Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Importa não confundir a não pronúncia do tribunal que conduz à nulidade da sentença com o não atendimento de um facto que se mostra alegado ou o não atendimento a meios de prova apresentados ou produzidos, uma vez que tal não atendimento não se reporta à não apreciação de uma questão, conforme a mesma se mostra definida no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil.
II – Do despacho que admite a prestação de determinado depoimento na qualidade de testemunha, não se concordando com o mesmo, deve-se dele interpor recurso, no prazo de 15 dias, nos termos dos arts. 79.º-A, n.º 2, al. d) e 80.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.
III – Tendo-se provado os factos relacionados com as als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, presume-se que estamos perante uma relação laboral entre as partes, a menos que a entidade empregadora consiga provar factos que contrariem tal presunção.
IV Existe um contrato de trabalho quando o trabalhador se mostra obrigado a cumprir horário, submete-se às ordens e instruções da entidade empregadora, utilizando os equipamentos e instrumentos desta, nos locais que ela previamente indicava e a ela pertencentes, ainda que (i) durante quatro meses por ano o trabalhador vá trabalhar para França, (ii) a consequência de não trabalhar seja a de não receber e (iii) se encontre coletado nas finanças e inscrito na segurança social como trabalhador independente, visto que o laço mais intenso existente entre a entidade empregadora e o trabalhador se insere num contexto de subordinação jurídica típica de uma relação laboral.
V – A circunstância de a relação entre o Autor e o Réu se encontrar denominada como de prestação de serviço, e não de contrato de trabalho, facilita a possibilidade de dispensa do Autor, caso o mesmo se revele relapso, uma vez que basta dispensá-lo, sem ter de se recorrer a um processo disciplinar.
VI – Em face da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 54.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, conforme acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, de 04-06-2024, é o valor da retribuição mínima mensal garantida que passa a servir de base de cálculo para a atribuição da prestação complementar de assistência por terceira pessoa.
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
♣
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA, em representação do seu pai BB,2 veio participar acidente de trabalho sofrido pelo pai, quando se encontrava a exercer funções, sob as ordens, direção e fiscalização, de CC, não tendo este transferido a sua responsabilidade por acidente de trabalho para qualquer seguradora.
…
Em 23-11-2023 foi realizado exame pericial ao sinistrado BB, no qual se concluiu:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 17/o2/2023
- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 35 dias
- Incapacidade permanente parcial fixável em 100% (142,5000%)
- IPAQP
- dependência de ajudas
…
Em 07-02-2024 foi realizado o auto de tentativa de conciliação, onde estiveram presentes o filho do sinistrado, AA, na qualidade de acompanhante provisório do sinistrado, e CC,3 não tendo sido possível a conciliação, uma vez que CC, apesar de aceitar o acidente como trabalho e de aceitar que o sinistrado foi atingido por uma pernada de sobreiro, não aceita que essa pernada tivesse sido cortada por outro trabalhador. Mais referiu que aceita o nexo de causalidade entre as lesões descritas no boletim de alta e o acidente; aceita o salário referido com 6% de IVA incluído; aceita os graus de incapacidade atribuídos pelo perito do INML, contudo não aceita a responsabilidade pelo acidente e em consequência nenhum pagamento, porquanto o sinistrado não era seu trabalhador, mas sim trabalhador independente e que teria seguro da sua responsabilidade.
…
Os autos prosseguiram, tendo AA, em representação do seu pai BB, apresentado petição inicial de ação emergente de acidente de trabalho com processo especial contra CC, peticionando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, consequentemente: (I) seja declarado que o acidente sofrido pelo Autor em 13-01-2023 é um acidente de trabalho;
II) ser o Réu condenado a pagar ao Autor:
(a) a importância global de €886,02 pelo período de 35 dias de ITA;
(b) a pensão anual e vitalícia no montante de €10.560,00;
(c) o subsídio de elevada incapacidade no montante de €6.341,68;
(d) a ajuda de 3.ª Pessoa no montante de €7.398,58 (€528,47 x 14 meses),
(e) as quantias relativas às sessões de fisioterapia que o sinistrado venha a realizar;
(f) as quantias relativas a toda a medicação, oxigénio, tratamentos e consultas que o sinistrado tiver de realizar enquanto viver;
(g) a quantia de 50.000,00€, a título de danos não patrimoniais;
quantias essas acrescidas dos respetivos juros legais contados desde a data da citação até integral pagamento, assim como em custas e procuradoria.
…
O Réu CC apresentou contestação, peticionando, a final, que se considerasse inexistir relação laboral entre o Autor e o Réu, antes sim, um contrato de prestação de serviços independente, sem subordinação jurídica e económica, declarando-se, em consequência, a improcedência de todos os pedidos formulados; ou, caso assim se não entenda, que se conclua pela descaracterização do acidente por provir de negligência grosseira do Autor, declarando-se que o Réu não tem de reparar quaisquer danos dele decorrentes; ou, caso assim se não entenda, seja declarado improcedente o pedido do Autor relativamente aos danos não patrimoniais, visto o acidente ter sido provocado pelo comportamento do Autor, sendo da sua exclusiva responsabilidade, não tendo o Réu omitido ou praticado factos passíveis de inobservância das regras sobre segurança no trabalho, sendo que nem a eventual inobservância dessas regras pode vir a constituir a causa do acidente ou a sua agravação, absolvendo-se, assim, o Réu da instância.
…
Proferido despacho saneador, não foram fixados os factos assentes por inexistirem, tendo sido identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e determinado a instrução do apenso para a fixação da incapacidade para o trabalho do sinistrado.
…
No processo para fixação da incapacidade que correu no apenso A, foi realizado, em 27-06-2024, exame por junta médica, o qual atribuiu ao sinistrado uma IPP com IPA de 142,50% a partir de 17-02-2023; tendo, em 02-09-2024, sido proferida decisão final, cuja decisão final declarou que “o sinistrado se encontra com uma IPP (Incapacidade Permanente Parcial) com IPA de 142,50% desde 17.02.2023 e uma ITA entre os dias 14 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 2023”.
…
Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 04-11-2024, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, decide-se julgar a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, e, em consequência:
- Declarar que o acidente que vitimou o Autor, ocorrido em 13 de Janeiro de 2023, foi um acidente de trabalho;
- Declarar que, do acidente de trabalho a que se reportam os autos, resultou para o Autor uma IPP de 142,50% desde o dia 17 de Fevereiro de 2023, com IPA e uma ITA de 35 dias entre 14 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 2023, data da alta;
- Condenar o Réu no pagamento ao Autor de:
- Uma indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) correspondente a um período de 35 dias no valor de 886,02 € (oitocentos e oitenta e seis euros e dois cêntimos);
- Uma pensão anual e vitalícia, por IPA, no montante de 10.560,00 € (dez mil
quinhentos e sessenta euros) devida desde o dia 17 de Fevereiro de 2023, data da alta;
- Um subsídio de elevada incapacidade no montante de 6.341,68 € (seis mil trezentos e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos);
- A ajuda de terceira pessoa no montante de 7.842,66 € (sete mil oitocentos e quarenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos) para o ano 2024, sendo o valor actualizável.
- Das despesas médicas, de fisioterapia, medicamentosas e de transporte do Autor em virtude de tratamentos de que venha a necessitar.
- Juros vencidos e vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento das quantias mencionadas nos pontos anteriores.
B) Julgar a acção parcialmente improcedente, absolvendo-se o Réu do pagamento ao Autor do demais peticionado.
***
Custas a cargos de ambas as partes, na proporção dos decaimentos.
Registe e notifique.
Valor da acção: 130.407,70 € (10.560,00 x 11,006 + 6.341,68 +7.842,66 €).
…
Não se conformando com a sentença, veio o Réu CC interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
B- NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
C- ( art.615.º n.º1 alínea d) do CPC)
I
O Réu nos artigos 74 a 79, na sua contestação alegou factos destinados, e ilidir a presunção legal prevista no art.3.º da Lei n.º 101/2009, de 8 de setembro, da LAT, foi efetuada prova documental, produzida prova por depoimento de parte e testemunhal com vista a demonstrar que o A., não dependia economicamente do R,
( v. artigos 74 a 79 da contestação – ref. Citius 2515081 de 11.04.2024; Doc.1, Doc.2 e Doc.3 ref. Citius 2554471 de 06.06.2024 ; Fatura 20- ref. Citius 33707632 de 11.09.2024; Depoimento de parte – ref. Citius 33606346 de 04.09.2024; e declarações das testemunhas ref. Citius 33870964 de 04.11.2024).
II
Apesar da meritíssima juiz a quo, ter citado esta questão essencial da dependência económica na Douta sentença, não a apreciou nem a decidiu, em violação do art.615.º n.º1 alínea d) do CPC, o que constitui uma nulidade da sentença,
“ Assim, e de acordo com o artigo 3.º, n.º1 do citado diploma tem direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.”, considerando-se como tal os trabalhadores “…que estejam na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta o serviço” (n.2).”
(v. ref. Citius 33870964 de 04.11.2024).
(V. ALEGAÇÕES 1 A 3).
B - IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO INTERLUCTÓRIA,ART.644.º Nº3 CPC
III
O tribunal a quo, em sede de audiência de julgamento de 11/09/2024 admitiu AA declarado judicialmente acompanhante do autor e seu legal representante, (Proc. 159/23.9...), a prestar declarações na qualidade de testemunha, mas o AA, nos termos do art.453.º do CPC, não pode depor nesta última qualidade, (v. art.453.º e art.496.º CPC).
IV
A anulação deste despacho, e a desconsideração das declarações da testemunha AA, impõem uma modificação da decisão de facto, e o R, tem interesse que esse depoimento seja dado sem efeito, para poder vir a obter o provimento deste recurso,( v. art.660.º CPC).
(V. ALEGAÇÕES 4 A 8).
C- IMPUGNAÇAO DA DECISÃO DE FACTO
V
O recorrente considera incorretamente julgados os factos provados 1, 5, 6, 8, 23, 24, 27, 29, 32 e os não provados: D, E, F, G, I, e ainda que não foram apreciados e decididos os factos legados na contestação de 74 a 79, relativos à elisão da presunção legal da dependência económica do A.
Do facto provado 1: “
1 – O AUTOR É MOTORISTA E NASCEU NO DIA ... de ... de 1962, NA FREGUESIA E CONCELHO DE Local 1.” o Apelante apenas impugna a parte que respeita à profissão do Autor como Motorista
VI
Nem na participação, nem na PI o A, alegou ser motorista, sendo antes EMPRESÁRIO EM NOME INDIVIDUAL, desde 13.03.2003, enquadrado no regime de IVA trimestral normal, com descontos regulares ininterruptos mensais para a segurança social, e os rendimentos declarados em sede de IRS exclusivamente da categoria B, sem que constem quaisquer descontos ou rendimentos de trabalho dependente ou subordinado, o que impunha decisão diversa, (v. Doc.1,2,3 da Ref. Citius 2554471 de 06/06/2024).
VII
Devendo o facto provado 1, vir a ser alterado para o seguinte teor:
1 – O Autor á data dos factos era empresário e nasceu no dia ... de ... de 1962, na freguesia e concelho de Local 1.
(V. ALEGAÇÕES 9 A 15).
Do facto provado 5: “ 5 – NA SEQUÊNCIA DO ACORDO REFERIDO EM 3, O AUTOR INICIOU A SUA ACTIVIDADE PARA O RÉU NO DIA 2 DE DEZEMBRO DE 2022, RECEBENDO DO RÉU, OU DO TRABALHADOR DD EM SUA SUBSTITUIÇÃO E NA QUALIDADE DE ENCARREGADO, ORDENS E INSTRUÇÕES DE COMO DEVERIA REALIZAR A SUA ACTIVIDADE” (v. ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
VIII
O A. apenas recebia meras instruçoes, do R., necessárias e indispensáveis para que o A., realizasse o serviço, resumindo-se aos locais de carga e descarga da lenha, e indicações do encargado DD, dos locais onde no terreno deveria fazer esses carregamentos, sem que fossem proferidas no sentido de autoridade ou de imporem ordens, pelo que o facto provado 31, e as declarações da testemunha DD, e demais impunham uma decisão diferente,
(v. facto provado 31. Ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
(v. gravação DD – 11.09.2024, de 03:50 a 07:40).
IX
Devendo o facto provado n.º5, vir a ser alterado para o seguinte teor:
5 – Na sequência do acordo referido em 3, o Autor iniciou a sua actividade para o Réu no dia 2 de Dezembro de 2022, recebendo do Réu, ou do trabalhador DD em sua substituição e na qualidade de encarregado, indicações dos locais de carregamento e descarregamento da lenha.
(V. ALEGAÇÕES 16 A 19).
Do facto provado 6: 6 – O AUTOR E OS DEMAIS COLEGAS CUMPRIAM O SEGUINTE HORÁRIO: INICIAVAM ÀS 08.00 HORAS E TERMINAVAM POR VOLTA DAS 17.00 HORAS, COM UMA HORA DE ALMOÇO DAS 12 ÀS 13 HORAS.
X
O apelante entende que alegou e demonstrou que o A., carregava a lenha no horário dos trabalhadores do R, ou seja, das 08:00horas, e às 17:00horas, com almoço das 12:00h às 13:00H, mas o sinistrado não tinha este horário, nem um horário fixo, iniciava por volta das 8 como os restantes trabalhadores, e a partir daí, quer o local e horas de almoço por si livremente escolhidos, quer a hora de saída dependiam do número e rapidez das carradas que conseguia fazer, impondo os factos provados 19, 20 e 21, e as declarações das testemunhas EE e FF uma outra decisão,
( v .ref. Citius 33865303 de 04.11.2024-factos provados, 19,20 e 21).
(Gravação–EE-11.09.2024-das 11:25h às 12:32h, de 20:20’ a 24:35’).
(Gravação–FF-11.09.2024 das 14:08h às 14:48h, de 31:07’ a 36:50’).
XI
Devendo o facto provado n.º6, vir a ser alterado para o seguinte teor:
6 – O Autor não tinha um horário certo, e os demais colegas cumpriam o seguinte horário: iniciavam às 08.00 horas e terminavam por volta das 17.00 horas, com uma hora de almoço das 12 às 13 horas.
(V. ALEGAÇÕES 20 A 26).
Do facto provado 23:“ – O AUTOR TEM UMA CARRINHA DE CAIXA ABERTA E UM CAMIÃO PESADO DE MERCADORIAS PARA TRANSPORTE DOS SEUS BENS, MAS NÃO OS DE TERCEIRAS PESSOAS.
XII
O apelante insurge-se contra esta decisão, na parte onde consta, “ mas não os de terceiros” por ser um facto favorável ao A., e só os factos desfavoráveis ao Poente, podem valer como confissão ou ser apreciados livremente pelo Tribunal em seu prejuízo, sendo esse o entendimento plasmado o despacho de admissão proferido pela meritíssima juíza a quo, devendo, por conseguinte, esta parte vir a ser alterada para o teor infra proposto, ( v. art.352.º, art.361.º CC, (v. ref. Citius 33576210 de 24.06.2024). ).
XIII
Resultando ainda das declarações das testemunhas, EE, e FF, GG que o A, utilizava o seu camião para transportar também bens de terceiros,
( Gravação – EE, 11.09.2024, das 11:25h às 12:32h, de 26:40’ a 27:40’).
(Gravação–FF, das 14:08h às 14:48h 11.09.2024, de 17:00’ a 18:10’)
( Gravação – GG, 11.09.2024, das 14:49h as 15:16h, de 15:10’ a 16:45’ e de 26:05’ a 26:40’).
