Sumário:
I-A legitimidade ativa para a ação de despejo corresponde à qualidade de "senhorio", ou seja, aquele que tem a posição de locador na relação jurídica do contrato de arrendamento.
II- A condenação pode abranger os efeitos da declaração oficiosa da nulidade do contrato de arrendamento, se os mesmos se situarem no mesmo efeito prático-jurídico que foi solicitado, ainda que sob diferente qualificação jurídica, ou seja se se pode considerar incluído.
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório.
AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que, com fundamento na oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com esta, se declare:
a) ser reconhecida a não renovação do contrato de arrendamento celebrado entre A. e R., o qual teve o seu termo em 31 de maio de 2021;
b) ser decretado o despejo da fração autónoma designada pela letra L do prédio urbano sito na Travessa ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9021, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 3244 e consequente entrega do mesmo à A., o que deve ser feito livre de pessoas e bens;
c) ser a R. condenada ao pagamento da quantia de €47 200,00 (quarenta e sete mil e duzentos euros), sendo €46 400,00 (quarenta e seis mil e quatrocentos euros) a título de indemnização e €800,00 referentes a renda não paga, acrescida do valor das rendas, elevadas ao dobro, até efetiva entrega do imóvel, quantia esta que deverá ser acrescida de juros à taxa legal, contabilizados desde a data da notificação da R. para contestar, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou que celebrou com a Ré contrato de arrendamento de duração limitada, o qual esta não devolveu assinado, que caducou por oposição à renovação, constituindo-se a Ré na obrigação de entregar o locado, o que não veio a acontecer, deixando desde abril de 2021 de pagar as rendas.
A Ré apresentou contestação, na qual excecionou a ilegitimidade ativa da Autora, porquanto o locado pertence a herança da qual não é herdeira, invocando a nulidade do contrato de arrendamento, por inobservância dos requisitos de forma.
Mais invocou a renovação do contrato de arrendamento e não produção de efeitos da alegada oposição à renovação, impugnando os factos alegados, aduzindo que insistiu para que fosse celebrado contrato de arrendamento.
Deduziu reconvenção, na qual peticiona, em caso de procedência (parcial ou integral) do pedido da Autora, que lhe seja reconhecido o direito a operar a compensação entre o seu crédito (de €10.000,00) e o crédito invocável pela Autora e que seja deferido o pedido de diferimento da desocupação do locado, pelo período de 6 meses.
Para fundamentar os pedidos invoca que a Autora assumiu perante si uma postura intimidatória para a pressionar a abandonar o imóvel, o que lhe causou danos que devem ser reparados, computando a indemnização em €10.000,00, para além de que não possui rendimentos, nem fiadores, que lhe permitam fazer face às rendas e às exigências praticadas no mercado de arrendamento.
A Autora apresentou réplica, na qual se pronunciou pela improcedência do pedido reconvencional, peticionando a condenação da Ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Notificada para o efeito, pronunciou-se pela improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade invocada.
Deduziu, ainda, pedido de ampliação do pedido, o qual foi admitido parcialmente no que concerne ao reconhecimento que o contrato de arrendamento celebrado seja considerado ineficaz.
A Ré pronunciou-se pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento da causa.
Foi proferida sentença, que:
A) Julgou a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
- Declarou a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Ré, tendo por objeto a fração autónoma identificada no ponto 1. dos factos provados:
- Condenou a Ré na sua entrega à Autora, livre de pessoas e bens;
- condenou a Ré no pagamento à Autora do montante de €36.000,00, correspondente às importâncias que se venceram a título de rendas desde o mês de abril de 2021 até à presente data, a que acrescem juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento;
B) Julgou a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a Autora do pedido;
C) Julgou o incidente de diferimento da desocupação improcedente, por não provado, e, em consequência, absolver a Autora do pedido;
D) Julgou o incidente de condenação como litigante de má-fé improcedente, por não provado, e, em consequência, absolver a Ré do pedido.
Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso contra a mesma, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«A) O tribunal a quo errou ao julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade suscitada pela Recorrente, sendo que a mesma pôs em causa a legitimidade da Autora/Recorrida para instaurar a presente acção nos termos exactos em que o fez.
