NULIDADES DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DE CONCLUSÃO
INCUMPRIMENTO DO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário


I. O ónus de impugnação da matéria de facto julgada exige que, cumulativamente, o recorrente indique os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios e as exactas passagens dos depoimentos que os integrem que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância - para cada um dos factos que pretende impugnar -, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).

II. Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, do CPC (v.g. indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especificação dos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente, exactas passagens dos depoimentos que integrem tais meios probatórios gravados, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»), uma vez que no recurso relativo à matéria de facto não se admite despacho de aperfeiçoamento.

III. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso e balizar o âmbito do conhecimento do Tribunal - e não apenas para sintetizar os fundamentos aduzidos antes para a procedência da impugnação feita -, terão que ser identificados nas mesmas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende (art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e n.º 2, e 640.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).

IV. A falta de indicação, nas conclusões de recurso, dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados implica a rejeição imediata da parte da impugnação de facto afectada, quando outra subsista (art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 3, a contrario, e 640.º, todos do CPC).

V. Existindo um ónus primário (que contende com a delimitação do objecto do seu recurso) e ónus secundários (que contendem com o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, do CPC), para o cumprimento destes últimos é suficiente que se indique no corpo das alegações de recurso os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, a decisão alternativa pretendida e as exactas passagens da gravação que a fundariam, não sendo necessário voltar a fazê-lo (repetindo-o) nas conclusões finais.

VI. Só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora de nulidade da sentença, e não apenas a mera deficiência, mediocridade ou erro da dita fundamentação (art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC).

VII. Saber se a prova produzida é insuficiente ou inidónea para fundamentar o juízo decisório do Tribunal a quo (permitindo a revogação da sua decisão, por errado julgamento efectuado), não constitui omissão de fundamentação mas sim eventual erro de julgamento; e, por isso, será questão (de mérito) a apreciar em sede de recurso sobre a matéria de facto julgada (se o mesmo tiver sido validamente interposto), e não questão relativa a eventual nulidade da sentença.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.

*
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente em ..., Avenue ..., ..., ... b04, ...20 ..., em ... (e quando em Portugal na Travessa ..., ..., ..., ..., em ...), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, residentes no Beco ..., ..., em ..., pedindo que:

· se condenassem os Réus a reconhecerem-na como única, exclusiva e legítima proprietária e possuidora de um prédio rústico (que melhor identificou); 

· se condenassem os Réus a demolirem o muro e o portão que construíram no prédio rústico dela própria; 

· se condenassem os Réus a restituírem-lho e entregarem-lho de imediato, livre de pessoas e bens;

· se condenassem os Réus a pagarem-lhe a quantia global de € 2.250,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, contados desde Setembro de 2019, a título de indemnização pelos danos sofridos com a destruição de vinhas plantadas por ela própria no seu prédio;

· se condenassem os Réus a pagarem-lhe a quantia de € 6.000,00 anuais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, contados desde Setembro de 2019 até à data da propositura da presente acção, a título de indemnização por lucros cessantes, correspondentes ao valor mínimo da renda de um prédio rústico semelhante ao seu;

· se condenassem os Réus a pagarem-lhe a quantia de € 166,67 por cada mês, ou fracção de mês, desde a data em que fossem citados até à data em que se verificasse a entrega efetiva e completa do seu prédio, totalmente livre de pessoas e bens;

· e se condenassem os Réus a pagarem-lhe uma quantia pecuniária, não inferior a € 75,00, por cada dia de atraso no cumprimento da entrega do prédio.

Alegou para o efeito, em síntese, ter adquirido o prédio rústico em causa por doação de seus avós (pais da Ré mulher), bem como por usucapião; e mostrar-se o mesmo registado em seu nome, beneficiando assim da presunção de propriedade derivada desse facto.
Mais alegou que, em Setembro de 2019, os Réus (BB e mulher, CC) vedaram parte do seu prédio rústico, colocando nele um portão, impedindo-lhe o acesso ao mesmo; terraplanaram-no, cortando fios e esteios nele existentes; e arrancaram ainda a respectiva vinha.
Por fim, alegou que, da forma descrita, os Réus (BB e mulher, CC) causaram-lhe um prejuízo anual de € 750,00 (relativo ao vinho que não pôde desde então produzir) e de € 2.000,00 (relativo ao valor da renda do prédio que deixou de poder obter).

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (BB e mulher, CC) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada, sendo eles próprios absolvidos de todos os pedidos; e deduzindo reconvenção, pedindo que:

· a Autora fosse condenada a reconhecê-los como donos e legítimos possuidores e proprietários, com exclusão de outrem, de um inicial prédio rústico (que melhor identificaram);

· a Autora fosse condenada a reconhecer que foi no inicial prédio rústico deles próprios que construíram o muro, com rede, e o portão referidos na petição inicial, e que, em virtude da implantação e da edificação que nele fizeram de um imóvel, tem agora a natureza de prédio urbano (que melhor identificaram);

· e a Autora fosse condenada a abster-se da prática de qualquer acto impeditivo do gozo e fruição do prédio urbano, deles próprios ou perturbadores da sua posse.

Alegaram para o efeito, em síntese, ter a Ré (CC) adquirido, em 27 de Fevereiro de 2003, aos respectivos pais (avós da Autora) um inicial prédio rústico, falsamente referido pela Autora (AA) como sendo dela própria, nele edificando depois uma casa de habitação; e terem promovido a conforme alteração da sua natureza para urbano (descriminando as respectivas dimensão e confrontações, bem como a inscrição matricial e a descrição predial a favor deles próprios).
Mais alegaram agirem como proprietários do dito prédio desde a data da sua aquisição, tendo-o por isso adquirido por usucapião (e ainda que inicialmente pudesse ter sido propriedade da Autora, o que não concederam).

1.1.3. A Autora (AA) replicou, reiterando o seu pedido de total procedência da acção.
Alegou para o efeito, em síntese, ser dela própria, e não dos Réus (BB e mulher, CC), o prédio por si reivindicado; e que sempre teria adquirido por uma usucapião prévia à por aqueles falsamente invocada.

1.1.4. Foi proferido despacho pré-saneador, convidando as partes a aperfeiçoarem aspectos concretos da sua alegação inicial (nomeadamente, para melhor identificação do prédio reivindicado e dos actos de posse praticados sobre ele) e a juntarem documentos por elas referidos (nomeadamente, levantamentos topográficos e certidões de processos crime); e as mesmas fizeram-no.

1.1.5. Em sede de audiência prévia foi proferido despacho: admitindo a reconvenção; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); confirmando o prévio valor de € 106.437,38 fixado à acção; identificando o objecto do litígio («reivindicação do terreno delimitado onde foram colocadas as redes») e enunciando os temas da prova («apurar se os prédios adquiridos a DD por Autor e Réus são fisicamente os mesmos, qual a sua localização e os termos da sua ocupação pelas partes»); apreciando os requerimentos probatórios e designando data para realização da audiência final.

1.1.6. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e a reconvenção totalmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
III. Decisão 
Face ao exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, absolvo os Réus dos pedidos.
Julgo a reconvenção procedente e, em consequência, condeno a Reconvinda AA a reconhecer que os Réus BB e CC são os donos e os legítimos possuidores do prédio rústico, denominado de "Quinta ...", descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...91/... e inscrito atualmente como prédio urbano sob o artigo ...85 da união de freguesias ... e ... (...), com a área total de 1.052 m2, confrontando a norte com caminho público, agora Rua ..., a sul com EE, a nascente com FF e a poente com EE e GG, abstendo-se da prática de qualquer ato impeditivo do gozo e fruição daquele prédio dos réus, ou perturbadores da sua posse.
Custas pela Autora, atendendo ao decaimento (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.).
Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos
Inconformada com a sentença proferida, a Autora (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse e substituísse a decisão recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1 - A aqui Recorrente, na qualidade de Autora, intentou uma acção contra os Réus, peticionando que estes reconhecessem que aquela era a exclusiva, única e legítima proprietária do Prédio Rústico denominado “..., ..., ..., ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...18º, da união de freguesias ... e ... (...), do concelho ....

2 - Tal prédio adveio à sua posse na sequência de os seus avós paternos terem decidido doar o aludido prédio rústico, o que fizeram por escritura pública denominada “Escritura Pública de Doação”, outorgada e celebrada em 20 de Maio de 2016, no Cartório Notarial de HH, sito em ....

3 - Desde a sobredita doação que a Recorrente tomou posse do mesmo, pagando as respectivas contribuições e impostos, usando-o, ocupando-o e fruindo das suas utilidades.

4 - Sucede que, após a concretização da escritura de doação, os Réus/Recorridos efectuaram uma terraplanagem no terreno da Recorrente, nomeadamente na ....

5 - Tendo aqueles inclusive, em Setembro de 2019, edificado um muro em rede, por forma a vedá-lo, colocando, ainda, um portão, impedindo a Recorrente de ter acesso ao mesmo.

6 - Os Recorridos alegaram que não detinham qualquer parcela de terreno da Recorrente, e que não tinham realizado qualquer obra, trabalho ou serviço no prédio daquela.

7 - Uma vez que o prédio que ocupam, possuem e usufruem e onde realizaram as obras que a Recorrente alega é da propriedade exclusiva daqueles.

8 - E, ainda, que nem o prédio da Recorrente confina ou sequer é contíguo com o prédio dos Recorridos e, bem assim, que, por escritura pública de compra e venda celebrada a 27 de Fevereiro de 2003, a Recorrida adquiriu dos seus pais, Avós da Recorrente, um prédio rústico denominado de “Quinta ...”, composto pelos prédios rústicos, denominados de “II e ...”. 

9 - Ora, além da prova documental apresentada em sede de defesa escrita, a ora Recorrente arrolou testemunhas que corroboraram a sua posição, as quais foram ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento.