XIV
Encontra-se também junto aos autos, a fatura n.º20 de 17.08.2022, no valor de €7.080,80, relativa a serviços prestados na campanha da cortiça a uma empresa do R, “ HH, Lda”, dela se podendo concluir com forte segurança não só que o A, prestava serviços a terceiros, como reflete os termos da contratação do autor no ano anterior (2022), tal como declarado pelas testemunhas II e AA respetivamente esposa e filho do A, e que consta da fundamentação a este facto 23, “…relatando os termos da contratação do Autor, que já em anos anteriores havia trabalhado para o Réu em moldes semelhantes, ..”( v ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
XV
Ademais, as testemunhas EE, FF e GG, não tiveram dúvidas em afirmar que o A., prestava serviços para terceiros, nomeadamente com o camião dele e com a enfardadeira.
XVI
Deverá assim o facto provado n.º23.º, vir a ser alterado na sua parte final, dele passando a constar “… e de terceiras pessoas.”, matéria esta provada não com base na confissão do A., mas nas declarações das testemunhas, e na fatura n.º20 de serviços prestados a terceiros, que conjuntamente impõem uma decisão diversa.
( v. Gravação – EE, 11.09.2024, de 26:40’ a 27:40’), ( v. Gravação – FF, 11.09.2024, de 17:00’ a 18:10’), ( Gravação – GG, 11.09.2024, das 26:05’ a 26:40’, e Doc. fls. Ref. Citius 33707632 de 11.09.2024).
XVI
Devendo o facto provado n.º23, vir a ser alterado para o seguinte teor:
23 – O Autor tem uma carrinha de caixa aberta e um camião pesado de mercadorias para transporte dos seus bens, e de terceiras pessoas.
( V. ALEGAÇOES DE 26 A 36)
Do facto provado 24: “ 24 – ANTES DO ACIDENTE MELHOR DESCRITO EM 8, O AUTOR DEDICAVA-SE, NAS SUAS HORAS VAGAS, À ACTIVIDADE AGRÍCOLA, EXPLORANDO UM TERRENO E CUIDANDO DE CERCA DE 50 OVELHAS.
XVIII
O Apelante insurge-se nesse facto, quanto a duas questões distintas, uma o A, antes do acidente não se dedicava apenas nas horas vagas à atividade agrícola, outra que bem mais de 50 ovelhas.
XIX
Por um lado, porque não foi sequer alegado que o A, se dedicasse a esta atividade apenas nas horas vagas, e por outro lado exercia esta atividade como empresário em nome individual, só com descontos mensais e regulares para a segurança social, e rendimentos fiscais provenientes da categoria B, (v. factos provados 22, 25, 26 e Documentos 1,e,3, ref.2554471 de 06.06.2024).
XX
No que diz respeito ao número de ovelhas, o IFAP certificou por consulta de 27.06.2024, no Sistema Nacional de Informação e Registo Animal, que BB, cf.115072679, com o n.º IFAP 174761, e número de exploração VE70D, no período compreendido entre 01.012021 a 31.12.2023, tinha registados 140 ovinos, ( v. Doc. a fls. Ref. Citius 33589308 de 27.06.2024).
XXI
Devendo o facto provado n.º24, vir a ser alterado para o seguinte teor:
24 – Antes do acidente melhor descrito em 8, o Autor tinha uma exploração agrícola com terras próprias e arrendadas ou cedidas, que lavrava, semeava e utilizava para o pastoreio de cerca de 140 animais ovinos seus, e para daí obter palhas e fenos. “( V. ALEGAÇOES DE 37 A 43)
79
Do facto provado 27: “27 – NOS MESES DE AGOSTO A NOVEMBRO, O AUTOR IA TRABALHAR PARA FRANÇA, PARA A CAMPANHA DA MAÇÃ, TENDO AUFERIDO, NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE 22 DE AGOSTO DE 2022 E 12 DE OUTUBRO DE 2022, A QUANTIA LÍQUIDA DE 2.122,11 €.”
XXII
Efetivamente foi junta documentação pelo filho do A., comprovativa de que no período compreendido entre 22 de agosto de 2022 e 12 de outubro de 2022, auferiu a quantia líquida de €2.122,11, mas a campanha abrangia um período mais dilatado, entre de agosto a novembro, e da experiência de vida, e das declarações das testemunhas EE e a AA, dúvidas não restam que por campanha o A., auferia cerca de €4.200,00, (v. documento junto na audiência de julgamento de a fls., ref. Citius 33706179 de 11.09.2024).
(Gravação–EE-11.09.2024- 11:25h às 12:32h de 17:14’a 19:17’)
(Gravação–AA-11.09.2024,das 15:51h às 16:24h, de 23:00’a final).
XXIII
Impõe-se por isso, alteração ao facto provado n. º27, que deverá vir a ter o seguinte teor:
27 – Nos meses de Agosto a Novembro, o Autor ia trabalhar para França, para a campanha da maçã, tendo auferido no período compreendido entre 22 de agosto de 2022 e 12 outubro de 2022, a quantia líquida de 2.122,11 €, e cerca de €4.200,00 na campanha de 2022
“( V. ALEGAÇOES DE 44 A 52)
Do facto provado 29:
“29 – SE O AUTOR NÃO TRABALHASSE UM DIA, NÃO RECEBIA.”
XXIV
Este facto foi alegado pelo R., no artigo 65.º da contestação,
“65. j) Regime de faltas: O A., trabalhava recebia, não trabalhava não recebia, mas as faltas não tinham qualquer relevância para outros efeitos. “ (v. ref. Citius 2515081 de 11.04.2024).
XXV
O tribunal a quo, concluiu e fundamentou a prova desse facto 29, na confissão integral do A, tal como consta da assentada, e a parte que o tribunal a quo, omitiu, “ mas as faltas não tinham qualquer relevância para outros efeitos. “, não é, salvo melhor opinião, matéria de direito, não tem natureza conclusiva, e é de extrema importância para o apuramento da subordinação jurídica, pelo que deverá este facto, conter o conteúdo exato da alegação e da respetiva confissão,
(v. ref. Citius 33606346 de 04.07.2024 e ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
XXVI
Devendo depois de alterado o facto provado 29., passar a ter o seguinte teor:
29 – Se o Autor não trabalhasse um dia, não recebia, mas as faltas não tinham qualquer relevância para outros efeitos.
“( V. ALEGAÇOES DE 53 A 56)
Do facto provado 32: – NAS CIRCUNSTÂNCIAS MELHOR DESCRITAS EM 8 DOS FACTOS PROVADOS, O AUTOR FICOU SENTADO EM CIMA DO BANCO DO TRACTOR, SEM SE CONSEGUIR MEXER E GRITOU AO COLEGA FF “TIREM-ME DAQUI POR FAVOR”.
XXVII
Não foi alegado, não resulta da assentada, nem das declarações das testemunhas, nem em lado algum consta que o A., tenha chamado pelo FF, mas antes “tirem-me daqui, por favor”, o que foi confessado pelo A, e corroborado pelas testemunhas
(v.art.109. da contestação ref. Citius 2515081 de 11.04.2024, e assentada ref. Citius 33606346 de 04.07.2024)
.” (v. ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
(Gravação–EE-11.09.2024- 11:25h às 12:32h de 44:00’ a 44:30’)
(v. Gravação– FF 11.09.2024- das 14:08h a 14:48h, de 21:10 a 21:30 ’),
XXVIII
Devendo o facto provado n. º32, vir a ser alterado para o teor da confissão:
32 – Nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor ficou no mesmo local, sentado no banco do tractor, meio curvado, sem se mexer, sem vestígios de sangue, ou de qualquer fratura aparente, falando com dificuldade e dizendo “tirem-me daqui, por favor”,
( V. ALEGAÇOES DE 57 A 61)
c) DOS FACTOS NÃO PROVADOS D, E, F, I,
D – Que fosse o Autor a gerir o seu tempo em função dos transportes/carradas que realizava, gerindo no terreno o seu trabalho, sem que o Réu lhe impusesse um horário.
E – Que a quantia de 50,00 €/dia fosse paga pelo Réu ao Autor sem qualquer regularidade e mediante apresentação de fatura emitida até ao final da campanha.
F – Que o Autor desempenhasse as suas funções de motorista de pesados para o Réu sozinho, sem estar integrado na organização do Réu e sem receber ou dar ordens.
I – Que o Autor tivesse cerca de 200 ovelhas, que vendesse e transportasse, no seu camião, bens de terceiras pessoas e que auferisse, na campanha da maçã em França, à volta de 12.000,00 €.
XXIX
A fundamentação relativamente aos factos, D, E, F, I, foi a seguinte:
“Os factos D, E, F e I, resultaram não provados mercê das declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento por AA, filho do sinistrado e que acompanhava de perto a vida de trabalho do sinistrado, seu pai. .”
(v. ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
XXX
Quanto a esta fundamentação, as declarações da testemunha AA, filho do sinistrado, foram já aqui impugnadas com fundamento no facto de ter sido judicialmente declarado seu acompanhante e representante legal, (Proc. 159/23.9...), ficando por essa razão impedido de depor na qualidade de testemunha por força dos art.453.º e art.644.º n.º3 do CPC, ( v. Autos, e art.453.º e art.644.º n.º3 CPC).
XXXI
Também, o facto da testemunha filho do A/Sinistrado, acompanhar de perto a vida de trabalho do sinistrado, seu pai, reveste natureza conclusiva, e não constitui nos termos do art.342.º n.º2 do Código Civil, prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos factos alegados pelo R., na contestação, e carece de fundamentação ao remeter sem mais para as declarações vagas e imprecisas dessa testemunha sem indicar os pontos concretos dos quais tenha resultado o convencimento do tribunal recorrido, (v. art.342.º/2 CC e art.607.º/4 CPC).
XXXII
Além disso, essa testemunha, corroborado pela sua mãe/esposa do A., convenceram o tribunal tal como é referido na fundamentação, que o sinistrado já tinha sido contratado pelo R., em moldes semelhantes em anos anteriores, o que passou a ficar assente no facto 3, o que indicia de que no final da campanha da lenha, o A, iria emitir uma fatura ao R, tal como tinha já feito no ano anterior, relativamente a serviços prestados na campanha da cortiça de 2022, fatura n.º20 de 17.08.202, emitida pelo sinistrado à empresa do R, “ HH, Lda”,
(certidão permanente- código 2866-5034-0362.
( v. ref. Citius 33865303 de 04.11.2024, e fatura 20 do A, ref. 33707632 de 11.09.2024).
( v. artigos 24 a 32 desta apelação).
( v. facto provado 3- ref. Citius 33865303 de 04.11.2024)
( Gravação de 11.09.2024, das 10:37 a 10:44h, de 00:00’ a 00:25’)
(Gravação–AA-11.09.2024,das 15:51h às 16:24h, de 23:00’a final).
XXXIII
E essa decisão, atento que foi impugnada a decisão de facto e pedida a alteração aos factos provados os 5, 6, 23, 24 e 27, torna-se, salvo melhor opinião, desnecessário alterar os factos não provados D, F, e I, para provados, bastando a sua eliminação da decisão de facto, sob pena de se repetirem os pedidos de alteração aos factos provados, 6, 5, 24, 23,e 27 respetivamente e praticarem-se atos inúteis, devendo assim vir a ser eliminados da decisão de facto os factos dados por não provados, D, F e I.
( V. ALEGAÇOES DE 62 A 76).
Relativamente ao Facto não provado E
E – QUE A QUANTIA DE 50,00 €/DIA FOSSE PAGA PELO RÉU AO AUTOR SEM QUALQUER REGULARIDADE E MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE FATURA EMITIDA ATÉ AO FINAL DA CAMPANHA.
XXXIV
O facto provado 3, a fatura nº20 de prestação de serviços da campanha da cortiça emitida ao R. em 2022, e as declarações das testemunhas e a própria fundamentação são demonstrativos de que o sinistrado foi contrato nos mesmos moldes de 2022, e que nessas condições iria passar uma fatura no final da campanha da lenha, ,
(v. facto provado 3- ref. Citius 33865303 de 04.11.2024)
(Gravação de 11.09.2024, das 10:37 a 10:44h, de 00:00’ a 00:25’)
(v. ref. Citius 33865303 de 04.11.2024, e fatura 20 do A, ref. 33707632 de 11.09.2024).
XXXV
Devendo o facto não provado E, passar a provado, e renumerado como facto provado 35, com o seguinte teor:
35 – Que a quantia de 50,00 €/dia fosse paga pelo Réu ao Autor, mediante apresentação de fatura emitida até ao final da campanha.
( V. ALEGAÇOES DE 77 A 78).
Do facto provado 8:
“8. PELAS 8 HORAS E 30 MINUTOS, QUANDO CONDUZIA O TRACTOR, E DE FORMA NÃO CONCRETAMENTE APURADA, O AUTOR FOI ATINGIDO PELA QUEDA DE UMA PERNADA DE UM SOBREIRO, QUE LHE PROVOCOU E FOI CAUSA DIRECTA E NECESSÁRIA DAS LESÕES E SEQUELAS MELHOR DESCRITAS NO AUTO DA JUNTA MÉDICA, NOMEADAMENTE, TETRAPLEGIA COM LESÃO MEDULAR E FRACTURA DAS VÉRTEBRAS C4 E C5, SEM CAPACIDADE FUNCIONAL E COM ALTERAÇÃO DE ESFÍNCTERES.”
XXXVI
O Apelante discorda desta a decisão apenas na parte em que o tribunal recorrido, não apurou a causa concreta do acidente, “ … E DE FORMA NÃO CONCRETAMENTE APURADA, O AUTOR FOI ATINGIDO PELA QUEDA DE UMA PERNADA DE UM SOBREIRO, QUE LHE PROVOCOU E FOI CAUSA DIRECTA E NECESSÁRIA DAS LESÕES E SEQUELAS, Por ter alegado e provado que o A, na altura andava a derrubar sobreiros secos, com a pá do trator que conduzia, tendo provocado a queda de uma pernada seca que lhe caiu em cima, sendo essa a causa direta e necessária das lesões e sequelas de que o A. foi vitima.
XXXVII
O A. trouxe ao tribunal a quo, 3 versões diferentes dos factos:
Primeira: Na participação, “Com efeito, neste dia, cerca das 08H00/08H30, na Herdade 1, quando BB se encontrava, ao serviço de CC, em cima do tractor a carregar lenha da mata da Herdade 1 adquirida por este, foi atingido por uma pernada de um sobreiro que estava a ser cortada por GG, trabalhador e sobrinho de CC.” (v. ref. Citius 2289785 de 01.05.2024).
Segunda: Na PI: “6. Neste dia, cerca das 08H00/08H30, na Herdade 1, quando o Sinistrado se encontrava, em cima de um tractor a carregar lenha da mata da Herdade 1, foi atingido por uma pernada de um sobreiro que foi cortada pelo trabalhador DD e empurrada, através do tractor com a matrícula ..-..-ZQ, conduzido por GG, trabalhador e sobrinho do R., para cima do tractor onde se encontrava o Sinistrado.”
(…)8. Após o acidente, o Sinistrado só ouvia os gritos do R., para os outros trabalhadores: Tirem daqui o homem!
9. Os outros trabalhadores do R. que se encontravam no local, designadamente DD, JJ, FF, EE e GG, cumprindo as ordens do R., retiraram o Sinistrado de cima do tractor, tendo-o transportado no balde do trator conduzido por GG para a estrada, onde se encontrava a carrinha do R.
(…) 24. Tendo o Sinistrado, em consequência do acidente, caído imobilizado, ….
(…) 28.…o R. decidiu mandar retirar o sinistrado do local onde caiu imobilizado,
…(v. ref. Citius 2488276 de 01.03.2024).
Terceira: Nas suas declarações de parte: “Que no dia 13 de Janeiro de 2023, no dia do acidente estava sentado ao volante de um trator a carregar a lenha, com o balde do mesmo para o camião, que se encontrava na estrada, pois o mesmo (camião) não conseguia ir ao local porque estava a chover.
