Sumário1:
No âmbito de procedimento cautelar de arresto, a falta de alegação de factos que suportem ou indiciem o justo receio de perda da garantia patrimonial não pode ser suprida com convite ao aperfeiçoamento, pois este mostra-se destinado a suprir a insuficiência de alegação, não a falta absoluta de narração desses factos.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO.
AA intentou contra BB e CC, Unipessoal, Lda. procedimento cautelar de arresto, formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente procedimento cautelar ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser decretado, sem audiência prévia das Requeridas e para garantia do crédito da Requerente sobre as Requeridas, no montante de € 75.450,00 (setenta e cinco mil quatrocentos e cinquenta euros), a providência cautelar de ARRESTO:
a) do imóvel, detido pela 1.ª Requerida e;
b) dos saldos das contas bancárias das Requeridas;
c) arresto das quotas de que a 1.ª Requerida é titular na 2.ª Requerida.”
Alegou, para fundamentar a sua pretensão, ter mutuado à 1ª Requerida um montante de €49.450,00 e à 2ª Requerida um montante de €10.000,00, que seriam devolvidos quando solicitado.
Mais alegou que a 1ª Requerida, atuando como procuradora da Requerente, recebeu um montante de €16.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento no âmbito de um contrato promessa, o qual lhe devia ter entregue, o que não fez.
Alega, ainda, que interpelou as Requeridas para restituição daqueles montantes, que estas não deram resposta, receando que a 1ª Requerida possa dissipar bens, dificultando a satisfação do crédito.
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Em 28-03-2023 foi proferido o seguinte despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial.
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Inconformada, a Requerente apelou, apresentando, após as alegações, as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da decisão que, indeferindo liminarmente o requerimento inicial, pôs termos ao processo, tendo sido a mesma notificada à Recorrente no dia 28 de março de 2025.
2. Salvaguardado o devido respeito, que é muito, a Recorrente discorda cabalmente da posição adotada pelo Tribunal a quo.
3. O entendimento do Tribunal a quo merece reparo por parte da Recorrente, na medida em que assenta numa apreciação incorreta do conteúdo do requerimento inicial e dos pressupostos legais aplicáveis à providência requerida.
4. Devendo, assim, o Tribunal ad quem proferir decisão diversa, impondo-se a revogação da sentença recorrida, com substituição por despacho que ordene o prosseguimento dos autos, precedido de um convite ao aperfeiçoamento, nos termos legais.
5. Conforme resulta, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente não alegou qualquer facto que sustente o justo receio de perda de garantia patrimonial, elemento essencial à procedência do arresto.
6. Todavia, tal conclusão não colhe, face ao teor do requerimento inicial, no qual a Recorrente descreve de forma concreta o justo receio.
7. Primeiramente, a ora Recorrente alega o concreto património de que tem conhecimento das Recorridas, no seu requerimento inicial.
8. É evidente que este é único património que a Recorrente sabe pertencer às Recorridas.
9. No mais, também conforme resulta do requerimento inicial, a Recorrente alega qual é a atividade da 2.ª Recorrida, o que traduz um indício suficiente de que existe um elevado risco e facilidade de dissipação do respetivo património.
10. A atividade da 2.ª Recorrida visa a compra e venda de imóveis, que ocorre através da 1.ª Recorrida.
11. O risco inerente à alienação célere dos bens imóveis é exponencialmente maior do que de um cidadão comum.
12. Pelo que, provavelmente as Recorridas podem fazer subtrair do seu património o imóvel já indicado no requerimento inicial.
13. O que, naturalmente, fundamenta o justo receio da Recorrente.
14. O justo receito tem como premissa a probabilidade séria de dissipação do crédito e não a certeza do mesmo.
15. Pelo que, é evidente que está demonstrado no requerimento inicial a justificação para requerer uma providência cautelar de arresto.
16. Entende a Recorrente que tal fundamento não poderá ser analisado per si.
17. É verdade que a nacionalidade das partes já era um facto à data em que as partes tomaram a decisão de contratar,
18. No entanto, o incumprimento contratual é posterior.
19. Assim como é posterior o facto de as Recorridas não responderem às interpelações da Recorrente para pagamento dos créditos.
20. É evidente que o facto de a 1.ª Recorrida ser uma cidadã estrangeira e, bem assim, ter atividade no estrangeiro, potencia a transferência dos ativos para fora do país, dificultando a satisfação do crédito pela Recorrente.