10 - Sucede, porém, que, não obstante as provas apresentadas e produzidas, concluiu a Mma. Juiz do Tribunal a quo de que não estava provado que a “...” se tratava de parte do prédio rústico da Recorrente. 

11 - E que, por sua vez, os Recorridos, além de terem demonstrado o trato sucessivo relativamente à totalidade do terreno, lograram ainda apresentar prova da aquisição do referido terreno, atendendo às características da posse, por usucapião. 

12 - Numa análise à Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, podemos constatar que aquele Tribunal deu como provado os seguintes factos:
1. Encontra-se registado a favor da Autora o prédio rústico denominado "..., ..., ..., ...", descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04, da freguesia ..., aí indicado como tendo 2045,5 m2, confrontando a Norte com caminho, Sul – JJ e caminho; Nascente - DD e poente GG, resultante da anexação do prédio n.º ...41 e parte dos ... e ...36.
2. O referido prédio encontra-se inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...18, antigo 171 da matriz, da união de freguesias ... e ... (...), do concelho ..., como prédio de cultura arvense de regadio, mata de carvalhos e bardo, localizado/denominado ..., com 2.200 m2, confrontando a Norte com caminho, Sul e KK e Nascente com parte urbana do proprietário.
3. Por escritura pública outorgada a 20 de maio de 2016, no Cartório Notarial de HH, sito em ..., DD e LL declararam doar à neta, aqui Autora, AA que àqueles declarou aceitar, o atrás identificado prédio (além de outros dois, prédios urbanos, descritos sob os n.ºs ...89 e ...90).
4. Por escritura pública de compra e venda, celebrada a 27/2/2003, a Ré esposa adquiriu a seus pais, DD e LL, com o consentimento dos demais irmãos, um prédio rústico, denominado de "Quinta ...", com a área de 800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...97 ..., então, omisso à matriz, que corresponderia aos artigos ...60 e ...66 da antiga matriz, com junção da declaração para sua inscrição.
5. Por declaração assinada pelo então proprietário, DD, foi requerida a 22/1/2003 a participação do referido prédio, com a área de 800 m2, e as seguintes confrontações: a Norte com caminho público, a sul com EE, a Nascente com FF e a Poente com EE e GG.
6. O referido prédio encontra-se registado a favor dos Réus, pela Ap. ...03, descrito originalmente como prédio rústico Quinta ..., sito no Lugar ..., com confrontações Norte, Sul e Nascente com caminhos e ... e ..., com 800 m2, desanexado do n.º .... 
7. A Ré tinha começado a construir a sua casa de habitação em meados da década de 90, ao lado da sua irmã MM e cunhado FF, numa parte do terreno que fazia parte da quinta dos pais.
8. Com vista à legalização da construção e para logradouro, os Réus pretenderam adquirir o restante terreno que se estendia, ao longo da estrada, para poente até ao confrontante GG.
9. Este terreno confrontava a sul parcialmente com prédio do vendedor, onde existia um caminho de acesso a outros prédios rústicos, estando delimitado nesta confrontação por uma borda com uma altura de cerca de 4 metros.
10. Os Réus, que se encontravam na ..., autorizaram que os vendedores, pais e sogros, continuassem a agricultar no terreno e a explorar umas videiras no mesmo existente, até quando pretendessem.
11. O que fizeram, sensivelmente até 2010, sendo que, após isso, continuaram apenas a tratar das videiras, que também deixaram em 2015, por razões de saúde.
12. Quando vinham da ..., nas férias, os Réus também tratavam do terreno, procedendo à sua limpeza, fazendo nele pequenos arranjos, que fossem necessários, e ajudando os pais na agricultura.
13. Em meados de julho 2016, o terreno estava sem aproveitamento, coberto de codessos e ervas, e os Réus mandaram proceder à sua limpeza e terraplanagem, nivelando-o.
14. Nesta altura procederam a um levantamento topográfico apurando, nas mesmas confrontações do prédio que lhes foi vendido, uma área de 1.099 m2.
15. Em meados de julho de 2017, regressados da ... constataram os Réus que na extrema poente do terreno encontravam-se implantados uns pequenos esteios, ligados por arames, tendo sido, então, informados que os mesmos teriam sido colocados pelo pai e sogro, com o objetivo de demarcar, da restante área do terreno, uma parcela de terreno com a área de cerca de 200 m2.
16. Tal colocação foi feita na ausência dos réus, sem a sua concordância.
17. O Réu remeteu uma carta datada de 27 de julho de 2017, interpelando-o a retirar e remover os referidos esteios (vigas) colocadas e repor a situação tal qual ela se encontrava antes.
18. A tal carta veio o sogro responder que não era proprietário de qualquer imóvel, referindo-se a um levantamento topográfico, com vista a delimitar as confrontações dos terrenos por ele vendidos, contratado pela sua neta, aqui Autora.
19. Em dezembro de 2018, o Réu marido cortou os fios e esteios ali existentes, o que motivou, nessa altura, a apresentação pela Autora de uma queixa-crime pela introdução em lugar vedado ao público e de dano, que foi arquivada.
20. Em setembro de 2019, os Réus edificaram um muro com rede, vedando o prédio pelo lado do caminho público (Beco ...) e do confronto poente com GG.
21. Colocaram ainda como acesso ao caminho público, na sua extrema norte, um portão.
22. Por esta altura, os Réus acordaram acertar a confrontação com o caminho público com a Junta de Freguesia, pelo que, efetuado novo levantamento, foi a área do prédio medida em 1.052 m2.
23. A Autora não deu autorização para tal construção, encontrando-se impedida de aceder ao terreno, não podendo colher os seus frutos e rendimentos.
24. Os Réus não obstante interpelados, não desocuparam o terreno, continuando a habitar a casa e cultivando e tratando do restante terreno que lhe serve de logradouro, e que lhe é contíguo.
25. O que fazem, e sempre fizeram, por si e antepossuidores, há mais de trinta anos, pública, contínua e ininterruptamente, à vista com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e na firme convicção de serem seus donos.
26. Atualmente os Réus atualizaram matriz, constando agora da inscrição sob o artigo ...85, um prédio Urbano, destinado a habitação composto por uma habitação, de dois pisos, com a área total de 1.052 m2, sito no Beco ..., da união de freguesias ..., ... (...), do concelho ....

13 - Destarte, considerou o Tribunal a quo, que não se conseguiu provar os seguintes factos:
“Factos não provados”
- Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa, sendo que não resultou provado que:
- o prédio doado à Autora descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04, da freguesia ..., e registado a seu favor, seja o que foi vedado pelos Réus;
- depois da venda do prédio aos Réus, os vendedores continuaram a pagar contribuições e impostos por aquela parcela;
- a Autora e antepossuidores têm vindo desde 2003 a ocupar aquela parcela de terreno vedada pelos Réus, como sua, convictos de que são proprietários e assim tratados por todos, sem oposição;
- a Autora pretendia arrendar o referido prédio, retirando rendimento de cerca de 2.000 € anuais.

14 - Ora, salvo o devido respeito por diversa opinião, entende a Recorrente que não merece acolhimento a versão sustentada pela Mmª. Juiz a quo na sentença ora recorrida.

15 - Porquanto, para sustentar a sua convicção, alegou a Mmª Juiz que, relativamente aos factos nº 1 a 6, resultam provados de documentos com força probatória plena e não impugnados, a confissão das partes, as comunicações e interpelações e processo crime, também não impugnados.

16 - Aliás o Tribunal considerou que:
“A Autora logo em sede de petição inicial afirmou que o terreno que lhe foi vendido, correspondendo à descrição ...97, era aquele, distinto de outros que destacou também depois em mapa, no mesmo requerimento junto a 11/12/2023.
No entanto, em declarações de parte logo apresentou uma versão diferente, sustentada no conhecimento transmitido pelo avô e pelo conhecimento esporádico que tinha de ajudar os avós (encontra-se há 12 anos, desde os seus 18, em ... e antes vivia em ..., desconhecendo no geral os confrontantes e nome das parcelas):
- que, afinal, aquela parcela não era o prédio ...92, mas apenas a “...”, uma das quatro partes indicadas na descrição predial, identificando os restantes nomes da descrição em partes separadas da Quinta que era dos avós e indicando p. ex. que o ..., cujo nome indicia ser parcela de cultivo, no meio das casas da Quinta, onde seria um alpendre:
- que a parte comprada pelos Réus era a “...” e “...”, que se situava apenas para nascente (até terreno dos outros tios) e a sul da casa (até ao talude), não dispondo de mais nenhum terreno, mas que o avô, aquando da doação, fez um levantamento onde constatou que a casa dos Réus não tinha os 800 m2, que constavam nos documentos por si assinados, e aí delimitou o terreno  com esteios, fazendo seus apenas os 244/392 m2 mais a poente (nos termos indicados nos levantamentos por si juntos em audiência, sendo que a diferença entre ambos,  era medição ter sido feita por cima ou por baixo dos taludes).
Conclui-se, assim, que, recebendo do seu avô apenas o que este antes não vendeu, receberia o remanescente dos alegados 800 m2 vendidos aos Réus (onde se incluiria a casa e terreno para nascente e sul). Por isso, o pai da Autora, que admitiu ser o único com interesse nos terrenos para a agricultura, esclareceu que tomaram conta de tudo o resto, com exclusão dos 800 m2, vendidos à Ré CC e dos 600 da irmã MM), encontrando-se só aquela parte sobrante em discussão.”

17 - Ora, não se entende como é que a Mmª. Juiz do Tribunal a quo chegou a tal conclusão, porquanto, atentas as declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, tal conclusão não pode ser retirada.