Encontrava-se de costas, quando estavam a cortar um sobreiro e caiu-lhe uma pernada em cima, ficou onde estava (volante do trator), ficou sentado, curvado e não conseguia mexer os braços, nem as pernas…”
Os outros trabalhadores chamaram o réu e ele compareceu no local, tendo ordenado aos outros trabalhadores “ tirem esse homem daqui para fora”.
(v. ref. Citius 33606346 de 04.07.2024).
XXXVIII
Nenhuma das versões foi dada por procedente e em nenhuma delas o A., alegou que, a pernada do sobreiro lhe caiu em cima, quando simplesmente ia passar por debaixo do sobreiro, nem foi produzida qualquer prova que sustentasse esta tese, mas ainda assim se levantou a dúvida insanável no espírito do julgador, relativa a esta versão/questão não litigiosa, por não ter sido alegada nem o R, ter podido contraditá-la, (v. autos e art.8.º n.º1 CC) Civil).
XXXIX
O tribunal a quo, fundamentou essa dúvida, nas declarações das testemunhas, que “…relatando ao Tribunal as respetivas localizações e as tarefas de que cada um se ocupava naquele momento, o que justificou que ninguém tivesse presenciado o exato momento em que caiu pernada do sobreiro sobre o Autor, nem os momentos que antecederam, por se encontrarem em locais relativamente diferentes entre si”
(v. fundamentação ao facto provado 8., ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
XXXX
O Apelante entende, que foi produzia prova suficiente para que o tribunal a quo tivesse dado por provados os factos alegados pelo R, na sua contestação, desde logo porque foi o próprio “ tribunal a quo, que considerou bastante relevantes as declarações das testemunhas, EE, Jorge Vicente KK GG e DD… Todos prestaram declarações de forma que nos pareceu espontânea e sincera, não revelando qualquer comprometimento com o desfecho da causa. “ ( ref. Citius 33865303 de 04.11.2024)
XXXXI
Ora, todas estas testemunhas corroboraram esta versão, de que o autor na altura do acidente andava sem que ninguém lhe tivesse dado ordens, a tentar derrubar sobreiros secos com a pá do trator, de modo a carregar mais rápido a lenha e chegar mais cedo a casa, para tratar das ovelhas e dos borregos que estavam a começar a nascer ainda antes do anoitecer.
XXXXII
A testemunha FF, declarou diretamente à meritíssima juíza a quo, ter presenciado o exato momento em que caiu a pernada do sobreiro sobre o Autor, e os momentos que antecederam,
(Gravação-FF, 11.09.2024 das 14:08h às 14:48h de 09:00’ a 14:00’ e de 36:00’ a 38:30’)
XXXXIII
A testemunha EE, referiu que o dia do acidente era um dia feio de inverno, tinha chovido e estava tudo molhado, quando saíam às 5 horas já estava a escurecer, era quase de noite, e que nesse dia o Sr. BB, tinha chegado no camião mais cedo do que os outros ao Vale da Água, que andava a derrubar sobreiros secos com a pá do trator
(Gravação-EE-11.09.2024 das 11:25h às 12:32h de 10:00’ a 13:05’ e de 24:30’ a 26:40’)
XXXXIV
Foi também esse o entendimento expresso pela testemunha DD, Corroborou a versão dos colegas e,
f) Acrescentou que é mentira que não foi ele, quem cortou a pernada que caiu em cima do A., tal como lhe é imputado na PI, mas antes que foi o sinistrado que derrubou a pernada que lhe caiu em cima,
g) Que ao empurrar o sobreiro seco, era previsível como é natural, o risco de caírem pernadas também elas secas,
h) Descreveu o A. como uma pessoa aventureira e foita, particularizando uma situação concreta de valentia,
d) A testemunha DD, e o JJ, enquanto o EE, o FF e o GG foram transportar o BB ao Centro de Saúde de Local 1, eles ficaram no local a guardar os equipamentos e viaturas, e constataram que atrás do local do acidente, havia também outros sobreiros e pernadas de outros sobreiros derrubados pelo A., antes do acidente, o que para a testemunha afasta a hipótese da pernada poder ter simplesmente caído quando ele passava por debaixo
( Gravação DD, 11.09.2024, das 11.21h às 15:49h, de 14:55’ a 27:35’) .
XXXV
Por sua vez a testemunha refutou e justificou a hipótese da pernada do sobreiro lhe ter caído em cima de forma casual e natural, dado que a testemunha e colega JJ, constataram que antes do acidente ao. Tinha andado atrás desse sobreiro a derrubar outros sobreiros e outras pernadas de outras arvores,
(Gravação–AA,11.09.2024 das 11:51h de 20:15’ a 22:05’ e de 23:45’
a 25:35’).
XXXVI
Acrescentou ainda que, se fosse feita inspeção ao local , o tribunal ainda encontraria vestígios do e que o A., estava virado para o sobreiro e a empurrá-lo, com vestígios da roda do trator ter derrapado,
( Gravação DD, 11.09.2024, das 11.21h às 15:49h, de 25:35’ a 26:20’)
XXXVII
Poderia ainda o tribunal a quo, se tivesse dúvidas, optado oficiosamente por ouvir a testemunha JJ, que se encontrava no tribunal, mas que foi dispensada pelo A, a qual poderia ter ou não corroborado as declarações da testemunha DD, quando afirmou que os dois, constataram que o A., antes do acidente já tinha derrubado mais atrás outras árvores e pernadas.
( Gravação DD, 11.09.2024, das 11.21h às 15:49h, de 20:15’22:00’ e de 23:28´a a 25:10’)
XXXVIII
Além disso, o próprio filho do A, AA, declarou, que muitas vezes o sinistrado levava o camião carregado para casa, e chegava por volta das 1/:10 e as 17:15h, e que naquela altura os borregos estavam a nascer o que dava mais trabalho e exigia mais cuidados, o que indicia fortemente, que o derrubar sobreiros tinha em vista a necessidade de se despachar para chegar mais cedo a casa, e tratar dos animais.
(Gravação–AA,11.09.2024 das 11:51h às 16:24h, de 24:35’ a 15:20’).
XXXIX
Assim , seria pouco provável, o trator estar de frente para a árvore, a patinar com a pá subida e encostada ao sobreiro, que a pernada caísse de forma natural em cima do A., muito estar o sinistrado de costas como ele declarou, e encontrando-se a tese do R, alegada e devidamente demonstrada, deverá ser aceite por verdadeira, e o teor do facto provado 8, vir a ser alterado para o seguinte teor:
8. PELAS 8 HORAS E 30 MINUTOS, QUANDO CONDUZIA O TRACTOR, AO TENTAR DERRUBAR UM SOBREIRO COM A PÁ DO TRATOR, FOI ATINGIDO PELA QUEDA DE UMA PERNADA DESSE SOBREIRO, QUE LHE PROVOCOU E FOI CAUSA DIRECTA E NECESSÁRIA DAS LESÕES E SEQUELAS MELHOR DESCRITAS NO AUTO DA JUNTA MÉDICA, NOMEADAMENTE, TETRAPLEGIA COM LESÃO MEDULAR E FRACTURA DAS VÉRTEBRAS C4 E C5, SEM CAPACIDADE FUNCIONAL E COM ALTERAÇÃO DE ESFÍNCTERES.
( V. ALEGAÇOES DE 79 A 98).
facto não provado G)
“G – QUE, NAS CIRCUNSTÂNCIAS MELHOR DESCRITAS EM 8 DOS FACTOS PROVADOS, O AUTOR TENHA TENTADO DERRUBAR SOBREIROS SECOS COM A PÁ DO TRACTOR QUE CONDUZIA E QUE ISSO TENHA PROVOCADO A QUEDA DA PERNADA DO SOBREIRO EM CIMA DE SI.”,(v. ref. Citius 33865303 de 04.11.2024).
XXXX
A fundamentação desta não prova, assentou na do facto provado 8, acrescentando, “ Autor não foram prestadas de forma exacta declarações sobre a forma como se produziu a queda da pernada do sobreiro, apenas referindo não ter visto a pernada cair sobre si,” constando das suas declarações o seguinte:
“No dia 13 de janeiro de 2023, dia do acidente estava sentado ao volante de um trator a carregar lenha, com o baldo do mesmo para o camião, que se encontrava na estrada, pois o mesmo (camião) não conseguia ir ao local porque estava a chover.
Encontrava-se de costas, quando estavam a cortar um sobreiro e caiu-lhe uma pernada em cima, ficou onde estava (volante do trator), ficou sentado, curvado e não conseguia mexer os braços, nem as pernas.” (v. ref. Citius 33606346 de 04.07.2024).
XXXXI
Existem ainda nos autos elementos probatórios concretos e objetivos, mormente de testemunhos, que não foram devidamente considerados pelo tribunal a quo, em particular, os já supra mencionados, às alterações ao facto provado 8,
(Gravação-EE-11.09.2024 das 11:25h às 12:32h de 10:00’ a 13:05’ e de 24:30’ a 26:40’)
(Gravação-FF, 11.09.2024 das 14:08h às 14:48h de 09:00’ a 14:00’)
(Gravação GG 11.09.2024, das 11:09h às 15:16horas de 16:55’ a 20:21’)
( Gravação DD, 11.09.2024, das 11.21h às 15:49h, de 14:55’ a 27:35’)
(Gravação–AA,11.09.2024 das 11:51h às 16:24h, de 24:35’ a 15:20’).
(Gravação II-11.09.2024- 10:50h às 11:56 horas, de 14:25’ a 15:45’)
XXXXII
Deve por isso o facto não provado, G) vir a ser alterado para provado e renumerado com o n.º 36, com o seguinte teor:
“36 – nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor tentou derrubar sobreiros secos com a pá do tractor que conduzia e foi isso que provocou a queda da pernada do sobreiro em cima de si
( V. ALEGAÇOES DE 99 A 103).
XXXXIII
Em suma impugna-se a decisão com os fundamentos supra indicados, devendo esta Relação alterar a decisão de facto proferida, as alterações produzir a seguinte alteração:
1 – O Autor á data dos factos era empresário e nasceu no dia ... de ... de 1962, na freguesia e concelho de Local 1.
5 – Na sequência do acordo referido em 3, o Autor iniciou a sua actividade para o Réu no dia 2 de Dezembro de 2022, recebendo do Réu, ou do trabalhador DD em sua substituição e na qualidade de encarregado, indicações dos locais de carregamento e descarregamento da lenha
6 – O Autor não tinha um horário certo, e os demais colegas cumpriam o seguinte horário: iniciavam às 08.00 horas e terminavam por volta das 17.00 horas, com uma hora de almoço das 12 às 13 horas.
23 – O Autor tem uma carrinha de caixa aberta e um camião pesado de mercadorias para transporte dos seus bens, e de terceiras pessoas.
24 – Antes do acidente melhor descrito em 8, o Autor tinha uma exploração agrícola com terras próprias e arrendadas ou cedidas, que lavrava, semeava e utilizava para o pastoreio de cerca de 140 animais ovinos seus, e para daí obter palhas e fenos. “
27 – Nos meses de Agosto a Novembro, o Autor ia trabalhar para França, para a campanha da maçã, tendo auferido no período compreendido entre 22 de agosto de 2022 e 12 outubro de 2022, a quantia líquida de 2.122,11 €, e cerca de €4.200,00 na campanha de 2022.
29 – Se o Autor não trabalhasse um dia, não recebia, mas as faltas não tinham qualquer relevância para outros efeitos.
32 – Nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor ficou no mesmo local, sentado no banco do tractor, meio curvado, sem se mexer, sem vestígios de sangue, ou de qualquer fratura aparente, falando com dificuldade e dizendo “tirem-me daqui, por favor”,
Aditados e renumerados os factos provados 35 e 36.
35 – Que a quantia de 50,00 €/dia fosse paga pelo Réu ao Autor, mediante apresentação de fatura emitida até ao final da campanha.
“36 Nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor tentou derrubar sobreiros secos com a pá do tractor que conduzia e foi isso que provocou a queda da pernada do sobreiro em cima de si
E eliminados dos factos não provados,
Eliminados da decisão de facto os factos dados por não provados, D, F e I.
XXXXIV
Ou caso se mantenha a dúvida indicada pelo tribunal a quo, requer nos termos do art.662.º n.2 alínea a) do CPC, seja produzida nova prova, nomeadamente ouvida a testemunha dispensada JJ, mais bem identificado nos autos, e contabilista do A, LL, e realizada inspeção ao local, (v. art.662.º/2, al. b) CPC).
D – IMPUGANAÇAO DA DECISÃO DE DIREITO
1 – Da existência de contrato de trabalho celebrado entre as partes nos presentes autos
XXXXV
O Apelante entende que ilidiu essa presunção:
- em resultado da alegação e dos pedidos formulados pelo próprio A,
-em razão dos factos dados por provados e não provados,
- e ainda em resultado das alterações à decisão de facto, conforme proposta:
XXXXVI
Apesar de não obrigatório, mas o A, não alegou a existência de contrato escrito, “ BB foi contratado pelo R., por contrato verbal, em 2 de Dezembro de 2022,” ( v. PI- ref Citius 2488276 de 01.03.2024)
XXXXVII
Foi o próprio Autor, que não reclamou quaisquer direitos devidos para além do valor diário de €50,00, o que indicia fortemente uma prestação de serviços, e não um contrato de trabalho de onde decorrem diversos direitos, como o subsídio de alimentação, o subsídio de férias, o subsídio de natal, gozo de férias ou pagamento de férias não gozadas, o direito a compensação por eventual falta de formação, etc, (v. art.263.º art.264.º CT, ).
XXXXVIII
Também ele próprio, peticionou apenas 12 meses, a 22 dias úteis e não 30 dias, e não como no CT, trabalha 11 meses e recebe 14 meses, ( gozo de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal),
O A, pede 12 meses,
“12 À data do acidente, o Sinistrado auferia o salário diário de €50,00 x 12 meses, o que perfaz o salário anual de €13.200,00.”
( v. PI- ref Citius 2488276 de 01.03.2024)
XXXXIX
O Autor encontra-se coletado nas finanças e inscrito na segurança social como trabalhador independente.
(facto provado 22 – Ref. Citius 338653303 de 4.11.2024)
XXXXX
O Autor não era sindicalizado
(facto provado 30 – Ref. Citius 338653303 de 4.11.2024)
XXXXXI
Não estava integrado na estrutura organizativa produtiva.
(factos provados 14,21 25, 28, 31 – Ref. Citius 338653303 de 4.11.2024)
XXXXXII
Prestava atividade da mesma ou idêntica atividade a outros beneficiários
(facto provados 15 e 26 – Ref. Citius 338653303 de 4.11.2024)
factos provados 1, 23, 24, 27 com o teor proposto na alteração à matéria de facto).
XXXXXIII
O A., Não tinha um horário fixo,
( facto 6- teor proposto)
XXXXXIV
Não existia poder disciplinar, do R,. sobre o A, na medida em que o A, podia faltar ao serviço sem qualquer penalização, ou sanção, a não ser não receber os €50,00, ( facto provado, 29, com o teor proposto na alteração, ao facto 29, e confessado integralmente pelo A, - ref Citius 33606346 de 04.07.2024).
XXXXXV
Também a perda de dias de férias é uma sanção prevista no CT, que o R,. poderia aplicar ao A/ trabalhador, mas inexistindo por nem sequer alegado pedido esse direito, era impossível o R, aplicar esta sanção, o que é revelador de prestação de serviços e não de CT. ( v. art.328.º/1, alínea d) CT).
XXXXXVI
E como as faltas não tinham qualquer efeito, a não ser a perda dos €50,00/por dia trabalhado, não tinha o R., qualquer poder disciplinar sobre o A., , nomeadamente para o despedir, ainda que faltasse no ano, 5 dias seguidos ou 10 interpolados, independentemente do eventual prejuízo ou risco, (v.art.351.º CT).
