Sumário elaborado pela relatora:
I. Através das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, aos artigos 2.º e 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, foi alargado o âmbito da aplicação da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho às situações em que a estipulação de termo num contrato de trabalho vise iludir as disposições que regulam o contrato sem termo e quando o motivo justificativo da duração limitada do contrato seja insuficiente – alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho.
II. Pedindo-se na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e uma pessoa identificada, com início na data indicada, este pedido é perfeitamente inteligível.
III. Se a situação irregular que se visa corrigir por via desta ação respeitar a uma situação em que a estipulação de termo num contrato de trabalho vise iludir as disposições que regulam o contrato sem termo e/ou quando o motivo justificativo da duração limitada do contrato se revele insuficiente – alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho – não há qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
IV. O Ministério Público tem legitimidade ativa para interpor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
I. Relatório
O Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos artigos 186.º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra Pingo Doce Distribuição Alimentar, S.A., pedindo que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e AA, com efeitos reportados a 07-11-2022.
Alegou, em breve síntese, que a Ré contratou AA para trabalhar como operador ajudante do 1.º ano, mediante um acordo escrito designado como «contrato de trabalho a termo certo», com a duração prevista para 12 meses. Todavia, a justificação para aposição do termo não é válida, pelo que o contrato deve ser considerado sem termo, ao abrigo do disposto no artigo 147.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código do Trabalho.
Contestou a Ré, invocando a inaplicabilidade da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o erro na forma de processo, a ineptidão da petição inicial, e a ilegitimidade do Ministério Público. Pugnou, ainda, pela absolvição do pedido atenta a validade do contrato de trabalho celebrado.
-
Foram apensados aos presentes autos os processos 1390/24.5T8TMR, 1400/24.6T8TMR e 1405/24.7T8TMR, que constituem, igualmente, ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho deduzidas com a ora Ré, só alterando os nomes das pessoas em relação às quais se peticiona o reconhecimento da existência de contrato de trabalho e as datas do seu início.
Os elementos distintos são:
- o processo 1390/24.5T8TMR reporta-se a BB e estabelece-se o início da relação contratual em 17-10-2022;
- o processo 1400/24.6T8TMR reporta-se a CC e estabelece-se o início da relação contratual em 19-02-2024;
- o processo 1405/24.7T8TMR reporta-se a DD e estabelece-se o início da relação contratual em 03-07-2023.
-
Em 05-12-2024, foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente as exceções invocadas e, a final, foi decidido:
«Pelos fundamentos de direito e de facto supra mencionados, julga-se procedente a pretensão do MP e, em consequência, reconhece-se que entre PINGO DOCE DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR SA, e cada um dos trabalhadores AA, BB, CC e DD, foi celebrado um contrato de trabalho sem termo, com efeitos, respetivamente, reportados a 07/11/2022, 17/10/2022, 19/02/2024 e, 03/07/2023.
Custas da ação a cargo da requerida.
Registe e notifique.
Fixo à ação o valor de € 5.000,01 – artigo 186.º-Q, n.º 2 do CPT.
Cumpra-se o artigo 186.º- O, n.º 9 do CPT.»
-
A Ré interpôs recurso desta decisão, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«1. A douta sentença proferida incorreu em erro na interpretação e aplicação de Direito, ao concluir pela improcedência das exceções alegadas pela Recorrente e pela procedência da pretensão do MP no reconhecimento de existência de contrato de trabalho, mostrando-se, assim, carecida de retificação,
2. A Recorrente mostra-se condenada em ação especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, resultado da conjugação do art. 15.º A, da Lei 107/2009 e do disposto nos arts. 186.º K e ss do CPT.
3. Dispõe o art. 15.º A, da Lei 107/2009, remetendo para o art. 2.º, nºs 3 e 4, e bem assim para os arts. 12.º, 12.º A, 147.º, 175.º e 180.º do CT, que caso a ACT, detete situação em que uma pessoa presta atividade para outra, que dela beneficia, com características de contrato de trabalho, sem que o mesmo exista, deverá elaborar participação para o MP para que inicie a ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho.
4. O pressuposto essencial para recurso à ação especial é a deteção pela ACT de prestação de atividade de uma pessoa para outra, que dela beneficia, e ausência de contrato de trabalho.
5. Nos termos do art. 2.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 107/2009, a ACT age quando verificar indícios de falta de comunicação de admissão do trabalhador à Segurança Social, em situações de prestação de serviço enquanto empresário em nome individual, ou como sociedade unipessoal, ou em situações de trabalho temporário.
