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PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE PAGAMENTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário
I - As “razões objectivas” de diferenciação hão-de constar, no caso, do acordo de pagamento. II - Constitui violação não negligenciável do disposto no art.º 194º do CIRE, aplicável ao PEAP ex vi n.º 5 do art.º 222º F do CIRE, o acordo de pagamento em que: - por um lado: a) os créditos bancários comuns (que totalizam € 30.469,38) são pagos na totalidade – capital, juros vencidos, vincendos e despesas; b) os créditos de outros credores que não são entidades bancárias também eles comuns (que totalizam € 156.615,12), são reduzidos a 50% do capital com perdão dos juros vencidos, vincendos e despesas; - por outro lado: i) um crédito bancário comum sob condição suspensiva é pago nos termos estipulados no contrato de crédito respectivo, que se desconhece por não ter sido junto aos autos; ii) outro crédito bancário comum é pago nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento; iii) os juros vencidos de outro crédito bancário comum são pagos nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo e o pagamento capital e dos juros vincendos no prazo de 4 anos, com carácter mensal, igual e sucessivo, sendo o valor do capital acrescido de juros à taxa de 4%, com inicio nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo; iv) quanto aos credores que não são entidades bancárias, o pagamento da restante parte do capital (50%) inicia-se apenas 12 meses após ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo e é efectuado durante 6 anos (seis) e com carácter anual, igual e sucessivo. - e não constam do acordo as razões objectivas para as referidas discriminações (negativas) dos créditos cujos credores não são entidades bancárias
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório
AA e BB instauraram Processo Especial para Acordo de Pagamento (doravante PEAP) alegando encontrar-se em situação económica difícil e declarando pretender estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes um acordo de pagamento, passível de ser cumprido pelos mesmos.
Foi proferido despacho que nos termos do n.º 4 do art.º 222º C nomeou administrador judicial provisório.
O Sr. AJP juntou a Lista Provisória de Créditos nos termos do disposto no art.º 222º D n.º 2 in fine e 3 do CIRE, onde constam os seguintes créditos:
Credor
Fundamento
Valor
Natureza/
Garantias/
Privilégios/Condições
1
CC
Mútuo
€ 20.000,00
Comum
2
EMP01... Ldª
Mútuo
€ 25.000,00
Comum
3
DD
Mútuo
€ 23.368,71
Comum
4
EE e mulher
FF
Sentença
€ 56.246,41
Comum
5
Banco 1..., S.A
Cartão de crédito
€ 4 987,34
Comum
6
Banco 2..., S.A.
Crédito automóvel
€ 25 454,01
Comum (condição suspensiva)
7
Banco 2..., S.A.
Crédito
€ 38 278,74
Hipoteca
8
Banco 2..., S.A.
Crédito
€ 21 074,68
Hipoteca
9
Banco 2..., S.A.
Crédito pessoal
€ 20 200,19
Comum
10
Banco 2..., S.A.
Crédito
€ 7.000,00
Comum (condição suspensiva)
11
Banco 2..., S.A.
Cartões de crédito
€ 28,03
Comum
12
GG
Mútuo
€ 19.000,00
Comum
13
HH
Mútuo
€ 13.000,00
Comum
O Sr. AJP e os requerentes juntaram declaração nos termos do disposto do n.º 5 do art. 222.º-D do CIRE – prorrogação das negociações por um mês.
Foi junto “Plano de pagamento” que, no que releva ao recurso, tem o seguinte teor: “(…) VI - CONTEÚDO DO PLANO O presente PEAP deve indicar claramente as alterações deles decorrentes para as posições jurídicas dos credores dos devedores. Os credores registarão as seguintes alterações: 1- Créditos Bancários A) Garantidos e Comuns sob condição (Banco 2..., S.A.) (nºs 7, 8, 6 e 10 da lista definitiva de credores) Continuidade dos pagamentos nos termos previstos nas cláusulas dos contratos de crédito correntes, sendo que, os créditos sob condição suspensiva só se converterão em créditos definitivos quando se verificar o incumprimento ou a condição, sendo pagos na forma estipulada nos contratos de crédito respetivos. B) Créditos comuns (Banco 2..., S.A.) (nºs 9 e 11 da lista definitiva de credores) 1. Pagamento da totalidade do crédito designado na lista como n.º 11, nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano. 2. Pagamento do crédito descrito na lista como n.º 9, de 100% do capital em dívida, acrescido dos juros vencidos e vincendos e de outras despesas existentes à data do trânsito em julgado da sentença homologatória. 3. O pagamento dos juros vencidos será efetuado da seguinte forma: nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano. 4. O pagamento do capital e dos juros vincendos será efetuado da seguinte forma: durante o prazo de 4 (quatro) anos e com carácter mensal, igual e sucessivo, o valor do capital acrescido de juros à taxa legal de 4%, com início nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, sem novação da dívida e salvo cláusula de melhor fortuna. C) Créditos comuns (Banco 1..., S.A.) (n.º 5 da lista definitiva de credores) 1. Pagamento do crédito descrito na lista como n.º 5, de 100% do capital em dívida, acrescido dos juros vencidos e vincendos e de outras despesas existentes à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano. 2. O pagamento dos juros vencidos será efetuado da seguinte forma: nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano. 3. O pagamento do capital e dos juros vincendos será efetuado da seguinte forma: durante o prazo de 4 (quatro) anos e com carácter mensal, igual e sucessivo, o valor do capital acrescido de juros à taxa legal de 4%, com início nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano, sem novação da dívida e salvo cláusula de melhor fortuna. 2— Créditos comuns (n.ºs 1, 2, 3, 4, 12 e 13 da lista definitiva de credores) Plano de regularização: pagamento de 50% do capital em dívida, com perdão total dos juros de mora vencidos, vincendos e de outras despesas existentes à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano. O pagamento será efetuado da seguinte forma: durante o prazo de 6 (seis) anos e com carácter anual, igual e sucessivo, o credor receberá dos devedores a respetiva quantia prestacíonal. O início do pagamento, ocorrerá decorridos 12 (doze) meses de carência, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, sem novação da dívida e salvo cláusula de melhor fortuna.