B) Isto porque logo no despacho saneador veio a ser apreciada liminarmente a legitimidade da Autora para a causa, tendo ali sido decidido ser a mesma parte legítima na acção, não obstante ressalvar logo ali que “(coisa diferente, que se prende com o mérito da ação, é concluir-se que a fração locada faz parte de mais do que uma herança)”.
C) Não obstante, atenta a prova produzida e respectiva sentença condenatória, a Recorrente mantém a sua discordância e tal questão é passível de ser impugnada a final no recurso da decisão que pôs termo à causa (considerando não estarmos perante uma das situações de recurso autónomo previstas nos n.ºs, 1 e 2 do art.º 644.º do CPC)
D) Assim, atente-se que a configuração dada à acção passa desde logo pela prova do direito de propriedade da Autora (cfr. 1316.º CCivil) e da detenção por parte da Ré para sustentar o despejo, ou seja, da causa de pedir, caberia àquela primeira, por via do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC, sendo aliás esse o primeiro tema da prova elencado.
E) A Ré invoca a ilegitimidade da Autora para o negócio e para a presente acção sendo que a sentença em apreço se limitado a encarar a questão da perspetiva da ineficácia do contrato de arrendamento.
F) No entendimento da Recorrente a análise dos pressupostos processuais – cfr. legitimidade – antecede a análise da questão de mérito dos autos – cfr. validade ou invalidade do contrato - e precede no entender da Recorrente e, necessariamente, o julgamento das questões submetidas ao julgamento do tribunal.
G) Nessa medida, na contestação foi referido pela Recorrente que a Autora na presente acção se afigurava como parte ilegítima e essa ilegitimidade derivaria desde logo de o facto do imóvel sub judice integrar duas heranças, a saber a:
- herança aberta por óbito de CC a que foi atribuído o contribuinte n.º ...”
- herança aberta por óbito de DD, a que foi atribuído o contribuinte n.º ...”
H) E se é certo que ficou provado que a Autora se afigurava como herdeira testamentária da herança de CC (ponto 7 dos factos provados), ficou ainda demostrado – nomeadamente atento o ponto 6. dos mesmos factos provados da existência de uma terceira interveniente - EE - a qual era neta de ambos os falecidos (cfr. inclusive doc junto em audiência, cujo teor se dá por reproduzido).
I) A Recorrente entende ter havido erro de julgamento pois considerar legitimidade acometida à Autora para a acção estará em contradição com a matéria dada como provada naqueloutro ponto 12 onde se consignou que “por escritura de habilitação, outorgada no dia 20.03.2019, no Cartório Notarial de ..., foi declarado que CC faleceu no dia ........2017, no estado de viúva de DD (…) no qual instituiu a Autora como herdeira de tudo o que livremente pudesse dispor à data da sua morte, ou seja, da quota disponível, deixando como único herdeiro, por vocação legal, o filho FF (cf. doc 1 junto com a petição inicial.
J) Como se demonstrou, tal facto foi posto em causa a título superveniente, nomeadamente em audiência de julgamento ,quando se atentou que o filho de CC – FF – e pai de EE era pré-morto à data do óbito dos seus pais (Ponto 5. dos factos provados – e que o mesmo “faleceu no dia ........2006, no estado de divorciado (cf. Doc junto em audiência, cujo teor se dá por reproduzido).”
K) Ora, se está provada a existência de uma outra herdeira mediante vocação legal por sucessão legitimária - EE – admitida a cabeça de casal e em detrimento dos actos onde a herdeira testamenteira se declarou como putativa cabeça de casal – entende a Recorrente que caberia à juiz a quo da 1ªinstância concluir que estava verificada a excepção dilatória de ilegitimidade.
L) Assim atento o artigo 1316.º CC em confronto com o art.º 30.º CPCivil se atenta que a Autora não é parte legítima quanto à herança do 1º óbito ocorrido e do referido DD.
M) Sublinha-se que a instauração do processo pela Autora (introito) refere “AA, casada, contribuinte fiscal n.º ..., (…), na qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito de CC, herança a que foi atribuído o contribuinte n.º ...”.
N) Nada sendo alegado quanto à referida propriedade – atendendo inclusive a que a herança é uma universalidade de direito – e apenas do direito à quota do imóvel como legado de 1 (UMA) só herança ou sequer da sua situação registal– sem determinação de parte ou direito estando a favor da Autora ora Recorrida mas também de FF, atentando-se que o mesmo teria sucedido sempre sucessivamente e primeiramente aos falecidos seus pais DD e CC, não fosse o caso de ser pré-morto!