18 - Ora, contrariamente, ao alegado pelo Douto Tribunal a quo, a Autora não apresentou nenhuma versão diferente daquela explanada na Petição Inicial, e não demonstrou só ter conhecimento dos seus terrenos por aquilo que o seu avô lhe dizia.

19 - A Autora explicou àquele Tribunal o que era o seu terreno, pois, e como é mencionado nas certidões prediais e nas cadernetas prediais, o terreno daquela é composto pelo “..., ..., ... e ...”, sendo que cada “bocadinho de terreno” tinha uma denominação já dos tempos antigos.

20 - A Autora, em sede de audiência de julgamento, demonstrou ter conhecimento real e verdadeiro de onde se situa cada terreno e aquilo pelo qual o mesmo é composto, soube afirmar o porque de tais terrenos terem essa denominação, mencionando igualmente que desde pequena que os frequentava, pois ajudava os seus avós quer na lavoura, quer noutras situações que aqueles necessitassem.

21 - O conhecimento das terras, não é pelo diz que disse, mas sim porque ia para os terrenos desde que nasceu até à sua ida para o estrangeiro, e porque andou lá a cultivar, sendo certo que, quer o seu avô, quer a sua avó, quando iam semear, plantar, cultivar, colher os frutos da terra diziam vamos à ..., vamos à ....

22 - Soube ainda mencionar onde se localiza o terreno dos seus tios, aqui Recorridos, e soube muito bem mencionar os nomes dos mesmos, contrariamente às testemunhas daqueles, que não sabiam as denominações.

23 - De igual modo, a Autora/Recorrente explicitou ao tribunal que os Recorridos tinham comprado 600m2, mas que, por forma a poderem legalizar o terreno, tiveram que adquirir mais 200m2, o que totaliza uns 800 m2, sendo certo que, após fazerem um levantamento topográfico, constataram que o terreno não tinha aqueles metros.

24 - Até porque antigamente não se fazia levantamentos topográficos, fazendo a medição a passo, sendo que apenas no momento das medições com o topógrafo souberam quantos metros tinham realmente os terrenos.

25 - E que as medições foram concretizadas segundo as indicações do seu avô, ou seja, o antigo proprietário esteve com o topógrafo a fazer o levantamento, tendo este indicado onde se situava cada “bocado de terra”, assim como onde iniciava e terminava cada um dos terrenos.

26 - Acresce que a Recorrente até pediu para que fossem concretizadas duas medições, uma igual à que os Réus efectuaram para que aqueles não fossem prejudicados, e outra segundo as instruções do avô DD.

27 - De tais levantamentos, foi possível constatar que o levantamento topográfico requerido pelos Recorridos não foi devidamente executado, pois não fizeram as medições por debaixo do talude, certamente propositadamente, porquanto a parte do talude não lhes interessa.

28 - No que concerne ao depoimento do vendedor/doador, DD, o Tribunal a quo considerou e passamos a citar:
“verdadeiro conhecedor dos terrenos, descreveu de forma geral, ainda que hesitante, atendendo à idade, onde ficavam os que seriam números por si adquiridos (8) há cerca de 40 anos e descreveu como vendeu às duas filhas que ali construíram as suas casas no terreno que elas quiseram. Neste caso dos Réus, construíram a casa e depois, para legalizar, pediram 800 m2, mais do que a outra filha, tendo sempre facilitado o que queriam, nunca tendo medido efetivamente o terreno.
No entanto, confirmou que indicou os confrontantes e a área no pedido de inscrição na matriz em 2003 (doc. 2 contestação – fls. 43 v.) e assinou a venda, tal como todos os filhos assinaram. Não mostrou conseguir explicar em que condições colocou como confrontantes EE e GG (e não o próprio) a poente, se o prédio vendido não fosse até ao limite.
Apesar de ter indicado o ... (incluído na parte vendida aos Réus) como situado para lá da estrada, para norte (que não existiria nos tempos da Quinta), admitiu que este alargamento da área, nesta altura, só poderia ser para  poente, uma vez que, para sul, este e norte estava com limites já definidos, respetivamente pela casa da outra filha, talude e estrada, razão pela qual andou a  medir na altura da doação, incluindo área para poente.
(…)
O que parece ter acontecido é que, para legalizar as duas casas das filhas, DD, arranjou, independentemente da localização efetiva dos terrenos, os dois registos necessários, resultantes da aquisição há mais de 40 anos de uma parte da quinta onde era caseiro, a Quinta ... e se decomporiam em vários números (como referiu), sendo que ele próprio requereu as certidões matriciais, que estarão mais atualizadas e conforme a sua vontade.”

29 - Ora, atentas as declarações do Sr. DD, outras conclusões não podemos retirar senão aquela que é por demais evidente, ou seja, que ele vendeu à sua filha CC os terrenos ou leiras denominados por “...” e que as mesmas teriam cerca de 600m, ou seja, cerca de 300m cada um.

30 - Acresce que, contrariamente ao que é mencionado pelo Tribunal a quo, o Sr. DD nunca confirmou que foi o próprio a se deslocar ao Serviço de Finanças e dar as confrontações que se encontram nas cadernetas prediais e nas certidões permanentes prediais, tendo, isso sim, declarado, que somente assinou os documentos que os filhos lhe traziam e que não lia o que assinava, pois acreditava/confiava nos mesmos.

31 - O mesmo soube, apesar da sua idade, mencionar quais eram os seus terrenos e quais os que vendeu às suas filhas, e os que doou à sua neta, sabendo, de igual modo, mencionar que a sua filha CC está a ocupar ilicitamente o terreno que doou à sua neta, ocupando a ....

32 - Destarte, em momento, algum alguém pôs em causa o discernimento daquela testemunha, uma vez que todos souberam mencionar que o Sr. DD estava perfeitamente lúcido, sendo certo que, em momento algum, se pode mencionar que tal discurso foi coagido, pois, bem pelo contrário, notava-se a simplicidade do discurso e a clareza com que abordava os assuntos que lhe eram questionados.

33 - De facto, não se compreende, nem se justifica esta conduta do Douto Tribunal a quo, que não considerou correctamente o testemunho da pessoa mais importante neste processo: o vendedor e doador dos terrenos, ou seja, o antepossuidor dos terrenos e leiras!!

34 - Certo é que, mesmo em relação às restantes testemunhas, o Tribunal a quo mencionou que:
“Mesmo os restantes filhos que prestaram declarações e que concordaram com a venda, não sabem explicar bem o que foi vendido, tendo referido alguns (NN, OO) que terão assinado ainda um papel que só poderiam mexer nos terrenos quando os pais morressem, nomeadamente na Vinha e nas Laranjeiras, mas isso pareceria confirmar o alegado acordo dos Réus quanto à continuação da utilização daquela parcela pelos pais/sogros.”

35 - Ora, não se entende como se pode chegar a tal conclusão, conquanto tais depoimentos foram isentos, imparciais, bem esclarecedores, uma vez que ambas as testemunhas sabiam muito bem localizar os prédios.

36 - Além de que souberam confirmar que, de facto, para a Recorrida realizar a escritura foi necessário darem o seu consentimento, mas que, por razões que lhes são alheias, assinaram um documento, que seria para o terreno ter 800m2 ao invés dos 600m2, que foi a área inicialmente vendida pelo Sr. DD e a sua esposa, seus pais, à filha CC e ao genro BB.

37 - Todavia, em parte alguma desse documento estaria referido que iriam ocupar a “...”, sendo igualmente verdade que os mesmos não sabem porquê que os Recorridos necessitariam dos 800m2, pois aqueles nunca se sentaram a conversar com os irmãos, nem com os pais/vendedores.

38 - Tendo aqueles (Recorridos) agido de má-fé, pois tentaram enganar os restantes membros da família, ocultando elementos que se julgam serem importantes para a boa decisão da causa.

39 - No mesmo sentido seguiu o depoimento das testemunhas OO e NN.

40 - Também estas testemunhas souberam, com precisão, rectidão e simplicidade, explicar ao Tribunal a quo onde se situa a “...”, assim como que a mesma foi doada pelos seus pais à aqui Recorrente, e que não foi vendida à sua irmã CC.

41 - Inclusive, que se o terreno da Recorrida fosse medido correctamente, nunca aquela se teria apropriado do prédio da sobrinha, mas que o terá feito simplesmente para “embelezar” o seu prédio e o aumentar.

42 - Ora, quer a Autora, aqui Recorrente, quer o vendedor do terreno, quer os filhos do vendedor do terreno (OO e NN), foram precisos e concisos ao mencionar onde se localiza a “...”, assim como que, quando o prédio foi doado, a mesma decidiu destacar dos demais prédios ali existentes, tendo, para o efeito, contratado um topógrafo para saber quais as estremas do seu prédio.

43 - Sendo de frisar que não foi a Autora quem acompanhou o topógrafo, mas, outrossim, o vendedor, o Sr. DD, avô da Recorrente e pai e sogro da Recorrida mulher e do Recorrido marido, respectivamente, tendo informado onde se situava cada “pedaço” de terra, ou seja, onde se localizava cada um dos terrenos/leiras e onde se situavam as estremas de cada um.

44 - Contrariamente aos Recorridos, que, supostamente, também fizeram um levantamento topográfico, mas sem que o vendedor, conhecedor exímio dos terrenos, estivesse no local a informar da localização e das estremas de cada um dos terrenos.

45 - Tendo tal levantamento sido feito segundo as indicações, não dos Réus/Recorridos, mas do Sr. PP, cunhado daqueles, que claramente tendo sido mandatado por eles, tem um interesse em defender a causa dos Recorridos.

46 - Evidentemente, que tal testemunha teria que alegar o que foi indicado pelos Réus, pois sendo testemunha daqueles nunca poderia confirmar a versão apresentada pela Autora, apesar de a mesma ser a única verdadeira.

