julgador no exercício o ser poder-dever a gestão processual, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º do CPC, conjugado com o princípio da adequação formal consagrado no artigo 547.º do CPC, informar as partes de que pretendia dispensar a realização de audiência de julgamento prévia à prolação de sentença sobre o mérito da causa, assim permitindo-lhes juntar o documento protestado juntar ou informar da existência de eventuais vicissitudes que impedissem a respectiva junção, ou, no limite, a prolação de despacho nos termos do qual constasse o efeito cominatório da não junção aos autos do documento protestado juntar num determinado prazo, em prol da justa composição do litígio e da descoberta da verdade material. O que não fez.
61. E mesmo que o Tribunal a quo não tivesse considerado o valor de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) como facto provado (não obstante o prévio acordo das partes o atestar), então, considerando a possível viabilidade de construção do prédio rústico, para mais em tempos em que a habitação é um tema recorrente na agenda governativa e actualizações legislativas várias desbloqueiam a possibilidade de construção em prédios rústicos, intensificando-se a valorização imobiliária generalizada, do conhecimento geral, podia-devia o Tribunal a quo oficiosamente ter determinado a realização de perícia, nos termos conjugados do disposto nos artigos 6.º, 411.º e 467.º do CPC.
62. Em face do exposto, é notório que a Sentença ora recorrida foi proferida ao arrepio da “filosofia subjacente ao Código de Processo Civil [que] visa assegurar a prevalência do fundo sobre a forma, estabelecendo mecanismos que permitam que a tramitação processual tenha a maleabilidade e flexibilidade necessárias para que se consiga alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes”, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21.01.2021, proferido no âmbito do processo n.º 1202/18.9T8BGC-A.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
63. Nestes termos, e nos demais de direito, nunca o Tribunal a quo poderia ter declarado a improcedência da Oposição à Penhora apresentada pelo Opoente ora Recorrente.
DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO A QUE O TRIBUNAL A QUO NÃO PODERIA DEIXAR DE ATENDER EM FACE DA PROVA PRODUZIDA NOS PRESENTES AUTOS – as conhecidas vicissitudes de saúde que afectam e limitam a capacidade do Executado
64. Consta alegado pelo Opoente ora Recorrente, e devidamente comprovado por via de prova documental, no Requerimento Inicial datado de 07.10.2024 (ref.ª Citius 3735155), o seguinte: “o Executado padece de vários problemas de saúde, embora não esteja ainda totalmente acamado, encontra-se bastante limitado em termos de locomoção, dependendo de ajuda para o efeito, padece de diabetes e é dependente de insulina o que lhe causou danos graduais na visão, encontrando-se neste momento (espera-se que temporariamente) cego, a aguardar chamada para cirurgia. Daqui resultou para o Executado alguma confusão mental, tendo-se manifestado o início de demência como comorbilidade da incapacidade visual, e, de problemas renais, além da diabetes e das dificuldades motoras já identificadas. Tudo conforme Atestado Médico de Incapacidade Multiusos que comprova o grau de incapacidade de 95% que ora se junta como Documento n.º 4 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais”.
65. Donde, não se compreende, salvo o devido respeito, a precipitação e intransigência do Tribunal a quo ao considerar, como fez constar da fundamentação da Sentença recorrida que: “O facto de, em sede de resposta à matéria de excepção, datada de 18.11.2024, ter o Executado “protestado” juntar documento correspondente à avaliação imobiliária do bem, tal não tem qualquer consequência, pois a intenção de praticar um acto processual não equivale à sua prática, não podendo o juiz ao abrigo do princípio do inquisitório suprir e/ou postergar o princípio da autorresponsabilização das partes, designadamente no domínio probatório, que se repercute em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir.
Mais, apesar de não ter o Executado junto o aludido documento até ao momento presente (volvido mais de um mês), nenhuma justificada dificuldade na sua apresentação foi invocada que inculcasse a existência de algum condicionamento no exercício dos seus direitos” (destaque nosso).
66. Ora, em face da alegação e prova carreada para os presentes autos, é claro e inequívoco o quadro clínico e o estado de saúde, e inerentes limitações na vida, do Opoente ora Recorrente, que depende da ajuda de terceiros para as mais mundanas tarefas do dia-a-dia, quanto mais para a obtenção de informação e documentação específica de que necessita para se munir numa acção judicial.