6. Nenhuma das situações/indícios previstos no art. 2.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 107/2009, ocorre nas situações de facto dos trabalhadores identificados nos autos, desde logo, atendendo a que como resulta de modo inequívoco das doutas Petições Iniciais, a R. celebrou, com os trabalhadores identificados, contrato de trabalho a termo certo.
7. A existência de contrato de trabalho celebrado entre os trabalhadores e a Recorrente mostrou-se, ab initio, expressamente afirmada pela ACT e pelo MP, soçobrando assim, a possibilidade de recurso à ação especial a qual, sendo considerada procedente, determina a prolação de sentença nos termos do disposto no art. 186.º O, n.º 8 do CPT, que afirma que “a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data de início da relação laboral”, o que nos presentes autos não se mostra carecido de reconhecimento, mostrando-se a sentença, sub judice, desprovida de utilidade e sem qualquer efeito nos vínculos contratuais laborais estabelecidos entre a Recorrente e os trabalhadores.
8. A Recorrente celebrou com os trabalhadores contratos de trabalho a termo, cumprindo integralmente os requisitos do disposto no art. 141.º do CT, comunicou à Segurança Social a admissão daqueles, pelo que dúvidas não subsistem quanto ao vínculo laboral celebrado entre a Recorrente e os trabalhadores identificados.
9. Encontrando-se demonstrado que a Recorrente celebrou contratos de trabalho a termo e, assim o comunicou à Segurança Social, não se vislumbra sequer que indícios previstos no art. 2.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 107/2009, poderão encontrar-se presentes nos autos que justifiquem o recurso à ação especial.
10. Acresce que a necessária conjugação com o art. 12.º A, n.º 10 do CT, aponta para o recurso à ação especial pela presunção de laboralidade em prestação de atividade em plataformas digitais, não exercendo a Recorrente qualquer atividade no âmbito das plataformas digitais, soçobrando, assim, outro indício/critério que permita o recurso à ação especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho.
11. Mais se diga que a ação especial para o reconhecimento de existência de contrato de trabalho tem origem na Lei 63/2013 de 27 de Agosto, que teve por escopo: “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado - primeira alteração à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e quarta alteração ao Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro”.
12. A este propósito produziu-se já basta jurisprudência no sentido de esclarecer que está em causa o combate aos falsos recibos verdes, o que não sucede em qualquer situação dos autos, veja-se a este propósito o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 5 de Julho de 2015, nos autos de processo n.º 859/14.4T8CTB.C1, que teve como relator, o senhor juiz Desembargador Ramalho Pinto, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o link https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/70a094108ac54c0380257e45004e7417?OpenDocument, supra transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. No que respeita ao art. 12.º A do CT, para o qual, atualmente remete o art. 15.º A da Lei 107/2009, resulta do entendimento de aplicação da referida ação especial ao vínculo estabelecido por plataformas digitais, o que supra se afastou definitivamente.
14. Afigurando-se assim, plenamente demonstrada, contrariamente ao afirmado na douta sentença ora recorrida, a inaplicabilidade da ação especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho ao caso concreto, não obstante a expressa menção do art. 2.º, n.º 4, da Lei 107/2009.
15. A remissão do n.º 4 do mencionado artigo não encontra, qualquer suporte processual na ação especial prevista no art. 186.º K do CPT, porquanto, nenhum efeito útil da sentença a proferir, nos termos em que a mesma se encontra prevista se retiram para o pedido em apreço. Nem o poderia fazer em face da especificidade da ação especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho, num caso em que o mesmo já existe.
16. A discussão da validade do termo aposto não encontra qualquer sustentação na ação especial, sequer os meios de prova se compadecem com a tramitação específica, ou se confundem com a demonstração da existência de contratos de trabalho, que a Recorrente expressamente reconhece existirem, tendo cumprido com todas as obrigações legais. Revelando-se, assim, a ação especial prevista no art. 186.º K do CPT, incompatível com o tipo/forma de processo utilizado, não se mostrando a ação especial o meio processual adequado ao objetivo da ação em apreço, porquanto o pedido se reconduz à discussão da validade, ou invalidade, do termo aposto nos respetivos contratos de trabalho e não à existência, ou não, de vínculo laboral sustentado em contrato de trabalho entre as partes.
17. Sendo o escopo da ação especial o reconhecimento de existência de contrato de trabalho, não se mostram reunidos os pressupostos que permitam ao MP lançar mão de forma de processo especial, tanto mais que ao fazê-lo beneficia por um lado de uma ação urgente, e especial, e por outro, atendendo à tramitação especial coarta uma diligência essencial do processo comum, qual seja a realização de audiência de partes e a consequente tentativa de conciliação.