O) Ficando assim demonstrado nos autos que no âmbito da sucessão do primeiro falecido operou o direito de representação ao “de cujus” DD da sua neta, a referida EE.
P) A prova destes factos confirma a ilegitimidade da A. para a acção, pois que não era a única e universal herdeira dos referidos para que exercesse nos termos do artigo 2084.º do Código Civil a função de cabeça-de-casal na herança e ao abrigo da qual outorgou o contrato ao abrigo do qual apresentou a sua P.I. e da forma como configurou a acção, arrogando-se da qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito de CC e peticionado o despejo por conta da caducidade de um contrato de arrendamento cujo imóvel compõe parcialmente outra herança, o qual não detinha legitimidade (substantiva) para outorgar e menos ainda legitimidade (processual) para fazer valer a juízo, sendo que, por existir uma outra herdeira, presumível cabeça-de-casal de outra herança (art. 2080.º CCvil como se citou no art 14º da Contestação).
Q) Tendo existido aceitação da herança por esta herdeira EE sempre os seus efeitos retroagem-se à data da abertura da sucessão, ocorrendo essa vocação cronologicamente antes sequer da declaração de óbito e participação da herança que a Autora ora recorrida fez junto do serviço de finanças por conta do óbito de CC (23.02.2017 -Cfr doc 3 junto à P.I.).
R) A questão distinta aflorada na sentença remetendo a questão para ineficácia do contrato, pressuporia que a existir eventual arrendamento de bem alheio e caso assim se entendesse – o que seria analisável num momento subsequente em que discutisse a eventual oponibilidade do negócio entre co-herdeiros/ consortes e caso e pela manifestação, antes ou depois do contrato, do assentimento da herdeira preterida - que poderia inclusive reivindicar o bem, o que manifestamente não é objecto da acção.
S) Portanto no entender da Recorrente a ilegitimidade não é sanável e consequentemente, se traduz na decisão de absolvição da instância enquanto excepção dilatória nominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos conjugados dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. e), 578.º, todos do Código de Processo Civil.
T) Estando por isso a decisão ferida da violação das normas constantes dos artigos 30.º CPC, 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. e), 578.º, todos do CPCivil e arts. 1316.º, 2024.º, 2032.º, 2079.º e 2084.º do Código Civil.
U) Mais, entende ainda a Recorrente que a sentença ora proferida é nula, por excesso de pronúncia.
V) Esse vício da sentença e sem prejuízo do dever de fundamentação (arts. 607.º n.º 4 CPCivil e art. 205º nº 1 da CRP) o qual deve, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, consubstancia-se no exercício do poder jurisdicional para além dos limites do nº 2 do artigo 608º CPCivil “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
W) Ou seja, perante os pedidos expressamente formulados pela Autora/Recorrida na sua Petição Inicial e causa de pedir que lhes subjaz entende a Recorrente que estaria vedado à Juiz a quo a decisão das matérias alvo de condenação ao abrigo do instituto da nulidade.
X) Pois é certo que sentença julgou a nulidade do contrato de arrendamento sub judice por falta de forma, todavia, os demais efeitos assim em decorrência não poderiam ser dirimidos, considerando que o pedido primitivo formulado nos autos se cingia ao despejo tendo por base a pretensa caducidade.
Y) Por banda da Autora não existiu uma formulação expressa delimitativa com precisão da pretensão concreto e autónomo o concreto efeito jurídico que pretendia fosse decretado pelo tribunal de 1ª instância - de qualquer outro pedido de condenação na restituição de quanto fosse prestado com outro fundamento e nomeadamente por invalidade do negócio tivesse peticionado a entrega do bem imóvel livre de pessoas e bens.
Z) Na senda do o Prof Alberto dos Reis, o pedido deve ser individualizado para que não restem dúvidas acerca dos seus termos, mormente para a sua execução.
AA) Nesta matéria e por se debruçar sobre o princípio do pedido perante a declaração de nulidade refira-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/07/2024 – processo 5509/18.7T8MTS.P1, cujo sumários prevê:
“(…) V - A nulidade desencadeia os efeitos previstos no artigo 289.º, do Código Civil, o qual dispõe no n.º 1 que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
VI - O ordenamento jurídico visa, nestes casos, o regresso ao statu quo ante, reconstituindo-se a situação que existiria se o contrato, se o negócio nulo ou anulável não tivesse sido celebrado e executado.
