CRÉDITOS LABORAIS
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
SOCIEDADES COLIGADAS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
Sumário

Sumário:
1. A responsabilidade solidária do art. 334.º do Código do Trabalho visa intensificar a garantia patrimonial dos créditos laborais, procurando‑se impedir que o empregador, através da utilização de uma estrutura de grupo, prejudique os trabalhadores.
2. Trata-se de uma garantia de cumprimento através da qual o património de outras sociedades do grupo responde pelos créditos em dívida, e aplica-se independentemente de tais sociedades terem beneficiado da prestação laboral do trabalhador.
3. Visto que o objectivo da norma é essencialmente garantístico e preventivo, baseando-se na mera existência de uma relação de coligação intersocietária relevante – sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo – tal justifica a aplicação da teoria do efeito reflexo do caso julgado.
4. Deste modo, a eficácia do caso julgado verificado em acção proposta pelo trabalhador contra a sua empregadora, na qual o crédito laboral foi reconhecido, estende-se às demais sociedades do grupo, nomeadamente para efeitos de declaração da sua responsabilidade solidária.
5. Acresce que a previsão do art. 334.º do Código do Trabalho aplica-se a sociedades em estruturas de grupo, por vezes com estruturas organizativas comuns, pelo que o caso julgado obtido em acção proposta contra a sociedade empregadora pode e deve ser imposto às demais sociedades do grupo, mormente quando se trata de exigir a estas o cumprimento de créditos laborais já devidamente reconhecidos perante a sociedade empregadora.

Texto Integral








Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Setúbal, AA e mais 12 trabalhadores, patrocinados pelo Ministério Público, propuseram acção declarativa com processo comum contra:
1.ª Ré: GRUPO N.E.T.T., SGPS, S.A., com o NIPC 508.129.184;
2.ª Ré: N.E.T.T. – Nova Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda., com o NIPC 504.087.770;
3.ª Ré: NOVA ERTEK – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., com o NIPC 514.022.205; e,
4.º R.: BB.
Invocando a responsabilidade solidária dos RR., nos termos dos arts. 334.º e 335.º n.º 2 do Código do Trabalho, em relação a créditos que lhe são devidos pela empregadora ERTEK – Gestão de Recursos Humanos, Lda., com o NIPC 506.592.707, já reconhecidos por sentença transitada em julgado, os AA. pedem a sua condenação no pagamento de:
a) € 116.750,00, acrescida de juros de mora contados desde 23/11/2017 até integral pagamento;
b) a quantia a liquidar, devida pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 28.916,40;
c) a quantia a liquidar, correspondente à diferença entre os valores devidos a título de trabalho suplementar e aqueles que foram pagos, com o limite de € 5.307,88.

A acção apenas foi contestada pelas 2.ª e 3.ª Rés, e pelo 4.º R., invocando a prescrição dos créditos, a ineptidão da petição inicial e impugnando o efeito jurídico invocado.
Foi realizada a audiência preliminar, sem conciliação.
A instância foi declarada extinta em relação ao 4.º R., por inutilidade superveniente da lide, pois este foi declarado insolvente por sentença transitada em julgado, datada de 13.03.2019.
Prosseguindo a acção quanto às demais Rés, foi junta certidão comercial permanente, quer das Rés sociedades comerciais, quer da empregadora dos AA., entretanto também declarada insolvente.
No saneador-sentença, as excepções de ineptidão da petição inicial e de prescrição foram julgadas improcedentes.
Mas apreciando o mérito do pedido, o mesmo saneador-sentença decidiu julgá-lo totalmente improcedente.