47 - Todo o seu testemunho foi repleto de mentiras, nomeadamente no que concerne a supostas deslocações com o Sr. DD, de informações que obteve através deste, pois através das declarações daquela testemunha, se pôde concluir que o mesmo não se deslocou a qualquer instituição, e nunca deu informações, assim como que foi a filha ou alguém a mando dela que andou a tratar de tudo.

48 - Contudo, nunca se equacionou que o tratar de tudo seria erradamente, com o intuito de prejudicar o Sr. DD.

49 - Embora aquele soube mencionar que, aquando da venda, não houve qualquer levantamento topográfico, o qual foi efectuado posteriormente, após terem tido conhecimento da doação.

50 - Ora, das declarações da testemunha QQ, podemos retirar que o mesmo, apesar de ter alegadamente tratado de tudo o que respeitava aos terrenos, não tinha conhecimento dos nomes dos mesmos, o que, só por si, nos leva a questionar a veracidade do seu depoimento.

51 - Sendo certo que, de entre outras ilações, podemos constatar que o mesmo mencionou que as medições se fazem por baixo do talude, tal como foi mencionado pela Recorrente, e junto aos autos.

52 - Tendo a Recorrente junto, em sede de audiência de discussão e julgamento, dois levantamentos topográficos, sendo que um foi medido por cima do talude, tal como foi concretizado pelos Recorridos e um outro medido por baixo do talude, tal como mencionado ser o correcto pelo topógrafo, o que nos leva a concluir que o levantamento topográfico efectuado pelos Recorridos está errado e, por conseguinte, que aqueles estão a ocupar ilicitamente a “...”.

53 - Também se conclui que os Recorridos nada sabiam acerca do que outrora foi feito, porquanto tinha sido o Sr. QQ a tratar de tudo. Mas vejamos:

54 - De facto, dada a prova produzida, não se compreende como o Tribunal a quo pode concluir que a “...” não se localiza no local indicado quer pela Recorrente, quer pelas suas testemunhas, quer principalmente pelo antepossuidor e vendedor/doador dos prédios.

55 - Aliás, o documento junto pelos Recorridos, referente à participação nas Finanças, onde estão descriminadas as confrontações e onde se encontra a suposta assinatura do vendedor, foi desde logo posto em causa quer pela Recorrente, quer pelas testemunhas destas e pelo próprio vendedor, que afirmaram que não deu qualquer indicação, tendo somente assinado documentos, sem os ler ou analisar, porquanto acreditava/confiava nas pessoas.

56 - De facto, o vendedor não teria interesse em doar um prédio que já não fosse seu, nem a Recorrente teria intentado a presente acção se não tivesse plena certeza de que aquela parcela de terreno é sua.

57 - Desde os tempos antigos, que a parcela de terreno situada ao lado da moradia dos Recorridos se denomina como “...”, e desde sempre que todas as pessoas conheciam aquela parcela de terreno por essa denominação.

58 - Os Recorridos, chamaram aos autos, as duas únicas testemunhas que têm uma desavença com a Recorrente, em concreto com os pais desta, não existindo nenhuma relação com eles, facto que negaram em sede de audiência de julgamento, tendo posteriormente, quando confrontados com tal facto, admitido que não se relacionavam com os mesmos.

59 - Aliás, questiona-se o motivo para que os Recorridos não tenham arrolado como testemunha a Sra. MM, até porque foi a única que também comprou terreno ao pai e teve que percorrer o mesmo processo que aqueles!

60 - Provavelmente porque se a Sra. MM fosse chamada a depor, a mesma iria contar a verdade, até porque, na sequência de comportamentos menos impróprios da Recorrida, aquela também deixou de se relacionar com a própria irmã!

61 - Assim, perante a prova produzida, quer documental, quer a testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, entende a aqui Recorrente que, in casu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova produzida e na sua subsunção ao caso em análise, conduzindo a uma interpretação equivocada da realidade factual dos presentes autos.

62 - Entende, assim, a Recorrente que estamos perante um erro de julgamento, sendo este um erro “de carater substancial e ocorre quando na decisão proferida a lei é mal aplicada ou há um erro quanto à questão de facto ou de direito apreciada, afeta o fundo ou o efeito da decisão, e dita a sua revogação por estar desconforme ao caso ou ao direito” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo nº 3278/21.2T8PRT.P2, de 23 de Maio de 2024.

63 - Ainda no entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo nº 341/08.9TCGMR.G1.S2, de 30 de Setembro de 2010, “O erro de julgamento ( error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa. (...) Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma (...).”

64 - Sendo certo que, uma interpretação como a proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal a quo, viola o princípio da proporcionalidade e o direito de propriedade da Recorrente, expressamente consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.

65 - De facto, não obstante a prova produzida em sede de audiência de julgamento, que, no entender da Recorrente, demonstrou, de forma simples e inequívoca, a sua titularidade sobre aquela parcela de terreno denominada “...”, sita na parte de cima do terreno, junto à casa dos Recorridos, certo é que o Tribunal a quo considerou que a “...” não se situa naquela local e, por isso, considerou que aqueles não se encontram a ocupar parte do terreno da Recorrente.

66 - Acresce que, no entendimento do Acórdão desta Relação, proferido no âmbito do Processo 4676/22...., “ A violação dos deveres de fundamentação, nomeadamente de facto, gera a nulidade do art.615º/1-b) do C.P. Civil (que prescreve que a sentença ou despacho é nulo quando Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão), se a mesma for arguida pelo interessado em reclamação se a açã não comportar recurso ordinário ou em recurso se a ação comportar recurso ordinário (arts.615º/2-a), a contrario, e 617º do CPC).
Todavia, a violação dos deveres de fundamentação de facto pode ainda gerar a possibilidade de anulação oficiosa da decisão, por maioria de razão com disposto no art. 662º/1 e 2-c) do CPC.
(…)”

67 - Ora, além do erro de julgamento, considera-se ainda que o Douto Tribunal a quo não respeitou tal dever de fundamentação, porquanto, como se constata da análise da Sentença outrora proferida, apesar de os depoimentos serem divergentes, não consta quais os depoimentos/trechos que aquele considerou serem importantes para a tomada de decisão.

68 - Ademais, além da falta dos trechos que deveriam constar na Sentença, esta também é parca em fundamentação, quer de facto, quer de direito, não se justificando devidamente o porquê de tal decisão.

69 - Deste modo, julga-se que, dada a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, assim como a prova documental, a decisão deveria ser no sentido da procedência da acção e, por conseguinte, na condenação dos aqui Recorridos.

70 - Restituindo, nessa sequência, o prédio denominado “...” à Autora/Recorrente, e impedindo os Recorridos de praticar quaisquer actos que impedissem o gozo e fruição do prédio daquela e por aquela.

71 - Em suma, deverá a douta decisão sob censura ser revogada e substituída por outra que atenda ao peticionado na Petição Inicial, que claramente não foi objecto de análise e juízo crítico pelo Tribunal a quo.
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1.2.2. Contra-alegações
Os Réus (BB e mulher, CC) contra-alegaram, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se mantivesse na íntegra a sentença recorrida.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1 - Pretende a recorrente a revogação da sentença, por, no seu entendimento, ter existido, pretensamente, um erro de julgamento e uma falta de fundamentação de sentença recorrida.

2 - No que concerne ao erro de julgamento o mesmo só ocorrerá, quando na decisão proferida a lei é mal aplicada, ou há um erro quanto à questão de facto ou de direito apreciada, que afeta o fundo ou o efeito da decisão, e dita a sua revogação por estar desconforme ao caso ou ao direito.

3 - "In casu" não existe erro de julgamento.

4 - A lei e o direito foram corretamente aplicados e a prova produzida foi bem analisada, apreciada e valorizada.

5 - Alega a recorrente que a prova produzida teria sido pretensamente mal apreciada e que o tribunal teria feito uma errada interpretação da mesma, impugnando a motivação do tribunal que levou decisão sobre a matéria de facto.

6 - A recorrente, em lado algum, das suas motivações ou conclusões, alega ou especifica quais os concretos pontos de facto, que, no seu entendimento, considera que foram mal julgados ou mal apreciados, e quais os concretos meios probatórios, constantes dos autos, que, na sua opinião, impunham uma decisão diversa da proferida, e qual, relativamente, aos concretos pontos de facto, provados e não provados, no seu entendimento deveria ser a decisão sobre os mesmos.

7 - Impugna, apenas, e, parcialmente, as conclusões/motivações a que chegou o tribunal sobre a apreciação que fez das provas produzidas, e destas da prova testemunhal.

8 - Apenas se limita a afirmar que a versão dos réus/reconvintes não deveria, no seu entendimento, merecer acolhimento, como, também, não deveria merecer acolhimento a versão sustentada pela Mmª. Juiz a quo na sentença recorrida.

9 - Socorre-se, para tal, de meros trechos e passagens de depoimentos de testemunhas, e de declarações de parte, descontextualizados do seu todo, escolhidos, seletivamente, e à medida da sua conveniência, para dar uma interpretação diferente, e uma valoração, meramente, subjetiva, à convicção livre, crítica e ponderada do tribunal, extraindo ilações e conclusões, também, subjetivas, e juízos de valores, destituídos de fundamento, descabidos e sem qualquer correspondência ou consonância com a realidade factual.

10 - Não especifica quais os concretos pontos de facto, constantes da matéria de facto provada e não provada, que, no seu entendimento, considera que foram incorrectarnente julgados.

11 - O entendimento reiterado na jurisprudência que a exigência legal a que respeita as als. a) e b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC impõe aos recorrentes a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os meios probatórios que evidenciam o erro de julgamento, e, assim impõem uma decisão diversa para cada um dos factos concretos e impugnados.

12 - A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes a reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.