VII - Há, então, que proceder à chamada “liquidação do contrato inválido”, ou seja, ao cálculo do valor do dever de restituição.
VIII - Nos contratos de execução continuada, em que uma das partes beneficie do gozo da coisa - como no arrendamento - (…) a restituição em espécie não é, evidentemente possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada.
IX - De resto, o pagamento da indemnização correspondente às rendas - afinal o valor locatício encontrado por vontade dos contraentes - faz-se, não pelo instituto do enriquecimento sem causa, mas directamente, em virtude da declaração de nulidade do contrato, por apelo à estatuição do citado nº 3, do artigo 289º, do Código Civil, com remissão directa ou analógica para o disposto nos artigos 1269º e ss., relativos aos efeitos da posse de boa-fé e respectivos frutos.
X - Declarada a nulidade do contrato, há, em princípio, lugar à restituição do que tiver sido prestado, mas desde que tal restituição seja pedida.
XI - O que está subjacente à doutrina do Assento nº 4/95, publicado no DR, 1ª Série, de 17.05.1995, é apenas a possibilidade de convolar a causa de pedir que era invocada e de alterar a qualificação da pretensão material deduzida, mas apenas para decretar o efeito prático-jurídico que foi solicitado, ainda que sob diferente qualificação jurídica, e não para o efeito de decretar um efeito que não foi, de todo, solicitado.” (sublinhado nosso) - https://www.dgsi.pt/.” (sublinhado nosso).”
BB) Estando ainda plasmado na fundamentação do Acórdão citado que “(…) não condenou e bem, ao inverso do defendido pela Autora/aqui Apelante, a Ré/ aqui apelada a restituir o prédio, porquanto em momento algum a autora formulou este pedido, em obediência ao disposto no artigo 609º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Neste sentido, embora tratando-se de um caso diverso, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2009 (Lopes do Rego), no processo n.º 308/1999.C1.S1 (in www. dgsi. pt.), ao referir que «…tendo-se o autor limitado a formular um pedido de anulação de certo negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença de condenação na restituição ou entrega dos bens, consequente ao decretamento da invalidade - ou da ineficácia do negócio - por tal implicar violação do disposto no art.661º, nº1, do CPC».
No mesmo sentido, temos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2003, (com referência ao documento n.º SJ200305200014026, in www.dgsi.pt), quando se ponderou que «Declarada a nulidade do contrato, há, em princípio, lugar à restituição do que tiver sido prestado, mas desde que tal restituição seja pedida».
Além disso, atenta a especificidade do caso vertente, o Assento n.º 4/95, publicado no DR, 1ª Série, de 17.05.1995, citado pela apelante, não nos leva a concluir em sentido diverso.
Com efeito, oque está subjacente à doutrina do Assento nº 4/95 é apenas a possibilidade de convolar a causa de pedir que era invocada e de alterar a qualificação da pretensão material deduzida, mas apenas para decretar o efeito prático-jurídico que foi solicitado, ainda que sob diferente qualificação jurídica, e não para o efeito de decretar um efeito que não foi, de todo, solicitado – Cfr.. neste sentido, os Acórdãos do STJ de 20/05/2003 e de 05/11/2009, proferidos nos processos nºs 03A1402 e 308/1999.C1.S1, respectivamente, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt., atrás citados. (…)
Assim, sendo formulado uma determinada pretensão cuja causa de pedir radica num determinado negócio e tendo como pressuposto a sua validade e concluindo-se que esse negócio é nulo, o Tribunal, na medida em que pode e deve declarar a nulidade - apesar de tal não lhe ter sido solicitado - poderá também, com base nessa nulidade, satisfazer a pretensão que lhe havia solicitada, sendo que, ao actuar nesses termos - como é admitido pelo aludido Assento - o Tribunal limita-se decretar o efeito prático que lhe foi solicitado (ainda que com base em diferente causa de pedir e com diferente qualificação jurídica). Todavia, se a parte não formulou qualquer pedido onde se possa considerar incluído (ainda que com uma interpretação menos rígida) o efeito decorrente da nulidade, o Tribunal, não obstante poder e dever declarar a nulidade, está impedido, sob pena de violação directa e frontal do artigo 609º do CPC, de decretar os seus efeitos e condenar as partes (ou uma delas) na restituição a que haja lugar. “
CC) A este respeito e de acordo com a aliena d) do art.º 615º CPCivil é taxativamernte sancionada com nulidade a sentença que ultrapasse os limites relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
DD)A formulação usada e atento o excesso de pronúncia – v.g. ultra petitum – remete para um ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) – ob. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
EE) Enquanto princípio estruturante do princípio do dispositivo cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema probandum e decidendum – ob. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374 – sendo expressão igualmente do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art.º 3º, n.º 3 do CPCivil, ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e contribuírem ativamente para a decisão a ser nele proferida sendo que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil) –porém terá de atentar aos limites do pedido em que as partes sustentaram a sua pretensão.