VII − A INDICAÇÃO DOS PRECEITOS LEGAIS DERROGADOS E ÂMBITO DESSA DERROGAÇÃO IGUALDADE ENTRE CREDORES O presente PEAP obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas (n.º 1 do art.º 194.º do CIRE). (…) PRECEITOS LEGAIS DERROGADOS E RESPETIVO ÂMBITO A aprovação do presente Plano implica a derrogação do princípio da igualdade (art.º 194.º do CIRE) no caso identificado e justificado supra. A aprovação do presente plano equivale à declaração de aceitação dos credores garantidos, quanto à forma de liquidação dos respetivos créditos, bem como quanto às justificações apresentadas para a sua diferenciação, nos termos previstos no nº 2 do art.º 194º do CIRE. O princípio da igualdade dos credores impõe que sejam tratados de forma igual os credores que se encontrem em idênticas situações, não colidindo com o referido princípio o tratamento diversificado que é dado a diversos credores, em função da diferente categoria e natureza dos respetivos créditos e quaisquer outras razões objetivas que o justifiquem. No caso concreto, os créditos são fácil e objetivamente distribuídos em três categorias distintas, pelo que não se vislumbra qualquer diferenciação de credores em idênticas circunstâncias: Créditos bancários (Garantidos e comuns) / Instituições Financeiras − trata−se de créditos garantidos, pelo que não só se justifica a diferenciação desde logo pela natureza do crédito, como a execução das garantias que seria prejudicial para os devedores. Com efeito, os créditos bancários encontram−se garantidos por bens imóveis e avais pessoais, cuja execução impossibilitaria a estabilidade da atividade dos devedores e do cumprimento do plano. Créditos comuns − tratando−se de créditos comuns e sendo a colaboração destes credores essencial à manutenção da atividade dos devedores, a proposta apresentada garante o cumprimento das obrigações contraídas. Com efeito, com o Plano apresentado, há um absoluto respeito pelo princípio da igualdade: trata−se de forma igual o que é igual e de forma desigual aquilo que é desigual. Ainda quanto ao princípio da igualdade: 1. Em primeiro lugar, do total de dívida reconhecida, apenas um valor percentual diminuto respeita a valores devidos a créditos comuns. 2. Em segundo lugar, a diferenciação estabelecida decorre também da própria origem dos créditos em causa, visto que os créditos bancários resultam de relações creditícias que, ab initio, são enquadradas como de médio− longo prazo, ao passo que os restantes créditos, aquando do estabelecimento das respetivas relações comerciais, não foram sequer pensados como relações creditícias ou, pelo menos, nunca como relações de médio−longo prazo mas sim, ao invés, como de pronto pagamento ou de curto prazo para o efeito. De facto, a génese das relações aqui em confronto são objetivamente distintas, uma vez que a razão da sua existência, a finalidade pela qual são contraídos e a origem que lhes subjazem são manifestamente diferentes. Acresce ao exposto que, em total concordância com a diferenciação proposta, que se baseia na origem e finalidade dos créditos contraídos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 13 de outubro de 2016, proferido no Processo n˚ E47/1E.6T8VNF.G1, veio esclarecer que “Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/3/1E (in www.dgsi.pt), um fundamento objetivo− porventura o mais claro − de diferenciação dos credores é a distinta classificação dos créditos da insolvência, designadamente a que os separa em comuns e privilegiados ou garantidos. Outra razão objetiva, razoável, suscetível de justificar diferença de tratamento, é, por exemplo, a fonte dos diversos créditos ou a finalidade visada com a contração de um e de outros. Realmente parece razoável tratar de forma diferente o crédito contraído para aquisição de habitação e o crédito assumido para aquisição de bens de consumo. Outro motivo objetivo de diferenciação é, por exemplo, o valor dos créditos que, v.g., pode justificar prazos diferenciados para o seu pagamento. Assim, por exemplo, a jurisprudência vem reconhecendo a admissibilidade de planos de recuperação nos quais, estando a essência o património do devedor onerado com uma garantia real (v.g imóvel/hipoteca) o crédito em função da qual ela foi estabelecida tem um tratamento claramente mais favorável do que os demais créditos simplesmente comuns (v. p. ex. Ac. do TRL de 23−1−2014 in www.dgsi.pt). Deste modo, o princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, impondo antes que situações objetivamente diferentes sejam tratadas de modo diferente”. Por fim, de forma mais genérica, sublinhe−se que para lá dos motivos supra invocados, as derrogações acima identificadas mostram−se objetivamente justificadas em função da nova configuração que o legislador trouxe aos Planos de Recuperação com a redação dada pela Lei n.˚ 16/2012, de 20 de abril, que procedendo à sexta alteração ao CIRE, passou a privilegiar o objetivo da recuperação ou revitalização do devedor. Neste sentido, veja− se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2E de março de 2014, no Processo 6148/12.1TBBRG.G1.S1− 6.^ Secção, que esclareceu que “Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao coletivo− se este se situar num patamar material e fundadamente superior, em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua á sua relevância pública. Conclusão: O plano apresentado assenta nas premissas avançadas pelos requerentes que se resumem no texto supra apresentado. Nos termos ora apresentados para a restruturação da dívida, os requerentes apresentam no final do período analisado condições para liquidar os créditos aos credores. Com a aprovação deste plano de pagamentos, os requerentes terão condições para continuar a cumprir com a suas obrigações perante os seus credores, bem como salvaguardar a sua subsistência e do seu agregado familiar. Face a estes termos, os requerentes entendem que a aprovação do presente plano se tornará proveitoso para todas as partes envolvidas. Face ao que precede, por um lado, a situação dos credores comuns ao abrigo do Plano de Pagamentos é mais favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer Plano, em cenário de liquidação.”
O Sr. AJP veio dizer que quatro dos créditos do Banco 2..., SA são sob condição suspensiva e requerer que o tribunal fixasse a percentagem de voto dos mesmos.
Notificado, o Banco 2..., SA veio requerer que lhe seja fixado o direito de voto pelos créditos reclamados sob condição no mínimo em 50%.
Foi proferido despacho que fixou o direito de voto do Banco 2..., SA quanto aos créditos sob condição em 50%.
O Sr. AJP veio juntar o resultado da votação, informando que havia excluído da lista os créditos sob os n.ºs 9 e 10 relativos ao Banco 2..., SA, por já se encontrarem pagos e que o acordo de pagamento havia sido votado por 72,43% dos credores, tendo votado a favor 51,64%, votado contra 20,80% e abstido 27,57%, considerando o acordo aprovado.
Face à documentação junta pelo Sr. AJP resulta que a credora FF não votou o acordo de pagamento.
A credora FF veio dizer que tinha falecido o seu marido e no que releva e em síntese, que o acordo de pagamento viola o princípio da igualdade, invocando para tanto que dele não consta qualquer razão objectiva para o tratamento diferenciado relativamente ao pagamento dos créditos comuns, atendendo a que todos os créditos comuns, com excepção do crédito da requerente e do seu falecido marido, são provenientes de mútuos, requerendo que o mesmo não seja homologado.
Foi proferido despacho que considerou aprovado o acordo de pagamento.
A 02/01/2025 foi proferida decisão com o seguinte teor: “(…) No caso dos autos, concordamos com o entendimento expresso no requerimento apresentado pela credora FF de que há violação do princípio da igualdade, já que o plano de insolvência para os créditos comuns das instituições bancárias (créditos nºs 5, 9, 11 da lista definitiva de créditos) tem um tratamento não só mais favorável, mas muito mais favorável, do que os restantes créditos comuns, sem que para isso haja qualquer razão atendível. É que não só se prevê a satisfação integral dos créditos comuns do Banco 2... e Banco 1..., S.A. e respectivos juros, como prevê que tal pagamento seja feito 10 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, assim melhor garantindo a satisfação daqueles e face à redução dos restantes créditos comuns, que vêm uma redução de 50% do capital, perdão total dos juros e com moratória de um ano e pagamento diluído em 6 anos. Logo, há um maior sacrifício de alguns credores comuns, o que traduz um tratamento privilegiado sem uma justificação material da desigualdade, justificando-se assim a rejeição da sua homologação. Ocorreu uma “violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo”, pelo que o plano deve ser recusado.
*
Decisão: Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 222.º F, n.º 6 e do artigo 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decido recusar a homologação do Acordo de Pagamento, atenta a violação não negligenciável de norma procedimental.”