Daí que os AA., sempre patrocinados pelo Ministério Público, se apresentem a recorrer, concluindo:
1. Discordam os Autores com a anómala decisão de absolvição dos RR, cujos fundamentos (ou falta deles) não se alcança e que olvida o sentido do objectivo da presente acção: reforçar a garantia patrimonial dos créditos dos trabalhadores emergentes do seu contrato de trabalho e da violação ou cessação deste, em razão da estrutura organizativa adoptada, assegurando-se, assim, a responsabilização das outras sociedades, no pressuposto de que o trabalhador não conseguiu obter a satisfação dos mesmos junto da entidade empregadora nos três meses subsequentes ao seu vencimento, requisito essencial para a responsabilização solidária das sociedades coligadas não empregadoras.
2. Os créditos dos autores já se mostram reconhecidos por sentença (817/16.4T8STB) transitada em julgado, o que lhe confere a protecção decorrente da previsão do artigo 619º, nº 1 do Código de Processo Civil.
3. Não se discute na presente acção o reconhecimento do direito dos trabalhadores ao crédito que já lhe foi reconhecido na acção 817/16.4T8STB, pelo que não se trata de uma questão de caso julgado.
4. Nestes autos, limitam-se os Autores a pedir a condenação dos RR no pagamento da dívida da empresa coligada, tendo em vista a obtenção de título executivo contra os mesmos, face à restrição imposta pelo nº 3 do artigo 501º do Código das Sociedades Comerciais.
5. O artigo 334.º do CT pretende assegurar a responsabilização das outras sociedades, reforçando a garantia de cumprimento dos créditos laborais, no pressuposto de que o trabalhador não conseguiu obter a satisfação dos mesmos junto da entidade empregadora nos três meses subsequentes ao seu vencimento, requisito essencial para a responsabilização solidária das sociedades coligadas não empregadoras.
6. É este o objectivo fundamental da presente acção: demandar terceiros (os ora RR) que não foram parte nos autos 817/16.4T8STB e cujo pedido e causa de pedir é-lhes legalmente extensível.
7. Este é o objectivo do mecanismo usado para demandar os Réus, e por isso ser esta a acção competente para o efeito.
8. Ao assim decidir-se, a Mma. Juiz antecipou-se ao juízo do mérito, não analisando os pressupostos exigidos pelos normativos legais para com base neles decidir se os autores têm ou não razão.
9. Quanto aos factos dados como não provados, decisão diversa se impunha, pelo que desde já impugnam os Autores os mesmos.
10. Quanto ao facto a., competia ao Tribunal a quo, aquando o saneamento dos autos e verificado que não foi junto documento autenticado, ordenar a notificação dos Autores para juntarem os documentos autênticos que fizessem prova dos factos alegados no seu articulado ou, ao abrigo do princípio da cooperação, oficiar os respectivos organismos para remeter aos autos tais documentos autênticos (tal como a certidão de nascimento de CC e DD), o que, em atalho de foice, não fez.
11. Quanto ao facto b., é verdade que resulta da certidão permanente da empresa GRUPO NETT que o mesmo não é presidente daquela empresa desde 2012. No entanto, não foi dado como não provado que o mesmo não detém o poder de facto da gestão e decisão da empresa, cuja prova poderá não ser documental.
12. A presunção contida na certidão permanente é ilidível, face à prova que vier a ser produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente através da prova testemunhal, o que se pretende.
13. Quanto ao facto c. foi junto pelos Autores no seu articulado, como documento 6, documento cujo teor prova que a empresa ERTEK é uma marca que se apresenta ao publico como pertença do GRUPO NETT.
14. Não podia o Tribunal a quo proferir decisão mérito e dar como não provados os factos retro impugnados pelos motivos supra expostos sem a necessária produção da prova testemunhal em audiência de discussão e julgamento.
15. É nula a decisão proferida em primeira instância, por deter pontos de factos incorrectamente julgado, devendo a sentença ser substituída por despacho de saneador que determine a designação de audiência de julgamento, enunciando os respectivos temas de prova.

Apenas respondeu a 3.ª Ré, NOVA ERTEK, Lda., sustentando a manutenção do julgado.
Cumpre-nos, pois, decidir.