FF) Pelo que, mesmo dando procedência à matéria exceptiva da Recorrente e que seja de conhecimento oficioso – desde que alegada e provada a respetiva facticidade – haverá que destrinçar se tal se contém nos limites da tutela jurisdicional peticionada e também não pode condenar em quantia superior ou em objeto diverso (qualitativamente diferente) do pedido, sob pena de incorrer em nulidade por condenação ultra petitum.
GG)A Douta decisão recorrida não subsume corretamente os factos ao direito aplicável, devendo como tal ser alterada por nula quanto aos fundamentos excessivas da decisão, mostrando-se violadas as normas constantes dos artigos 607.º n.º 4, 608.º n.º 2, 612.º, 5º n.º 1 todos do CPCivil e arts. 286.º e 289.º n.º 1 CCivil.
HH) Motivo pelo se requer seja concedido provimento ao presente. Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso do Recorrente e Assim se fará a Costumada Justiça!»
Nas contra-alegações, são as seguintes conclusões:
«a) A Ré, inconformada com a douta sentença proferida, veio dela interpor recurso alegando, em suma, a falta de legitimidade ativa da A. e a nulidade da sentença proferida por excesso de pronúncia;
b) Alega a ilegitimidade da A., quer para celebrar o contrato de arrendamento em causa (ilegitimidade substantiva), quer para instaurar a presente ação (ilegitimidade processual);
c) Foi posto em causa a posição de cabeça de casal da A.;
d) De acordo com o estatuído no art.º 2080º do Código Civil, os herdeiros legais têm prioridade no exercício do cabecelato, acontece que, o, à data, herdeiro legal (FF) estava em parte incerta e a A. tinha recebido informação de que este falecera. Apesar de ter tentado, a A. não conseguiu obter documentos que suportassem tal afirmação e nem saber em que data o eventual óbito teria ocorrido;
e) Assim, não poderia este exercer o cargo de cabeça de casal e, por força da al. d) do n.º 1 do art.º 2080º do Código Civil, tal cargo cabia à A. e estra já se encontrava a administrar o bem ainda em vida da sua proprietária CC, o que nunca foi posto em causa;
f) Veio EE (filha de FF e neta de CC) em sede de audiência de discussão e julgamento, comprovar que o seu pai era pré-falecido à sua avó, através da junção aos autos da certidão do assento de nascimento daquele, onde consta o averbamento, em ... de ... de 2024, do seu óbito (averbamento n.º 3),
g) EE também nunca se apresentou à A. como herdeira, em representação do seu falecido pai, ou deu conhecimento que o seu pai tinha pré-falecido à sua avó;
h) Como consta da douta sentença ora posta em crise “quem tem legitimidade para dar de arrendamento é quem detém o direito de dispor do gozo da coisa ou quem, não tendo esse direito, está investido em poderes de representação sobre a disposição do gozo dessa coisa.”;
i) O exercício do cargo de cabeça de casal pela A. foi dado como provado no ponto 7 dos factos provados da douta sentença (decisão tomada de acordo com os documentos 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial), factos estes que não foram impugnados pela R. no presente recurso, pelo que se consideram assentes.