Inconformados vieram os requerentes interpor recurso da referida decisão, pedindo a sua revogação e substituição por outra de homologação do acordo, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Entendeu o Tribunal a quo, “ao abrigo do disposto no artº 222º-F, n.º 6 e do artigo 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, (…) recusar a homologação do Acordo de Pagamento, atenta a violação não negligenciável de norma procedimental. 2. Os Recorrentes não podem aceitar tal decisão e sua fundamentação, atentos os argumentos que infra se exporão. 3. “Violação não negligenciável é aquela que importa uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente titulados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação - cfr. Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina p. 474. (negrito nosso) 4. Importa referir que a decisão em crise “foi atrás” do erradamente alegado pela credora FF, no seu último requerimento. 5. Os créditos a que a referida credora se refere, tal como, aqueles a que o Tribunal a quo se reporta, são os créditos nºs 5, 9 e 11 da lista definitiva de créditos. 6. Estes três créditos são comuns, tal como resulta da Lista Provisória de Credores junta aos autos pelo Sr. AJP, não tendo sido mencionado em sítio algum, que os mesmos ou algum dos mesmos teriam a natureza de garantidos. 7. O crédito elencado sob o nº 9 (tal como o nº 10, mas que aqui não está em causa), foi excluído da lista de créditos, motivo pelo qual, da lista definitiva de credores, o mesmo é já inexistente. 8. Com isto, os créditos postos em causa serão somente os nºs 5 e 11, sendo que o crédito nº 5, é decorrente de um cartão de crédito, então requerido pelos devedores junto do Banco 1..., no valor de € 4.987,34 (tal como se mostra reconhecido) 9. e o crédito nº 11, é decorrente também de um cartão de crédito, então requerido igualmente pelos devedores junto do Banco 2..., na módica quantia de € 28,03 (tal como se mostra reconhecido). 10. Dito isto, e ainda que o tipo de credor destes dois créditos (nºs 5 e 11) sejam distintos dos demais credores comuns, pois que são originários da banca, será de considerar que o pagamento proposto em sede de PLANO do crédito nº 11, no valor de € 28,03, constitui uma violação não negligenciável? 11. O mesmo se diga relativamente ao crédito nº 5, em que o que fora proposto pelos recorrentes em sede de PLANO, foi que o pagamento do seu capital seria feito ao longo de 4 anos e somente os juros vencidos seriam liquidados nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença homologatória (contrariamente ao que consta da sentença em crise). 12. É caso para questionarmos onde está afinal a violação não negligenciável? 13. É do conhecimento geral, que a BANCA e ainda que o seu crédito seja comum, faça exigências aos devedores que os obrigue a negociar de determinada maneira, pois caso contrário, nunca se conseguiria negociar com a BANCA. 14. Todavia, tendo em consideração o valor dos créditos em discussão, ou seja, que serviram de base para a não homologação do PLANO, ascendem aos montantes de € 28,03 e € 4.987,34, respetivamente, correspondentes aos créditos nºs 11 e 5 da Lista Definitiva de Credores, 15. não se consegue descortinar onde está a lesão grave de valores ou interesses juridicamente titulados, uma vez que a lesão, precisa de ser de tal modo grave, que o Juiz tenha de recusar a homologação do plano e desse modo, inviabilizara recuperação/evitar a declaração de insolvência dos devedores. 16. “Para os efeitos previstos nos arts. 222º-F nº5 e 215º do CIRE apenas será não negligenciável a violação que se traduza numa lesão de tal modo grave dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente de tutela da posição dos credores e do devedor - que, em concreto, mesmo ponderando o interesse da recuperação/reequilíbrio financeiro do devedor, o juiz não possa deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação - cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-10-2022, Processo nº 28316/21.5T8LSB-A.L1. 17. Mas onde está afinal o favorecimento dos créditos comuns da banca, no caso em apreço? 18. Não podemos deixar passar o mencionado na decisão em crise relativamente ao crédito nº 5, em que a Meritíssima Juiz a quo – contrariamente ao que consta do Plano apresentado nos autos - considera que o seu pagamento ocorreria nos 10 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, 19. quando, o que efetivamente consta do Plano, é que “O pagamento do capital e dos juros vincendos será efetuado da seguinte forma: durante o prazo de 4 (quatro) anos e com carácter mensal, igual e sucessivo, o valor do capital acrescido de juros à taxa legal de 4%, com início nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, sem novação da dívida e salvo cláusula de melhor fortuna.” 20. A desigualdade apontada na decisão recorrida, não pode, como bem sabemos ser vista tal qual o fez o Tribunal a quo. 21. Desde logo, porque o que resulta do nº 1 do artº 194º do CIRE, é a consagração de forma mitigada da igualdade dos credores, de tal modo que se ressalvam exceções assentes em “diferenciações justificadas por razões objetivas”. 22. O princípio da igualdade, não implica, deste modo, um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente. 23. Aliás, segundo o argumento de que “a lei que permite o mais permite o menos” (a maiori ad minus) - se não existe violação do princípio da igualdade no tratamento de credor garantido e credor comum – desde que haja justificação objetiva para o efeito -, é caso para perguntarmos, no caso concreto, onde é que existe violação do princípio da igualdade? 24. Dito de outro modo, e tal como refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 18-10-2022, referente ao Processo nº 28316/21.5T8LSB- A.L1-“(…) O princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente.” 25. E estamos efetivamente perante situações diferentes, pois que, a não aceitação pelos devedores das imposições feitas da banca, poria certamente em causa a atividade do devedor AA, que sendo gerente comercial de um estabelecimento take away e cujo exercício depende em muito da banca, não podendo equacionar-se chegar ao ponto de deixar de poder contar com a mesma para dar continuidade à atividade que exerce e com a qual conta também para conseguir pagar a todos os seus credores, nos termos em que se propôs. 26. Em suma, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é manifestamente infundada, devendo, em consequência e pelas razões supra mencionadas, ser substituída por outra, designadamente, no sentido da homologação do acordo de pagamento. 27. Violou, deste modo, a decisão em crise, o preceituado no nº 5 do artº 222º-F e artº 215º, ambos do CIRE. 28. Nestes termos, deverá o presente recurso merecer procedência, devendo, em consequência, revogar-se a decisão proferida.
A credora FF contra-alegou tendo terminado as suas contra-alegações com as seguintes conclusões: a) Vêm os Devedores AA e BB interpor Recurso de Apelação contra a douta sentença proferida pelo tribunal a quo que decidiu “recusar a homologação do Acordo de Pagamento, atenta a violação não negligenciável de norma procedimental”, com subida nos próprios autos. b) E, quanto aos efeitos do recurso, terá efeito suspensivo “sob a pena de se tornar inútil – nos termos do disposto no artigo 14º do CIRE”. c) Ora salvo o devido respeito, o que prevê o artigo 14º CIRE, no seu nº. 5 in fine, é precisamente o seu EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO. d) O legislador fixou como regra: que no processo de insolvência, no processo especial de revitalização e PEAP os recursos têm efeito meramente devolutivo, devendo ser esse o efeito a atribuir ao recurso apresentado. e) DA FALTA DE FUNDAMENTO DO RECURSO - DO ACERTO DA DOUTA DECISÃO PROFERIDA: Alegam os Recorrentes não se verificar qualquer violação não negligenciável de norma procedimental, embora admitam o tratamento diferenciado entre os credores comuns nº. 5, 9 e 11 e os demais credores comuns, mas que não seria justificador da decisão de recusa de homologação, até porque e quanto ao crédito comum nº. 9, tendo os Devedores efetuado o seu pagamento antecipado não poderia ter constituído fundamento de recusa na sentença recorrida. f) Mister será dizer que, ao contrário do pretendido pelos Recorrentes, o que alegam vem reforçar o acerto da decisão recorrida. g) É que consultados os autos, somos forçados a concluir que o pagamento que alegam do crédito comum nº. 9 - €20.200,19 – Banco 2..., terá ocorrido entre ../../2024 data de apresentação do plano de pagamento e 02.08.2024 data em que o senhor AJP terá apresentado requerimento avulso e segundo requerimento com o resultado da votação. h) No plano junto aos autos em ../../2024 (e que foi sujeito e alvo de votação) previa o seu pagamento: 100% capital, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos e de outras despesas existentes, sendo que os juros vencidos e vincendos seriam pagos nos 10 dias subsequentes ao transito em julgado, e o capital durante 4 anos com caracter mensal, igual e sucessivo; i) No entanto, vêm agora admitir e querer tirar partido, em clara violação daquilo que estipularam no próprio plano, do princípio da igualdade entre credores bem como num claro e injustificado favorecimento de credores, e sem o conhecimento dos credores, de forma manifestamente reprovável, que afinal terão pago de forma antecipada e sem apresentarem qualquer razão justificativa, esse crédito comum na sua totalidade. j) O credor comum nº. 9 foi pago em circunstâncias ainda mais vantajosas que aquelas que foram previstas no próprio plano, sendo que já as previstas no próprio plano, no entender do tribunal a quo já justificavam uma recusa por violação não negligenciável das normas procedimentais – máxime violação do princípio da igualdade entre credores (e na humilde opinião da aqui Recorrida, suscetível de integrar inclusive a previsão do nº. 3 do artigo 194º do CIRE). k) Pelo que, e salvo devido respeito por melhor opinião, reveste gravidade tal que per si sempre obrigariam à recusa do plano.