XXXXXVII
Além disso, o R, tinha descontos mensais regulares para a segurança social só dos seus rendimentos como empresário, e só tinha e declarava rendimentos da categoria B, na sua declaração de IRS,
(v. Doc.1.2.3 da ref. 2554471 de 04.06.2024).
XXXXXVIII
Ademais prestava serviços a terceiros, emitindo faturas, incluindo ao R, através de uma sua empresa, “ HH, Lda”, o que é bastante revelador da vontade negocial das do autor e do Reu, e dos moldes em que contratavam ( v. ref. Citius 33707632 de 11.09.2024).
XXXXXIX
Relativamente à presunção da dependência económica o R,. entende que alegou e demonstrou que o A, não dependia de si economicamente, porém o tribunal a quo, não apreciou essa questão, o que é motivo da nulidade da sentença, tal como supra invocada.
XXXXXX
Apesar do acidente ter ocorrido no local indicado pelo réu, e os equipamentos utilizados lhe pertencerem, e dar orientações ou instruções ao A., nomeadamente os locais onde deveria carregar e descarregar as lenhas, não consubstanciam por si só, um contrato de trabalho, enquanto a completa ausência de poder disciplinar e de subordinação jurídica e da falta de dependência económica, tal como descritas, revelam a vontade negocial das partes, com ausência de qualquer subordinação jurídica laboral.
( v. Ac. STJ de 18.05.2017, António Leones Dantas, www.dgsi.pt ).
DA SEGUNDA QUESTÃO A questão da determinação da ocorrência de um evento passível de se qualificar como acidente de trabalho;
2 – Da verificação de acidente de trabalho nos presentes autos
XXXXXXI
O tribunal recorrido, deu por verificados os pressupostos, para considerar o evento que vitimou o Autor em 13 de Janeiro de 2023, como um acidente de trabalho, mas o Réu discorda, porque alegou e demonstrou que o A. era empresário em nome individual, sem subordinação jurídica nem subordinação económica do R, não estando nos abrangido pela lei dos acidentes de trabalho, ( v. art.3.º1, art.8º/1, LAT e ref Citius 33865303 de 04.11.2024).
XXXXXXII
Nem o A., pode ser equiparado, por não beneficiar da presunção prevista no art.3.ºn.º2, na medida em que o autor alegou e demonstrou sem que o tribunal a quo o tivesse apreciado, que o autor não depende economicamente do Réu, ( v. art.3.º/2 LAT).
XXXXXXIII
Sendo que o A. na qualidade de trabalhador independente, não estando abrangido pela LAT, e sem que tivesse ele próprio seguro de acidentes de trabalho obrigatório, deverá ser ele a responder pelo acidente, e não o R.
”( v. DL 159/99 , de 11 de maio Ac. TRP de 08.11.2018, Fernanda Soares, www.dgsi.pt ).
TERCEIRA QUESTÃO: - A QUESTÃO DA APRECIAÇÃO DA CULPA DO TRABALHADOR OU DO EMPREGADOR E DA DETERMINAÇÃO DOS DIREITOS DO TRABALHADOR SINISTRADO DECORRENTES DO ACIDENTE DE TRABALHO SOFRIDO.
3 - Da não descaracterização do acidente de trabalho e da ausência de culpa da entidade empregadora na sua produção
XXXXXXIV
O Réu demonstrar que o acidente objecto dos presentes autos apenas se deveu à conduta negligente do Autor que teria agido em desrespeito dos deveres de cuidado que se impunham, ao arremessar a pá do tractor sobre o sobreiro com o objectivo de o derrubar, o que teria provocado a queda da pernada em cima do próprio,” (v. ref Citius 33865303 de 04.11.2024).
XXXXXXV
Mas esta factualidade não foi dada por provada, ou seja, de que o autor tenha agido com negligência grosseira, conforme invocado pelo R., para efeitos de descaracterização do acidente ao abrigo do art.14.º n.º 1, alínea b) da LAT, (v. ref Citius 33865303 de 04.11.2024).
XXXXXXVI
Porém o R,. discorda, porque o tribunal recorrido, não teve em consideração as razões que foram apresentadas nesta apelação, ao pedido de alteração a decisão de facto relativa ao facto está provado número 8, e ao facto não provado G,
8. Pelas 8 horas e 30 minutos, quando conduzia o tractor, AO TENTAR DERRUBAR UM SOBREIRO COM A PÁ DO TRATOR, foi atingido pela queda de uma pernada deSSE sobreiro, que lhe provocou e foi causa directa e necessária das lesões e sequelas melhor descritas no auto da junta médica, nomeadamente, tetraplegia com lesão medular e fractura das vértebras C4 e C5, sem capacidade funcional e com alteração de esfíncteres.
( V. ALEGAÇOES DE 79 A 98).
“36 – nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor tentou derrubar sobreiros secos com a pá do tractor que conduzia e foi isso que provocou a queda da pernada do sobreiro em cima de si
( V. ALEGAÇOES DE 99 A 103).
XXXXXXVII
A alteração a estes factos 8, e ao novo facto provado 36, consubstancia uma negligencia grosseira por parte do A, que nos termos do art.14. n.º1 alínea b) da LAT, descarateriza o acidente, e afasta a responsabilidade do réu na reparação dos danos decorrentes do acidente ocorrido em 13/01/2013 pelo autor, ( v. art.14.º /, al. b) LAT).
(v. Ac. TRE de 28.09.2023, Mário Branco Coelho, www.dgsi.pt).
XXXXXXVII
Em suma:
1. O tribunal recorrido violou o artigo 615.ºn.º 1 alínea b) do CPC, ao omitir a pronúncia sobre a subordinação Económica do autor relativamente ao réu,
2. Admitiu indevidamente AA declarados judicialmente acompanhante do autor e seu lugar representante a prestar declarações como testemunha, violando os artigos 453.º e artigo 496 Do CPC.
3. O tribunal a quo, não considerou adequadamente a prova documental existente nos autos, nem valorizou adequadamente as declarações das testemunhas, nem as provas que deveriam levar a outra decisão de facto, nomeadamente aquela que é proposta pelo recorrente.
4. E, por conseguinte, foi feita incorreta subsunção dos factos ao direito.
5. Além do que foi feito uma incorreta interpretação e aplicação do artigo dos artigos 11 e 10.º do Código do Trabalho e dos art.3.º e 14.º da LAT e demais como supra mencionados,
6. E a não suprimento da duvida alegada sem que tenha sido sanada, viola o art.8.º/1 do CC,
( v. Ac. TRG De 23. 05.2019, Maria sampaio, www.gdsi.pt).
PELO EXPOSTO,
E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VEXAS VENERANDOS DESEMBARGADORES
A) DEVERÁ ESTA APELAÇÃO SER ADMITIDA E APRECIADA, B) CONHECENDO DA NULIDADE INVOCADA,
C) ANULANDO O DESPACHO QUE ADMITIU AA A DEPOR COMO TESTEMUNHA,
D) ALTERANDO A DECISÃO DE FACTO CONFORME REQUERIDO E) E PROFERINDO UMA NOVA DECISÃO QUE DECLARE NÃO HAVER CONTRATO DE TRABALHO SUBORDINADO
F) E QUE O A. COMO TRABALHADOR INDEPENDENTE ESTAVA OBRIGADO A SUBSREVER SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO, SENDO ELE O RESPONSÁVEL PELO ACIDENTE.
G) OU ASSIM NÃO ENTENDENDO, DEVERÁ O ACIDENTE SER DESCARATERIZADO
H) E EM QUALQUER CASO , O REU NÃO VIR A SER RESPONSABILIZADO PELO ACIDENTE.
ASSIM SE FAZENDO A DESEJADA JUSTIÇA
…
O autor BB, representado pelo seu filho AA, apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, terminando com as seguintes conclusões:
A) Quanto à invocada nulidade da sentença por omissão
relativamente aos factos alegados pelo Réu nos artigos 74.º a 79.º da sua Contestação, é notória a falta de razão do Recorrente.
B) Com efeito, as questões submetidas à apreciação do tribunal que se impõe ao tribunal apreciar, nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, «identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.» (Ac. do TRE de 23/05/2022 (Proc 588/14.9TVPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).
C) Ora, analisando os factos que o Réu adianta como não tendo sido apreciados pelo tribunal, logo se conclui que os mesmos ou consubstanciam matéria de direito ou reprodução de normas legais (artigos 74.º e 75.º), ou são factos conclusivos (artigos 76.º a 79.º), não configurando sequer matéria de excepção.
D) Sendo certo que, analisada a Sentença, o que é evidente é que o tribunal recorrido enunciou todos fundamentos de facto, elencando de forma clara os que considerou provados e os que considerou não provados, analisando criticamente todas as provas produzidas que conduziu à decisão da matérias de facto.
E) Enunciou também todos os fundamentos de direito que conduziram à decisão, sendo esta uma consequência lógica da fundamentação de facto e de direito enunciada na Sentença.
F) Inexiste assim qualquer nulidade da Sentença, nomeadamente por omissão de pronúncia.
G) Quanto à impugnação da decisão interlocutória, é importante ter em conta que a medida de acompanhamento do Autor se deve exclusivamente ao facto de se encontrar tetraplégico, sendo obrigado a permanecer acamado por estar totalmente imobilizado.
H) E, tanto assim é que o Autor foi ouvido quer em declarações de parte requeridas por si, quer em depoimento de parte requerido pelo Réu, tendo demonstrado que se encontrava perfeitamente lúcido, consciente e capaz para exercer os seus direitos de forma consciente e de acordo com a vontade que o próprio consegue formar.
I) No entanto, e à cautela, por requerimento com a REF 2536729 de 15/3/2024, foi requerido pelo Autor que fosse ouvido como testemunha o Acompanhante do sinistrado, AA, ou, caso o tribunal entendesse que não podia ser ouvido como testemunha, que o mesmo fosse ouvido em declarações de parte, uma vez que tinha conhecimento directo dos seguintes factos alegados na sua PI: 1.º a 7.º, 10.º, 12.º, 20.º a 23.º.
J) O Tribunal por despacho proferido no início da audiência de julgamento de 11/9/2024, conforme acta da audiência de julgamento que aqui se dá por inteiramente reproduzida, considerou que AA, “pese embora tenha sido nomeado acompanhante e seja legal representante do aqui sinistrado, o mesmo não se mostra incapacitado de prestar depoimento, conforme aliás resulta do auto de depoimento e declarações de parte que teve lugar no dia 04 de Julho de 2024. Por se encontrar presente neste Tribunal determina-se a sua tomada de declarações na qualidade de testemunha, na presente data.”
K) Não merece, por conseguinte, reparo a decisão do tribunal.
L) Ainda que assim não fosse, nos termos da alínea d) do n.º2 do artigo 79.º-A do CPT, cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova, recurso esse, que nos termos do artigo 80.º, n.º2 do CPT é interposto no prazo de 15 (quinze) dias.
M) Consequentemente, à data da interposição do presente recurso, já há muito tinha transitado em julgado a decisão de admissão do depoimento de AA como testemunha, pelo que já não pode ser sindicada por este Venerando Tribunal.
N) Para o caso de assim não se entender e venha a ser declarado a inabilidade de AA para depor como testemunha, por ser acompanhante do Sinistrado, anulando-se o despacho em causa, requer-se a AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO, devendo ser admitido AA a depor em declarações de parte, conforme atempadamente requerido a título subsidiário pelo requerimento do Autor supra transcrito, com a REF 2536729, de 15/3/2024, sobre o qual incidiu o despacho em causa.
O) Quanto à impugnação da matéria de facto, é sabido que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pelo tribunal de 1.ª instância.
P) No entanto, tais poderes de alteração já não podem ser utilizados nos casos em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa dessas versões, ou de parte de uma delas, que se lhe apresentou como mais coerente e plausível, sem que ressalte do juízo alcançado alguma violação das regras da lógica, da ciência e da experiência comum.
Q) Acontece que, neste caso, não foi produzida qualquer prova que pudesse sustentar a versão do Réu.
R) Pelo contrário, todos os trabalhadores do Réu contrariaram a sua versão.
S) Relativamente ao FACTO PROVADO 1, o mesmo deve manter-se inalterado, porque, para além de o Autor ter alegado que foi contratado pelo Réu como “como motorista dos veículos pesados e de tractores do Réu” (artigo 3.º da Participação e do artigo 2.º da PI), todos os empregados do Réu que foram ouvidos como testemunhas afirmaram, sem vacilar, que o Autor era motorista e desempenhava as funções de motorista para o Réu, sendo as suas funções conduzir o camião do Réu e os tractores do Réu.
(TESTEMUNHA EE, depoimento do DIA 11-09-2024, das 11:25 às 12:32, minutos 01:40 a 02:30, 03:20 a 04:00 e 14:45 a 15:15; TESTEMUNHA FF, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:08 às 14:48, minutos 02:20 a 02:26, 03:40 a 04:00, 04:12 a 05:20 e 29:43 a 30:00; TESTEMUNHA GG, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:49 às 15:16, minutos 02:30 a 03:20 e 03:25 a 03:34; e TESTEMUNHA DD, do DIA 11-09-2024, das 15:21 às 15:49, minutos 01:20 a 01:30, 02:35 a 03:30 e 05:30 a 07:40).
T) Segundo a testemunha DD, que trabalha para o Réu há 10 anos, o Réu trabalhava como CAMIONISTA para o Réu, à data do acidente, há 4 anos, apenas interrompendo o trabalho, de Agosto a Novembro, para ir a França fazer a campanha da maçã.
U) E isso também resulta dos factos provados 22 a 26.
V) Com efeito, O AUTOR TRABALHAVA PARA O RÉU CONDUZINDO OS VEÍCULOS PESADOS E OS TRACTORES DO RÉU, como afirmaram todas testemunhas e foi aceite pelo Réu na sua Contestação, e não com os veículos do Autor descritos no Facto Provado 23 e 24.
W) E a melhor prova de que a actividade de empresário agrícola não necessita sequer do trabalho do Autor, bastando o trabalho do seu filho nos tempos livres deste, é que as ovelhas continuaram a comer e a parir, os borregos a ser vendidos e os fardos a serem feitos quer durante os meses de Agosto a Novembro em que o Autor ia fazer as campanhas da maçã a França, quer desde a data do acidente até hoje em que o Autor se encontra tetraplégico e acamado, sem necessidade sequer de o seu filho ter de deixar de trabalhar como tractorista para a Sociedade Agrícola ....
X) Relativamente ao FACTO PROVADO 5, o mesmo deve manter-se inalterado, porque todas as testemunhas ouvidas, designadamente os trabalhadores do Réu, afirmaram que todos os trabalhadores eram trabalhadores do Réu e eram tratados de forma igual, trabalhando em equipa (os motosserristas cortavam os sobreiros, o Autor e o tractorista GG carregavam o camião da entidade patronal com os tractrores da entidade patronal e, quando o camião estava carregado, o Autor ia o descarregar ao estaleiro da Ré), com o mesmo horário de trabalho (das 8H00 às 17H00).
Y) E, no local, quando não estava o Réu, quem os dirigia e lhes dava ordens era o encarregado DD e o JJ (TESTEMUNHA EE, depoimento do DIA 11-09-2024, das 11:25 às 12:32, minutos 04:00 a 04:45, 07.08 a 07:40 e 55:45 a 56:45; TESTEMUNHA FF, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:08 às 14:48, minutos 30:00 a 31:05; e TESTEMUNHA DD, depoimento do DIA 11-09-2024, das 15:21 às 15:49: 04:00 a 04:48.