21. Transferir os montantes mutuados para uma conta no estrangeiro torna difícil a recuperação dos mesmos por parte da Recorrente.
22. Sendo este (para além do suprarreferido) um dos fundamentos suficientes para a existência de um justo receio de perda de garantia patrimonial pela Recorrente.
23. Neste conspecto, o Tribunal a quo entendeu que, apesar de se vislumbrar a existência de um direito de crédito pela Recorrente, não foram devidamente alegados factos concretos que consubstanciem o justo receio de perda da garantia patrimonial.
24. Ora, estes elementos, devidamente articulados e contextualizados no requerimento inicial, são aptos a sustentar, pelo menos indiciariamente, o justo receio de dissipação patrimonial – requisito do periculum in mora previsto no artigo 391.º do CPC.
25. Em particular, fundamentam, de forma articulada entre si, o justificado receio de perda de garantia patrimonial, os seguintes factos:
a. A 1.ª Recorrida é cidadã estrangeira;
b. A 1.ª Recorrida exerce a atividade de consultoria imobiliária através da 2.ª Recorrida;
c. As Recorridas incumpriram as suas obrigações contratuais;
d. As Recorridas recusam-se a pagar os créditos à Recorrente;
e. As Recorridas não respondem às diversas interpelações da Recorrente.
26. Todos os factos referidos no artigo anterior fundamentam o justo receio de perda da garantia patrimonial e estão devidamente alegados no requerimento inicial apresentado pela Recorrente.
27. Como é jurisprudencialmente reconhecido, o justo receio não exige prova plena, mas apenas uma probabilidade séria, fundada em factos concretos, de que a satisfação do direito de crédito possa vir a ser comprometida.
28. Face os factos supra descritos e explanados no requerimento inicial, o risco de as devedoras procederem à ocultação, alienação ou dissipação dos seus bens, parece-nos evidente.
29. Assim, ao desconsiderar liminarmente tais factos e ao reputar inexistente qualquer alegação relevante, o Tribunal a quo incorre num erro de julgamento que urge ser corrigido.
30. Considerando, o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, que não foram invocados os factos que se subsumam e concretizem o justo receio – requisito essencial para decretamento da providência cautelar de arresto – pelo que, a consequência não poderia ser, ab initio, o indeferimento liminar do requerimento inicial da providência cautelar.
31. Isto é, ainda que se admitisse existir insuficiência de alegação factual, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, tal circunstância não justificaria o indeferimento liminar da pretensão.
32. No entanto, entende a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo deveria ter pugnado pela sanação desta factualidade, dirigindo um convite de aperfeiçoamento à Requerente da providência cautelar.
33. Contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, salvo melhor entendimento, pode estar efetivamente em causa a insuficiência de alegação, tal como fundamentado ao longo de toda a sentença aqui recorrida.
34. O que o Tribunal a quo descreve em toda a sua sentença é insuficiência de alegação que concretize o justo receio, salvo melhor entendimento.
35. E não a “falta absoluta de alegação desses factos”, conforme concluiu.
36. Pelo que, não está em causa um pedido manifestamente improcedente, mas eventualmente a falta de um maior desenvolvimento ou precisão narrativa factual.
37. É evidente que, dos factos explanados pela Recorrente no seu requerimento inicial resultam indícios de potencial dissipação de património pelas Recorridas e, nesse sentido, o justo receio de a Recorrente perder a sua garantia patrimonial.
38. Entende a ora Recorrente que o Tribunal a quo, ao decidir nestes termos, omitiu o dever de formular um convite ao aperfeiçoamento, dever esse que é imperativo, nos termos do artigo 590.º do Código de Processo Civil.
39. Com o devido respeito, um pedido manifestamente improcedente concretiza-se num pedido juridicamente impossível ou sem qualquer base fáctico-jurídica.
40. Fora desses casos, e sempre que os vícios possam ser sanáveis com um maior detalhe ou precisão da narrativa dos factos, é imperativo o Tribunal ordenar a prévia formulação de um convite ao aperfeiçoamento.
41. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não alegou factos suficientes para demonstrar o justo receio de perda da garantia patrimonial, não entendeu, a contrario, que a Recorrente descurou totalmente a alegação de todo factos que demonstrem aquele requisito.