SEM PRESCINDIR, e para o caso de assim não se entender o que não se concebe nem concede, sempre se dirá que, l) O plano apresentado pelos Devedores foi junto aos autos em ../../2024 e foi esse que foi submetido e sobre o qual ocorreu a votação, pelo que terá que ser sempre esse, salvo devido respeito por melhor opinião, que deve ser apreciado para efeitos de recusa ou homologação nos termos dos artigos 222º-F nº. 5 ex vi artigos 215º e 216º do CIRE, como fez e bem a douta sentença recorrida. m) Nenhuma alteração ao plano foi comunicada aos credores antes do exercício do seu direito de voto, nem a Recorrida foi notificada de tal facto. n) Atentemos, pois, ao conteúdo plano: Créditos bancários: Garantidos e Comuns sob condição (Banco 2... SA) (Nº. 7, 8, 6 e 10 da Lista Definitiva de Credores) - Continuidade dos pagamentos nos termos previstos nas cláusulas nos contratos de crédito correntes, sendo que, os créditos sob condição suspensiva só se converterão em créditos definitivos quando se verificar o incumprimento ou a condição, sendo pagos na forma estipulada no contrato de crédito respetivos; b) créditos comuns (Banco 2... SA - os créditos nº. 9 e 11 da Lista definitiva de credores: Pagamento da totalidade do crédito após o transito em julgado da homologação do plano – crédito nº. 11; Pagamento de 100% capital e juros vencidos e vincendos – crédito nº. 9; c) créditos comuns (Banco 1... SA - nº. 5 da lista definitiva de credores) 1. pagamento de 100% do capital em divida, acrescido de juros vencidos e vincendos;2. pagamento da totalidade dos juros vencidos de uma só vez após transito em julgado da sentença homologatória;3. pagamento do capital e juros vincendos: apenas durante 4 anos e de caracter mensal, igual e sucessivo; Já os demais credores comuns – provenientes igualmente de mútuos: pagamento de apenas 50% do capital;- com perdão total de juros vencidos e vincendos;- pagamento em 6 anos, com caracter apenas anual;- período de carência de 12 meses. o) Em suma, os credores garantidos e os credores comuns Banca, recebem 100%, juros de mora vencidos e vincendos e despesas, sem carência, mediante o sacrifício arbitrário imposto aos demais credores comuns de 50% do seu capital, sem juros ou despesas e com período de carência e a 6 anos com regularidade anual. p) A jurisprudência tem sido unânime: verifica-se violação do princípio da igualdade de credores, por configurar um tratamento mais desfavorável e discriminatório, quando num plano de revitalização sobre a reestruturação do passivo dos devedores, os credores bancários recebem a totalidade dos seus créditos e os demais credores comuns têm os seus créditos reduzidos a 50%. q) In casu, essa violação ainda é mais gravosa, pois fazem um tratamento mais desfavorável e discriminatório entre credores da mesma classe - comuns: os créditos referidos em b) e c) são todos eles comuns. r) Mister será ainda dizer, e no que a Recorrida diz respeito, conforme alegado no seu requerimento de oposição e pedido de não homologação, o plano apresentado sempre a colocaria em situação pior do que a inexistência de qualquer acordo, tendo em consideração que na ação executiva que se encontra em curso para pagamento coercivo – e identificada pelos Recorrentes na PI, se encontra penhorado um imóvel (onde da listagem junta aos autos com a PI é por demais evidente que satisfazem todos os créditos comuns e garantidos) – já na fase de venda (suspensa por via da pendência dos presentes autos de PEAP), com valor suficiente para satisfaria a totalidade do seu crédito e dos demais créditos comuns (sendo que os credores garantidos seriam ressarcidos por via das garantias de que beneficiam). s) Resulta da PI que os devedores são titulares de ativos/imóveis, pelo que nada justifica que os mantenham no seu património ao mesmo tempo que forçam o perdão de 50 % dos créditos de parte dos credores comuns, desvirtuando assim as finalidades do PEAP. t) O que sempre seria fundamento de recusa – a menor favorabilidade do plano para a Recorrida face ao que obteria na ausência de qualquer plano. u) Conforme se entendeu na douta sentença recorrida, à luz do princípio da igualdade material dos credores afirmado no n.º 1 do artigo 194.º do CIRE, a discriminação negativa dos créditos comuns APENAS seria admissível se fosse justificada por razões objetivas. v) Devendo essa justificação constar expressamente do acordo de pagamento, sob pena de, não o fazendo, a discriminação se ter por injustificada, pois na verdade não cabe ao juiz, no momento da homologação do acordo, entrar em suposições ou conjeturas sobre as razões do tratamento desigual. w) In casu, nada foi consignado no acordo de pagamento aprovado nesse sentido e saliente-se que, nas alegações do recurso, também não se faz qualquer referência a qualquer segmento do acordo de pagamento onde conste alguma justificação, pelo que é flagrante a ausência de justificação, e a consequente violação do princípio da igualdade material dos credores, afirmado no n.º 1 do art. 194.º do CIRE. x) Só agora em sede de alegações, os Recorrentes tentar suprir essa falta de justificação, alegando que o tratamento diferenciado entre os credores comuns nº. 5 e 11 dos demais credores comuns, quer quanto à percentagem de satisfação como prazos previstos para o efeito, não constitui qualquer violação não negligenciável de norma procedimental, por se tratar de Banca (com as suas exigências) e constituírem apenas os valores de €4.987,34 e €28,03 respetivamente. y) Salvo devido respeito, mas conforme a Recorrida já sustentou anteriormente, já o plano apresentado e sujeito a votação dos credores e que deve ser apreciado para efeitos de recusa e homologação é que foi junto aos autos em ../../2024, previa o pagamento do credor comum nº. 9 no valor de €20.200,19 do Banco 2..., de forma muito mais vantajosa do que os restantes credores comuns, em claro prejuízo destes, sendo que o tratamento que os Recorrentes deram a esse plano ainda mais vantajoso foi – pagamento antecipado, de uma só vez, a 100%, pelo que ainda agiram de forma mais discricionária e arbitrária e injustificada. z) Mais alegam, que a sentença recorrida fundamenta em erro quando considera que o pagamento do credor comum nº. 5 ocorreria nos 10 dias após o transito em julgado da sentença de ho- mologação de plano, aa) quando o que o plano prevê era que esse credor recebesse (parecendo-se olvidar que o plano prevê o pagamento a 100% em detrimento dos 50% previsto para os demais credores comuns) em pagamentos mensais em 4 anos, com inicio nos 10 dias subsequentes ao transito (parecendo-se mais uma vez olvidar que para os demais credores comuns, para além de redução dos seus créditos em 50% prevê um período de carência de 1 ano (12 meses) e pagamento em 6 anos, com caracter tão só anual, o que contas feitas alarga o período de pagamento em quase 8 anos, se considerar-mos que os pagamentos podem acorrer no ultimo dia de cada ano). bb) Andou bem a sentença recorrida quando considerou que “(…) há violação do princípio da igualdade, já que o plano de insolvência para os créditos comuns das instituições bancárias (créditos nºs 5,9, 11 da lista definitiva de créditos) tem um tratamento não só mais favorável, mas muito mais favorável, do que os restantes créditos comuns, sem que para isso haja qualquer razão atendível. É que não só se prevê a satisfação integral dos créditos comuns do Banco 2... e Banco 1..., S.A. e respectivos juros (…),assim melhor garantindo a satisfação daqueles e face à redução dos restantes créditos comuns, que vêm uma redução de 50% do capital, perdão total dos juros e com moratória de um ano e pagamento diluído em 6 anos. Logo, há um maior sacrifício de alguns credores comuns, o que traduz um tratamento privilegiado sem uma justificação material da desigualdade, justificando-se assim a rejeição da sua homologação. cc) Indo ao encontro do douto aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 27/06/2024, Relator Pedro Maurício, disponível em www.dgsi.pt, ainda que tenha versado entre classes comuns de créditos: créditos