18. A discussão da validade do termo não cabe, nem se adequa à tramitação especial e urgente da ação prevista nos arts. 186.º K e ss do CPT.
19. Ocorrendo erro na forma de processo em função da diferente tramitação processual e pressupostos de demonstração factual diversos para a existência de contrato ou debate sobre a validade do termo, deveria o douto Tribunal a quo ter determinado a absolvição da Recorrente do pedido por nulidade dos autos.
20. As petições iniciais mostram-se ineptas porquanto os pedidos são ininteligíveis e contraditórios, atendendo a que não se vislumbra nexo lógico em pedir o reconhecimento de existência de algo cuja existência se reconhece.
21. Não obstante o MP ter lançado mão da ação especial, o pedido formulado assenta na validade dos termos apostos em contratos de trabalho e a hipotética conversão de tais contratos de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, sendo que a discussão da validade do termo, não se encontra prevista na ação especial, não obstante a aparente remissão do art. 2.º, n.º 4 da Lei 107/2009.
22. A discussão de cláusulas contratuais de contrato de trabalho válido, celebrado entre privados, não se encontra no escopo da ação especial.
23. A ação especial tem por base a prossecução de interesses de carácter público, pelo MP, no exercício da sua função de garante da legalidade, ora ao encontrarmo-nos totalmente fora do âmbito da ação especial, forçoso será concluir que passamos ao carácter privado da relação contratual estabelecida entre trabalhador e empregador, ambos privados.
24. Não existindo, sequer se identificando nos autos que os trabalhadores tenham manifestado intenção, interesse ou consentido na ação instaurada pelo MP.
25. Fora das situações expressamente previstas no art. 5.º A do CPT, a legitimidade do MP depende do exercício de patrocínio judiciário em representação da parte, pelo que inexistindo nos autos qualquer demonstração de pedido de patrocínio por parte dos trabalhadores, forçoso será concluir não dispor o MP de legitimidade processual para a ação. Consequentemente, nos termos do disposto nos arts. 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e) do CPC, aplicáveis, ex vi art. 1.º, n.º 2 al. a) do CPT deveria o douto Tribunal a quo ter conhecido e considerado procedente a exceção de ilegitimidade, absolvendo a Recorrente da instância com as legais consequências.
26. Ao indeferir todas as exceções alegadas pela Recorrente, desconsiderando assim os fundamentos das mesmas incorreu a douta sentença, ora em crise, em erro na interpretação e aplicação do Direito, termos em que se requer a revogação da mesma e sua substituição por outra que conheça das exceções com as legais consequências.»
-
Contra-alegou o Ministério Público, propugnando pela improcedência do recurso.
-
A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
-
O processo subiu à Relação e o recurso foi mantido.
Foi elaborado o projeto de acórdão e colhidos os vistos legais.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, cumpre apreciar se ocorreu erro de direito na apreciação das exceções invocadas.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
1- O PINGO DOCE DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR SA. tem por objeto social a produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, incluindo medicamentos não sujeitos a receita médica e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, a exploração de centros comerciais, a prestação de serviços e ainda o de importações e exportações.
2- Exercendo a atividade de comércio a retalho, CAE 47111 - Comercio a Retalho em Supermercados e Hipermercados.
3- O PINGO DOCE DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR SA admitiu ao seu serviço AA, em 7.11.2022, mediante acordo escrito autodesignado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO”, com a duração prevista de doze meses.
4- Para trabalhar como operador ajudante do 1º ano.
5- No estabelecimento na Rua Local 1.
6- Cumprindo um horário de 8 horas diárias e 40 semanais.
7- Mediante a remuneração de € 720 mensais.
8- O referido contrato (cláusula 3ª /2) refere que “O(A) Segundo(a) Contraente é admitido(a) nos termos da alínea f) do número 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com fundamento no acréscimo excecional da atividade da Primeira Contraente, na medida em que, dado o aumento das promoções de diversos produtos, há necessidade de proceder ao reforço do número de colaboradores da loja, estimando-se que esta necessidade perdure pelo prazo definido no número anterior”.
9.- O PINGO DOCE DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR SA admitiu ao seu serviço BB, em 17/10/2022, mediante acordo escrito autodesignado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO”, com a duração prevista de doze meses.
10- Para trabalhar como “Prat. Carnes 1º ano”.
11- No estabelecimento na Rua Local 1.
12- Cumprindo um horário de 8 horas diárias e 40 semanais.
13- Mediante a remuneração de € 730 mensais.