Z) Relativamente ao FACTO PROVADO 6, o mesmo deve manter-se inalterado, porque todas as testemunhas ouvidas, designadamente os trabalhadores do Réu, afirmaram que o trabalho era efectuado em equipa (os motosserristas cortavam os sobreiros, o Autor e o tractorista GG carregavam o camião da entidade patronal com os tractrores da entidade patronal e, quando o camião estava carregado, o Autor ia o descarregar ao estaleiro da Ré) e com o mesmo horário de trabalho: das 08H00 às 17H00.
AA) É óbvio, como afirmaram todos os trabalhadores do Réu, que, tendo o Autor por função conduzir o camião do Réu que foi carregado na mata para o ir descarregar ao estaleiro, só regressa à mata se tiver tempo de carregar outra carrada antes das 17H, hora em que termina o trabalho na mata.
BB) E é precisamente pelo facto de o horário de trabalho do Autor ser o mesmo dos restantes trabalhadores é que já não regressava à mata, caso não conseguisse chegar antes das 17H.
CC) Nestes dias, completava o horário de trabalho carregando cortiça no estaleiro para levar à fábrica.
DD) E os FACTOS PROVADOS 19 a 21 apenas corroboram esta evidência: o Autor trabalhava para o Réu como motorista, conduzindo o camião do Réu e fazendo o transporte da lenha da mata para o estaleiro, almoçando pelo caminho. (TESTEMUNHA EE, depoimento do DIA 11-09-2024, das 11:25 às 12:32, minutos 04:00 a 04:45, 07:08 a 07:40, 07:10 a 08:42 e 22:10 a 23:00; TESTEMUNHA FF, depoimento do DIA 11-09-2024, das14:08 às 14:48, minutos 5:27 a 07:06, 30:00 a 31:04 e 31:40 a 34:18; TESTEMUNHA GG, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:49 às 15:16, minutos 05:01 a 06:46 e 06:50 a 07:00; e TESTEMUNHA DD, depoimento do DIA 11-09-2024, das 15:21 às 15:49, minutos 06:10 a 07:20 e 07:40 a 07:55).
EE) Relativamente ao FACTO PROVADO 23, o mesmo também deve manter-se inalterado.
FF) Com efeito, o Autor não foi apenas ouvido em depoimento de parte a requerimento da Ré, mas também foi ouvido em DECLARAÇÕES DE PARTE, em produção antecipada de prova, a seu pedido, o que foi deferido no despacho saneador.
GG) Ora, as declarações de parte não visam a confissão do Réu, ao contrário do depoimento de parte, mas devem ser livremente valoradas pelo tribunal.
HH) Declarações essas que, nesta parte, coincidiram com as declarações do seu filho AA que vive com o Autor e faz, juntamente com o pai e sozinho desde o acidente ou nos meses em que o pai ia para a campanha da maçã em França, a exploração do rebanho e da venda de fardos de palha, fora do horário de trabalho e aos fins de semana.
II) O Autor nunca prestou trabalhos para terceiros.
JJ) É certo que o Autor emitiu a factura n.º20 de 17/08/2022, no valor de €7.080,80, a uma empresa do Réu com a firma “HH, Lda”, mas AA, filho do Autor, explicou muito bem as circunstâncias em que isso aconteceu (Testemunha AA, depoimento do Dia 11/9/2024, das 15:51 às 16:16, minutos 20:55 a 25:00).
KK) Sendo certo que a explicação de AA para a emissão da referida factura é absolutamente condizente com os depoimentos de todos os trabalhadores do Réu ouvidos como testemunhas, designadamente o encarregado do Réu DD que já trabalha para o Réu há 10 anos (TESTEMUNHA DD, depoimento do DIA 11-09-2024, das 15:21 às 15:49, minutos 01:20 a 01:30, 02:35 a 03:30 e 05:30 a 07:40).
LL) Há quatro anos que o Autor trabalhava para o Réu, COMO MOTORISTA DOS CAMIÕES E DOS TRACTORES DO RÉU, apenas interrompendo o trabalho para ir fazer a campanha da maçã a França, retomando o trabalho em Novembro.
MM) Sendo certo que, se o Autor, fora do seu horário de trabalho, nas férias, nos feriados ou nos fins-de-semana, prestasse algum serviço para terceiros COM OS SEUS VEÍCULOS, designadamente para alguma empresa do Réu, é absolutamente irrelevante para a matéria em discussão.
NN) Grave seria se o Autor usasse os veículos do Réu para fazer serviços para terceiros, em seu benefício, o que efectivamente nem o Réu teve a coragem de alegar.
OO) Relativamente ao FACTO PROVADO 24, o mesmo também deve manter-se inalterado, porque resulta precisamente não só da confissão do Autor, constante da assentada, mas também das declarações de parte do Autor, de todos os depoimentos das testemunhas e da prova documental.
PP) Com efeito, se quer o Autor, quer todas as testemunhas ouvidas, designadamente, os empregados do Réu, declararam que o Autor trabalhava para o Réu há vários anos, cumprindo o mesmo horário de trabalho que eles (das 8H às 17H), apenas interrompendo o trabalho para ir fazer a campanha da maçã a França, é óbvio que o Autor, tendo em conta que não tem o DOM DA UBIQUIDADE, apenas se podia dedicar à actividade agrícola, explorando um terreno e cuidando do rebanho, NAS HORAS VAGAS.
QQ) Quanto ao número de ovelhas de que é proprietário, resulta não só da confissão do Autor, constante da assentada, mas também das declarações de parte do Autor, do seu filho AA e da sua esposa, as únicas testemunhas ouvidas que tinham conhecimento do rebanho.
RR) Quanto ao documento junto aos autos pelo IFAP 174761 (Doc. com a Ref. Citius 33589308 de 27/06/2024), como qualquer leigo devia perceber (e se não percebe devia de perguntar a quem percebe), o mesmo comprova a totalidade dos ovinos que estiveram na exploração do Autor entre os anos de 2021 e 2023, mas não o número de ovinos existentes (em permanência) em cada um desses anos na exploração.
SS) Sendo certo que o Ré não ignora que os animais numa exploração deste tipo estão em permanente circulação: são comprados e vendidos, morrem e são abatidos, são roubados e desaparecem, etc.
TT) Relativamente ao FACTO PROVADO 27, o mesmo também deve manter-se inalterado, porque resulta das declarações do Autor, do filho AA e de todas as testemunhas ouvidas, designadamente, do encarregado do Réu DD, relativamente à periocidade anual em que o Autor ia fazer a campanha da maçã a França entre Agosto e Novembro (TESTEMUNHADD, depoimento do DIA 11-09-2024, das 15:21 às 15:49, minutos 01:20 a 01:30 e 02:35 a 03:30) e o valor auferido entre 22 de Agosto de 2022 e 12 de Outubro de 2022, do contrato de trabalho e recibos juntos aos autos.
UU) Relativamente ao FACTO PROVADO 29, o mesmo também deve manter-se inalterado, porque resulta de todos os depoimentos, designadamente dos trabalhadores do Réu, que todos os trabalhadores recebiam ao dia e eram pagos à semana e só recebiam os dias em que trabalhavam (TESTEMUNHA EE, depoimento do DIA 11-09-2024, das 11:25 às 12:32, minutos 04:48 a 05:49; TESTEMUNHA FF, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:08 às 14:48, minutos 07:46 a 08:53; e TESTEMUNHA GG, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:49 às 15:16, minutos 07:02 a 08:29)
VV) Relativamente ao FACTO PROVADO 32, o mesmo deve manter-se inalterado, porque resulta, manifestamente, da convicção formada pelo tribunal, após ter ouvido relatos diferentes de pessoas (Autor e testemunhas) que se encontravam em locais diferentes no momento do acidente e, como tal, com perspectivas diferentes do que aconteceu.
WW) E se a testemunha MM foi a que primeiro chegou junto do Autor, forçoso será concluir que terá sido para este que gritou:
“Tirem-me daqui por favor”.
XX) Relativamente ao FACTO PROVADO E), assim como os Factos D), F) e I), tendo sido alegados pelo R., devem manter-se não provados pelas razões constantes da fundamentação da douta sentença.
YY) Sendo certo que, quanto ao FACTO NÃO PROVADO E), é óbvio que o mesmo não pode ser dado como provado, pois tal colidiria com toda a prova produzida: declarações de parte do A., depoimento das testemunhas AA, NN e todas as testemunhas que eram empregados do Réu.
ZZ) Que o Autor ganhava 50€/ por dia é reconhecido pelo próprio Réu e a forma como era pago era igual à de todos os trabalhadores do Réu: era pago à semana e só recebia os dias em que trabalhava, tal como todos os trabalhadores que são pagos à semana, quando o salário acordado é ao dia (TESTEMUNHA EE, depoimento do DIA 11-09-2024, das 11:25 às 12:32, minutos 04:48 a 05:49; TESTEMUNHA FF, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:08 às 14:48, minutos 07:46 a 08:53; e TESTEMUNHA GG, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:49 às 15:16, minutos 07:02 a 07:25).
AAA) Relativamente ao FACTO PROVADO 8 e NÃO PROVADO G), como resulta da fundamentação do tribunal para dar como provado o FACTO PROVADO 8, não houve UMA ÚNICA testemunha que tivesse presenciado o exacto momento em que caiu a pernada do sobreiro sobre o Autor, nem os momentos que antecederam a queda da pernada, por se encontrarem em locais diferentes entre si.
BBB) Sendo certo que os FACTOS PROVADOS têm de resultar necessariamente da prova produzida e não de conjecturas ou suposições pelo que não tendo havido uma única testemunha que tivesse presenciado o exacto momento em que caiu a pernada do sobreiro sobre o Autor, nem os momentos que antecederam a queda da pernada, por se encontrarem em locais afastados do local onde se encontrava o Autor, o FACTO PROVADO 8 NÃO PODIA TER OUTRA REDACÇÃO.
CCC) Além disso, a narrativa de que o Autor andaria a tentar derrubar sobreiros secos, com o intuito “de se despachar mais depressa para chegar mais cedo a casa, porque, naquela altura, os borregos estavam a nascer” NÃO É SEQUER VEROSÍMEL, uma vez que o acidente aconteceu às 8H30 pelo que o argumento de que o Autor andava a fazer um trabalho que não lhe competia (derrubar sobreiros) para se despachar mais cedo NÃO TEM PÉS NEM CABEÇA, uma vez que o Autor teria sempre de regressar à mata para carregar uma nova carrada (TESTEMUNHA EE, depoimento do DIA 11-09-2024, das 11:25 às 12:32, minutos 04:00 a 04:45, 07.08 a 07:40 e 22:10 a 23:00; TESTEMUNHAFF, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:08 às 14:48, minutos 05:27 a 05:44, 30:00 a 31:04 e 31:40 a 34:18; TESTEMUNHA GG, depoimento do DIA 11-09-2024, das 14:49 às 15:16, minutos 05:01 a 05:40 e 06:50 a 07:00; e TESTEMUNHA DD, depoimento do DIA 11-09-2024, das 15:21 às 15:49, minutos 06:10 a 06:31 e 07:40 a 07:55).
DDD) Ora, mantendo-se a matéria de facto provada inalterada, forçoso será concluir que a sentença deverá manter-se nos seus exactos termos.
EEE) Na verdade, em face da matéria provada, dúvidas inexistem de que estão verificados quatro das circunstâncias da verificação das quais a lei laboral faz presumir a existência de um contrato de trabalho (e bastariam duas, para a presunção actuar) – alíneas a), b), c) e d) do n.º1 do artigo 12.º do CT.
FFF) Com efeito, decorre da matéria de facto que o A. desempenhava as funções de motorista determinadas pelo R., em local por este determinado, utilizando os instrumentos de trabalho do R., sujeitando-se às ordens e orientações do R., cumprindo um horário de trabalho pelo R. previamente determinado, e mediante uma contrapartida regular diária.
GGG) Quanto à ocorrência do acidente dos autos e à sua caracterização como acidente de trabalho, remete-se, para a argumentação da douta Sentença, atenta a sua clareza e acerto.
NESTES TERMOS, E PORQUE SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA.
…
O tribunal de 1.ª instância pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer nulidade e admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
O recorrente CC veio responder ao parecer, reiterando os motivos indicados nas alegações recursivas.
Neste Tribunal, o recurso foi admitido nos seus precisos termos e os autos foram aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
♣
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da sentença;
2) Impugnação da decisão interlocutória;
3) Impugnação da matéria de facto;
4) Inexistência de contrato de trabalho;
5) Inexistência de acidente de trabalho; e
6) Descaracterização do acidente de trabalho.
♣
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1 – O Autor é motorista e nasceu no dia ... de ... de 1962, na freguesia e concelho de Local 1.
2 – O Réu é empresário em nome individual trabalhando no ramo da agricultura e silvicultura e dedica-se, entre o mais, a comprar matas e revender lenha e cortiça e à limpeza e podas de sobreiros e de outras árvores.
3 – Em data não concretamente apurada, mas depois de o Autor regressar da campanha da maçã que habitualmente fazia em França, em Novembro de 2022, à semelhança do que vinha acontecendo nos anos anteriores, Autor e Réu, acordaram verbalmente que o Autor iria desempenhar as funções de motorista de pesados e de tractores, pertencentes ao Réu, no transporte de lenha de matas previamente adquiridas pelo Réu, ajudando também a carregar a lenha para cima do veículo pesado ou do tractor e a descarregá-la, juntamente com os restantes trabalhadores do Réu.
4 – Mercê do supra exposto, o Réu pagava ao Autor a quantia equivalente a 50,00 €/dia.
5 – Na sequência do acordo referido em 3, o Autor iniciou a sua actividade para o Réu no dia 2 de Dezembro de 2022, recebendo do Réu, ou do trabalhador DD em sua substituição e na qualidade de encarregado, ordens e instruções de como deveria realizar a sua actividade.
6 – O Autor e os demais colegas cumpriam o seguinte horário: iniciavam às 08.00 horas e terminavam por volta das 17.00 horas, com uma hora de almoço das 12 às 13 horas.
7 - No dia 13 de Janeiro de 2023, o Autor encontrava-se com os colegas na Herdade 1, a carregar lenha para cima do tractor para a descarregar novamente no veículo pesado de matrícula ..-..-IR, pertencente ao Réu, que depois conduzia até ao estaleiro do Réu sito em ....
8 – Pelas 8 horas e 30 minutos, quando conduzia o tractor, e de forma não concretamente apurada, o Autor foi atingido pela queda de uma pernada de um sobreiro, que lhe provocou e foi causa directa e necessária das lesões e sequelas melhor descritas no auto de junta médica, nomeadamente, tetraplegia com lesão medular e fractura das vértebras C4 e C5, sem capacidade funcional e com alteração de esfíncteres.
9 – O INEM não foi chamado ao local.
10 – O Autor foi prontamente socorrido pelos colegas que ali se encontravam, nomeadamente, pelos colegas DD, JJ, FF, EE e GG, e transportado, na pá do tractor até à carrinha que haveria de o levar até Local 1.
11 – Mercê do supra exposto, o Autor foi assistido primeiro no Centro de Saúde de Local 1 de onde foi transferido para o Hospital de Local 2 e dali para o Hospital de S. José, em Lisboa, acabando por ser transferido para o Hospital ... em Local 3, onde ainda se encontra internado no serviço de cuidados intermédios.
12 – Submetido a exame médico pelo perito do INML, verifica-se que o Autor esteve em ITA, no período compreendido entre 14 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 2023, data da alta, encontrando-se afectado de uma Incapacidade Permanente Absoluta de 142,50% desde o dia 17 de Fevereiro de 2023.
13 – Mercê das lesões e sequelas melhor descritas em 8, o Autor carece de apoio permanente de 3ª pessoa para todas as actividades da vida diária e de ajudas técnicas, médicas e medicamentosas tendo em vista evitar o agravamento do seu quadro clínico.