garantidos vs créditos comuns, densifica os conceitos aqui em causa de forma exaustiva, não considerada justificada essa distinção ainda que em diferentes classes, pelo que jamais de poderia permitir, como no causo dos autos, quando situação idêntica ocorre entre créditos da mesma classe, onde se privilegiam créditos comuns em detrimento de outros créditos comuns. dd) Tentam agora justificar os Recorrentes, mais uma vez sem qualquer referência ao conteúdo do plano, quanto ao facto Devedor AA ser um mero gerente comercial de um estabelecimento comercial e a sua relação com a Banca é importante, o que na ópinião da Recorrida nada releva para o caso, tendo em consideração que não pode em nome dessa relação sacrificar o seu crédito em 50%. ee) Veja-se a este propósito o acórdão de 22.02.2018, o Tribunal da Relação de Évora teve a oportunidade de afirmar que o plano (e sempre o plano) de recuperação conducente à revitalização do devedor deve justificar o diferente tratamento concedido aos credores, com indicação das razões objectivas para essa diferença, e que para apreciação do carácter objectivamente justificável da diferenciação de tratamento dos fornecedores relativamente a instituições bancárias, ambos titulares de créditos comuns, impõe-se que conste do plano a concreta vinculação, e em que termos, das instituições bancárias credoras no sentido do apoio financeiro futuro. ff) Até mesmo o Supremo Tribunal de Justiça também já se escreveu que “naqueles casos em que as instituições bancárias se vinculam a apoiar financeiramente o devedor em certos termos concretos, efectivos e programados (fixados no plano) que denotem, de forma minimamente significativa, a assunção de sacrifícios e de riscos para elas, tal possa constituir um factor justificador de uma diferenciação do regime de satisfação dos créditos no confronto de outros credores. Não assim quando, ao invés, o plano é omisso relativamente a tal, ou quando não mostra que exista qualquer efectiva, concreta e programada vinculação ao apoio financeiro, ou ainda quando em nada se revela na prática a existência de sacrifícios e riscos associados às operações financeiras que tais instituições bancárias se proponham favorecer.” gg) Pelas conclusões ora formuladas, entende a Recorrida que os Devedores/Recorrentes não deduziram um argumento juridicamente válido e fundado para colocar em causa o entendimento do Tribunal a quo de recusa do acordo de pagamento por violação de forma não negligenciável normas procedimentais. hh) Assim, e por tudo o vindo a expor, na parte a que ao presente recurso diz respeito, deve a sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.
O tribunal a quo admitiu o recurso com efeito devolutivo, modo de subida que foi considerado adequado pelo Relator. 2. Questões a apreciar
O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).
Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
A única questão que cabe apreciar é a de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que o conteúdo do acordo de pagamento julgado aprovado viola o princípio da igualdade.
3. Fundamentação de facto
Os factos a considerar são os que constam do Relatório supra e que traduz o consta dos autos, nomeadamente e com relevância, a Lista de credores e o teor do Acordo de Pagamento. 4. Direito 4.1. Enquadramento jurídico
Como decorre do art.º 1º do CIRE, actualmente e no domínio do “direito da insolvência” são possíveis duas realidades: a situação pré-insolvencial – que a lei caracteriza, em várias disposições – art.º 1º n.º 2 e 3, 17º - A, n.º 1, art.º 222º Aº, n.º 1 - como situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente – e a situação insolvencial.
E, como decorre do mesmo normativo, a essas situações correspondem vias de reacção diferentes:
- para a situação pré-insolvencial das empresas, o Processo Especial de Revitalização, cujo regime essencial se encontra nos art.ºs 17º A a 17º J do CIRE;
- para a situação pré-insolvencial do devedor que não seja empresa, o Processo Especial de Acordo de Pagamento, cujo regime essencial se encontra nos art.ºs 222º A a 222º J do CIRE, ainda que, depois, o mesmo contenha um conjunto de remissões para normas do plano de insolvência; não sendo possível nenhuma delas e verificando-se uma situação de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
A atenção que tem vindo a ser dada, ao longo do tempo e de forma crescente à situação de pré-insolvência decorre, em essência, do entendimento de que a insolvência, com a liquidação do património, importa amplas e dificilmente abarcáveis consequências económicas (mesmo no que respeita às pessoas singulares, pois são consumidores e, assim, o sustentáculo de muitas empresas) e sociais.
Se tais consequências puderem ser evitadas, através da recuperação da empresa ou da superação das dificuldades económicas por parte da pessoa singular (a expressão é de Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, pág. 321) actuadas numa fase de menor gravidade da situação económico-financeira e, portanto, com potencial de reversibilidade, então deve dar-se primazia a essa actuação.
Para o caso releva apenas o PEAP.
Decorre do disposto no art.º 222º A n.º 1 do CIRE que o processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.
O âmbito objectivo do PEAP é a situação pré-insolvencial, isto é, uma situação económica difícil ou uma situação de insolvência meramente iminente (a sua análise não releva para o presente recurso) e o âmbito subjectivo é o devedor que não seja empresa. Não porque a situação subsequente seja, necessária e inelutavelmente, a insolvência, mas porque ainda não se verifica essa situação.
E porque assim é e porque o seu âmbito subjectivo não é a empresa, mas o devedor que não seja empresa, em essência pessoas singulares, a filosofia deste instrumento jurídico não é a recuperação, que não é aplicável.
Tanto assim é que há uma diferença essencial entre a referida norma do PEAP e a norma relativa ao PER, concretamente o nº 1 do artigo 17º-A ( sublinhado nosso): “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.
O PEAP, em consonância com o seu âmbito subjectivo, não exige que o devedor seja susceptível de recuperação (vd. Catarina Serra, in Lições…, pág. 635), como também não exige que o acordo de pagamento seja conducente à revitalização.
Como refere Catarina Serra in Lições…, pág. 319 “Associar-se, no Direito da insolvência, a recuperação a pessoas singulares ou humanas quale tale não seria – não é – natural. Em matérias como esta, com relevo jurídico-económico, a função de recuperação pressupõe a existência, não de uma actividade humana qualquer, mas de uma actividade económica, em que a prática continua e organizada de determinados actos pelos sujeitos (a empresa) se autonomiza e [os] transcende.”
E mais adiante (pág. 320) conclui: “A empresa e só a empresa é, portanto, susceptível de recuperação.”
A filosofia subjacente ao PEAP é tentar evitar ou prevenir que sobrevenha a insolvência (Letícia Marques Costa, in A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, pág. 391 e Luís Menezes Leitão, A Recuperação Económica dos Devedores, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 79), com todas as consequências daí advenientes (ainda que, na prática, se corra o risco de o instrumento em referência se poder traduzir “num expediente tendente a atrasar a declaração de insolvência” (Letícia Costa, ob. cit. pág. 419)
E evitar ou prevenir significar criar as condições para que o devedor e os credores negoceiem, de boa fé e de forma equilibrada e tentem chegar a um acordo de pagamento (que, considerado em termos amplos, pode ser através da reorganização do pagamento do passivo e/ou da reconfiguração ou reestruturação do mesmo), que permita ao devedor, com tempo, superar as dificuldades, em vez da pura e simples liquidação do património e permita aos credores a satisfação dos respectivos créditos (o que pode muito bem não suceder se houver uma pura e simples liquidação do património, tudo dependendo do valor dos activos face ao valor dos passivos e da graduação dos créditos).