13 - Não se basta com uma enunciação em bloco ou por temas dos meios probatórios sem descriminação dos mesmos por referência a cada um dos factos impugnados.

14 - A recorrente não cumpriu tais ónus, cuja obrigatoriedade lhe era, legalmente, imposta, pelo que deverá o recurso ser rejeitado. Artigo 640.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.

15 - A convicção do Tribunal resultou de uma análise livre, crítica, compreensiva, imparcial e criteriosa da prova produzida, que se consubstanciou na confissão das partes expresso nos articulados, na prova por declarações de parte e da prova testemunhal produzida em audiência final, conjugada com o teor dos documentos juntos aos autos.

16 - Devendo nunca se esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

17 - Assim, mesmo em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.

18 - No caso concreto a prova produzida foi devidamente, apreciada, analisada, valorizada, bastante e segura.

19 - Vejam-se as declarações prestadas pelos réus/reconvintes e os depoimentos prestados pelas testemunhas RR, QQ, CC e SS, cujos testemunhos e depoimentos prestados foram feitos de uma forma isenta, desprendida, credível, segura, objetiva e imparcial, com razão de ciência, e conhecimento direto de causa.

20 - Explicando as confrontações, a localização, a extensão e a dimensão do prédio dos réus/reconvintes, a identidade do mesmo, a razão de ciência entre as áreas declaradas nas finanças pelo anterior proprietário, e as áreas reais, e as contantes dos levantamentos topográficos que juntaram aos autos, o estado de conservação e limpeza em que se encontrava o prédio, os atos matérias de posse, de uso e de fruição praticados pelos recomidos, e o "animus possidendi".

21 - Explicando e identificando que a ..., alegadamente da propriedade da autora, situa-se em local diferente do prédio dos réus/reconvintes, que nenhuma identidade tem com o mesmo, que é um prédio totalmente demarcado, distinto do prédio dos recorridos, autónomo, fisicamente separado e não confundível com o mesmo, que constituem ambos realidades físicas e jurídicas - matricias e registrais - diferentes e distintas um do outro, não havendo, entre eles, qualquer identificação física ou geográfica.

22 - Que o prédio reivindicado pela autora não é o mesmo prédio que os réus/reconvintes possuem, usufruem, detêm e ocupam, e que adquiriram a DD e esposa LL.

23 - Ao contrário dos depoimentos da autora e das testemunhas por si arroladas cujos depoimentos prestados, além de contraditórios, foram, também, parciais, titubeantes, tensos, apressados, sem espontaneidade, inseguros, truncados, não genuínos, interessados, sem qualquer razão de ciência, não consentâneos com a realidade e com as regras da experiência comum.

24 - Refugiando-se, quando não queriam responder, ou quando não lhes dava jeito, ou não queriam comprometer a autora, nas expressões em "eu não sei”,   “não me lembra”, "não estive lá", "não sei explicar”, "ouvi dizer ", "porque sei”, sem que, contudo, explicassem a razão de ser e de ciência dessa expressão do "porque sei”.

25 - Por muito esforço que se faça na leitura e na audição dos diversos depoimentos das testemunhas arroladas, e dos demais elementos probatórios, não se consegue vislumbrar outra resposta que não fosse, ou seja, aquela que a meritíssima Juíza "a quo" deu nos diversos pontos e alíneas dos factos provados e não provados, nomeadamente, à matéria factual inserta nos nºs 1 a 26 dos factos provados e nos parágrafos 1, 2, 3 e 4 dos não provados.

26 - Tendo a decisão sobre a matéria de facto sido bem julgada, inexistindo quaisquer dúvidas na sua apreciação e valoração.

27 - A sentença recorrida contém, assim, uma correcta valoração da matéria de facto, e uma correcta aplicação do direito.

28 - Não padece de erro, não merece reparo, censura, ou crítica, tendo o tribunal feito uma correcta subsunção jurídica da matéria de facto, não existindo nos autos elementos probatórios que impunham uma decisão diversa da proferida.

29 - Andou bem o Tribunal recorrido ao dar como provados os factos vertidos de 1 a 26 da matéria de facto dados provados, e não provada a vertida nos parágrafos 1, 2, 3 e 4 dos não provados.

30 - A autora não logrou provar, como lhe competia, os elementos constitutivos da ação de reivindicação, ou seja, os seus pressupostos subjetivos (prova da propriedade e que os réus possuíam a coisa reclamada), nem os seus elementos objetivos (a identidade da coisa reclamada com a que é possuída pelo demandado).

31 - A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer em termos de facto, quer em termos de direito.

32 - Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial quando exista falta absoluta de motivação, ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.

33 - A sentença é uma exigência de racionalidade postulada pela sistematicidade do Direito e pelo princípio constitucional da submissão dos tribunais à Constituição e à lei, uma vez de que, além de constituir um factor decisivo para o convencimento das partes sobre a bondade da decisão, a indicação da fundamentação e a sua inteligibilidade garantem o controlo sobre a legalidade da mesma decisão e assegurar o exercício esclarecido do contraditório, nomeadamente por via de recurso.

34 - A falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite, ou é de todo ininteligível, o quadro factual em que era suposto assentar, sendo que a falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.

35 - Sendo imperativa a exigência de fundamentação das decisões judiciais, só a absoluta falta de fundamentação da sentença (ou seja, a não indicação dos factos provados e não provados) é suscetível de gerar a sua nulidade, pelo que a falta de motivação não gera a nulidade da sentença, desde que na mesma tenham sido discriminados os factos que o tribunal considera provados/não provados.

36 - Ainda que se admita que também a motivação da decisão da matéria de facto possa ser considerada para efeitos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, para que a sentença possa ser considerada nula, sempre se exigiria a falta absoluta de motivação, não bastando que a mesma seja deficiente, incompleta, ou não convincente.

37 - No caso dos autos a decisão recorrida encontra-se motivada, devidamente, fundamentada, perceptivel aos seus destinatários, totalmente, inteligível, com indicação clara, inequívoca e justificada dos factos provados e não provados, e com a correta aplicação do direito,

38 - Inexistindo contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial proferida, não conduzindo aqueles, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja, quando a decisão tomada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada.

39 - Encontrando-se, totalmente, garantido o controlo sobre a legalidade da mesma decisão e assegurado, em pleno, o exercício esclarecido do contraditório, nomeadamente por via de recurso.

40 - Não violando a mesma qualquer preceito legal ou constitucional, devendo a douta sentença recorrida manter-se, tal qual, foi, doutamente, proferida.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso da Autora (AA) - como «de apelação, subindo nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644.º, n.º 1, 645.º e 647.º)» -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Autora (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única - É a sentença recorrida nula, nomeadamente por não especificar os fundamentos que a justificam (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC) ?
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2.2.2. Questões excluídas do objecto do recurso (impugnação da decisão de facto)
Precisa-se, a propósito da limitação do número das questões enunciadas como constituindo o objecto útil deste recurso de apelação, que do mesmo ficou excluída uma outra, pertinente a eventual pretensão de impugnação da matéria de facto, por incumprimento dos ónus previstos na lei para o efeito.
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2.2.2.1. Ónus de impugnação - Ónus de conclusão
Lê-se, a propósito do ónus de impugnação da matéria de facto, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição» os «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a) do n.º 2 do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, indicar os concretos meios probatórios em que se estriba, precisando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso; e deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
Estas exigências vêm «na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [2] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
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2.2.2.2. Ónus de conclusão
Somando-se, porém, a este ónus de impugnação, encontra-se um outro, o ónus de conclusão, previsto no art.º 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que o «recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».
«Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1).
«Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais», não só fazia sentido que o recorrente «expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o» mesmo «aprecie se tais razões procedem ou não», como, podendo «dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa», deveria no fim, «a título de conclusões», indicar «resumidamente os fundamentos da impugnação», fazendo-o pela «enunciação abreviada dos fundamentos do recurso» (Professor Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 359, com bold apócrifo) [3].
Contudo, acresce ainda a este objectivo (de síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso) um outro, não menos importante, de definição do seu objecto. Lê-se, a propósito, no art.º 635.º, n.º 4, do CPC, que nas «conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso»; e, por isso, se defende que as «conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.118) [4].
Logo, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.06.2013, Garcia Calejo, Processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1). Compreende-se, por isso, que se afirme que, para «o bom julgamento do recurso não é suficiente que a alegação tenha conclusões. Estas deverão ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, pág. 179, com bold apócrifo) [5].
Está-se aqui perante uma das concretizações do princípio da auto-responsabilidade das partes.
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2.2.2.3. Incumprimento - Consequências
2.2.2.3.1. Incumprimento do ónus de impugnação
Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1 do CPC (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente - incluindo as exactas passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba - , e da decisão alternativa que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), e tal como aí expressamente afirmando, terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»).
Com efeito, e ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art.º 639.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC), no recurso relativo à matéria de facto (previsto no art.º 640.º, do CPC) não se admite despacho de aperfeiçoamento.
«Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 128) [6].
Aliás, o entendimento da não admissibilidade de despacho de aperfeiçoamento face ao incumprimento, ou ao cumprimento deficiente, do ónus de impugnação da matéria de facto, já era generalizadamente aceite no âmbito do similar art.º 690.º-A do anterior CPC, de 1961 (conforme Carlos Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, pág. 203).
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2.2.2.3.2. Incumprimento do ónus de conclusão
Do mesmo modo se deverá proceder quando, pese embora indicada a matéria de facto impugnada no corpo das alegações de recurso, essa indicação não seja depois reiterada nas respectivas conclusões [7], tendo o recorrente limitado  desse modo o seu objecto.