14- O referido contrato (cláusula 3ª /2) refere que “O(A) Segundo(a) Contraente é admitido(a) nos termos da alínea f) do número 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com fundamento no acréscimo excecional da atividade da Primeira Contraente, na medida em que, dado o aumento das promoções de diversos produtos, há necessidade de proceder ao reforço do número de colaboradores da loja, estimando-se que esta necessidade perdure pelo prazo definido no número anterior”.
15- O contrato converteu-se em contrato sem termo em 17/10/2024.
16- O PINGO DOCE DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR SA admitiu ao seu serviço CC, em 19.2.2024, mediante acordo escrito autodesignado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO”, com a duração prevista de seis meses.
17- Para trabalhar como operadora de hipermercado/supermercado /loja/ajudante.
18- No estabelecimento na Rua Local 1.
18- Cumprindo um horário de 4 horas diárias e 20 semanais.
19- Mediante a remuneração de € 415 mensais.
20- O referido contrato (cláusula 3ª /2) refere que “O(A) Segundo(a) Contraente é admitido(a) nos termos da alínea f) do número 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com fundamento no acréscimo excecional da atividade da Primeira Contraente, na medida em que, dado o aumento das promoções de diversos produtos, há necessidade de proceder ao reforço do número de colaboradores da loja, estimando-se que esta necessidade perdure pelo prazo definido no número anterior”.
21- O PINGO DOCE DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR SA admitiu ao seu serviço DD, em 3/7/2023, mediante acordo escrito autodesignado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO”, com a duração prevista de seis meses.
22- Para trabalhar como Operador de hipermercado/supermercado/loja Ajudante.
23- No estabelecimento na Rua Local 1.
24- Cumprindo um horário de 8 horas diárias e 40 semanais.
25- Mediante a remuneração de € 770 mensais.
26- O referido contrato (cláusula 3ª /2) refere que “O(A) Segundo(a) Contraente é admitido(a) nos termos da alínea f) do número 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com fundamento no acréscimo excecional da atividade da Primeira Contraente, na medida em que, dado o aumento das promoções de diversos produtos, há necessidade de proceder ao reforço do número de colaboradores da loja, estimando-se que esta necessidade perdure pelo prazo definido no número anterior”.
27- O contrato converteu-se em contrato sem termo em 03/07/2024.
*
IV. Enquadramento jurídico
O recurso incide sobre a decisão que julgou improcedentes as diferentes exceções invocadas pela Ré/recorrente.
Apreciemos.
a) Inaplicabilidade da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e erro na forma de processo
Estas exceções foram assim apreciadas pelo tribunal a quo:
«Do conhecimento da defesa por exceção dilatória inominada apresentada pela Ré:
Veio a Ré deduzir defesa por exceção, em todos os processos, pronunciando-se no sentido da impossibilidade de utilização da ARECT para apreciar a inadequação do vínculo com os trabalhadores contratados a termo. Invocou também o erro na forma de processo.
Apreciando diz-se que a Lei nº 13/2023, de 03/04 veio alargar o âmbito de aplicação da ARECT às situações de violação do regime de contrato de utilização de trabalho temporário, previsto nos artigos 175.º e 180.º do Código do Trabalho e violação do regime de contratação a termo previsto no artigo 147.º do Código do Trabalho, atribuindo competência ao ACT para agir nos termos do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14/09, quando ocorresse a violação desses preceitos.
Foi o que sucedeu no caso vertente, não tendo a Ré reconhecido a inadequação do vínculo a termo, razão pela qual os autos foram remetidos ao MP que, por sua vez, apresentou a petição inicial em todos os processos, principal e apensos.
Pelo exposto, indefere-se a defesa por exceção (dilatória inominada) deduzida pela Ré bem como a existência de erro na forma de processo.»
Adiantamos, desde já, que o decidido não merece censura.
A Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, alterou os artigos 2.º e 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Por via dessa alteração o artigo 2.º passou a ter a seguinte redação:
«1- [...]
2 - [...]
3 - A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente:
a) Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal; e
b) Em caso de indício de violação dos artigos 175.º e 180.º do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário.
4 - O procedimento referido no número anterior é igualmente aplicável nas situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 147.º do Código do Trabalho.»
Quanto ao artigo 15.º-A, a redação alterada passou a ser a seguinte:
«1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.
2 - O procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações previstas no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 10 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
3 - [...]
4 - [...]»
Extrai-se das citadas alterações que o procedimento previsto no artigo 15.º-A passou a ser aplicável, nomeadamente, às situações em que a estipulação de termo num contrato de trabalho vise iludir as disposições que regulam o contrato sem termo e quando o motivo justificativo da duração limitada do contrato seja insuficiente – alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho.