Mas se o PEAP permite ao devedor obter um acordo de pagamento que evite a insolvência, por outro lado, caso aquele acordo não seja obtido (ou não seja homologado) e o devedor se encontre em situação de insolvência, o mesmo corre o risco de não conseguir evitar a declaração de insolvência.
Assim e à semelhança do que sucede com o PER, os credores desempenham o papel decisivo e fundamental: ou consentem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos e viabilizam o PEAP ou mantêm-se irredutíveis, caso em que o PEAP não é aprovado e o perigo do devedor ser declarado insolvente se precipitará (adaptação do afirmado por Catarina Serra, in Lições …, pág. 349, com referência ao PER).
Aquele acordo obtém-se ou não conforme a declaração de vontade com relevância jurídica dos credores, que terá a configuração (aprovação ou rejeição) que tiver a maioria das declarações de voto individuais emitidas, ou seja, releva a manifestação de vontade colectiva.
Nesta medida, referem Carvalho Fernandes e João Labareda in CIRE Anotado, pág. 783, relativamente ao PER, mas aqui aplicável: “ …não poder deixar de se ponderar o facto de a lei propender a pôs nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicância da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses.”
O presente recurso tem por objecto uma decisão de não homologação, pelo que se impõe avançar directamente para a análise do respectivo regime.
O acordo de pagamento está sempre sujeito a homologação por parte do tribunal, como dispõe o art.º 222º F n.º 5: O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º
O art.º 215º do CIRE, cuja epígrafe é “Não homologação oficiosa”, dispõe: O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
A “violação não negligenciável“ é um conceito indeterminado, cuja densificação tem sido avançada pela doutrina.
Assim Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª Edição, pág. 782 afirmam: “ ….são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.”
Catarina Serra, in Lições.., pág. 473, analisando a norma relativa ao Processo Especial de Revitalização, refere: “Tentando colmatar a indeterminação do conceito, é razoável entender que a violação não negligenciável é aquela e apenas aquela que importe uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando assim a recuperação. Está implícito na norma o dever de o juiz proceder a uma ponderação – uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, visados pela norma violada com vista a decidir se, em homenagem ao primeiro, a violação pode ser negligenciada.”
Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Volume II, Almedina, 2022, 3ª edição, pág. 87, entende que “… será não negligenciável a violação que põe em causa as finalidades da norma violada. É, no entanto, importante verificar quando é que está a ser violada a norma e quando é que está a ser afastada, nos casos em que o pode ser.”
A norma estabelece como referencial da “violação não negligenciável”, as “regras procedimentais ou […]as normas aplicáveis ao seu conteúdo”.
Quanto às primeiras são as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, nomeadamente, no que tange ao itinerário processual, ao prazo e às votações; quanto às segundas têm em vista o conteúdo do acordo em si mesmo considerado.
Afirmava Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador - Grandes Linhas Estruturais do Sistema Jurídico, pág. 92 que a “norma é fundamentalmente resposta a um problema de ordenação social (a um problema jurídico) em que se concretiza, por forma perceptiva, é certo, uma determinada valoração, uma determinada opção valorativa.”
Neste sentido, a violação de regras procedimentais ou normas aplicáveis ao conteúdo do acordo de pagamento será não negligenciável numa perspectiva qualitativa - incide sobre aspectos fundamentais, estruturantes, essenciais do acordo de pagamento, quer do ponto de vista procedimental, quer do ponto do conteúdo, em que, por isso, a valoração legislativa ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula não deva ser afastada por vontade das partes – e quantitativa – deve assumir uma certa gravidade.
Relativamente ao conteúdo, uma das normas que a doutrina e a jurisprudência tem considerado como integrando o núcleo das normas estruturantes e fundamentais, é o art.º 194º do CIRE, relativo ao princípio da igualdade (Catarina Serra, Lições.., pág. 474, com referência ao PER, Luís Menezes Leitão, in a Recuperação…, pág. 87, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, pág. 502-503 e Marco carvalho Gonçalves in Processo de Insolvências e Processos Pré-Insolvenciais, pág. 533-536) o que acompanhamos, tendo em consideração o disposto no art.º 222º A n.º 3, que manda aplicar todas as regras previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com o processo em referência e o disposto no art.º 222º F n.º 5 que manda aplicar, com as devidas adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no titulo IX, o qual abrange a referida norma.
Na jurisprudência e a título exemplificativo assinale-se o Ac. desta RG de 27/06/2024, processo 6921/22.2T8VNF.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que é Relator o aqui Exm.º 2º Adjunto e 1º Adjunto o aqui também 1º Adjunto, onde se afirma que o ”princípio da igualdade de tratamento dos credores consubstancia uma trave mestra e estruturante na regulação do acordo de pagamento.”
Dispõe o art.º 194º n.º 1 do CIRE que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas e dispõe o n.º 2 que o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
Colhendo ensinamentos no direito constitucional (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP Anotada, 1º Volume, 2ª edição, UCP, pág. 166 e segs.) o princípio da igualdade tem dois sentidos: o negativo, pelo qual se veda privilégios – situações de vantagem não fundadas - e discriminações – situações de desvantagem – e o positivo e que se traduz em três vertentes: i) tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); ii) tratamento desigual de situações substancial e objectivamente desiguais; iii) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais.
O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções. Aliás, admite-as, quando se trata de situações desiguais.
O que proíbe é o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material suficiente, bastante, razoável, sem justificação racional.
A proibição de arbítrio, exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações que, no plano fáctico, surjam como diversas (Ac. do TC n.º 96/95).
No que diz respeito à determinação das situações que se devem considerar iguais ou desiguais para efeitos de um qualquer tratamento jurídico, importa não olvidar que a igualdade real é sempre relativa, pois a identidade de situações nunca pode ser total.
O sentido positivo do princípio da igualdade está estabelecido na primeira parte da norma – “o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência” – a qual tem como destinatário directo o autor do acordo de pagamento – os devedores e os credores - e não o tribunal, que em nada participa em tal acordo, nem o pode alterar, pelo não se pode considerar vinculado a tratar os credores nos moldes referidos.
O sentido negativo está estabelecido na 2ª parte da norma ao afirmar-se “sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas” e este, sim, tem como destinatário o tribunal, impondo-lhe que verifique se o acordo estabelece privilégios – situações de vantagem - e discriminações – situações de desvantagem – em qualquer caso não “justificadas por razões objectivas.”
Naturalmente que para verificar se o acordo estabelece privilégios ou discriminações há-de ter-se presente o sentido positivo do princípio da igualdade: i) tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); ii) tratamento desigual de situações substancial e objectivamente desiguais; iii) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais.
Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit. pág. 712 afirmam: “A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que agora está assumida no art.º 47º do Código (…). Para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos. Mas, a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes, credores em circunstâncias idênticas.”
Assim são admitidas diferenciações de tratamento entre credores titulares de créditos de diversa natureza, nomeadamente, entre credores titulares de créditos garantidos por garantias reais v. credores titulares de créditos comuns.
Mas para que essa diferenciação não coloque em causa o princípio da igualdade, deve ser observado o princípio da proporcionalidade.
Pese embora tal princípio apareça positivado na CRPortuguesa de forma assistemática, tem, enquanto instrumento de combate aos atos e omissões que se possam revelar agressivos para os direitos dos indivíduos, uma vocação global (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP Anotada, I, 2ª edição, 2017, pág. 274), ou seja, constitui um princípio geral, independentemente da sua concreta positivação.