A matéria de facto provada foi assim estabelecida na sentença recorrida:
A. Por sentença de 31 de Março de 2017 proferida no Proc. 817/16.4T8STB do Juízo de Trabalho de Setúbal – Juiz 1, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Outubro de 2017, foi reconhecida a aplicação às relações de trabalho entre os AA. supra identificados e a ERTEK – Gestão de Recursos Humanos, Lda., com o NIF 506592707 e sede na Av. (…) Setúbal, do Acordo de Empresa entre a REBONAVE e o SITEMAQ publicado no BTE, n.º 44 de 29/11/2011 e em consequência condenada a ERTEK – Gestão de Recursos Humanos, Lda., a pagar a:
a) AA,
- a quantia de € 9.000,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.262,40;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 459,00 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento.
b) FF,
- a quantia de € 8.000,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.100,80;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 331,50 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 30/11/2015 até integral pagamento.
c) GG,
- a quantia de € 9.000,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.545,20;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 30/12/2015 até integral pagamento.
d) HH,
- a quantia de € 8.500,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.084,64;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 1.729,75 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de € 1.355,13;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 31/12/2015 até integral pagamento.
e) II,
- a quantia de € 10.000,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.561,36;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 688,50 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de 302,77;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/02/2016 até integral pagamento.
f) JJ,
- a quantia de € 10.000,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.553,28;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/02/2016 até integral pagamento.
g) KK,
- a quantia de € 9.500,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.181,60;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 682,55 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de € 394,97;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/02/2016 até integral pagamento.
h) LL,
- a quantia de € 8.500,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 1.969,60;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 1.666,00 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de € 986,82;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/02/2016 até integral pagamento.
i) MM,
- a quantia de € 9.500,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.415,92;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 1.582,70 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de € 242,58;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/02/2016 até integral pagamento.
j) NN,
- a quantia de € 9.000,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.246,24;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 905,25 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de € 463,47;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/12/2015 até integral pagamento.
k) OO,
- a quantia de € 8.000,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 1.632,16;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 692,75 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de € 617,60;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/02/2016 até integral pagamento.
l) PP,
- a quantia de € 9.500,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 2.375,52;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor de € 405,45 devidos a título de trabalho suplementar e aquela que lhe foi pago, com o limite de € 154,04;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 29/02/2016 até integral pagamento.
m) QQ,
- a quantia de € 8.250,00 a título de subsídio de disponibilidade;
- a quantia a liquidar em execução de sentença, devidas pelas duas horas não contabilizadas no regime de disponibilidade, com o limite de € 1.987,68;
- juros vencidos sobre cada uma das quantias, calculados à taxa legal desde 26/02/2016 até integral pagamento.
B. O acórdão supra mencionado transitou em julgado em 23-11-2017.
C. A ERTEK – Gestão de Recursos Humanos, Lda., não procedeu ao pagamento de qualquer quantia apesar de ter sido instada pelos Autores.
D. A ERTEK – Gestão de Recursos Humanos, Lda., com o NIF 506592707, e sede na Avenida (…) Setúbal é uma sociedade por quotas, da qual é sócia a N.E.T.T. – Nova Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal Lda., CC e DD.
E. A N.E.T.T. – Nova Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal Lda. com o NIF 504087770, e sede no Edifício (…) Santa Iria da Azóia é também uma sociedade por quotas, em que a totalidade das quotas pertence ao Réu BB.
F. O GRUPO N.E.T.T., SGPS, S.A com o NIF 508129184, e sede na Avenida (…) Setúbal é uma sociedade anónima que tem como objecto social a gestão de participação sociais noutras sociedade, como forma indirecta de exercício da actividade económica, obriga-se pela assinatura de dois administradores ou do presidente do conselho de administração.
G. O Réu BB foi gerente da NOVA ERTEK – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., entre 2016 e 2019 e é gerente da Ré N.E.T.T. – Nova Empresa de Trabalho Temporário Unipessoal Lda. e ERTEK – Gestão de Recursos Humanos (anteriormente ORH – Optimização de Recursos Humanos, Lda.).
H. O contrato de prestação de serviços entre a ERTEK e a REBONAVE que justificou a contratação dos Autores foi assinado pelo Réu BB.