Deste modo, se a situação irregular do trabalhador, detetada pelo inspetor de trabalho, não for regularizada na sequência da notificação a que alude o n.º 1 do artigo 15.º-A, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.2
A nova solução legal mostra-se devidamente sintetizada no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 10-06-2024 (Proc. n.º 718/24.2T8LSB.L1-4), acessível em www.dgsi.pt:
«I – Através da Lei nº 13/2023, de 3-4 (inserida na Agenda do Trabalho Digno), o nosso legislador veio alargar o âmbito de aplicação da ação laboral, com processo especial, de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (AREC) a outras situações, também, carentes de tutela pública (não obstante incontroversa a existência de um contrato de trabalho): caso haja indiciada violação do regime de contrato de utilização de trabalho temporário (previsto nos arts. 175º e 180º do Código do Trabalho); e caso haja indiciada violação do regime de contratação a termo (previsto no art. 147º do Código do Trabalho;
II – O nosso legislador (em vez de criar um regime autónomo para fazer face a este fenómeno e combatê-lo) aproveitou a existência da ação, com processo especial de AREC e do respetivo regime processual (contido quer no Código de Processo do Trabalho quer na Lei nº 107/2009, de 14-9), ampliando o âmbito, quer destas ações, quer destes dois regimes processuais (contidos no CPT e na Lei 107/2009), nestes enxertando/aditando certas e determinadas normas legais respetivas que têm (necessariamente) de ser lidas e aplicadas à luz de todo o sobredito contexto.»
Ora, no caso dos autos, o que sucedeu foi precisamente que, na sequência da não regularização pela Ré dos contratos celebrados nas condições previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho, a ACT remeteu a participação dos factos, acompanhados pelos elementos de prova, para o Ministério Público, a fim deste propor as respetivas ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Destarte, a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Trabalho, é o meio processual próprio para as concretas situações dos autos.
Bem andou, pois, o tribunal a quo ao julgar improcedentes as exceções analisadas.
b) Ineptidão da petição inicial e ilegitimidade do Ministério Público
Sobre as invocadas exceções da ineptidão da petição inicial e da ilegitimidade do Ministério Público escreveu-se na decisão recorrida:
«Invocou a Ré que se verifica ineptidão da petição inicial e ilegitimidade do MP.
Apreciando diz-se que é absolutamente percetível o pedido e a causa de pedir. E o MP tem legitimidade para apresentar a petição inicial em todos os processos, por competência própria, como decorre da fundamentação à anterior questão respondida (de inaplicabilidade da ARECT ao caso vertente).
Pelo exposto, indeferem-se as exceções deduzidas.»
Também, nesta parte, a decisão recorrida não merece reparo.
A invocada ineptidão da petição inicial baseou-se.
- na alegada ininteligibilidade do pedido; e
- na ocorrência de contradição por se formular pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho que já se reconhece existir.
Ora, entendemos que o pedido formulado é perfeitamente claro e compreensível e, como tal, inteligível.
Percebe-se nitidamente que está pedido o reconhecimento da existência de contratos de trabalho entre a Ré e as pessoas identificadas, com início em determinadas datas (que são expressamente indicadas).Não podia ser mais cristalino.
Quanto à apontada contradição, tendo em atenção o que supra se referiu quanto à forma de processo própria e o pedido que tem de ser formulado nesta ação especial, não há qualquer incoerência assinalável que afete a validade das petições iniciais.
Para finalizar, é manifesto que da conjugação dos artigos 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, 186.º-K, n.º 1, e 186.º-L, n.º 1, ambos do Código do Trabalho, e 5.º-A, alínea c), do Código de Processo do Trabalho, é o Ministério Público quem tem legitimidade para intentar esta ação especial.
Cita-se, pela relevância, o Acórdão da Relação de Guimarães de 07-10-2021 (Proc. n.º 3835/19.7T8GMR.G1), publicado em www.dgsi.pt:
«O Ministério Público não só tem legitimidade para a propositura da ação, que resulta do artigo 186º-L, nº 1 do CPT, como tem interesse em agir, ainda que desacompanhado do trabalhador, porquanto age na prossecução do interesse público, designadamente de combate à precaridade laboral (…)»
Em conclusão, sufraga-se a decisão recorrida, pelo que o recurso terá de ser julgado totalmente improcedente.
-
As custas do recurso serão suportadas pela recorrente – artigo 527.º do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a suportar pela recorrente.
Notifique.
-------------------------------------------------------------------------------
Évora, 8 de maio de 2025
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
Mário Branco Coelho
1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎
2. Realce e sublinhado da nossa responsabilidade.↩︎