42. Esta é precisamente uma situação em que o legislador determina que seja dada oportunidade para suprir tais omissões.
43. Ainda que o Tribunal tenha entendido que tais factos não bastariam, por si só, para configurar o periculum in mora, o que apenas se considera à cautela, não se trata de uma ausência total de alegação, que justifique a improcedência total da ação,
44. Mas antes uma alegação incompleta, o que deveria conduzir ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos do artigo 590.º e 6.º do CPC.
45. A fundamentação da sentença recorrida não revela ausência absoluta dos factos, mas sim insuficiência na sua explicação ou conexão com os requisitos subjacentes, o que por mero dever de patrocínio se equaciona.
46. O que, precisamente, determina a aplicação do mecanismo do aperfeiçoamento nos termos do artigo 590.º do CPC.
47. Com efeito, nos termos do artigo 590.º do CPC, quando o requerimento inicial estiver deficiente quanto à exposição dos factos, o juiz deve convidar à sua correção e/ou aperfeiçoamento, desde que tal possa suprir as deficiências assinaladas.
48. É inequívoco que a decisão recorrida cerceou o direito da Recorrente de ver apreciado o mérito da sua pretensão, através da formulação de um requerimento inicial mais desenvolvido, o que seria possível caso tivesse o Tribunal a quo decidido pelo aperfeiçoamento daquele.
49. Posto isto, a omissão de convite ao aperfeiçoamento traduz não apenas num erro de julgamento, mas também numa violação dos princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente o princípio da cooperação, no artigo 7.º do CPC, da boa-fé processual, no artigo 8.º e do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
50. A ratio legis do artigo 590.º do CPC é de assegurar que o mérito da causa não é prejudicado por eventuais insuficiências na exposição dos factos, visando privilegiar a obtenção de decisões com base no mérito das causas e não em meras deficiências formais ou falta de exposição de factos que poderiam ser prontamente supridas.
51. O que o Tribunal a quo queria concluir, e que resulta de toda a sua fundamentação na sentença, é pela insuficiência de alegação.
52. E a consequência é indubitavelmente o convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, nos termos do artigo 590.º e 6.º do CPC.
53. O Tribunal a quo limitou-se a indeferir liminarmente o requerimento inicial, sem antes pugnar pelo suprimento da eventuais omissões e aperfeiçoamento do requerimento, na parte em que tinha dúvidas.
54. Por via do dever de gestão processual consagrado no artigo 6.º, n.º 2 do CPC, compete ao juiz providenciar pelo bom andamento do processo, determinando os atos necessários à regularização da instância.
55. Ou seja, por via do poder-dever de gestão processual, o Tribunal a quo, verificada a insuficiência, tinha a obrigação de convidar a ora Recorrente a concretizar o pedido genérico.
56. Assistimos a uma crassa violação dos deveres de gestão e economia processuais, incorrendo o douto Tribunal numa nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, pois tal omissão influiu no exame e na decisão da causa, cominando com a improcedência do requerimento inicial apresentado.
57. Dúvidas não restam que a Recorrente deveria ter sido convidada a suprir a exceção dilatória em causa mediante concretização do pedido.
58. Destarte, tal omissão por parte do Tribunal a quo, com o devido respeito, reveste-se de maior censurabilidade, pois o estado do processo exigia que fosse dada a oportunidade à Recorrente de concretizar o seu pedido.
59. Razão pela qual deverá o Tribunal a quem revogar a decisão proferida, a qual deverá ser substituída por despacho que, em respeito pelo princípio do dever de gestão processual, convide a Recorrente a aperfeiçoar o seu articulado no requerimento inicial.
NESTES TERMOS SE REQUER A ESSE VENERANDO TRIBUNAL QUE JULGUE O RECURSO INTERPOSTO PROCEDENTE, DANDO PROVIMENTO AO RECURSO ORA APRESENTADO, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”
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Uma vez que a parte contrária não foi ainda citada, não foi apresentada resposta.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito suspensivo.
Corridos os Vistos, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Em face do que dispõem os artigos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante CPC), é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, que se fixa o objeto do recurso e definem os limites cognitivos deste Tribunal da Relação.