67. Circunstância esta também do amplo conhecimento funcional do Tribunal a quo no âmbito do processo 1043/22...., porquanto a mesma foi comunicada ao Tribunal a quo naquele processo através da filha do Opoente ora Recorrente, a mesma filha que consta arrolada como testemunha nos presentes autos e que o Tribunal a quo não logrou inquirir por não ter visto utilidade na realização de audiência de julgamento…
68. Acresce que o Tribunal a quo refere que “volvido mais de um mês” não foi junto o documento protestado juntar, todavia, parece olvidar, o que é do seu conhecimento funcional, que durante esse período (desde 18.11.2024 até 05.01.2025) decorreram as férias judiciais, existiram 4 (quatro) feriados, sendo que o período que precede as épocas festivas de Natal e de Ano Novo e que lhe sucede é consabidamente propícia a atrasos na tramitação dos vários assuntos por parte das entidades.
69. Sendo que a Sentença foi proferida num domingo, dia 05.01.2025, do primeiro fim-de-semana seguinte ao término das férias judiciais. O que não se compreende, tanto mais quando não se trata de um processo de tramitação urgente.
70. Donde, salvo o devido respeito e consideração, o Tribunal a quo faz tábua rasa do circunstancialismo concreto dos presentes autos e das limitações, nomeadamente de saúde, atendíveis e amplamente demonstradas nos presentes autos, apressando-se a decidir um caso para o qual não dispõe de todos os elementos, pretendendo imputar ao Opoente ora Recorrente uma responsabilidade que a parte, no caso (e independentemente disso), não tem.
71. É lamentável e até deselegante pretender o Tribunal a quo assacar uma putativa autorresponsabilização do Opoente ora Recorrente que sempre correspondeu a todas as solicitações do Tribunal a quo no âmbito dos presentes autos e carreou inúmeros elementos de prova, comprometendo-se a juntar logo que a ela tivesse acesso, a avaliação imobiliária do outro bem imóvel, conhecendo sem possibilidade de desconhecer o estado de saúde do Executado, que nem por isso atrasou ou impactou a normal tramitação dos presentes autos.
72. E que, atendendo à situação de saúde do ora Recorrente, ao grau de limitação de que padecia já aquando da apresentação da Oposição à Penhora, sempre haveria o Tribunal a quo de, pelo menos, equacionar a possibilidade de a demora na junção do documento protestado juntar poder dever-se, de alguma forma, a eventual situação de incapacidade em que o ora Recorrente pudesse encontrar-se.
73. No dia 12.12.2024, em face da situação de incapacidade do ora Recorrente, a sua Cuidadora Informal, apresentou Pedido de intervenção do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Covilhã, para aplicação de medidas de acompanhamento de pessoa adulta – cfr. Documento n.º 1 ora junto.
74. Nestes termos, e nos demais de direito, nunca o Tribunal a quo poderia ter declarado a improcedência da Oposição à Penhora apresentada pelo Opoente ora Recorrente sem lhe conceder, como a lei impõe, a possibilidade de produção de prova em sede de audiência de julgamento, ou, conceder-lhe a possibilidade de juntar a prova documental protestada juntar.
DA EXISTÊNCIA DE FACTOS SUPERVENIENTES CORROBORADOS POR PROVA DOCUMENTAL SUPERVENIENTE À PROLAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA
75. Resulta da leitura conjugada do disposto nos artigos 651.º, n.º 1, e, 425.º do CPC, que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: (i) a superveniência do documento, ou, (ii) a necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
76. Com efeito, existem in casu documentos cuja apresentação não foi possível até à prolação da Sentença recorrida, porquanto, são os mesmos supervenientes àquele momento temporal.
77. Em 1.º lugar, a situação de saúde do Opoente ora Recorrente tem-se deteriorado, o que levou a que no dia 12.12.2024 fosse apresentado Pedido de intervenção do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Covilhã, para aplicação de medidas de acompanhamento de pessoa adulta, pela Cuidadora Informal do ora Recorrente – cfr. Documento n.º 1 ora junto.
78. Donde, dúvidas houvessem (que não haviam) é patente e premente o estado de saúde do Opoente ora Recorrente, o qual não poderia deixar de ser atendido pelo Tribunal a quo (ao fundamentar a sua decisão no princípio da autorresponsabilização do Opoente) nem poderá deixar de ser atendido pelo Tribunal ad quem, o qual nunca poderá ser enquadrado como dilatório como o Tribunal a quo erradamente procurou retratar (entre outras, como justificação para obviar à realização de audiência de julgamento).
79. É, por isso, necessária a junção deste documento em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância pelo Tribunal a quo.
80. Mais se esclarece que o documento ora junto é, aliás, superveniente subjectivamente, posto que o conhecimento do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado só ocorreu posteriormente a este e por razões atendíveis, nomeadamente a incapacidade do ora Recorrente (que é precisamente o fundamento do pedido de Acompanhamento de Maior, apresentado por terceiro).