Nos termos do art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e porque se trata de matéria de matéria demonstrada nos autos por documento público – as certidões de registo comercial da empregadora e das Rés sociedades comerciais juntas aos autos – adita-se ao elenco fáctico, ainda, o seguinte:
I. A empregadora ERTEK – Gestão de Recursos Humanos, Lda., com o NIPC 506.592.707, foi constituída em 03.10.2008, com o capital social de € 10.000,00, distribuído em três quotas, a saber:
- uma no valor de € 6.000,00, titulada pela sociedade aqui 2.ª Ré;
- uma no valor de € 2.000,00, titulada por CC; e
- uma no valor de € 2.000,00, titulada por DD.
J. O seu gerente único era o aqui 4.º R., BB.
K. Por inscrição de 11.02.2009, os sócios e quotas foram alterados, nos seguintes termos:
- uma no valor de € 2.000,00, titulada por DD;
- uma no valor de € 2.000,00, titulada por CC;
- uma no valor de € 5.700,00, titulada pela sociedade aqui 2.ª Ré; e,
- uma no valor de € 300,00, titulada pela sociedade aqui 1.ª Ré.
L. Por inscrição de 19.04.2018, foi registada a declaração de insolvência da ERTEK – Gestão de Recursos Humanos, Lda..
M. A sociedade anónima aqui 1.ª Ré foi constituída em 01.10.2007, e teve como presidente do conselho de administração o aqui 4.º R., BB.
N. Por inscrição de 16.06.2017 foi registada a cessação de funções do aludido 4.º R., tendo por causa a destituição, e a anotação da data desse facto em 30.10.2012.
O. A sociedade anónima aqui 2.ª Ré foi constituída em 1998, tem o capital social de € 150.000,00, integralmente detido pelo aqui 4.º R., que é também o gerente único.
P. A sociedade anónima aqui 3.ª Ré foi constituída em 15.06.2016, com o capital social de € 5.000,00, distribuído por duas quotas, a saber:
- uma no valor de € 4.000,00, titulada por DD, que também era a gerente única; e,
- uma no valor de € 1.000,00, titulada pela sociedade aqui 1.ª Ré.
Q. Em 27.06.2016 foi registada a transmissão das duas quotas a EE, que procedeu à sua unificação numa quota de € 5.000,00.
R. Em 30.06.2016 foi registada a cessação de funções da gerente DD, por renúncia em 21.06.2016.
S. Também em 30.06.2016 foi registada a designação como gerente de EE.
T. Em 16.12.2016 foi registada a transmissão da quota única de € 5.000,00 ao aqui 4.º R., BB.
U. Em 23.12.2016 foi registada a cessação de funções do gerente EE, por renúncia em 28.11.2016.
V. Também em 23.12.2016 foi registada a designação como gerente do aqui 4.º R..
W. Em 07.07.2017 foi registada a transmissão da quota única de € 5.000,00 a ERDEMINT PORTUGAL, Unipessoal, Lda., com o NIPC 514.452.960.
X. Em 29.03.2019 foi registada a cessação de funções como gerente do aqui 4.º R., por renúncia em 28.03.2019.
Y. Também em 29.03.2019 foi registada a designação como gerente de DD.

Ainda ao abrigo do art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e porque também está comprovado na certidão judicial da primeira acção instaurada pelos AA., adita-se também o seguinte facto:
Z. As relações laborais que originaram os créditos reconhecidos no Proc. 817/16.4T8STB perduraram durante os anos de 2014 e de 2015, cessando as últimas durante o mês de Fevereiro de 2016.

Quanto aos factos que o saneador-sentença declarou não provados, os constantes dos pontos a. e c. – filiação de certas pessoas e apresentação pública da marca ERTEK – mostram-se irrelevantes para a decisão jurídica dos autos, face à solução que adiante será fundamentada. Como tal, o seu conhecimento revela-se inútil – art. 130.º do Código de Processo Civil.
E quanto ao constante do ponto b. – titular de membro de órgão social da 1.ª Ré – o que consta do registo comercial já foi acima exposto, pelo que nada mais de útil há a acrescentar.