Assim, no caso, em vista das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
a) Se não são invocados na petição inicial factos que permitam considerar verificado o justo receio de se vir a tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito que a Requerente pretende acautelar, e se consequentemente, a pretensão é manifestamente improcedente;
b) Se a situação configura antes insuficiência de alegação, devendo o despacho recorrido ser substituído por um outro que convide ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para a decisão do recurso relevam as circunstâncias factuais supra indicadas no relatório, e ainda o teor da decisão recorrida, que é o seguinte:
“Despacho Liminar
AA veio intentar contra BB e CC, Unipessoal, Lda, todas melhor identificadas nos autos, procedimento cautelar de arresto de bens para acautelar um crédito no montante de €75.450,00, visando o arresto: a) do imóvel, detido pela 1.ª Requerida e; b) dos saldos das contas bancárias das Requeridas; c) das quotas de que a 1.ª Requerida é titular na 2.ª Requerida.
Alega, para fundamentar a sua pretensão, ter mutuado à 1ª Requerida um montante de €49.450,00 e à 2ª Requerida um montante de €10.000,00, que seriam devolvidos quando solicitado.
Mais alega que a 1ª Requerida, atuando como procuradora da Requerente, recebeu um montante de €16.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, o qual lhe devia ter entregue, o que não fez.
Alega, ainda, que interpelou as Requeridas para restituição daqueles montantes, que estas não deram resposta, receando que a 1ª Requerida possa dissipar bens, dificultando a satisfação do crédito.
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Cumpre proferir despacho liminar, nos termos do disposto no art.º 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
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Os procedimentos cautelares destinam-se a garantir a titularidade de um direito contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão iminente que a sua tutela não pode aguardar a decisão de uma ação judicial.
Constituem, assim, pressupostos dos procedimentos cautelares, em geral, a sua instrumentalidade, porque pressupõem uma ação definitiva instaurada ou a instaurar, o periculum in mora, ou seja, a previsibilidade que o normal decurso da ação principal até à decisão final da mesma acarrete um prejuízo grave ou dificilmente reparável para o requerente, e o fumus bonis iuris, isto é, a aparência da realidade do direito invocado.
No que respeita ao arresto, enquanto procedimento cautelar especificado, dispõe o art.º 392.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
Acrescenta o art.º 393.º, n.º 1, do mesmo diploma, que “examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais”.
São, pois, esses os requisitos legais deste procedimento: a) a probabilidade da existência do crédito do requerente; e, b) o receio justificado da perda de garantia patrimonial.
Perante os factos alegados o Tribunal apreciará de forma, igualmente, sumária a verificação destes requisitos (summaria cognitio).
Tal decisão, por força da natureza do procedimento em que é proferida, fundamentar-se-á na aparência do direito invocado pelo requerente, que apenas será conhecida ex professo e decidida, visando a sua regulação definitiva em sede própria que não a presente.
No caso em apreço, embora resulte do alegado pela Requerente a existência de um direito de crédito, decorrente de incumprimento contratual, do restante articulado não resultam alegados factos que permitam concluir, a indiciarem-se, pela verificação do justo receio de perda da garantia patrimonial.
Com efeito, desde logo, há a considerar que o justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adote, ou tenha o propósito de adotar, conduta (indiciada por factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objetivamente, o titular do crédito a recear ver frustrado o pagamento do mesmo (Ac. do STJ de 01.06.2020, in www.dgsi.pt).
Ora, analisados os factos alegados, verificamos que não concretiza a Requerente porque razão receia a perda de garantia, já que não refere um único ato por parte das Requeridas que faça indiciar que as mesmas se encontrem a dissipar o respetivo património.
Para além do mais, nem sequer se alega qual o concreto património que as Requerida possuem, designadamente que os bens cujo arresto peticiona são os únicos que podem responder pela dívida.
Por outro lado, o facto da 1ª Requerida ser cidadã estrangeira (assim como o é a Requerente) é uma realidade que já existia quando as partes decidiram contratar, não se invocando qualquer facto novo que altere o quadro que existia antes.
No que concerne ao risco de alienação e temor pela transferência de quantias para contas no estrangeiro, diremos apenas que a determinação do justo receio de perda da garantia patrimonial não pode basear-se em conjeturas, suspeições, simples juízos de valor ou temores de índole subjetiva do requerente do arresto (Ac. do TRE de 13.01.2022, in www.dgsi.pt).
Para concluir, não são invocados factos dos quais se possa considerar verificado o justo receio de se vir a tornar difícil ou impossível a cobrança daquele crédito e que imponha ao Tribunal dar prioridade à pretensão da Requerente, atribuindo-lhe a urgência própria dos procedimentos cautelares.