j) Sendo a A. a cabeça de casal da herança aberta por óbito de CC e, também, co-proprietária (enquanto herdeira) da referida fração que compõe a herança de CC, tem poderes para celebrar o contrato de arrendamento em causa;
k) Na verdade EE autorizou o arrendamento da fração, documento que não foi junto aos autos porquanto, para todos os efeitos legais, o co--herdeiro da fração era o incerto FF que agora se sabe que é pré-falecido, mas que à data se desconhecia!;
l) Relativamente à ilegitimidade processual, como a Ré bem sabe, não é possível administrar uma quota parte de uma fração autónoma, nem exercer o cargo de cabeça de casal quanto a uma quota parte de uma herança (ainda para mais é o mesmo o bem que compõe as duas heranças em causa!);
m) A A. não tem conhecimento se a herdeira EE aceitou ou repudiou a herança dos seus avós, porquanto nunca viu qualquer escritura nesse sentido. E mesmo que tivesse efetivamente aceitado a herança/heranças, tal terá ocorrido em data posterior à propositura da presente ação (quanto mais em relação à data de abertura da sucessão e demais atos práticos), pois só poderá ter ocorrido após o averbamento do óbito de FF;
n) A exceção de ilegitimidade (processual) foi julgada improcedente aquando da prolação do despacho saneador, o que não foi alvo de qualquer reclamação;
o) A alegada ilegitimidade substantiva, não foi aí decidida pois não o poderia ser sem que a Mm.ª Juiz a quo conhecesse do mérito da causa, tendo sido julgada improcedente em sede de sentença;
p) A Ré vem alegar excesso de pronuncia por a Mm.ª Juiz a quo a ter condenado “no pagamento à Autora do montante de €36.000,00, correspondente às importâncias que se venceram a título de rendas desde o mês de abril de 2021 até à presente data, a que acrescem juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do trânsito em julgado da sentença até efetivo e integral pagamento”;
q) Na opinião da A. a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade por excesso de pronúncia;
r) Entende que tal se enquadra no pedido de condenação da R. ao pagamento das rendas até efetiva entrega do locado, bem como no pedido de condenação em indemnização;
s) Mesmo que assim não se entenda, a declaração de nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma nos termos do disposto no art.º 286º do Código Civil, é de conhecimento oficioso;
t) Tal declaração, que tem efeito retroativo, pressupõe a reposição da situação à data da celebração do negócio (v. g. art.º 289º do Código Civil), in caso, da celebração do contrato de arrendamento declarado nulo;
u) Ou seja, declarada a nulidade do contrato de arrendamento, por falta de forma, o arrendatário fica obrigado, não só a restituir ao senhorio o locado, como também a pagar-lhe uma indemnização pela utilização do mesmo, correspondente, em regra, ao montante das rendas acordadas, enquanto tal utilização se mantiver;
v) Neste sentido tem seguido a jurisprudência, conforme plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 134/12.9T2AND.P1, do Relator Exm.º Senhor Juiz Desembargador Carlos Gil e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 9440/08.6TBCSC.L1-6, da Relatora Exm.ª Senhora Juiz Desembargadora Fátima Galante;
w) Poderia ainda a Mm.ª Juiz a quo ter condenado ao pagamento de tal indemnização até efetiva entrega do locado, o que optou por não fazer;
x) Caso o tivesse feito, talvez a Ré não estivesse a tentar protelar a entrega do imóvel à A., como tem estado a fazer, e fá-lo porque não tem nada a perder e, entretanto, continua a usufruir da ocupação do locado e a causar transtorno à A.;
y) A sentença proferida não merece qualquer reparo.
Nestes termos e nos mais de direito, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pela Ré e, consequentemente, mantida a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Assim se fará Justiça!»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos dados como provados na 1.ª instância:
1- DD e CC era donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra L do prédio urbano, sito na Travessa ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9021 e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 3244 (cf. doc 5, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
2- A referida fração corresponde ao 3º andar do referido prédio urbano, é destinada a habitação, composta por duas divisões e tem o valor patrimonial tributário de €40 041,75 (quarenta mil e quarenta e um euros e setenta e cinco cêntimos) (cf. doc 4, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
3- DD faleceu no dia ........1994, no estado de casado com CC (cf. docs 2 e 3 juntos com a petição inicial e doc 1 junto com a resposta à exceção, cujo teor se dá por reproduzido).
4- CC faleceu no dia ........2017 no estado de viúva de DD (cf. docs 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
5- FF era filho de DD e de CC e faleceu no dia ........2006, no estado de divorciado (cf. doc junto em audiência, cujo teor se dá por reproduzido).