Tal princípio, na vertente de proibição de excesso, analisa-se em três sub-princípios relativamente autónomos: adequação; necessidade; e proporcionalidade em sentido estrito.
No caso releva o último que prescreve “uma exigência de racionalidade e justa medida, no sentido de que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência adoptada em termos qualitativos e quantitativos e, bem assim, para que esta não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido “ (aut. e ob. cit. pág. 274).
Isto mesmo se extrai do Ac. do STJ de 25.03.2014, proc. n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj: “A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE foi ditada por razões de ordem pública convocando o princípio constitucional da proporcionalidade. Como ensina “Jorge Reis Novais, in “Os Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, pág. 171: “Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável. Nesta aproximação de definição podem intuir-se, em primeiro lugar, a relativa imprecisão e fungibilidade dos critérios de avaliação; em segundo lugar, o permanente apelo que eles fazem a uma referência axiológica que funcione como terceiro termo na relação e onde está sempre presente um sentido de justa medida, de adequação material ou de razoabilidade, por último, a importância que nesta avaliação assumem as questões competenciais, mormente o problema da margem de livre decisão ou os limites funcionais que vinculam legislador, Administração e juiz.” (pág. 178) [sublinhámos]. Como se afirma no Acórdão n.º 40/07, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt citando o Acórdão n.º 187/2001, publicado no Diário da República II Série, de 26 de Junho de 2001: “O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”.
Assim, muito embora seja admissível a diferenciação entre credores de diferente natureza, se a mesma for manifestamente desproporcional, isto é, se estabelecer privilégios – situações de vantagem - ou discriminações – situações de desvantagem -, não fundadas para uma das categorias de credores, se pender de forma excessiva, desrazoável, desproporcionada para uma das categorias de credores, privilegiando-a ou discriminando-a, deve ser recusada a homologação do acordo.
E para operacionalizar o referido princípio da proporcionalidade, acompanha-se o decidido no Ac. desta RG de 10/09/2020, proc. 577/19.7T8MDL.G1, onde se afirma: “ Em nosso ver, para além da justificação objetiva de tratamento diferenciado, resultante dos três critérios atrás enunciados (distinta classificação dos créditos; grau hierárquico dentro da mesma categoria de créditos; e a diversidade das fontes de crédito), aliados às limitações/imposições legais aplicáveis a determinados créditos (v.g. créditos do Estado e da Segurança Social), importa ainda ponderar, em respeito do princípio da proporcionalidade (intrínseco ao princípio da igualdade dos credores) designadamente: i) a percentagem de redução operada para o valor de capital em dívida dos créditos comuns; ii) o valor dos créditos garantidos e das respetivas garantias reais que lhes estão subjacentes; iii) o valor dos créditos garantidos ou privilegiados em contraposição com o montante dos créditos comuns na globalidade da dívida reconhecida a todos os credores; iv) e os prazos de pagamento previstos para cada um destes créditos, consoante a sua natureza.”
Já quando os créditos são de idêntica natureza, o princípio da igualdade impõe a tendencial igualdade de tratamento, impondo-se ao tribunal, com maior acuidade, que verifique se o acordo estabelece privilégios – situações de vantagem - e discriminações – situações de desvantagem – em qualquer caso não “justificadas por razões objectivas”.
De referir ainda que, nos termos do n.º 2 do art.º 194º, “o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.”
Como refere Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 534, referindo-se ao plano de insolvência, mas aqui aplicável dada a também aplicabilidade da norma, “o plano de insolvência só pode ser recusado se o mesmo fixar um tratamento arbitrário e discriminatório entre credores que se encontrem no mesmo plano de igualdade, isto é, em idêntica posição ou situação, sem que exista qualquer razão racional ou objectiva que justifique tal tratamento diferenciado.”
Certo é que as ditas “razões objectivas” de diferenciação hão-de constar, no caso, do acordo de pagamento (com referência ao plano de revitalização, mas aqui aplicável por não haver razão para tratamento diferenciado, o Ac. do STJ de 24/11/2015, processo 212/14.0TBACN.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, constando do sumário: “I. Estabelecendo o plano de revitalização do devedor diferenciações entre os credores, é necessário que nele se justifique o diferente tratamento, com a indicação das razões objetivas que lhe estão subjacentes.”; o Ac. da RE de 24/0572018, proc.1229/16.5T8STR.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre constando do sumário: “É no próprio plano de recuperação que cabe justificar o diferente tratamento dos credores, com a indicação das razões objetivas para essa diferença.”; com referência ao PEAP, o Ac. da RC de 13/09/2022, processo 4703/21.8T8LRA.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc constando do sumário: “I – À luz do princípio da igualdade material dos credores, afirmado no n.º 1 do art. 194.º do CIRE, a discriminação negativa dos créditos comuns é admissível se for justificada por razões objetivas, devendo a justificação constar expressamente do acordo de pagamento, sob pena de ser tida por injustificada.”)
Quanto ao art.º 216º, cuja epígrafe é “Não homologação a solicitação dos interessados” o seu n.º 1 dispõe: O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
A demonstração a que alude o normativo é documental, uma vez que, o art.º 222º F n.º 5 prevê que o juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o que é incompatível com a produção de qualquer outra prova, sendo certo que a lei não prevê qualquer fase instrutória.
De referir que não está vedado a qualquer credor invocar algum fundamento de não homologação que seja de conhecimento oficioso nos termos do art.º 215º do CIRE.
4.2. Da situação dos autos
Impõe-se verificar, em primeiro lugar, o seguinte.
No decisório da decisão recorrida escreveu-se: “….decido recusar a homologação do Acordo de Pagamento, atenta a violação não negligenciável de norma procedimental.”
Porém, em sede de fundamentação, escreveu-se: “(…) No caso dos autos, concordamos com o entendimento expresso no requerimento apresentado pela credora FF de que há violação do princípio da igualdade, já que o plano de insolvência para os créditos comuns das instituições bancárias (créditos nºs 5, 9, 11 da lista definitiva de créditos) tem um tratamento não só mais favorável, mas muito mais favorável, do que os restantes créditos comuns, sem que para isso haja qualquer razão atendível. É que não só se prevê a satisfação integral dos créditos comuns do Banco 2... e Banco 1..., S.A. e respectivos juros, como prevê que tal pagamento seja feito 10 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, assim melhor garantindo a satisfação daqueles e face à redução dos restantes créditos comuns, que vêm uma redução de 50% do capital, perdão total dos juros e com moratória de um ano e pagamento diluído em 6 anos. Logo, há um maior sacrifício de alguns credores comuns, o que traduz um tratamento privilegiado sem uma justificação material da desigualdade, justificando-se assim a rejeição da sua homologação. Ocorreu uma “violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo”, pelo que o plano deve ser recusado.”
Como ficou visto em sede de enquadramento jurídico, o art.º 194º do CIRE é uma norma relativa ao conteúdo, no caso, do acordo de pagamento, pelo que, tendo-se julgada verificada uma violação não negligenciável de tal norma, o decisório padece de manifesto lapso ao referir-se à violação não negligenciável de norma procedimental.
Impõe-se agora analisar o acordo de pagamento dos autos, verificando se existe uma diferenciação entre credores e, havendo, se o acordo explana razões objectivas para tal e se essa diferenciação respeita o princípio da igualdade.
Na situação dos autos e tendo em consideração a lista de créditos entretanto tornada definitiva por não ter sido impugnada, temos a considerar créditos comuns referidos sob os n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 (não se considera os n.ºs 9 e 10 da mesma lista de créditos, por entretanto terem sido pagos), 11, 12 e 13; o crédito comum sob condição suspensiva o referido no n.º 6; os créditos garantidos por hipoteca, os referidos nos n.ºs 7 e 8.