APLICANDO O DIREITO
Da responsabilidade solidária das Rés sociedades comerciais
Visto que a instância se encontra extinta quanto ao 4.º R., apenas nos compete apreciar a causa de pedir quanto às Rés sociedades comerciais, fundada no art. 334.º do Código do Trabalho.
A sentença decidiu julgar a causa improcedente quanto às 1.ª, 2.ª e 3.ª Rés argumentando que, para ser operada a solidariedade, necessário se tornava que os co-devedores tivessem sido chamados ao processo onde foi reconhecido o crédito dos trabalhadores. E visto que a força de caso julgado se limita às partes, este não poderia ser imposto às aqui Rés.
Vejamos.
O art. 334.º do Código do Trabalho estabelece um regime de solidariedade passiva legal, pelo qual o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, podem responder pela liquidação das importâncias devidas ao trabalhador.
A este respeito, Jorge Ribeiro Mendonça, in “A responsabilidade solidária das sociedades em relação de grupo e garantia dos créditos laborais”[1], observa que a extensão prevista nesta norma “visa intensificar a garantia patrimonial dos créditos laborais, procurando‑se por esta forma, impedir que o empregador através da utilização de uma estrutura de grupo prejudique os trabalhadores.”[2]
De acordo com este autor, não está em causa a adopção de uma concepção unitária de grupo societário, sendo o objectivo, apenas, “criar uma garantia legal através da qual o património de outras sociedades do grupo venha a responder pelos créditos em dívida. O regime da solidariedade pelo pagamento dos créditos laborais, arvora‑se como uma garantia de cumprimento, uma vez que existe um terceiro que vai ser chamado a pagar uma dívida alheia, mesmo que em nada tenha contribuído para que a mesma se constituísse ou que tenha beneficiado da contraprestação associada aos créditos laborais em dívida.”[3]
Por outro lado, a extensão da garantia prevista na norma em apreciação aplica-se independentemente de tais sociedades terem beneficiado da prestação laboral do trabalhador.
A este propósito, Joana Vasconcelos observa que “a solidariedade prevista no art. 334.º tem uma finalidade essencialmente garantística e preventiva, baseando‑se na simples existência de uma relação de coligação intersocietária relevante, prescindindo da alegação e prova pelo trabalhador de qualquer situação patológica ocorrida no contexto da relação.”[4]
E visto que o objectivo da norma é essencialmente garantístico e preventivo, baseando-se na mera existência de uma relação de coligação intersocietária relevante – sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo – tal justifica a aplicação da teoria do efeito reflexo do caso julgado.
Como se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2022 (Proc. 5138/05.5YXLSB-F.L1.S1), relatado por Catarina Serra e publicado na página da DGSI, “o efeito reflexo do caso julgado produz-se quando a acção tenha decorrido entre todos os interessados directos (activos e passivos) na tutela jurisdicional de determinada situação. Sempre que for possível dizer que se esgotou o universo de sujeitos com legitimidade para discutir a questão, a respectiva decisão tem autoridade de caso julgado, impondo-se em qualquer outro processo em que tal questão seja pressuposto ou fundamento da decisão.”
Citando Miguel Teixeira de Sousa, escreve-se naquele aresto que “além da eficácia «inter partes» – que o caso julgado possui sempre –, o caso julgado também pode atingir terceiros. Tal sucede através de uma de duas situações: a eficácia reflexa do caso julgado e a extensão do caso julgado a terceiros. Aquela eficácia verifica-se quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou decidido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro.”
Mais adiante, acrescenta-se o seguinte: “a eficácia do caso julgado realiza-se sempre que as partes da acção sejam todos os interessados directos. É uma situação frequente na área contratual, dado que nela as partes da acção coincidem normalmente com todos os contraentes. Por exemplo: o reconhecimento da qualidade de arrendatário que é obtida numa acção instaurada contra o locador é oponível a terceiros (…), porque a acção correu entre todos os interessados directos – o locador e o locatário.”
É também o caso do reconhecimento de créditos laborais, obtida numa acção em que foram partes o trabalhador e o empregador. Ali estavam presentes as pessoas com legitimidade para discutir o reconhecimento daqueles créditos, pelo que se pode afirmar – como sucedeu no caso apreciado no Acórdão do STJ referido – que “naquele processo se esgotou o universo de sujeitos com legitimidade para discutir a questão e, sendo assim, a decisão deve poder ser imposta nos processos subsequentes, (…) em que ela é pressuposto da decisão.”