Com efeito, importa distinguir a natureza, e as consequências, das diversas actuações possíveis do recorrente: uma primeira (relativa a um ónus primário), que contende com a delimitação do objecto do seu recurso, e que deixa absolutamente omissa, nas respectivas conclusões, a indicação da matéria de facto impugnada (limitando desse modo o recurso, e inexoravelmente, à sindicância da matéria de direito); e uma segunda (relativa aos ónus secundários), que contende com a análise jurídica do cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, do CPC, e que deixa absolutamente omissa, nas mesmas conclusões de recurso - e ao contrário do que previamente fizera no corpo das respectivas alegações -, a indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, da decisão alternativa pretendida, e das exactas passagens da gravação que o fundariam.
Compreende-se que assim seja, já que, nesta segunda situação, a impugnação da matéria de facto - bem ou mal feita - faz parte do objecto do recurso [8]; e «o prazo de interposição do recurso é pela lei fixado em função do modo como o recorrente concebe o respectivo objecto» (Ac. da RG, de 07.04.2016, José Amaral, Processo n.º 4247/10.3TJVNF.G1).
Tendo a jurisprudência sufragado maioritariamente este entendimento [9], viu o mesmo ser consagrado no acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de Outubro de 2023, onde se lê que: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações» [10].
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2.2.2.4. Entendimentos dominantes (e perfilhados)
Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2.ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1) -, vêm sendo firmados os seguintes entendimentos:

. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria Graça Trigo, Processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo n.º 3396/14, ainda inédito, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. dever-se-á usar de maior rigor na apreciação cumprimento do ónus previsto no n.º 1, do art.º 640.º, do CPC (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus  previsto no seu n.º 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1);

. a exigência de especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, só se satisfaz se essa concretização for feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1);

. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC  (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1); igualmente não cumpre a exigência legal a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento (neste sentido, Ac. do STJ, de 05.09.2018, Gonçalves Rocha, Processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2, Ac. do STJ, de 18.09.2018, José Rainho, Processo n.º 108/13.2TBPNH.C1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2); e não a cumpre ainda o recorrente que pretenda que valha como transcrição uma resenha ou súmula do que terão referido as pessoas de cujos depoimentos se quer fazer valer (na parte relevante), já que transcrever os depoimentos é reproduzi-los objetivamente (aquilo que as pessoas ouvidas verbalizaram), sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo (Ac. do STJ, de 18.06.2019, José Raínho, Processo n.º 152/18.3T8GRD.C1.S1);

. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º  2180/09.0TTLSB.L1.S2, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1, Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art.º 640º, n.º 1, do CPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre  a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639.º, n.º 3, do CPC (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo n.º 1458/10.5TBEPS.G1,  Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Ac. da RG, de 18.12.2017, Pedro Damião e Cunha, Processo n.º 292/08.7TBVLP.G1, Ac. do STJ, 27.09.2018, Sousa Lameira, Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2) [11].

Logo, a «rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 128 e 129, com bold apócrifo).
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2.2.2.4. Caso concreto
Concretizando, considera-se que a Autora (AA), aqui recorrente, nem cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, nem cumpriu o ónus de conclusão que lhe estava cometido pelo art.º 639.º, n.º 1, do mesmo diploma (conforme, aliás, os Réus desde logo denunciaram nas suas contra-alegações de recurso).
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2.2.2.4.1. Incumprimento do ónus de impugnação
2.2.2.4.1.1. «Concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados»
Com efeito, verifica-se que a Autora (AA) recorrente nunca chegou a afirmar, clara e assertivamente, nas suas alegações de recurso (nomeadamente, no respectivo corpo), que concretos pontos de facto consideraria incorrectamente provados, pela necessária remissão para os únicos factos obrigatoriamente a considerar para este efeito: os contidos na sentença recorrida no elenco dos factos provados (identificados por numeração árabe), e/ou os aí contidos no elenco dos factos não provados (identificados por parágrafos).
Com efeito, quando na lei se afirma que, «sob pena de rejeição», «deve o recorrente obrigatoriamente especificar (…) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados», reporta-se àqueles factos que, tendo sido fixados ou ignorados pelo Tribunal a quo, ficarão desse modo sob sindicância do Tribunal ad quem. Logo, e no que ora nos interessa, serão aqueles factos que tenham sido exarados na fundamentação de facto da sentença recorrida (e isto independentemente de não se terem logrado provar, por deverem então integrar o respectivo elenco de factos não demonstrados).
Não autoriza, assim, a lei que, em substituição deste concreto e claro ónus, a parte recorrente se limite a afirmar que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada determinada realidade global, sem o imediato reporte da mesma à prévia alegação das partes nos respectivos articulados (quando omitida na sentença recorrida), ou à concreta enunciação da matéria de facto fixada (quando precisamente contida na sentença recorrida).
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, foi isto mesmo que a Autora (AA) recorrente fez, isto é, em vez de reportar a sua eventual sindicância aos factos enunciados na sentença recorrida, limitou-se a afirmar o seu próprio entendimento sobre a valoração de toda a prova (nomeadamente pessoal) produzida e a defender a suficiência da mesma para o sucesso da sua pretensão reivindicatória, sem nunca identificar (referindo-os e individualizando-os) os concretos factos objecto de julgamento pelo Tribunal a quo que, por isso, impugnava.

Considera-se, assim, que a Autora (AA) recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC (conclusão distinta de saber se, a tê-lo feito, existiria fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo), desde logo porque não indicou nas suas alegações de recurso (corpo) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados.
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2.2.2.4.1.2. «Concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida» - «Indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes»
Concretizando novamente, verifica-se que a Autora (AA) indicou os concretos meios probatórios que infirmariam o juízo de prova do Tribunal a quo (nomeadamente, o teor das declarações prestadas por ela própria pelo Réu e dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, OO, NN e QQ).
Verifica-se ainda que, tendo a prova pessoal sido gravada, a Autora (AA), não só indicou as exactas passagens da gravação das declarações e dos depoimentos selecionados para a sua sindicância, como inclusivamente as transcreveu [12].

Contudo, quer a indicação dos concretos meios probatórios selecionados para fundamentarem a sua sindicância, quer a indicação das exactas passagens da gravação da prova pessoal por si eleita para o mesmo efeito, foi feita de forma global face ao seu igualmente global juízo probatório, e não, como lhe era imposto, de forma individualizada, relativa a cada facto (ou núcleo de factos pertinentes à mesma realidade) julgado pelo Tribunal a quo.
Dito de outra forma, a Autora (AA) recorrente teria que ter reportado cada uma das referidas declarações e cada um dos referidos depoimentos aos diferentes e múltiplos factos impugnados, ou demonstrar/justificar que cada um deles suportaria a impugnação de todos e qualquer um daqueles factos, o que sempre exigiria a concreta dilucidação do seu teor face a cada facto impugnado.
Recorda-se, a propósito, que «a impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão». Compreende-se, por isso, que se defenda que se «a recorrente identificou os pontos de facto que considera mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, mas limitou-se a indicar os depoimentos prestados e os documentos que listou, sem fazer a referência indispensável àqueles pontos de facto, especificando que concretos meios de prova impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado», incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC (Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, com bold apócrifo).
Aceita-se que assim seja, já que a «delimitação [do objecto do recurso] tem de ser concreta e específica e o recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco». Por isso, e de novo, se a «recorrente (…) não especifica os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar» incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC (Ac. da RG, de 24.01.2019, Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha, Processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1).
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não foi isto que a Autora (AA) recorrente fez, isto é, deixou absolutamente omisso no seu recurso (nomeadamente, no corpo respectivo) o reporte dos concretos meios de prova que selecionou para a sua sindicância, bem como a indicação das concretas passagens da gravação da prova pessoal em causa, a cada um dos factos (ou núcleo de factos reportados à mesma realidade) julgado pelo Tribunal a quo.

Considera-se, assim, que a Autora (AA) recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, desde logo porque não indicou nas suas alegações de recurso (corpo) os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, e as concretas passagens da gravação da prova pessoal que selecionou para o efeito, sobre cada um dos pontos da matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo e por si pretendidos impugnar.
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2.2.2.4.1.3. «Decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas»
Concretizando uma vez mais, verifica-se que a Autora (AA) recorrente também não indicou nas suas alegações de recurso a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, isto é, a concreta redacção da nova factualidade que pretenderia ver fixada, quer no elenco dos factos provados, quer simultaneamente no elenco dos factos não provados.
Por outras palavras, quando na lei se afirma que, «sob pena de rejeição», «deve o recorrente obrigatoriamente especificar (…) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», exige-lhe que enuncie os factos que, no seu entender, terão resultado da produção de prova, com a concreta redacção/formulação que deverão ter.
Não autoriza, assim, a lei que, em substituição deste concreto e claro ónus, a parte recorrente se limite, genérica e abstractamente, a afirmar que o Tribunal ad quem deverá dar como provada determinada realidade, já que este só se poderá servir para esse efeito do que previamente haja sido alegado pelas partes nos respectivos articulados, ou haja resultado da instrução da causa, nos termos autorizados pelo art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC; e esse controlo pressupõe a prévia indicação dos preciso termos da alteração alternativa pretendida.
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, foi isto mesmo que a Autora (AA) recorrente fez, isto é, em vez de especificar a redacção dos (novos) factos que, em seu entender, resultariam do seu recurso sobre a matéria de facto, limitou-se a agir conforme descrito antes.