A falta de alegação de factos suficientes que suportem ou indiciem o justo receio de perda da garantia patrimonial não pode ser suprida com convite ao aperfeiçoamento, pois este mostrar-se destinado a suprir a insuficiência de alegação, não a falta absoluta de narração desses factos.
Acresce que, como temos vindo a entender, os procedimentos cautelares revestem natureza excecional não podendo ser utilizados como antecipação da execução da sentença a proferir.
Donde, mais não resta senão indeferir liminarmente o requerimento inicial, por a pretensão da Requerente ser manifestamente improcedente (art.º 590.º do Código de Processo Civil).
*
Nestes termos, com os fundamentos expostos, indefiro liminarmente o requerimento inicial.
Custas pela Requerente (art.º 539.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.”
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão recorrida descreveu adequadamente os pressupostos de que depende a procedência do procedimento cautelar de arresto, pelo que aqui apenas acrescentaremos que, sendo, nos termos do artigo 392º, nº 1, do CPC, requisitos do arresto preventivo, cumulativamente, a probabilidade da existência de um crédito do requerente, definido por um juízo sumário de verosimilhança e aparência do direito desse crédito e o justo receio ou perigo de insatisfação de tal crédito, no caso não vem controvertido que foram alegados pela Requerente factos que a demonstrarem, permitiriam concluir pela existência de um direito de crédito, fundado na alegação de incumprimento contratual por parte das Requeridas e relativo a quantias mutuadas, e a quantia recebida a título de sinal, pela primeira Requerida em representação da Requerente.
A controvérsia reside, pois, na circunstância de o Tribunal Recorrido ter entendido que não foram alegados factos relativos ao segundo dos aludidos pressupostos.
Ora, relativamente ao justo receio de perda da garantia patrimonial exige-se um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade muito forte, não bastando qualquer receio, que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num exame precipitado das circunstâncias.
O critério de avaliação deste requisito não pode assentar em simples conjeturas, devendo, ao invés, basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da ação pendente ou a instaurar posteriormente. Trata-se, em todo o caso, de um juízo provisório que terá de assentar em critérios de mera verosimilhança.
Assim, só existe justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito, quando as circunstâncias se apresentam de modo a convencer que está iminente a lesão do direito, a perspetivar, justificada e plausivelmente, o perigo de se vir a tornar inviável, ou altamente precária, a realização da garantia patrimonial do crédito do requerente.
A jurisprudência é unânime no sentido de que para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial não basta o receio meramente subjetivo, “porventura exagerado do credor ou baseado em meras conjeturas, de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes há-de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá ele que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo uma avaliação dependente das regras de experiência comum” e que “para o preenchimento da cláusula geral do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam, em geral, a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.”2
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 30.03.20233:
“Embora, portanto, a indispensável alegação fáctica não tenha de observar sumamente os cânones da perfeição, ela tem de ser minimamente escorreita no que diz respeito ao que se pede e ao fundamento por que se pede.
Tal significa – não se confunda! – que bastando a prova sumária (mera probabilidade ou verosimilhança de eles terem realmente acontecido), é necessária, porém, cabal alegação da factualidade essencial constitutiva da causa de pedir. a necessidadd
Necessidade esta que não se satisfaz com uma narrativa divagante e sugestiva de diversas hipóteses tendentes a responsabilizar aleatoriamente por alegados créditos uma pluralidade de uns sujeitos, pretensamente devedores, perante outros diversos, supostamente credores, num contexto relacional de contornos fluidos, tergiversantes, e sem inter-ligações definidas e perceptíveis (…).
Da petição inepta deve distinguir-se a petição deficiente.
Ela sê-lo-á quando, apesar de se perceberem, com nitidez e coerência, o pedido e a causa de pedir, todavia se apresentar incompleta, eivada de incorrecções, traduzidas em imprecisões e insuficiências na exposição e concretização da matéria de facto, desajeitada ou mesmo difusa, prolixa ou com laivos de impertinência.
O ponto é que os elementos subjectivos da instância (os sujeitos) e os definidores nesta do objecto do processo (o pedido e a causa de pedir) se evidenciem ou se depreendem com nitidez suficiente, ainda que a petição careça de ser aprimorada de modo a não empecilhar a tramitação e a apreciação subsequentes.
A petição congenitamente inepta, nos termos referidos, não pode ser, nem faz sentido que seja, alvo de convite ao aperfeiçoamento. A nulidade por isso implicada é insuprível. Não se lhe aplicam as disposições dos artºs 6º, nº 2, 278º, nº 2, e 590º, nºs 2 a 4, CPC.