14 – O Réu não tinha transferida para qualquer seguradora a sua responsabilidade por acidentes de trabalho.
15 – À data do acidente o Autor tinha 60 anos de idade, era um homem saudável, fisicamente robusto e activo.
16 - Em consequência das lesões provocadas pelo acidente, teve o Autor um longo e doloroso período de doença, encontrando-se permanentemente acamado e sem quaisquer possibilidades de se movimentar, o que lhe provoca grande sofrimento, angústia e ansiedade, repetindo frequentemente “estou arrumado” por não vislumbrar qualquer perspectiva de futuro.
17 – Mercê das lesões e sequelas sofridas, o Autor encontra-se permanentemente dependente do apoio de 3ª pessoa, acamado, sem se conseguir mexer, tendo estado durante muito tempo ventilado, apresentando dificuldade em falar, encontrando-se a receber acompanhamento psiquiátrico.
18 – O Réu não prestou aos seus trabalhadores, colegas do Autor, qualquer formação em matéria de primeiros socorros e procedimentos a adoptar em caso de emergência médica, não implementando quaisquer medidas em termos de planificação dos trabalhos nessa matéria.
Resultou ainda provado que:
19 – Quando o trabalho de corte de lenha era realizado em local próximo do estaleiro como era o caso da Herdade 1, o Autor fazia 2 a 3 carradas por dia.
20 – Nesta situação concreta, o Autor fazia uma carrada de manhã, almoçava pelo caminho em hora e local por ele determinados.
21 – Mercê do supra exposto, o Autor conduzia o veículo de matrícula ..-..-IR, propriedade do Réu, sozinho e desacompanhado de qualquer outra pessoa.
22 – O Autor encontra-se colectado nas finanças e inscrito na segurança social como trabalhador independente.
23 – O Autor tem uma carrinha de caixa aberta e um camião pesado de mercadorias para transporte dos seus bens, mas não os de terceiras pessoas. (Alterado, conforme fundamentação infra)
24 – Antes do acidente melhor descrito em 8, o Autor dedicava-se, nas suas horas vagas, à actividade agrícola, explorando um terreno e cuidando de cerca de 50 ovelhas.
25 – Mercê do supra exposto, o Autor tinha um tractor, com diversas alfaias e uma máquina de corte e enfardamento.
26 – O Autor vendia ovelhas e borregos e recebia subsídios pela exploração agrícola e pelos animais.
27 – Nos meses de Agosto a Novembro, o Autor ia trabalhar para França, para a campanha da maçã, tendo auferido, no período compreendido entre 22 de Agosto de 2022 e 12 de Outubro de 2022, a quantia líquida de 2.122,11 €.
28 – O Réu não declarou o Autor como seu trabalhador à Segurança Social, nem emitiu quaisquer recibos de vencimento nem efectuou retenções ou descontos para a Autoridade Tributária ou Segurança Social.
29 – Se o Autor não trabalhasse um dia, não recebia.
30 – O Autor não era sindicalizado.
31 – Era o Réu quem indicava ao Autor o local de carregamento e descarregamento da lenha e lhe fornecia os instrumentos necessários à sua actividade, mormente, através da utilização de veículos pesados e tractores pertencentes ao Réu.
32 – Nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor ficou sentado em cima do banco do tractor, sem se conseguir mexer e gritou ao colega FF “Tirem-me daqui por favor”.
33 – No dia 13 de Janeiro de 2023, as terras e os caminhos estavam molhados.
34 – O local onde se verificaram os factos melhor descritos em 8 dos factos provados é inclinado e estava coberto de mato, sendo de muito difícil acesso, só se consegue aceder de tractor ou similares.
…
E deu como não provados:
A - Que, nas circunstâncias de tempo e lugar melhor descritas em 8 e 10 dos factos provados, o Réu se encontrasse presente e que este tenha gritado para os colegas do Autor “Tirem daqui o homem”.
B - Que, nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, a pernada que atingiu o Autor tivesse sido cortada pelo trabalhador DD e empurrada, através do tractor com a matrícula ..-..-ZQ, conduzido pelo trabalhador GG, para cima do tractor onde se encontrava o Autor.
C – Que as lesões sofridas pelo Autor melhor descritas em 8 dos factos provados tenham sido provocadas ou agravadas pela forma como o Autor foi transportado até ao Centro de Saúde de Local 1.
D – Que fosse o Autor a gerir o seu tempo em função dos transportes/carradas que realizava, gerindo no terreno o seu trabalho, sem que o Réu lhe impusesse um horário.
E – Que a quantia de 50,00 €/dia fosse paga pelo Réu ao Autor sem qualquer regularidade e mediante apresentação de fatura emitida até ao final da campanha.
F – Que o Autor desempenhasse as suas funções de motorista de pesados para o Réu sozinho, sem estar integrado na organização do Réu e sem receber ou dar ordens.
G – Que, nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor tenha tentado derrubar sobreiros secos com a pá do tractor que conduzia e que isso tenha provocado a queda da pernada do sobreiro em cima de si.
H – Que, nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor aparentasse estar alcoolizado e agitado.
I – Que o Autor tivesse cerca de 200 ovelhas, que vendesse e transportasse, no seu camião, bens de terceiras pessoas e que auferisse, na campanha da maçã em França, à volta de 12.000,00 €.
(Acrescentado o facto não provado J, conforme fundamentação infra)
*
O tribunal não se pronuncia sobre a demais matéria alegada porquanto se trata de matéria de direito ou reveste de natureza conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa.
♣
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.
1 – Nulidade da sentença
Considera o recorrente que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que o Réu, nos arts. 74 a 79 da sua contestação, alegou factos destinados a ilidir a presunção legal prevista no art. 3.º da Lei n.º 101/2009, de 08-09, ou seja, a comprovar que o Autor não dependia economicamente do Réu, tendo requerido, inclusive, a realização de meios de prova com vista à demonstração de tais factos, não tendo, porém, a sentença, apesar de considerar a questão da dependência económica essencial, proferido decisão sobre a mesma.
Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
[…]
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Determina também o art. 608.º, n.º 2, do mesmo Diploma Legal, que:
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade por omissão de pronúncia, para que se mostre verificada, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que o tribunal não tenha decidido uma questão que lhe tenha sido colocada, salvo se tal questão se mostrar prejudicada pela solução dada a outras.
Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis:4
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015:5
(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.
Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:6
4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.
Por fim, importa não confundir a não pronúncia do tribunal com o não atendimento de um facto que se mostra alegado ou o não atendimento a meios de prova apresentados ou produzidos, pois tal não atendimento não se reporta à não apreciação de uma questão, conforme a mesma se mostra definida no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil.
Daí que o vício resultante do não atendimento de um facto que se mostra alegado reflete-se a nível de erro de julgamento e não a nível da nulidade da sentença.
Cita-se, pela sua relevância, o acórdão do STJ, proferido em 23-03-2017:7
Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.
Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis[in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146]:
«(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.
(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
E, por argumento de maioria de razão, o mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.
Apreciemos.
No caso dos autos, o recorrente invoca ter alegado factos relativos à questão da inexistência de dependência económica e que a sentença recorrida não apreciou essa questão, apesar de a ter mencionado.
Não sendo percetível se a invocada nulidade por omissão de pronúncia se reporta ao não atendimento dos aludidos factos ou à circunstância de na sentença recorrida não ter sido apreciada a questão da dependência económica, iremos nos debruçar sobre as duas situações.
Relativamente ao não atendimento de factos alegados na contestação, como se referiu supra, tal circunstância, a existir, não implica a nulidade da sentença, antes sim, um erro de julgamento, a apreciar em sede de impugnação da matéria de facto.
Relativamente à não apreciação da questão da dependência económica, importa referir que a questão que foi colocada ao tribunal a quo para decidir foi a da “Determinação da existência de um contrato de trabalho celebrado entre Autor e Réu ou de um contrato de prestação de serviços”, conforme, aliás, consta do despacho saneador, e não se o Autor estava na dependência económica do Réu. O apuramento da situação económica do Autor e a sua dependência económica relativamente ao Réu pode ter relevância para a resolução da questão colocada ao tribunal, porém, não é essa a questão a decidir, pelo que a eventual não análise dessa argumentação pode configurar um erro de julgamento, mas não uma situação de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
E relativamente à questão a decidir pelo tribunal, inexiste qualquer dúvida de que, independentemente do seu acerto, foi a mesma decidida no ponto 1 (“Da existência de contrato de trabalho celebrado entre as partes nos presentes autos), na parte referente à Fundamentação de Direito.
Nesta conformidade, apenas resta declarar a improcedência da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
2 – Impugnação da decisão interlocutória
Considera o recorrente que a decisão proferida pelo tribunal a quo de admitir AA, judicialmente declarado acompanhante do Autor e seu legal representante, a prestar declarações na qualidade de testemunha, viola o disposto nos arts. 453.º e 496.º do Código de Processo Civil, pelo que tal despacho deve ser anulado, desconsiderando-se as declarações prestadas por AA na qualidade de testemunha.
Apreciemos.
Em 11-09-2024, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho judicial:
Considerando que no seu requerimento probatório requer o sinistrado que seja inquirido na qualidade de testemunha o AA ou em alternativa lhe sejam tomadas declarações de parte, por o mesmo ter sido nomeado acompanhante do Sr. BB, aqui sinistrado, em processo de maior acompanhado e considerando que o Tribunal não proferiu despacho que expressamente o mencionasse por ter sido oportunamente requerido, admite-se AA a prestar declarações na qualidade de testemunha, uma vez que, pese embora tenha sido nomeado acompanhante e seja legal representante do aqui sinistrado, o mesmo não se mostra incapacitado de prestar depoimento, conforme aliás resulta do auto de depoimento e declarações de parte que teve lugar no dia 04 de Julho de 2024.
Por se encontrar presente neste Tribunal determina-se a sua tomada de declarações na qualidade de testemunha, na presente data.-
Notifique.-
Do antecedente despacho foram todos os presentes notificados do que disseram ficar cientes.-
O despacho ora impugnado expressamente admite a prestação de depoimento de AA na qualidade de testemunha, ou seja, pronuncia-se, no sentido da admissão, sobre um meio de prova solicitado.
E, a ser assim, discordando o recorrente de tal despacho, uma vez que estava presente na audiência de julgamento em que o despacho foi proferido, possuía, o prazo de 15 dias, para recorrer do mesmo, nos termos dos arts. 79.º-A, n.º 2, al. d) e 80.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho. Tal prazo terminou, assim, em 26-09-2024 (sendo que, mesmo atendendo-se ao disposto no art. 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, sempre tal prazo terminaria em 01-10-2024), pelo que o presente recurso, que deu entrada em 05-12-2024, mostra-se manifestamente extemporâneo.
Em face do trânsito em julgado do despacho proferido, nada mais há a decidir sobre tal questão.
3 – Impugnação da matéria de facto
Considera o recorrente que foram incorretamente julgados os factos provados 1, 5, 6, 8, 23, 24, 27, 29 e 32 e os factos não provados D, E, F, G e I; bem como que não foram apreciados e decididos os factos alegados nos arts. 74 a 79 da contestação.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Apreciemos.
Na conclusão V, o recorrente veio impugnar a matéria de facto por não terem sido apreciados e decididos os factos alegados na contestação, nos seus arts. 74 a 79, factos esses que, porém, não só não elenca, como também não indica que prova foi produzida para virem, eventualmente, a ser dados como provados.
Nesta conformidade, é de rejeitar tal impugnação fáctica, por incumprimento do disposto no art. 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, sem que, porém, não se deixe de referir que em nenhum desses artigos se mostra descrito qualquer facto, variando os mesmos entre descrições legais (arts. 74.º, 75.º e 78.º), referências a ausências de factos e incoerência do alegado na petição inicial (arts. 76.º, 77.º e 78.º) e conclusões jurídicas (art. 79.º).
Relativamente à restante impugnação fáctica, o recorrente cumpriu os requisitos impostos pelo disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que iremos proceder à sua apreciação.
a) Factos provados 1, 5, 6, 23, 24, 27, 29 e 32
Consta destes factos que:
1 – O Autor é motorista e nasceu no dia ... de ... de 1962, na freguesia e concelho de Local 1.
5 – Na sequência do acordo referido em 3, o Autor iniciou a sua actividade para o Réu no dia 2 de Dezembro de 2022, recebendo do Réu, ou do trabalhador DD em sua substituição e na qualidade de encarregado, ordens e instruções de como deveria realizar a sua actividade.
6 – O Autor e os demais colegas cumpriam o seguinte horário: iniciavam às 08.00 horas e terminavam por volta das 17.00 horas, com uma hora de almoço das 12 às 13 horas.
23 – O Autor tem uma carrinha de caixa aberta e um camião pesado de mercadorias para transporte dos seus bens, mas não os de terceiras pessoas.
24 – Antes do acidente melhor descrito em 8, o Autor dedicava-se, nas suas horas vagas, à actividade agrícola, explorando um terreno e cuidando de cerca de 50 ovelhas.
27 – Nos meses de Agosto a Novembro, o Autor ia trabalhar para França, para a campanha da maçã, tendo auferido, no período compreendido entre 22 de Agosto de 2022 e 12 de Outubro de 2022, a quantia líquida de 2.122,11 €.
29 – Se o Autor não trabalhasse um dia, não recebia.
32 – Nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor ficou sentado em cima do banco do tractor, sem se conseguir mexer e gritou ao colega FF “Tirem-me daqui por favor”.
O recorrente pretende que estes factos passem a ter a seguinte redação:
1 – O Autor á data dos factos era empresário e nasceu no dia ... de ... de 1962, na freguesia e concelho de Local 1.
5 – Na sequência do acordo referido em 3, o Autor iniciou a sua actividade para o Réu no dia 2 de Dezembro de 2022, recebendo do Réu, ou do trabalhador DD em sua substituição e na qualidade de encarregado, indicações dos locais de carregamento e descarregamento da lenha
6 – O Autor não tinha um horário certo, e os demais colegas cumpriam o seguinte horário: iniciavam às 08.00 horas e terminavam por volta das 17.00 horas, com uma hora de almoço das 12 às 13 horas.
23 – O Autor tem uma carrinha de caixa aberta e um camião pesado de mercadorias para transporte dos seus bens, e de terceiras pessoas.
24 – Antes do acidente melhor descrito em 8, o Autor tinha uma exploração agrícola com terras próprias e arrendadas ou cedidas, que lavrava, semeava e utilizava para o pastoreio de cerca de 140 animais ovinos seus, e para daí obter palhas e fenos. “
27 – Nos meses de Agosto a Novembro, o Autor ia trabalhar para França, para a campanha da maçã, tendo auferido no período compreendido entre 22 de agosto de 2022 e 12 outubro de 2022, a quantia líquida de 2.122,11 €, e cerca de €4.200,00 na campanha de 2022.
29 – Se o Autor não trabalhasse um dia, não recebia, mas as faltas não tinham qualquer relevância para outros efeitos.
32 – Nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor ficou no mesmo local, sentado no banco do tractor, meio curvado, sem se mexer, sem vestígios de sangue, ou de qualquer fratura aparente, falando com dificuldade e dizendo “tirem-me daqui, por favor”,
Relativamente ao facto provado 1, entende o recorrente que a indicação de que o Autor é motorista não se mostra alegada e é contraditada pelos documentos 1, 2 e 3 juntos em 06-06-2024.8
Ora, consta expressamente do art. 2.º da petição inicial que:
BB foi contratado pelo R., por contrato verbal, em 2 de Dezembro de 2022, para, sob as ordens e orientação deste, mediante o pagamento de €50,00/dia, trabalhar como motorista dos veículos pesados e dos tractores do R. no transporte de lenha das matas adquiridas por este e que eram cortadas por trabalhadores por este contratados, cabendo também a BB ajudar a carregar a lenha para cima do veículo pesado ou do tractor e a descarregá-la.