6- EE é filha de FF e de GG (cf. doc junto em audiência, cujo teor se dá por reproduzido).
7- A Autora é cabeça de casal na herança aberta por óbito de CC, herança a que coube o NIF ... (cf. docs 1, 2 e 3, juntos com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
8- As heranças de DD e de CC não foram partilhadas.
9- CC outorgou em 30.01.2013, no Cartório Notarial a cargo da Notária HH, procuração segundo a qual constituiu a Autora como procuradora e conferiu-lhe poderes para representá-la junto dos Serviços de Finanças Procuração com poderes necessários para representá-la junto dos Serviços de Finanças, Câmaras Municipais, Cartórios Notariais, Conservatórias dos Registos Prediais, tratar de todos os assuntos relacionados com a herança aberta por óbito do seu marido DD, falecido aos ... de ... de 1994, na freguesia e concelho de ..., onde teve a sua última residência na Rua 1, nomeadamente relacionados com a fração autónoma designada pela letra “L” do prédio urbano, sito na Rua 1, freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 5352, requerendo, praticando e assinando tudo o que se torne necessário aos indicados fins (cf. doc 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
10- Por escritura de habilitação, outorgada no dia 07.10.2013, no Cartório Notarial a cargo da Notária HH, foi declarado que DD faleceu no dia ........1994, no estado de casado com CC, sem testamento ou outra qualquer disposição de última vontade, deixando como únicos e universais herdeiros o cônjuge, CC, e o filho FF, divorciado (cf. doc 1 junto com a resposta à matéria de exceção, cujo teor se dá por reproduzido).
11- A fração autónoma identifica em 1. foi destinada a serviços de Alojamento Local, possuindo licença e encontrando-se inscrita no Turismo de Portugal como “Casa da C...”.
12- Por escritura de habilitação, outorgada no dia 20.03.2019, no Cartório Notarial de ..., foi declarado que CC faleceu no dia ........2017, no estado de viúva de DD, deixando testamento outorgado no dia 14.03.2013, no qual instituiu a Autora como herdeira de tudo o que livremente pudesse dispor à data da sua morte, ou seja, da quota disponível, deixando como único herdeiro, por vocação legal, o filho FF (cf. doc 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
13- Em dia não concretamente apurado, do mês de setembro de 2020, a Autora acordou verbalmente com a Ré a cedência do gozo e fruição da fração autónoma identificada em 1, com destino a habitação permanente.
14- Foi acordado o pagamento de uma contrapartida mensal de €800,00 (oitocentos euros), a ser paga pela Ré por transferência bancária.
15- Em 05.11.2020 a Autora propôs à Ré celebrar um acordo de cedência renovável de 3 meses em 3 meses (cf. docs. 2 e 3 juntos com a réplica, cujo teor se dá por reproduzido).
16- Em 21.03.2021 a Autora enviou à Ré uma mensagem via Whatsapp na qual informava que não iria renovar o acordo de cedência e que precisava que a fração autónoma fosse entregue até final de maio (cf. docs. 2 e 3 junto com a réplica, cujo teor se dá por reproduzido).
17- A Ré deixou de pagar a contrapartida mensal acordada com a Autora a partir do mês de abril de 2021.
18- Em 03.05.2021 a Autora enviou à Ré carta registada na qual informou não pretender a renovação do acordo de cedência que terminaria em 31 de maio daquele ano e solicitou o pagamento da contrapartida referente aos meses de abril e maio de 2021, informando que a caução paga seria restituída após a entrega da fração, caso não existissem danos a reparar e/ou despesas para pagar relativas a consumos de água e luz (cf. doc. 9, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
19- Em 09.05.2021 a Autora participou no Serviço de Finanças de Silves a cessação do acordo de cedência da fração autónoma com a Ré em 31.05.2021 (cf. doc 8, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).
20- Até à presente data a Ré não procedeu à entrega da fração autónoma.
21- A Ré apresentou queixa contra a Autora que deu origem ao processo de inquérito n.º 472/21.0..., que correu termos na 1ª Seção do DIAP de ..., no qual foi proferido despacho de arquivamento (cf. doc. 1 junto com a réplica, cujo teor se dá por reproduzido).