O acordo de pagamento distingue entre os credores:
- bancários (n.ºs 5, 6, 7, 8 e 11 da lista de credores) e dentro destes:
i) o comum sob condição suspensiva e os garantidos (respectivamente n.ºs 6, 7, 8 da lista de credores), estabelecendo o seu pagamento nos termos estipulados nos contratos de crédito respectivos;
ii) o crédito comum do Banco 2... (n.º 11 da lista), estabelecendo para ele o pagamento da totalidade nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento;
iii) o crédito comum do Banco 1... (n.º 5 da lista de credores), estabelecendo para ele o pagamento da totalidade do capital, acrescido de juros vencidos e vindos e de outras despesas existentes à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo, efectuando-se o pagamento dos juros vencidos nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo e o pagamento capital e dos juros vincendos no prazo de 4 anos, com carácter mensal, igual e sucessivo, sendo o valor do capital acrescido de juros à taxa de 4%, com inicio nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo;
- que não são entidades bancárias (1, 2, 3, 4, 12 e 13 da lista de credores), determinando a redução do capital em dívida em 50%, o perdão dos juros de mora vencidos, vincendos e outras despesas existentes à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano e o pagamento da restante parte do capital durante 6 anos (seis) e com carácter anual, igual e sucessivo, iniciando-se o pagamento decorridos 12 meses após ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo.
Neste quadro é patente e manifesta uma diferenciação entre os créditos bancários comuns (n.ºs 5, 6 e 11 e que totalizam € 30.469,38) e os créditos de outros credores que não são entidades bancárias também eles comuns (n.ºs 1, 2, 3, 4, 12 e 13, que totalizam € 156.615,12), pois:
- por um lado, os primeiros são pagos na totalidade – capital, juros vencidos, vincendos e despesas – enquanto os segundos são reduzidos a 50% do capital com perdão dos juros vencidos, vincendos e despesas;
- por outro lado: i) o crédito comum bancário do Banco 2... sob condição suspensiva (n.º 6 da lista de credores) é pago nos termos estipulados nos contrato de crédito respectivo, que se desconhece por não ter sido junto aos autos; ii) o crédito comum do Banco 2... (n.º 11 da lista) é pago nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento; iii) os juros vencidos do crédito comum do Banco 1... (n.º 5 da lista de credores), é pago nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo e o pagamento capital e dos juros vincendos no prazo de 4 anos, com carácter mensal, igual e sucessivo, sendo o valor do capital acrescido de juros à taxa de 4%, com inicio nos 10 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo, enquanto que os credores que não são entidades bancárias (n.ºs 1, 2, 3, 4, 12 e 13 da lista de credores), o pagamento da restante parte do capital (50%) inicia-se apenas 12 meses após ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo e é efectuado durante 6 anos (seis) e com carácter anual, igual e sucessivo.
E sendo patente e manifesta a discriminação claramente negativa para os créditos cujos credores não são entidades bancárias e lendo e relendo o acordo junto nele não se encontra qualquer justificação objectiva para tal.
Assim, e desde logo, é inócua para tal efeito a afirmação de que “os créditos são fácil e objetivamente distribuídos em três categorias distintas”.
Ao contrário do que consta do acordo – “do total de dívida reconhecida, apenas um valor percentual diminuto respeita a valores devidos a créditos comuns“ –, por um lado os créditos comuns de todos os credores somam € 187 084,50 e os créditos bancários garantidos ( n.ºs 7 e 8 da lista de credores) somam € 59. 353,42 e, por outro, os créditos bancários comuns (n.ºs 5, 6 e 11) totalizam € 30.469,38 e os créditos de outros credores que não são entidades bancárias também eles comuns (n.ºs 1, 2, 3, 4, 12 e 13) totalizam € 156.615,12).
A afirmação de que “a diferenciação estabelecida decorre também da própria origem dos créditos em causa, visto que os créditos bancários resultam de relações creditícias que, ab initio, são enquadradas como de médio−longo prazo, ao passo que os restantes créditos, aquando do estabelecimento das respetivas relações comerciais, não foram sequer pensados como relações creditícias ou, pelo menos, nunca como relações de médio−longo prazo mas sim, ao invés, como de pronto pagamento ou de curto prazo para o efeito“ é contrária ao que ficou plasmado no acordo, pois os créditos de outros credores que não são entidades bancárias, todos eles comuns, sofrem uma redução no capital de 50%, são perdoados os juros vencidos e vincendos e despesas e o seu pagamento só se inicia 12 meses após ao trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo e é efectuado durante 6 anos (seis) e com carácter anual, igual e sucessivo.
Afirma-se ainda: “De facto, a génese das relações aqui em confronto são objetivamente distintas, uma vez que a razão da sua existência, a finalidade pela qual são contraídos e a origem que lhes subjazem são manifestamente diferentes.”
Para além da distinção entre créditos comuns bancários e créditos de outros credores que não são entidades bancárias, que nada justifica por si só, desconhece-se “a razão da sua existência, a finalidade pela qual são contraídos (…) que lhes subjazem”, apenas se sabendo, face à lista de credores, que os créditos bancários comuns têm origem em cartão de crédito (n.ºs 5 e11) e crédito automóvel (n.º 6), enquanto os créditos de outros credores que não são entidades bancárias têm origem em mútuos ( n.sº 1, 2, 3 12 e 13) e sentença judicial ( n.º 4), o que em nada justifica as já acima assinaladas manifestas e desproporcionadas diferenciações entre os créditos das entidades bancárias e os créditos de outros credores que não são entidades bancárias.
Importa, entretanto, não confundir as realidades, pois não está em causa a diferenciação entre os créditos de entidades bancárias garantidos por hipotecas e os créditos comuns em geral. Apenas está em causa a diferenciação dentro dos créditos comuns, de que são titulares entidades bancárias, por um lado – e que nem são a maioria do capital – e por outros credores que não são entidades bancárias – e cujo montante total corresponde a 5 vezes mais aqueles.
Finalmente, no recurso, os recorrentes referem que a “não aceitação pelos devedores das imposições feitas da banca, poria certamente em causa a atividade do devedor AA, que sendo gerente comercial de um estabelecimento take away e cujo exercício depende em muito da banca, não podendo equacionar-se chegar ao ponto de deixar de poder contar com a mesma para dar continuidade à atividade que exerce e com a qual conta também para conseguir pagar a todos os seus credores, nos termos em que se propôs.”
Tal “justificação” não consta do acordo de pagamento e, como tal face ao supra referido, não tem de ser considerado.
Mas mesmo que constasse, como foi afirmado no já citado Ac. do STJ de 24/11/2015, processo 212/14.0TBACN.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, “a simples menção de que existe necessidade do devedor vir a ser apoiado financeiramente no futuro pelas instituições financeiras credoras, não constitui razão objetiva justificadora da desigualdade de tratamento estabelecido no plano, quando tal menção não está acompanhada de uma vinculação efetiva, concreta e programada de apoio por parte dessas instituições financeiras.”
Em face do exposto, impõe-se concluir que há um patente e manifesto e desproporcionado sacrifício dos outros credores que não são entidades bancárias em detrimento dos credores que são entidades bancários relativamente aos respectivos créditos comuns, sendo certo que os créditos dos primeiros totalizam 5 vezes os últimos, o que determina uma violação não negligenciável do princípio da igualdade plasmado no art.º 194º do CIRE, pelo que a decisão recorrida deve manter-se e a apelação deve ser julgada improcedente. 4.3. Custas Dispõe o art.º 527º, n.º 1 do CPC que: 1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Tendo os recorrentes ficado vencidos, os mesmos são responsáveis pelas custas.
5. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente.
Custas pelos recorrentes
Notifique-se
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Guimarães, 08/05/2025
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Fernando Manuel Barroso Cabanelas
Pedro Manuel quintas Ribeiro Maurício