81. Com efeito, somente aquando da tomada de conhecimento da Sentença recorrida e os consequentes e necessários trabalhos de preparação das presentes Alegações de Recurso foi o Recorrente informado e viu-lhe disponibilizado o Documento n.º 1 ora junto.
82. Em 2.º lugar, nos dias que se seguiram à prolação da Sentença recorrida, logrou o Opoente ora Recorrente obter a tão almejada, e oportunamente requerida, avaliação imobiliária actual daquele
outro bem imóvel.
83. Com efeito, o Opoente ora Recorrente solicitou a avaliação imobiliária do outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) tendo logrado obter no decurso do mês de Janeiro de 2025, e já após a prolação da Sentença recorrida, até ao momento, 2 (duas) avaliações imobiliárias.
84. Sendo que a melhor avaliação avalia o outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) entre EUR 140.237,00 (cento e quarenta mil duzentos e trinta e sete euros) e EUR 189.320,00 (cento e oitenta e nove mil trezentos e vinte euros) – cfr. Documento n.º 2 ora junto; e, a pior avaliação avalia o mesmo imóvel entre EUR 129.287,00 (cento e vinte e nove mil duzentos e oitenta e sete euros) e EUR 138.337,00 (cento e trinta e oito mil trezentos e trinta e sete euros) – cfr. Documento n.º 3 ora junto.
85. Portanto, também em face da prova documental, objectivamente superveniente, ora junta aos presentes autos, sempre haverá de considerar-se que existe um outro bem imóvel (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) que integra o património do Executado, que não se encontra onerado, e cuja penhora e venda judicial no âmbito dos presentes autos gerará receita (mais do que) suficiente (e excedente) para liquidar a dívida exequenda e as despesas prováveis da execução.
86. Razão pela qual, não se concede nem aceita (nem mesmo por hipótese académica) a possibilidade de manutenção da penhora sob oposição, que é, por isso mesmo, manifestamente ilegal, sob pena de violação dos mais elementares princípios processuais que regem o processo executivo, desde logo, por manifestamente excessiva e desnecessária a penhora a ser realizada em tais moldes.
87. Desde logo, o princípio da proporcionalidade e da suficiência previsto nos artigos 735.º, n.º 3 e 751.º, n.º 3 ambos do CPC e no artigo 62.º da CRP, por manifesta violação de todas as suas vertentes, (i) adequação, (ii) necessidade, e, (iii) justa medida.
88. Posto que a execução não se destina à venda a todo o custo e a qualquer preço dos bens penhorados, sob pena de se converter num processo expropriativo ilegal, colidindo com a tutela constitucionalmente consagrada do direito de propriedade.
89. Em face do exposto, designadamente da prova documental superveniente ora junta, deve ser considerado provado que o valor comercial actual do outro bem imóvel propriedade do Opoente DD Recorrente (o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º de registo ...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44) é manifesta e inegavelmente suficiente para assegurar o montante da dívida (“que ascende a € 33.002,17”), uma vez que com base nas evidências apresentadas, não será possível outro entendimento.
90. E, é por isso, que se impõe ao Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida substituindo-a por outra que julgue procedente a Oposição à Penhora deduzida pelo Opoente ora Recorrente, consequentemente, revogando o acto de penhora do imóvel que consubstancia a casa de morada de família, com fundamento na sua ilegalidade por inadmissibilidade da penhora dos bens
concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada, nos termos do artigo 784.º, n.º 1, alínea a) do CPC.
Por tudo o exposto, e em qualquer caso, desde já se arguem as seguintes inconstitucionalidades, com as devidas consequências legais
91. A interpretação do artigo 751.º, n.º 1 e 3 do CPC, no sentido de que, para o cumprimento desta previsão normativa específica, o Senhor Agente de Execução pode penhorar a casa de morada de família quando é previsível que a venda de um outro bem imóvel (que não a casa de morada de família), devidamente identificado nos autos vários anos antes da realização da penhora e, por isso, do conhecimento do Exequente e do Senhor Agente de Execução, que não se encontra onerado e cujo valor de mercado é suficiente para liquidar a dívida exequenda bem como os custos previsíveis da execução, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído no artigo 18.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais.
92. A interpretação dos artigos 292.º, 293.º, 294.º e 295.º do CPC, no sentido de que, o Tribunal a quo pode dispensar a realização de audiência de julgamento sem previamente informar as partes de que o irá fazer, negando-lhes a possibilidade de exercício do direito ao contraditório quanto a tal dispensa, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído no artigo 20.° da CRP, que prevê uma tutela jurisdicional efectiva. Inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais.