É, assim, evidente que o Autor alegou na sua petição inicial que era motorista de veículos pesados. Acresce que o que releva nos presentes autos não é o que se mostra inscrito nas finanças, antes sim, a atividade efetivamente desenvolvida pelo Autor. Por sua vez, resulta expressamente, não só das declarações de parte do Autor e dos depoimentos das testemunhas NN e AA, respetivamente mulher e filho do Autor, que a atividade desenvolvida pelo Autor era a de motorista, como tal atividade é expressamente mencionada como sendo a do Autor pelas testemunhas EE, FF, GG e DD, que também trabalharam para o Réu.
Nesta conformidade, mantém-se na íntegra o que consta do facto provado 1.
Relativamente ao facto provado 5, entende o recorrente que a alteração proposta resulta das declarações da testemunha DD.
Ora, resulta expressamente do depoimento da testemunha DD que o Réu dava as ordens ao Autor para ele ir carregar na mata X ou na mata Y, sendo que a testemunha, já dentro do campo, lhe indicava os locais onde o Autor deveria ir fazer os carregamentos de lenha. Assim, é a própria testemunha DD quem refere precisamente a palavra ordens e não a palavra instruções.
De qualquer modo, as testemunhas EE e FF foram bastante esclarecedoras ao mencionarem que o Autor era tratado de maneira exatamente igual à maneira como eles eram tratados, tendo ainda a testemunha FF referido que todos recebiam ordens dos encarregados DD e JJ. Atente-se que o facto provado 31 se reporta igualmente a esta matéria, ainda que apenas reportada ao Réu, já não ao seu encarregado, e, porém, não se mostra o mesmo impugnado.
Pelo exposto, por ter resultado da prova produzida, mantem-se na íntegra o facto provado 5.
Relativamente ao facto provado 6, entende o recorrente que a alteração proposta resulta do teor dos factos provados 19, 20 e 21 e das declarações das testemunhas EE e FF.
Consta dos factos provados 19, 20 e 21 que:
19 – Quando o trabalho de corte de lenha era realizado em local próximo do estaleiro como era o caso da Herdade 1, o Autor fazia 2 a 3 carradas por dia.
20 – Nesta situação concreta, o Autor fazia uma carrada de manhã, almoçava pelo caminho em hora e local por ele determinados.
21 – Mercê do supra exposto, o Autor conduzia o veículo de matrícula ..-..-IR, propriedade do Réu, sozinho e desacompanhado de qualquer outra pessoa.
Ora, destes factos, apenas o facto provado 20 se reporta ao horário de trabalho do Autor, sendo que daí apenas resulta que, em determinadas situações, perfeitamente identificadas, o Autor não almoçava no horário das 12h00 às 13h00, podendo almoçar nesse horário ou num outro horário, uma vez que se encontrava em trânsito entre o local onde havia carregado a lenha e o estaleiro. Deste modo, inexiste qualquer contradição entre o facto provado 20 e o facto provado 6.
Relativamente ao horário de trabalho, a testemunha EE confirmou que o Autor iniciava o seu trabalho, tal como os outros, às 08h00 da manhã, deslocando-se para o trabalho quer no camião, que era propriedade do Réu, quer na carrinha com os demais trabalhadores do Réu e que desconhecia que o Autor saísse mais cedo do que as 17h00, visto que a hora de saída para todos era às 17h00. Referiu ainda que o Autor podia sair mais cedo do local onde a testemunha se encontrava a trabalhar, pois era ele quem fazia o transporte da lenha. Quanto ao horário do almoço, referiu ainda, que o mesmo era, geralmente, das 12h30 às 13h30, sendo que havia vezes que o Autor almoçava com os restantes trabalhadores nessa hora e outras que não almoçava com eles, dependendo isso da circunstância de estar, ou não, em trânsito.
A testemunha FF, por sua vez, apesar de ter afirmado que o seu horário era das 08h00 às 16h30 e que o Autor não tinha horário certo, acabou por confirmar que normalmente o Autor saía com o camião carregado de lenha pelas 15h30, demorando, no trajeto, entre o local de trabalho e o estaleiro entre 30 a 40 minutos, confirmando igualmente que o Autor, no estaleiro, procedia ao carregamento de cortiça para, depois, ir levar à fábrica.
A testemunha OO confirmou que o Autor tinha o mesmo horário de trabalho que os restantes trabalhadores, sendo que, quando tinha o camião carregado, ia descarregá-lo ao estaleiro, só regressando à mata se ainda desse tempo para proceder ao carregamento de outra carregada. Quando já não dava tempo, ou ia para casa ou carregava cortiça no estaleiro para a levar para a fábrica.
Por fim, a testemunha DD afirmou que o Autor, depois de ter o camião carregado, levava-o ao estaleiro para o descarregar, podendo ou não voltar à mata. Referiu ainda que tinha conhecimento que o Autor no estaleiro também procedia ao carregamento de cortiça para a levar para a fábrica. Confirmou, igualmente, enquanto condutor da carrinha do Réu, que, às vezes, transportava o Autor na carrinha e que, outras vezes, o Autor ia para o local de trabalho no camião.
Ora, da conjugação destes depoimentos, e ainda do afirmado pelo Autor e pelas testemunhas NN e AA, é de concluir que o Autor possuía um horário fixo, independentemente de, por vezes, dada a impossibilidade de já não poder exercer o seu trabalho, poder sair mais cedo, sendo que o termo do seu horário sempre seria por volta das 17h00 (facto provado 6) e não exatamente às 17h00.
Assim, mantém-se o facto provado 6 nos seus exatos termos.
Relativamente ao facto provado 23, entende o recorrente que o facto dado como provado de que o Autor não utilizava o seu camião pesado de mercadorias para o transporte de bens de terceiros não é passível de ser fundamentado nas declarações de parte, visto que tais declarações apenas podem fundamentar factos que lhe sejam desfavoráveis. Acrescentou ainda que as testemunhas EE, FF e GG afirmaram exatamente o contrário, o que se mostra também comprovado pelo documento junto em 11-09-2024, referente à fatura n.º 20, de 17-08-2022, no valor de €7.080,80.
Relativamente à circunstância de as declarações de parte não poderem ser valoradas quanto a factos que a beneficiem, importa referir que, nos termos do art. 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão. Ora, não constituindo o facto referente à não utilização pelo Autor do seu camião de mercadorias, para transportar bens de terceiras pessoas, matéria sujeita a confissão, nada impede que o tribunal aprecie livremente tais declarações.9 De qualquer modo, as declarações prestadas pela parte devem ser valoradas com especial cuidado, dado o evidente interesse no desfecho da causa.
No entanto, o recorrente pretende, não apenas que não se dê como provado que o Autor não utilizava o seu camião de mercadorias para transportar bens de terceiras pessoas, como que se dê como provado que o Autor efetivamente procedia com o seu camião ao transporte de bens de terceiras pessoas, aliás, como consta do facto que alegou na sua contestação.
Este, na realidade, é o facto que se mostra alegado, cujo ónus de prova é da responsabilidade do Réu. Para prova do mesmo, indicou o recorrente, a fatura que se mostra junta aos autos em 11-09-2024. Ora, tal fatura, para além de ter sido a única fatura que foi apresentada, reporta-se a um alegado trabalho que o Autor efetuou para uma empresa do Réu, sendo que a testemunha AA, filho do Autor, esclareceu, de forma espontânea, coerente e credível (tanto mais que a fatura foi junta durante a audiência de julgamento), que aquela fatura foi passada pelo pai, a pedido do Réu, para que este pudesse apresentar despesas para a sua empresa, de molde a compensar o excesso de receitas.
Por outro lado, o depoimento das testemunhas EE, FF e GG, sobre esta matéria, é bastante vago, sendo, por isso, insuficiente para permitir dar como provado o facto alegado pelo Réu.
Não sendo de dar como provado o facto alegado pelo Réu, por falta de prova, também se nos afigura que não existe prova suficiente para que se dê como provado que o Autor nunca utilizava o seu camião pesado de mercadorias para transporte de bens de terceiras pessoas, facto esse que, aliás, não foi pelo Autor alegado e que, por isso, também não lhe cumpria provar, bastando-lhe apenas demonstrar a insuficiência das provas apresentadas pelo Réu, o que, com êxito, conseguiu.
Nesta conformidade, o facto provado 23 passa a ter a seguinte redação:
23 – O Autor tem uma carrinha de caixa aberta e um camião pesado de mercadorias para transporte dos seus bens.
Por sua vez, acrescenta-se aos factos não provados, o facto não provado J, com o seguinte teor:
J – Que o Autor transportasse bens de terceiras pessoas no seu camião pesado de mercadorias.
Relativamente ao facto provado 24, pretende o recorrente a sua alteração com base no documento junto em 27-06-2024, nos documentos 1 e 3 juntos em 06-06-2024 e nos factos provados 22, 25 e 26.
Consta dos factos provados 22, 25 e 26 que:
22 – O Autor encontra-se colectado nas finanças e inscrito na segurança social como trabalhador independente.
25 – Mercê do supra exposto, o Autor tinha um tractor, com diversas alfaias e uma máquina de corte e enfardamento.
26 – O Autor vendia ovelhas e borregos e recebia subsídios pela exploração agrícola e pelos animais.
Ora, o que consta destes factos não contradita o facto provado 24, visto que nada obsta a que o Autor se dedique à sua atividade agrícola apenas nas suas horas vagas.
De igual modo, a declaração de IRS referente ao ano de 2022 e os descontos efetuados para a segurança social entre 01-01-2020 e 04-2024 (documentos 1 e 3 juntos em 06-06-2024) nada esclarecem sobre o período de tempo que o Autor dedicava à sua atividade agrícola.
Por fim, o documento junto em 27-06-2024, apenas comprova que entre 2021 e 2023, o Autor registou 139 animais ovinos, já não que nesses anos estivessem ao seu cuidado esses tais 139 animais, tanto mais que, como se deu como provado no facto 26, o Autor para além de cuidar dos animais ovinos, também procedia à sua venda.
Nesta conformidade, inexistindo qualquer outra prova, apenas o número confessado pelo Autor, que foi de 50, é suscetível de ser dado como provado, pelo que se mantém o facto provado 24 nos seus exatos termos.
Relativamente ao facto provado 27, pretende o recorrente a sua alteração com base nas declarações das testemunhas AA e EE.
Na realidade, relativamente ao ano de 2022, apenas se apurou que o Autor, na campanha da maçã, auferiu o montante líquido de €2.122,11 entre 22-08-2022 e 12-10-2022, conforme documento junto em 11-09-2024. Inexistindo qualquer outro comprovativo de recebimento a tal título por parte do Autor, não é possível dar como provado o valor pretendido.
Nesta conformidade, mantém-se na íntegra o teor do facto provado 27.
Relativamente ao facto provado 29, considera o recorrente que deveria ter sido dado como provado a integralidade do facto 65 constante da contestação, até porque o mesmo foi integralmente confessado pelo Autor.
A questão a resolver é, então, a de apurar se a frase “mas as faltas não tinham qualquer relevância para outros efeitos” possui, ou não, cariz conclusivo. Efetivamente, competia ao Réu ter alegado que efeitos eram esses, desconhecendo-se, assim, a que se reporta esta parte alegada. Na realidade, o Autor ao confessar, nesta parte, este facto, sempre desconheceria quais os efeitos que estava a confessar.
Nesta conformidade, bem andou o tribunal a quo ao não dar a parte conclusiva como provada, mantendo-se, por isso, este facto nos seus exatos termos.
Relativamente ao facto provado 32, pretende o recorrente que este facto seja alterado, em face do que consta da confissão do Autor e dos depoimentos das testemunhas EE e FF.
Ora, para além de não se compreender qual seja a relevância da alteração pretendida, o que, por ser inútil, sempre impediria a sua apreciação (art. 130.º do Código de Processo Civil), sempre se dirá que a testemunha FF, que foi a primeira a chegar ao local do acidente, referiu que o sinistrado proferiu as palavras “Tirem-me daqui por favor” primeiro a ele e depois aos outros que chegaram.
Atente-se que no facto provado consta que o sinistrado, gritou à testemunha FF “Tirem-me daqui por favor”. Ora, tendo sido esta a primeira testemunha a chegar ao local é normal que essa frase lhe tenha sido dirigida.
Nesta conformidade, mantém-se na íntegra o teor deste facto.
b) Factos não provados D, E, F e I
Consta destes factos que:
D – Que fosse o Autor a gerir o seu tempo em função dos transportes/carradas que realizava, gerindo no terreno o seu trabalho, sem que o Réu lhe impusesse um horário.
E – Que a quantia de 50,00 €/dia fosse paga pelo Réu ao Autor sem qualquer regularidade e mediante apresentação de fatura emitida até ao final da campanha.
F – Que o Autor desempenhasse as suas funções de motorista de pesados para o Réu sozinho, sem estar integrado na organização do Réu e sem receber ou dar ordens.
I – Que o Autor tivesse cerca de 200 ovelhas, que vendesse e transportasse, no seu camião, bens de terceiras pessoas e que auferisse, na campanha da maçã em França, à volta de 12.000,00 €.
Quanto ao facto não provado D), pretende o recorrente que este facto seja dado como provado, por não ter sido efetuada prova contrária pelas testemunhas NN e AA.
Ora, tratando-se de um facto alegado pelo Réu, competia a este efetuar a sua prova e não à parte contrária efetuar a respetiva contraprova. Acontece que não tendo sido alterado o teor do facto provado 6, este facto sempre terá de se manter como não provado, sob pena de entrar em contradição com o que foi dado como provado no referido facto 6.
Quanto ao facto não provado E), considera o recorrente que, em face do teor do documento junto em 11-09-2024 deveria ter permitido dar este facto como provado.
Ora, como já se mencionou supra, não resultou provado que a referida fatura tivesse correspondido a um efetivo trabalho prestado pelo Autor a uma empresa do Réu, sendo que este facto se mostra em contradição com o que consta dos factos provados 3, 5, 6 e 31, tendo desses factos o recorrente apenas impugnado os factos 5 e 6, cuja impugnação, porém, improcedeu.
Pelo exposto, é de manter este facto como não provado.
Quanto ao facto não provado F), considera o recorrente que este facto deveria ter sido dado como provado, por não ter sido efetuada prova contrária pelas testemunhas NN e AA.
Ora, tratando-se de um facto alegado pelo Réu, competia a este efetuar a sua prova e não à parte contrária efetuar a respetiva contraprova. Acontece que a dar-se como provado este facto, sempre o mesmo estaria em contradição com os factos provados 5, 6 e 31. Dir-se-á ainda que a circunstância de o Autor conduzir o camião, propriedade do Réu, sozinho, não obsta a que tenha de coordenar o seu trabalho com o trabalho dos demais trabalhadores do Réu, de forma a que pudesse proceder ao carregamento da lenha para o referido camião ou para o trator, apenas quando já existisse lenha para ser carregada, e que procedesse ao transporte da mesma e, posteriormente, ao seu descarregamento, apenas quando o camião já se encontrasse cheio.
Nesta conformidade, mantém-se este facto como não provado.
Por fim, quanto ao facto não provado I, o mesmo entra em contradição com o facto provado 24, cuja impugnação do recorrente improcedeu, constando da análise desse facto provado a motivação que levou à sua manutenção.
Pelo exposto, mantém-se este facto como não provado.
c) Facto provado 8 e facto não provado G
Consta do facto provado 8 que:
8 – Pelas 8 horas e 30 minutos, quando conduzia o tractor, e de forma não concretamente apurada, o Autor foi atingido pela queda de uma pernada de um sobreiro, que lhe provocou e foi causa directa e necessária das lesões e sequelas melhor descritas no auto de junta médica, nomeadamente, tetraplegia com lesão medular e fractura das vértebras C4 e C5, sem capacidade funcional e com alteração de esfíncteres.