Considera-se, assim, que a Autora (AA) recorrente não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, desde logo porque não indicou nas suas alegações de recurso (nomeadamente, corpo) a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto que pretenderia impugnar.
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2.2.2.4.2. Incumprimento do ónus de conclusão
. «Conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão»
Concretizando derradeiramente, e mesmo que a Autora (AA) recorrente, no corpo das suas alegações, tivesse indicado, por reporte ao elenco de factos fixados na sentença recorrida, os concretos factos que considerava incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, quanto a cada um deles, imporia uma decisão diferente, e a decisão que, em seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, certo é que, e ainda assim, não teria cumprido o ónus de conclusão que igualmente lhe estava cometido.
Com efeito, omitiu por completo a indicação dos concretos pontos de facto que considerava incorrectamente provados nas conclusões finais do seu recurso.
Ora, e conforme se referiu supra (face nomeadamente ao disposto no art.º 635.º, n.º 4, e no art.º 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do CPC, mas na esteira do já anteriormente defendido a propósito do CPC de 1961), entende-se que as «conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem» (Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, com bold apócrifo).
Logo, e independentemente do que o recorrente tenha antes expendido (em sede de corpo de alegações de recurso), terão as mesmas que conter a indicação precisa de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, já que só assim «verdadeiramente [se] permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto» (Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1) [13].

Considera-se, assim, que a Autora (AA) recorrente não cumpriu o ónus de conclusão que lhe estava cometido, porque não indicou nas conclusões das suas alegações de recurso os concretos factos que pretenderia impugnar.
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2.2.2.4.3. Consequência (do incumprimento dos ónus de impugnação e de conclusão)
Ora, não tendo a Recorrente (Autora) cumprido o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, e não cabendo aqui proferir qualquer despacho de aperfeiçoamento com vista a suprir a sua omissão, sempre teria o respectivo e eventual recurso sobre a matéria de facto que ser rejeitado.
Contudo, não tendo igualmente cumprido o respectivo ónus de conclusão, nem mesmo se pode afirmar que haja recorrido quanto à decisão de facto.

Mostra-se, por isso, definitivamente assente a matéria de facto que foi apurada pelo Tribunal a quo.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, e «com interesse para a decisão da causa», resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - de forma lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [14] -, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas - próprias apenas dos articulados [15] -, e reidentificados):

1 - Em meados da década de 90, CC (aqui Ré) tinha começado a construir a sua casa de habitação, ao lado da sua irmã MM e do seu cunhado FF, numa parte do terreno que fazia parte da quinta de seus pais (DD e LL).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 7)

2 - Com vista à legalização da construção e para logradouro, a Ré (CC) e o marido, TT (aqui Réu), pretenderam adquirir o restante terreno que se estendia, ao longo da estrada, para poente até ao confrontante GG.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8)

3 - O terreno referido no facto provado anterior confrontava a sul parcialmente com prédio do vendedor, onde existia um caminho de acesso a outros prédios rústicos, estando delimitado nesta confrontação por uma borda com uma altura de cerca de 4 metros.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9)

4 - Em 22 de Janeiro de 2003, por declaração assinada pelo então proprietário, DD, foi requerida a participação do prédio rústico, denominado de "Quinta ...", com a área de 800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...97 ..., então omisso à matriz (que corresponderia aos artigos ...60 e ...66 da antiga matriz), e com as seguintes confrontações: a norte, com caminho público; a sul, com EE; a nascente, com FF; e a poente, com EE e GG.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

5 - Em 27 de Fevereiro de 2003, por escritura pública de compra e venda, CC (aqui Ré) adquiriu a seus pais, DD e LL, com o consentimento dos demais irmãos, um prédio rústico, denominado de "Quinta ...", com a área de 800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...97 ..., então omisso à matriz (que corresponderia aos artigos ...60 e ...66 da antiga matriz), com junção da declaração para sua inscrição.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 4)

6 - O prédio referido no facto provado anterior encontra-se registado a favor dos Réus (BB e mulher, CC), pela Ap. ...03, descrito originalmente como prédio rústico Quinta ..., sito no Lugar ..., com confrontações a norte, sul e nascente com caminhos, e a poente com ... e ..., com 800 m2, desanexado do n.º .... 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

7 - Os Réus (BB e mulher, CC), que se encontravam na ..., autorizaram que os vendedores, pais e sogros, continuassem a agricultar o terreno e a explorar umas videiras no mesmo existente, até quando pretendessem.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 10)

8 - Até sensivelmente 2010, os pais e sogros dos Réus (BB e mulher, CC) continuaram a agricultar o terreno que venderam à filha CC e a explorar as videiras no mesmo existente; após aquela data, continuaram apenas a tratar das videiras; e em 2015 deixaram também de o fazer, por razões de saúde.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 11)

9 - Quando vinham da ..., nas férias, os Réus (BB e mulher, CC) também tratavam do terreno que adquiriram em 27 de Fevereiro de 2003, procedendo à sua limpeza, fazendo nele pequenos arranjos que fossem necessários, e ajudando os pais e sogros na agricultura.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 12)

10 - Em 20 de Maio de 2016, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de HH, sito em ..., DD e LL declararam doar à neta, AA (aqui Autora), que àqueles declarou aceitar, o prédio rústico denominado "..., ..., ..., ...", descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04, da freguesia ..., aí indicado como tendo 2045,5 m2, confrontando a norte com caminho, a sul com JJ e caminho, a nascente com DD e a poente com GG, resultante da anexação do prédio n.º ...41 e parte dos ... e ...36 (além de outros dois prédios urbanos, descritos sob os n.ºs ...89 e ...90).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3)

11 - O prédio rústico referido no facto provado anterior encontra-se inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...18 (antigo 171 da matriz), da união de freguesias ... e ... (...), do concelho ..., como prédio de cultura arvense de regadio, mata de carvalhos e bardo, localizado/denominado ..., com 2.200 m2, confrontando a norte com caminho, a sul e poente com EE e a Nascente com parte urbana do proprietário.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

12 - O prédio rústico referido nos dois factos provados anteriores encontra-se registado a favor da Autora (AA).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

13 - Em meados de Julho 2016, o terreno adquirido pelos Réus (BB e mulher, CC) em 27 de Fevereiro de 2003 estava sem aproveitamento, coberto de codessos e ervas; e aqueles mandaram proceder à sua limpeza e terraplanagem, nivelando-o.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 13)

14 - Em meados de Julho 2016, os Réus (BB e mulher, CC) procederam a um levantamento topográfico do terreno que tinham adquirido em 27 de Fevereiro de 2003, apurando (nas mesmas confrontações do prédio que lhes tinha sido vendido) uma área de 1.099 m2. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 14)

15 - Em meados de Julho de 2017, regressados da ..., os Réus (BB e mulher, CC) constataram que na extrema poente do terreno que tinham adquirido em 27 de Fevereiro de 2003 se encontravam implantados uns pequenos esteios, ligados por arames; e foram  então informados que os mesmos teriam sido colocados pelo pai e sogro, com o objectivo de demarcar, da restante área do terreno, uma parcela com a área de cerca de 200 m2.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 15)

16 - A colocação dos pequenos esteios, ligados por arames, referida no facto provado anterior foi feita na ausência dos Réus (BB e mulher, CC), e sem a sua concordância.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 16)

17 - O Réu (BB) remeteu ao sogro uma carta, datada de 27 de Julho de 2017, interpelando-o a retirar e a remover os referidos esteios (vigas) colocados e a repor a situação tal qual ela se encontrava antes.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 17)

18 - O sogro do Réu (BB) respondeu à carta referida no facto provado anterior dizendo que não era proprietário de qualquer imóvel, e referindo-se a um levantamento topográfico (com vista a delimitar as confrontações dos terrenos por ele vendidos), contratado pela sua neta, aqui Autora (AA).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 18)

19 - Em Dezembro de 2018, o Réu (BB) cortou os fios e esteios referidos nos factos provados anteriores, o que motivou, nessa altura, a apresentação pela Autora (AA) de uma queixa-crime pela introdução em lugar vedado ao público e de dano, que foi arquivada.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 19)

20 - Em Setembro de 2019, os Réus (BB e mulher, CC) edificaram um muro com rede, vedando o prédio pelo lado do caminho público (Beco ...) e do confronto poente com GG.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 20)

21 - Em Setembro de 2019, os Réus (BB e mulher, CC) colocaram ainda um portão, como acesso ao caminho público, na extrema norte do terreno referido. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 21)

22 - A Autora (AA) não deu autorização para tal construção, encontrando-se impedida de aceder ao terreno, não podendo colher os seus frutos e rendimentos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 23)

23 - Em Setembro de 2019, os Réus (BB e mulher, CC) acordaram com a Junta de Freguesia acertar a confrontação do terreno referido com o caminho público, pelo que, efetuado novo levantamento, foi a área do prédio medida em 1.052 m2.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 22)

24 - Os Réus (BB e mulher, CC) não obstante interpelados, não desocuparam o terreno, continuando a habitar a casa e a cultivar e tratar do restante terreno que lhe serve de logradouro, e que lhe é contíguo.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 24)

25 - Os Réus (BB e mulher, CC) agem da forma descrita no facto provado anterior, e sempre agiram, por si e antepossuidores, há mais de trinta anos, pública, contínua e ininterruptamente, à vista com o conhecimento de toda agente, sem oposição de ninguém, e na firme convicção de serem seus donos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25)

26 - Os Réus (BB e mulher, CC) actualizaram a matriz do terreno referido nos factos provados anteriores, constando agora da inscrição sob o artigo ...85, como prédio Urbano, destinado a habitação composto por uma habitação, de dois pisos, com a área total de 1.052 m2, sito no Beco ..., da união de freguesias ..., ... (...), do concelho ....
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 26)
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3.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou ainda que, «não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa, sendo que não resultou provado que»: 

1.º § - O prédio doado à Autora (AA), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04, da freguesia ..., e registado a seu favor, seja o que foi vedado pelos Réus (BB e mulher, CC).

2.º § -  Depois da venda do prédio aos Réus (BB e mulher, CC), os vendedores continuaram a pagar contribuições e impostos por aquela parcela.