93. A interpretação dos artigos 292.º, 293.º, 294.º e 295.º do CPC, no sentido de que, o Tribunal a quo pode dispensar a realização de audiência de julgamento sem previamente informar as partes de que o irá fazer, negando-lhes a possibilidade de exercício do direito de junção de documentos protestados juntar e que são objectivamente supervenientes, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído no artigo 20.° da CRP, que prevê uma tutela jurisdicional efectiva.
Inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais.
94. A interpretação dos artigos 292.º, 293.º, 294.º e 295.º do CPC, no sentido de que, o Tribunal a quo pode dispensar a realização de audiência de julgamento por entender que a decisão não depende de prova a produzir em sede de audiência de julgamento quando o Opoente arrolou 4 (quatro) testemunhas, negando-lhe a possibilidade e o direito de produção de prova testemunhal, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído no artigo 20.° da CRP, que prevê uma tutela jurisdicional efectiva. Inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais.
95. A interpretação dos artigos 292.º, 293.º, 294.º e 295.º do CPC, no sentido de que, o Tribunal a quo podia conhecer do mérito da causa antes de as partes exercerem o seu direito à produção de prova em sede de audiência de julgamento e à prolação de alegações, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído no artigo 20.° da CRP, que prevê uma tutela jurisdicional efectiva. Inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais.
96. A interpretação dos artigos 292.º, 293.º, 294.º e 295.º do CPC, no sentido de que, o Tribunal a quo pode dispensar a realização de audiência de julgamento por entender que a mesma se afiguraria meramente dilatória, negando a possibilidade de exercício do direito ao contraditório, relativamente a tal entendimento, à parte que arrolou prova testemunhal, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído no artigo 20.° da CRP, que prevê uma tutela jurisdicional efectiva. Inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais.
97. A interpretação do artigo 5.º, n.º 2, alínea c) do CPC, no sentido de que, o Tribunal a quo pode proferir decisão de mérito no âmbito de incidente de oposição à penhora sem considerar os factos provados e os elementos de prova que constam do processo executivo cujo título executivo é uma sentença condenatória proferida em acção declarativa que lhe precedeu, ambas do conhecimento funcional do Tribunal a quo, é manifestamente inconstitucional por violação do estatuído no artigo 20.° da CRP, que prevê uma tutela jurisdicional efectiva. Inconstitucionalidade esta, que desde já se argui com as devidas consequências legais.”.
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Os exequentes contra-alegaram, sustentando que a sentença objeto do recurso interposto é correta, tanto na forma como no conteúdo, não merecendo, a mesma, qualquer reparo ou censura.
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Questões objecto do recurso:
a) Nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório;
b) Erros de julgamento referentes ao acervo factual fixado pela 1ª instância [3].
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II – FUNDAMENTOS.
2.1. Factos provados.
Com interesse para a decisão do presente recurso, importa considerar a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente.
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2.2. Enquadramento jurídico.
Defende o recorrente que o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa, ao decidir o incidente de oposição à penhora sem se pronunciar sobre a admissibilidade da prova testemunhal oportunamente arrolada e sem ter permitido que o ora apelante tomasse posição relativamente à dispensa da audiência final (julgamento).
No caso em apreço, estamos perante um incidente a que são aplicáveis as regras estabelecidas nos arts. 293º a 295º do C.P.C., por força da remissão operada pelo art. 785º, nº2, do mesmo Código.
O art. 293º, nº1, do C.P.C. dispõe que ”No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.”.
Por sua vez, o art. 295º prescreve que “Finda a produção da prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 607.º.”.
Embora estejamos perante uma tramitação simplificada, de que nos dão conta os art. 293º, nº2 [4], e 294º [5] do C.P.C., existem fases processuais que têm um paralelismo com a acção comum, como sejam a referente à indicação dos meios probatórios – no início do procedimento [6] -, a que diz respeito à produção de prova [7] e a que compreende a realização de alegações orais [8].
A questão suscitada pelo recorrente, em nosso entender, enquadra-se no regime previsto no art. 3º, nº3 do C.P.C., uma vez que se afigura, atenta a tramitação processual descrita em sede de relatório, que a 1ª instância não observou o princípio consagrado na referida norma.
Trata-se, como é sabido, do princípio do contraditório, uma das traves mestras do nosso sistema processual civil, que impõe a necessidade de ouvir as partes quanto o Tribunal pretende decidir questões de facto ou de direito.
Dispõe o citado art. 3º, nº3, que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” [9].