Acresce que a previsão do art. 334.º do Código do Trabalho aplica-se a sociedades em estruturas de grupo, por vezes com estruturas organizativas comuns, pelo que o caso julgado obtido em acção proposta contra a sociedade empregadora pode e deve ser imposto às demais sociedades do grupo, mormente quando se trata de exigir a estas o cumprimento de créditos laborais já devidamente reconhecidos perante a sociedade empregadora.
Neste sentido, já se decidiu nesta Relação de Évora, em Acórdão de 13.01.2022 (Proc. 619/20.3T8PTM.E1), relatado pela aqui 2.ª Adjunta e publicado na página da DGSI, que “tendo transitado em julgado um acórdão que declarou a existência de créditos laborais da titularidade do trabalhador resultantes de contrato de trabalho celebrado com a ré, esta decisão possui a autoridade do caso julgado, pelo que a existência ou inexistência de tais créditos não pode ser novamente julgada.”
Entrando agora na matéria de identificação de algumas das estruturas societárias previstas na norma em discussão – participações recíprocas, de domínio ou de grupo – pode-se identificar a relação de domínio da empregadora pelas 1.ª e 2.ª Rés.
Face ao art. 486.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, a relação de domínio entre duas sociedades existe “quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.”
E dispõe o n.º 2 que “presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente: a) detém uma participação maioritária no capital; b) dispõe de mais de metade dos votos; c) tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.”
No caso, não apenas as 1.ª e 2.ª Rés detinham, em conjunto, a maioria do capital social da empregadora ERTEK – detinham quotas num total de € 6.000,00, num capital social de € 10.000,00 – como o gerente da referida empregadora era o mesmo da 2.ª Ré, ocupando também o cargo de presidente do conselho de administração da 1.ª Ré (notando-se que a sua destituição do cargo apenas foi levada a registo em 16.06.2017, pelo que apenas a partir dessa data esse acto passou a produzir efeitos nas relações com terceiros).
Onde não se identifica a estrutura societária que justifica a aplicação da regra de responsabilidade solidária aqui em discussão, é no caso da 3.ª Ré.
Com efeito, esta foi constituída apenas em 15.06.2016, data em que passou a ter personalidade jurídica – art. 5.º do Código das Sociedades Comerciais.
Ora, observa-se que as relações laborais que originaram os créditos reconhecidos perduraram durante os anos de 2014 e 2015, cessando as últimas durante o mês de Fevereiro de 2016.
Ou seja, os créditos dos AA. venceram-se em data anterior à própria constituição da 3.ª Ré, pelo que não se pode afirmar, sequer, que nessa data de vencimento, esta Ré integrasse o grupo societário das demais Rés e da empregadora ERTEK.
Embora não se desconheça a discussão acerca do momento relevante para a verificação da responsabilidade solidária – se a data de constituição do crédito, se a data de interpelação da sociedade integrante do grupo (para melhor análise desta discussão, vide Jorge Ribeiro Mendonça, ob. cit., págs. 518-521) – certo é que no caso da 3.ª Ré nunca ocorreu qualquer das estruturas societárias previstas na norma em discussão (participações recíprocas, de domínio ou de grupo).
Se inicialmente, a 1.ª Ré teve uma simples participação, não maioritária, logo não dominante, na 3.ª Ré, logo a 27.06.2016 deixou de a ter. E quanto à empregadora ERTEK, nunca se observou a qualquer das relações societárias previstas no art. 334.º do Código do Trabalho, e muito menos existia na data em que os créditos se venceram ou sequer na data em que foram verificados judicialmente, máxime, pelo Acórdão desta Relação de 26.10.2017.
Procede a causa, apenas quanto às 1.ª e 2.ª Rés, impondo-se a absolvição quanto à 3.ª.

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, sendo a sentença revogada no que respeita às 1.ª e 2.ª Rés, que vão condenadas como responsáveis solidárias dos créditos reconhecidos aos AA. no Proc. 817/16.4T8STB, com juros contados apenas desde 23-11-2017.
A sentença é confirmada quanto à decisão de absolvição da 3.ª Ré.
Custas pelas 1.ª e 2.ª Rés.

Évora, 8 de Maio de 2025

Mário Branco Coelho (relator)
Emília Ramos Costa
Paula do Paço





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[1] Estudo publicado na Revista de Direito das Sociedades, VI (2014), 2, págs. 481-526.
[2] Ob. cit., pág. 495.
[3] Ob. cit., pág. 511.
[4] Citada por Jorge Ribeiro Mendonça, ob. cit., pág. 512.