3.º § -  A Autora (AA) e antepossuidores têm vindo, desde 2003, a ocupar aquela parcela de terreno vedada pelos Réus (BB e mulher, CC), como sua, convictos de que são proprietários e assim sendo tratados por todos, sem oposição.

4.º § -  A Autora (AA) pretendia arrendar o referido prédio, retirando rendimento de cerca de € 2.000,00 anuais.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Vícios da decisão de mérito - Nulidade da sentença
4.1.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [16].
Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação [17] - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo) [18].
Outros há, porém, que, concordando em princípio com esta posição, não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013 (e ao contrário do que sucedia com o anterior, de 1961) conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito [19].
Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar [20], desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
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4.1.2. Nulidades da sentença - Omissão de fundamentação
4.1.2.1. Dever de fundamentação
Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art.º 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4, do mesmo art.º 607.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados a presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5, do mesmo art.º 607.º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo porém aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».

Reafirma-se, assim, em sede de sentença, a obrigação imposta pelo art.º 154.º, do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art.º 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art.º 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [21].
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. «A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1).
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4.1.2.2. Fundamentação de facto
Precisando, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza). 
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.
Com efeito, «livre apreciação da prova» (art.º 607.º, n.º 5, do CPC) não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1.ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 591, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que se afirme que este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
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4.1.2.3. Fundamentação de direito

De seguida, e do mesmo modo, o art.º 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.
Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art.º 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666).
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4.1.2.4. Omissão de fundamentação - Nulidade

Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados -, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [22].
Com efeito, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (José Alberto dos Réis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 140).
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1).

Reitera-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma [23].
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio a Autora (AA) recorrente arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, «porquanto, como se constata da análise da Sentença outrora proferida, apesar de os depoimentos serem divergentes, não consta quais os depoimentos/trechos que aquele considerou serem importantes para a tomada de decisão»; e,  «além da falta dos trechos que deveriam constar na Sentença, esta também é parca em fundamentação, quer de facto, quer de direito, não se justificando devidamente o porquê de tal decisão».
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Dir-se-á que, compulsada a sentença recorrida, nomeadamente a respectiva parte «Fundamentação de facto», resulta da mesma que o Tribunal a quo enunciou 26 factos provados e 04 factos não provados.
Dir-se-á ainda que, no recurso que dela interpôs (nomeadamente, na impugnação da decisão de facto que pretendeu fazer), a Autora (AA) não denunciou a omissão em tais elencos de factos essenciais para a decisão da causa, previamente alegados pelas partes.
Logo, e ao contrário do genérica e conclusivamente alegado pela Autora (AA), a sentença proferida pelo Tribunal a quo mostra-se fundamentada de facto.
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Prosseguindo, e compulsada agora a parte «Motivação» da mesma sentença, dela resulta que o Tribunal a quo analisou a prova documental e pessoal produzida, exarando em 07 páginas o conteúdo que teve por relevante de uma e outra; e que o fez criticamente, nomeadamente enfatizando as suas contradições ou as suas recíprocas confirmações, nestas alicerçando o seu juízo probatório em benefício da tese dos Réus (BB e mulher, CC) e naquelas alicerçando a falência da prova pretendida produzir em benefício da tese da Autora (AA), tudo conforme exarado nos antecedentes elencos de factos provados e de factos não provados.
Ora, e independentemente de se poder discutir a suficiência e/ou a bondade de uma tal fundamentação para alicerçar o concreto juízo probatório do Tribunal a quo, não é verdade que dela não constem «quais os depoimentos/trechos que aquele considerou serem importantes para a tomada de decisão».
Reitera-se, a propósito, que saber se a prova produzida seria insuficiente ou inidónea para fundamentar o juízo decisório do Tribunal a quo (permitindo a revogação da sua decisão, por errado julgamento efectuado), seria questão a apreciar em sede de recurso sobre a matéria de facto julgada (se o mesmo tivesse sido validamente interposto), mas não comina de nula a respectiva sentença.
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Dir-se-á, ainda, que compulsada a parte «Fundamentação de direito» da sentença recorrida, dela resulta que o Tribunal a quo indicou e interpretou as normais legais aplicáveis à acção de reivindicação submetida à sua apreciação, citando ainda doutrina pertinente; e procedeu depois à subsunção dos factos provados às ditas normas, tudo exarando em 03 páginas.
Enfatiza-se que, no recurso em análise, pese embora a Autora (AA) afirme que a sentença recorrida «é parca em fundamentação, quer de facto, quer de direito, não se justificando devidamente o porquê de tal decisão», certo é que não sindicou ter existido erro «na determinação da norma aplicável», ou na forma como deveria «ter sido interpretada e aplicada» (conforme art.º 639.º, n.º 2, do CPC). 
Logo, e ao contrário do genérica e conclusivamente alegado pela Autora (AA), a sentença proferida pelo Tribunal a quo mostra-se fundamentada de direito.
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Dir-se-á, por fim, que só uma falta absoluta de fundamentação (de facto e/ou de direito), cominaria de nula a decisão recorrida.
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Improcede, assim, o único fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por falta de fundamentação, de facto - incluindo a apreciação crítica da prova - e/ou de direito).
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Sendo este igualmente o único fundamento do recurso interposto pela Autora (AA) recorrente (isto é, não tendo ela sindicado igualmente a aplicação do Direito aos factos apurados), não pode o mesmo deixar de improceder na sua totalidade.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (AA) recorrente e, em consequência, em

· Confirmar a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pela Recorrente (conforme art.º 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 08 de Maio de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.


[1] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[2] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso». 
[3] Reafirmando hoje este entendimento, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, págs. 172 e 173, onde se lê que, «expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão».
[4] No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, págs. 762, nota 3, quando afirmam que «objeto do recurso é integrado pelas respectivas conclusões», sem prejuízo das «questões de conhecimento oficioso relativamente às quais existam elementos que possam ser apreciados» (o que reafirmam a pág. 767, nota 4, e a pág. 770, nota 3, da mesma obra).
[5]  Não podem, por isso, valer como conclusões «arrazoados longos e confusos, em que se não discriminem com facilidade as questões postas e os fundamentos invocados» (Professor Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 361.
No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 06.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 373/06.1TBARC-A.P1.S1, que inclusivamente apelida o ónus em causa como «ónus de concisão».
[6] No mesmo sentido, Rui Pinto, Notas Ao Código De Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 142, nota 4.
[7] Aparentemente no mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, quando a pág. 768, nota 6, reservam o despacho de aperfeiçoamento ao recurso «em matéria de direito»; e quando a pág. 720, nota 2, referem - sem qualquer crítica, ou afastamento - que, segundo «a jurisprudência largamente maioritária, não existe relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento». Fazem, porém, notar que esta solução, «em vez de autorizar uma aplicação excessivamente rigorista da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada».
Na jurisprudência mais recente, veja-se o Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2, onde se lê que, relativamente «ao recurso da decisão da matéria de facto, está vedada ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento, na medida em que, em matéria de recursos, o artigo 652º, nº1, al. a), do Código de Processo Civil, limita essa possibilidade às “conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º”».
[8] Serão, por exemplo, os casos em que o recorrente, enunciando os pontos de facto que pretende impugnar, é porém omisso quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida (Ac. da RP, de 10.07.2013, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 391/11.8TBCHV.P1), ou não cumpre os ónus secundários do n.º 2 do art.º 640.º do CPC, designadamente, de exacta indicação das passagens da gravação (Ac. do STJ, de 22.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 26.11.2015, António Leones Dantas, Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1).
[9] Neste sentido: Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1; Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º  2180/09.0TTLSB.L1.S2; Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1; Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1; Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1; Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1; Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14; ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2.
[10] O AUJ nº 12/2023 (de 17.10.2023, Ana Resende, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1), foi publicado no DR-220/2023, SÉRIE I, de 14 de Novembro de 2023.
[11] Contudo, em sentido contrário, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo n.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1, onde se lê que a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação.
[12] Precisa-se que, sem o cumprimento deste particular ónus de impugnação, não poderá a prova pessoal (na sua globalidade) ser reponderada em sede de recurso.
De outro modo, estar-se-ia a obrigar o Tribunal de recurso a proceder a uma nova e global avalização da prova pessoal produzida, já que só pela audição integral dos depoimentos seleccionados (alguns, ou mesmo todos) poderia confirmar ou infirmar a sua idoneidade para alterar a decisão de facto do Tribunal a quo, bem como a exactidão ou falta dela das parcelares transcrições que tivessem merecido.
Acresce que esta exigência, expressa e inequivocamente imposta por lei, também não redunda num ónus excessivo para o recorrente, que precisamente para o efeito dispõe de uma majoração de dez dias para interposição do seu recurso, face àquele outro em que não impugne a matéria de facto (art.º 638.º, n.º 1 e n.º 7, do CPC).
[13] Neste sentido se vem, reiterada e coerentemente, pronunciando a jurisprudência (à luz do anterior, e do actual, CPC), conforme (e para além dos citados antes):
. Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leonel Dantas, Processo nº 2180/09.0TTLSB.L1.S2 - «I - As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código. II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações. III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados».
. Ac. do STJ, de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1 - «II - Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada»;
. Ac. do STJ, de 26.11.2015, Leonel Dantas, Processo nº 291/12.4TTLRA.C1.S - «III - Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados»;
. Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1.S1 - «II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.. IV - Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados»;
. Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12.8TUGMR.G1.S1 - «Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna»;
. Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1 - «I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso».
[14] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[15] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[16] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[17] Entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664).
[18] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[19] Neste sentido, de eventual não distinção dos vícios que afectam a elaboração da decisão de facto das nulidades da sentença, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 733 e 734, onde se lê que «atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 608 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação».
[20] «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
[21] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348.
[22] No mesmo sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, pág. 141.
Por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
Contudo, e para este autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a falta da segunda (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme). 
[23] Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277.