Na situação a que os autos se reportam, a 1ª instância não deu conhecimento às partes de que os autos reuniam os elementos necessários à prolação de uma decisão de mérito, impossibilitando que as mesmas, nomeadamente o executado, se pronunciassem sobre a correspondente matéria.
Não é suficiente, para o efeito, a referência que integra a decisão impugnada no sentido de que “a prova documental é idónea para permitir o conhecimento do objecto do litígio” [10], uma vez que se trata de uma menção da qual os litigantes só têm conhecimento a posteriori, ou seja, após serem notificados da sentença que põe termo ao incidente.
Não tendo sido observada a norma em questão (art. 3º, nº3, do C.P.C.), foi cometida uma nulidade processual, atento o disposto no art. 195º, nº1, do C.P.C. [11].
Independentemente deste circunstancialismo, a decisão recorrida incorre noutro vício [12] que se traduz na circunstância de não ter permitida a inquirição das testemunhas arroladas pelo executado.
Com efeito, por força do citado art. 293º, nº1, do C.P.C., a parte tem o direito de arrolar testemunhas com vista a demonstrar a factualidade que alegou, não sendo possível ao Tribunal coartar esse direito, com base numa (alegada) “suficiência” da prova documental junta aos autos.
Trata-se de um entendimento que carece em absoluto de fundamento legal e que se mostra violador, até, do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva erigido no art. 20º da Lei Fundamental (Constituição da República Portuguesa) [13].
Conforme se salientou no Acórdão desta Relação (Coimbra) de 21/4/2015 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/1E851B0D1306F6D580257E49004DCCBE), “A consagração, no nº4 do artigo 20º, da Constituição da Republica Portuguesa, do direito a um processo equitativo, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza”.
A produção de prova testemunhal sobre a matéria indicada pelo recorrente não invalida, contudo, que a 1ª instância, ao abrigo da disposição inserida no art. 411º do C.P.C. [14], possa determinar as diligências que se mostrem necessárias ao apuramento dos factos em litígio, nomeadamente a realização de uma perícia com vista a determinar o valor do prédio rústico que se encontra na titularidade do apelante.
Atentos os motivos indicados, deverá o recurso proceder, com as consequências daí resultantes.
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III – DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o normal prosseguimento dos autos, com a inquirição das testemunhas arroladas pelo executado.
Custas pelos apelados.
(assinado digitalmente)
Luís Manuel de Carvalho Ricardo
(relator)
Hugo Meireles
(1º adjunto)
Cristina Neves
(2ª adjunta)
[1] Fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...17 da Freguesia ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10.
[2] Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...72, freguesia ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...44.
[3] Questão que apenas será apreciada caso se conclua que a decisão impugnada não incorre no vício que lhe é apontado em primeira linha (nulidade).
[4] Prazo de oposição ao incidente, fixado em 10 dias.
[5] Limitação do número de testemunhas e registo da prova.
[6] Cf. arts. 552º, nº6, e 572º, alínea d), ambos do C.P.C..
[7] Cf. art. 604º, nº3, alíneas a) a d), do C.P.C..
[8] Cf. art. 604º, nº3, alínea e), do C.P.C..
[9] O sublinhado é nosso.
[10] O Tribunal recorrido justificou a não produção de prova (testemunhal) da seguinte forma: “Atendendo a que a prova documental junta aos autos é suficiente e idónea a permitir ao Tribunal conhecer do objecto do litígio, não dependendo de prova a produzir em sede de audiência de julgamento - a qual, por desnecessária, se afiguraria como meramente dilatória - e dado já se encontrar plenamente exercido o direito ao contraditório pelas partes nos articulados; cumpre, desde já, decidir.”.
[11] Art. 195º, nº1, do C.P.C.: “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”.
Sobre a matéria de que nos ocupamos, cf. o Acórdão da Relação de Coimbra de 3/5/2021 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/32520c45f7db7358802586f90030b303?OpenDocument), cujo sumário, pertinentemente, contém a seguinte observação: “Proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no art. 3º, nº 3, do NCPC, incorre-se numa nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1, do mesmo diploma, e não numa nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, do art. 615º, nº 1, c), do referido código;”.
A nível jurisprudencial há quem defenda, no entanto, que se trata de uma nulidade do própria decisão, por excesso de pronúncia, e não do procedimento (cf., neste sentido, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 13/10/2020, Aresto que se encontra disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d18335d09ab8ee8c8025863e00545616).
[12] Igualmente traduzido numa nulidade, de carácter processual.
[13] Art. 20º da CRP: 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”.
[14] Art. 411º do C.P.C.: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”.