Consta do facto não provado G que:
G – Que, nas circunstâncias melhor descritas em 8 dos factos provados, o Autor tenha tentado derrubar sobreiros secos com a pá do tractor que conduzia e que isso tenha provocado a queda da pernada do sobreiro em cima de si.
Pretende o recorrente que o facto não provado G substitua o que consta sobre o acidente no facto provado 8, em face do depoimento das testemunhas FF, EE, GG, DD, AA e NN.
Acontece, porém, que nenhuma das referidas testemunhas assistiu ao momento do acidente (sendo que as testemunhas AA e NN não se encontravam sequer no local) e sobretudo ao comportamento adotado pelo Autor em momento anterior ao do acidente. Acresce que não consta dos autos qualquer relatório independente realizado às causas do referido acidente, à data da sua ocorrência. Atente-se que o acidente ocorreu a 13-01-2023, na mata da Herdade 1, tornando-se, assim, irrelevante, a deslocação ao local para observação dos elementos físicos deixados no terreno, mais de dois anos após tal ocorrência. Dir-se-á ainda que não é credível que, por volta das 08h30 da manhã, o Autor tentasse acelerar o trabalho, que não lhe pertencia, efetuando-o ele próprio, para conseguir sair um pouco antes das 17h00. Tal até poderia fazer sentido pelas 15h00 ou 15h30, mas não às 08h30 da manhã.
Deste modo, não podemos deixar de subscrever a fundamentação da sentença recorrida e que transcrevemos:
O facto G resulta não provado mercê da insuficiência de prova directa produzida a esse respeito. Com efeito, pelo Autor não foram prestadas de forma exacta declarações sobre a forma como se produziu a queda da pernada do sobreiro, apenas referindo não ter visto a pernada cair sobre si. Por outro lado, os demais trabalhadores do Réu e colegas do Autor presentes na Herdade 1 não se encontravam junto do Autor no exacto momento em que a pernada do sobreiro caiu sobre o mesmo, apenas relatando ao tribunal suposições baseadas em meros juízos de especulação que não denotam conhecimento directo sobre a dinâmica do acidente, por não ter sido presenciado por ninguém. Ora, à míngua de elementos probatórios concretos e objectivos, mormente, testemunhos e outras evidências, não pode o tribunal inferir qual a dinâmica que antecedeu a queda da pernada do sobreiro sobre o Autor, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilidade na produção do acidente objecto dos presentes autos.
Nesta conformidade, mantém-se na íntegra quer o teor do facto provado 8 quer como não provado o facto G.
Em conclusão, procede parcialmente a impugnação fáctica requerida pelo recorrente e, em consequência, determina-se:
a) A alteração do facto provado 23, o qual passa a ter a seguinte redação:
23 – O Autor tem uma carrinha de caixa aberta e um camião pesado de mercadorias para transporte dos seus bens.
b) E o acrescento de um novo facto não provado, o facto não provado J, com a seguinte redação:
J – Que o Autor transportasse bens de terceiras pessoas no seu camião pesado de mercadorias.
4 – Inexistência de contrato de trabalho
Considera o recorrente que ilidiu a presunção legal, uma vez que o Autor não peticionou os direitos inerentes ao contrato de trabalho (designadamente o direito a férias, a subsídio de férias e a subsídio de natal); o Autor estar coletado nas finanças e inscrito na segurança social como trabalhador independente; o Autor não ser sindicalizado; o Autor não estar integrado na estrutura organizativa produtiva do Réu; o Autor prestar atividade da mesma ou idêntica atividade a outros beneficiários; o Autor não ter horário fixo; o Réu não possuir poder disciplinar sobre o Autor; e o Autor só declarar os seus rendimentos como empresário; existindo, assim, uma completa ausência de poder disciplinar, de subordinação jurídica e de dependência económica do Autor relativamente ao Réu.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o recorrente não questiona que se mostram verificados os factos que determinam a aplicação da presunção de laboralidade previstos no art. 12.º do Código do Trabalho, considerando, porém, que apesar de tal presunção, em face dos demais factos igualmente dados como provados, a mesma se mostra ilidida.
Na realidade, nos termos do disposto no art. 12.º do Código do Trabalho, basta que se verifiquem duas das situações aí previstas para que se presuma a existência de um contrato de trabalho, presunção essa que, por ser uma presunção juris tantum, permite à entidade empregadora efetuar contraprova, ou seja, comprovar que, apesar de tais situações em concreto se verificarem, na análise da globalidade da relação contratual estabelecida, inexiste contrato de trabalho.
No caso em apreço, deu-se como provado que o Autor exercia a sua atividade em local pertencente ao Réu e indicado por este (factos provados 3 e 31), com equipamentos e instrumentos de trabalho deste (factos provados 7 e 31), observando horas de início e de termo da prestação determinadas pelo Réu (facto provado 6), ou seja, mostram-se verificadas as als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho. Para além disso, ainda se provou que o Autor recebia do Réu a quantia certa de €50,00 por cada dia de trabalho, desconhecendo-se, porém, se a mesma era paga com determinada periodicidade (facto provado 4); bem como se provou que no desempenho da sua atividade o Autor recebia ordens e instruções do Réu ou do trabalhador DD, na qualidade de encarregado do Réu (facto provado 5), sendo especificamente o Réu quem indicava ao Autor o local de carregamento e descarregamento da lenha e lhe fornecia os instrumentos necessários à sua atividade, designadamente os veículos pesados e os tratores, que lhe pertenciam (facto provado 31).
Na realidade, não só se mostram preenchidas três das alíneas da presunção prevista no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, como todo o contexto em que a atividade do Autor se desenvolvia, se insere num contexto de subordinação jurídica típica de uma relação laboral. Efetivamente, durante o período em que o Autor trabalhava para o Réu sujeitava-se aos horários impostos por este, às suas ordens e instruções sobre o trabalho a desenvolver, utilizando sempre os instrumentos e equipamentos deste, para, com eles, exercer a sua atividade laboral nos locais previamente indicados pelo Réu. Acresce que, independentemente da data em que a prestação laboral do Autor era paga pelo Réu, a sua remuneração era fixa e não estava sujeita ao cumprimento de determinados objetivos diários ou mensais, mas tão somente ao cumprimento do horário estipulado para, dentro do mesmo, desenvolver a atividade para a qual tinha sido contratado, nos termos e nas condições que diariamente lhe eram ordenados. Atente-se que o Autor apenas se dedicava à atividade agrícola, explorando um terreno, cuidando de cerca de 50 ovelhas e procedendo à venda de ovelhas e borregos, nas suas horas vagas (factos provados 24 e 26).
É verdade que igualmente se provou que o Autor não trabalhava para o Réu, entre os meses de agosto a novembro, para poder ir para França trabalhar na campanha da maçã, tendo nessa sua atividade auferido, no ano de 2022, a quantia líquida de €2.122,11 (facto provado 27); que se não trabalhasse um dia, não recebia (facto provado 29); e que o Autor se encontrava coletado nas finanças e inscrito na segurança social como trabalhador independente (facto provado 22). No entanto, apenas durante os meses de agosto e novembro, o Autor não trabalhava para o Réu, sendo que nos restantes meses encontrava-se integrado na organização da atividade de abate de árvores, recolha e transporte da respetiva lenha, levada a cargo pelo Réu, exercendo a sua atividade profissional dentro do horário previamente estipulado pelo Réu, nos locais de trabalho que lhe eram expressamente indicados por este, utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho do Réu e atuando de acordo com as ordens e as instruções fornecidas quer pelo Réu, quer pelo seu encarregado.
Apesar de se ter provado que a consequência da falta ao trabalho pelo Autor era apenas a de não ser pago, verdade é que sendo o Autor o único empregado do Réu a conduzir o camião deste, se o Autor não cumprisse o horário que se encontrava estipulado e faltasse com regularidade ao trabalho, não é crível que se mantivesse a trabalhar para o Réu. Aliás, a circunstância de a relação entre o Autor e o Réu se encontrar denominada como de prestação de serviço, e não de contrato de trabalho, facilita a possibilidade de dispensa do Autor, caso o mesmo se revele relapso, uma vez que basta dispensá-lo, sem ter de se recorrer a um processo disciplinar.
Por fim, apesar de o Autor se encontrar inscrito nas finanças e na segurança social como trabalhador independente, tal circunstância é bastante comum neste tipo de relações contratuais, em que o empregador não pretende revelar a relação laboral subjacente, evitando, desse modo, algumas das despesas inerentes à relação laboral, sujeitando, porém, e em contrapartida, o seu trabalhador a inscrever-se como trabalhador independente, para não ficar completamente desprotegido em termos de proteção social.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir que os aparentes aspetos de autonomia do Autor não denotam a existente de uma relação contratual efetivamente autónoma e independente, pelo que, mostrando-se provados os elementos factuais que determinam três das presunções previstas no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sem que o recorrente tenha logrado ilidir tais presunções, bem andou a sentença recorrida em qualificar a presente relação contratual como sendo um contrato de trabalho.
Nesta conformidade, improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente.
5 – Inexistência de acidente de trabalho
Considera o recorrente que inexiste acidente de trabalho, uma vez que o Autor era empresário em nome individual, sem subordinação jurídica e económica ao Réu, não estando, por isso, abrangido pela LAT.10
Ora, como resulta do ponto 4 do presente acórdão, o que se provou foi exatamente o contrário, ou seja, que entre o Autor e o Réu existia um contrato de trabalho, possuindo aquele em relação a este subordinação jurídica e económica, visto que nos meses em que o acidente de trabalho se deu, o Autor trabalhava para o Réu, dentro de um horário previamente estipulado por este, segundo as suas ordens e instruções, nos locais por este previamente determinados e com os equipamentos e instrumentos de trabalho fornecidos por este e de sua propriedade.
Fundamentando-se a inexistência de acidente de trabalho apenas na circunstância de inexistir contrato de trabalho, tendo-se comprovado a existência de tal contrato de trabalho, improcede, necessariamente, a presente pretensão do recorrente.
6 – Descaracterização do acidente de trabalho
Considera o Réu que o Autor, ao arremessar a pá do trator sobre o sobreiro, com o objetivo de o derrubar, o que teria provocado a queda da pernada em cima de si próprio, agiu com negligência, por ter desrespeitado os deveres de cuidado que se lhe impunham.
Na realidade, a pretendida descaracterização do acidente de trabalho por culpa do sinistrado, fundamenta-se única e exclusivamente na proposta alteração do facto provado 8, alteração essa que improcedeu.
Assim, não se tendo provado que o Autor tenha arremessado a pá do trator sobre o sobreiro, do qual caiu a pernada que o atingiu, improcede, também nesta parte, a pretensão do recorrente.
Apreciação oficiosa
Ao sinistrado BB foi atribuído o subsídio de ajuda de terceira pessoa no montante de €7.842,66, para o ano 2024, sendo esse valor atualizável.
Conforme resulta da sentença recorrida tal atribuição foi arbitrada nos seguintes moldes:
Nos termos previstos pelo artigo 53º: “1 - A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente. 2 – A atribuição da prestação suplementar depende de o sinistrado não poder, por si só, prover à satisfação das suas necessidades básicas diárias, carecendo de assistência permanente de terceira pessoa. 3 - O familiar do sinistrado que lhe preste assistência permanente é equiparado a terceira pessoa. 4 - Não pode ser considerada terceira pessoa quem se encontre igualmente carecido de autonomia para a realização dos actos básicos da vida diária. 5 - Para efeitos do n.º 2, são considerados, nomeadamente, os actos relativos a cuidados de higiene pessoal, alimentação e locomoção. 6 - A assistência pode ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário, durante o período mínimo de seis horas diárias.”
Sendo que, nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 54º, nº 1 da LAT “A prestação suplementar da pensão prevista no artigo anterior é fixada em montante mensal e tem como limite máximo o valor de 1,1 IAS.”
Sendo o IAS fixado para 2024 no valor de 509,26 € de acordo com a Portaria 421/2023, de 11 de Dezembro, verifica-se que o valor mensal do apoio de terceira pessoa se cifra na quantia mensal de 560,19 € devidos a partir da data da alta, o que multiplicado por 14 meses confere ao sinistrado o direito a receber a quantia anual de 7.842,66 €.
Resulta, assim, da citada fundamentação que o tribunal a quo adotou como limite máximo desta prestação o valor de 1,1 IAS, quando, para além de, desde há vários anos, uma boa parte da jurisprudência nacional, considerar tal norma inconstitucional, nomeadamente este Tribunal da Relação,11 foi publicado em 04-06-2024 o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 380/2024, que:
Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 54.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que permite que o limite máximo da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa seja inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida.
E, a ser assim, em face da declaração de inconstitucionalidade do art. 54.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, terá de se reformular o cálculo da referida prestação, tomando-se como base de cálculo o valor da retribuição mínima mensal garantida no ano da alta. E isto ocorre mesmo sem que tenha sido peticionada tal alteração, uma vez que estamos perante direitos inalienáveis e irrenunciáveis, nos termos do art. 78.º da LAT, e inexiste caso julgado relativamente às prestações atribuídas, uma vez que o recurso interposto invocou a própria inexistência de acidente de trabalho, bem como a descaracterização de tal acidente, o que, a proceder, sempre implicaria a revogação das prestações atribuídas, incluindo a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.
No caso em apreço, dada a gravidade da situação do sinistrado que necessita de permanente assistência de terceira pessoa, a prestação suplementar será atribuída no seu limite máximo, ou seja, no valor da retribuição mínima mensal multiplicada por 14 vezes.
Assim, sendo tal prestação devida desde o ano da alta e encontrando-se, em 2023 (ano da alta), o valor da retribuição mínima mensal fixada em €760,00 (conforme art. 3.º do DL n.º 85-A/2022, de 22-12), o valor da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa é fixado, desde o dia da alta (17-02-2023), em €760,00, paga 14 vezes por ano, e atualizada de acordo com a evolução anual da retribuição mínima mensal garantida (em 2024 foi de €820,00, nos termos do art. 3.º do DL n.º 107/2023, de 17-11; e em 2025 é de €870,00, nos termos do art. 3.º do DL n.º 112/2024, de 19-12).
Nesta conformidade, apesar de o recurso improceder, revoga-se a sentença na parte referente ao montante da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, nos termos supramencionados.
…
♣
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, revogando-se, por se tratar de direitos indisponíveis, porém, a sentença, na parte relativa aos montantes a atribuir a título de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, substituindo-se nos seguintes termos:
- Condena-se o Réu CC a pagar ao Autor BB, a título de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, desde o dia da alta (17-02-2023), a quantia de €760,00, paga 14 vezes por ano, e atualizada de acordo com a evolução anual da retribuição mínima mensal garantida, ou seja, em 2024, a quantia mensal de €820,00 x 14, e em 2025 a quantia de €870,00 x 14.
No demais, mantém-se a sentença recorrida
Custas a cargo do recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
♣
Évora, 8 de maio de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎
2. Doravante BB↩︎
3. Doravante CC↩︎
4. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.↩︎
5. No âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
6. Almedina, 2018, p.737.↩︎
7. No âmbito do processo n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
8. Referência citius 2554471.↩︎
9. Vide acórdão do TRG, proferido em 16-12-2021, no âmbito do processo n.º 5491/17.5T8BRG.G1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎
10. Lei n.º 98/2009, de 04-09.↩︎
11. Vejam-se os acórdãos desta Relação proferidos em 13-02-2020 no âmbito do processo n.º 328/16.8T8BJA.E1 e em 14-07-2021 no âmbito do processo n.º 2053/19.9T8VFX.E1; consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