Se falta (não existe de todo) ou é mesmo ininteligível (não se consegue depreender) o pedido ou a causa de pedir, ainda que imperfeitamente alegados, não é possível, logicamente, aí fazer um aperfeiçoamento. Só é remediável aquilo que apenas se apresenta enfermo. Não, o que, à nascença, já não ostenta vitalidade alguma para singrar e porventura vingar no foro.
Só em uma nova petição pode sanar-se a ineptidão e consequente nulidade da anterior.
Ora, é isso que o legislador pretende: à petição inepta segue-se a absolvição a instância. O passo seguinte, para a parte interessada que falhou exercitar o seu direito de acção (artº 3º, nº 2), será o de propor uma outra acção ou providência, devidamente estruturada, sobre o objecto visado.”
Ora, no caso em apreço, para fundar o receio de perda de garantia patrimonial, que, como se referiu, tem de ser justificado, a Requerente, para além de considerações vagas acerca dos pressupostos do procedimento cautelar de que lançou mão, apenas alegou factos relativos ao vencimento do crédito, e ao incumprimento, que não relevam quanto a este pressuposto e, para além disso:
- falta de resposta a tentativas de comunicação da Requerente, que não concretizou ou enquadrou de qualquer forma;
- o facto de o objeto social da Requerida envolver a compra e venda de imóveis;
- a circunstância de a primeira Requerida ser uma cidadã estrangeira.
Ora, a falta de resposta não surge minimamente enquadrada, nas comunicações a que se refere, e dela não se retira, pois, qualquer intenção de não cumprir, como sucederia se qualquer das Requeridas tivesse proclamado tal intenção.
A promoção da venda de imóveis por parte das Requeridas constitui facto que, como bem se refere na decisão recorrida, é muito anterior até à data em que os acordos entre as partes foram celebrados, e foi tendo presente tal atividade que a Requerente constituiu a ora Requerida sua representante no âmbito do contrato promessa.
Sendo objeto social da Requerida integrado pela compra e venda de imóveis e, em geral, pela atividade de promoção imobiliária, torna-se compreensível e justificada a alienação de imóveis como forma de exercer a referida atividade e como meio de obter os necessários financiamentos, sendo que no caso, nenhum facto indicia que a venda do imóvel em causa seja projetada, pretendida ou diligenciada por qualquer das Requeridas.
E também da isolada circunstância de a primeira Requerida ser cidadã estrangeira, não pode validamente retirar-se qualquer justificação para o receio de perda de garantia patrimonial.
Nada se alegou acerca da situação patrimonial das Requeridas, designadamente se têm ou não outros bens, das características das respetivas e concretas atividades,
O que tudo conjugado permite concluir que o mero receio subjetivo que a ora Requerente alegou sentir não se mostra traduzido num mínimo factual que justificasse, por si só, e a provar-se, o decretamento do arresto, o que apenas sucederia se a Requerente tivesse demonstrado outros factos que, em conjugação com aquele, acentuassem a situação de perigo.
Não alegou, pois, a Requerente que qualquer das Requeridas desenvolve ou pretende devolver qualquer comportamento que consubstancie ocultação ou depauperação de bens, ao que acresce nem sequer ter sido alegada uma situação suficiente e bastante para atestar uma débil e deficitária atividade de qualquer delas, em conjugação com património que possuem.
Ora, tendo-se concluído supra que o convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada passou a ser, no âmbito da aplicação do n.º 4 do artigo 590.º do atual Código de Processo Civil, uma incumbência do juiz, constituindo um dever seu, incumbência, agora vinculada, de formular convite ao aperfeiçoamento de articulado que apenas se justifica como forma de suprimento de deficiente exposição ou concretização da matéria de facto alegada, por insuficiência ou imprecisão da mesma, sucede é que, no caso sub judice, aquele mínimo individualizador não existe.
Pelo que não merece, a decisão recorrida, qualquer censura.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela Recorrente – (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
*
Évora, 08.05.2025
Ana Pessoa
Manuel Bargado
António Fernando Marques da Silva
_____________________________________
1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎
2. Cf. o Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 9070/16.9T8CBR.C1, acessível em www.dgsi.pt↩︎
3. Proferido no âmbito do processo n.º 1082/23.2T8BRG.G1 (cf. ainda toda a jurisprudência no mesmo citada).↩︎