22- A fração autónoma constitui casa de mora de família da Ré, companheiro e filho daquela.
E dados como não provados:
a) a Ré acordou com a Autora a utilização da fração autónoma como alojamento local;
b) e após celebrou com esta acordo escrito, na qualidade de cabeça-de-casal das heranças de DD e CC, através do qual acordou a cedência da fração autónoma, por um período de 4 meses, com início em novembro de 2020, com renovação automática, em caso de não oposição, por períodos iguais e sucessivos;
c) a Autora retirou o jacuzzi da varanda da fração autónoma e proibiu o uso da arrecadação, retirando a chave de acesso à mesma, a qual estava incluída nas utilidades da fração e no preço acordado;
d) a Autora solicitou o corte de fornecimento de eletricidade, não permitindo que a Ré efetuasse a troca da titularidade do contador dada a inexistência de acordo escrito em seu nome;
e) a Ré insistiu para que fosse formalizado o acordo escrito de cedência da fração autónoma;
f) a Autora colocou um cadeado na porta da fração autónoma, impedindo que a Ré entrasse e cortou o abastecimento de água;
g) a Autora enviou à Ré mensagens pelo Whatsapp com o seguinte teor: “Estás em casa da minha prima e não pagas renda sua vigarista” “Dormiste bem hoje? Pode ser que durmas para sempre”;
h) o referido em c), e) e f) abalou a Ré no seu repouso, silêncio e tranquilidade, sentindo-se humilhada perante os vizinhos, com receio em ausentar-se da fração, provocando ataques de pânico e receio;
i) a Ré encontra-se desempregada e por vezes trabalha a dias e à comissão;
j) a Ré não é proprietária de qualquer imóvel, nem possui rendimentos ou fiadores que lhe permitam suportar o pagamento de uma contrapartida mensal;
k) a Ré procurou obter ajuda junto da Divisão de Ação Social e Apoio Institucional da Câmara Municipal de ....
2 – Objecto do recurso.
As questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC,
1ª Questão – Se há ilegitimidade activa.
2ª Questão – Se a sentença é nula por excesso de pronúncia.
3 - Análise do recurso.
1ª Questão – Se há ilegitimidade activa.
A Ré discorda da decisão que considera que a A. é parte legitima.
Argumenta para tal que, o imóvel em causa integra duas heranças, (a saber a:- herança aberta por óbito de CC, e a herança aberta por óbito de DD) sendo que, a A. é apenas herdeira testamentária da primeira herança, existindo uma terceira interveniente - EE.
Conclui que, atento o artigo 1316.º CC em confronto com o art.º 30.º CPCivil a A. carece de legitimidade para a acção, uma vez que, esta – porque só é cabeça de casal quanto a uma das heranças, a herança aberta por óbito de CC - não é parte legítima quanto à herança do 1º óbito ocorrido e do referido DD, já que existe a outra herdeira mediante vocação legal por sucessão legitimária - EE.
Vejamos:
No caso dos presentes autos (considerando os pedidos formulados) estamos perante uma acção de despejo.
Como sabemos, de acordo com o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo Civil (CPC):« o autor tem legitimidade ativa ou é parte legítima “quando tem interesse direto em demandar” e o réu tem legitimidade passiva “quando tem interesse direto em contradizer”, sendo que, nos termos do n.º 2 desse artigo, “[o] interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
A legitimidade ativa para a ação de despejo corresponde à qualidade de "senhorio", ou seja, aquele que tem a posição de locador na relação jurídica do contrato de arrendamento, independentemente de ser ou não o proprietário do imóvel (qualidade que não tem que demonstrar).
“Senhorio” é aquele que, segundo o contrato de arrendamento celebrado e cuja resolução se pretende obter, ocupa essa posição, isto é, será aquele que nos termos do contrato de arrendamento outorgado se obrigou a proporcionar (e que proporcionou) ao outro contraente (o arrendatário) o gozo temporário do imóvel, mediante a obrigação deste de lhe pagar a renda convencionada e, bem assim aquele que, entretanto, por acto intervivos ou mortis causa, lhe sucedeu nessa sua posição contratual.
Deste modo, têm, em princípio, legitimidade para a acção de despejo os sujeitos da relação jurídica de arrendamento, ou seja, aqueles que segundo o respectivo contrato, ocupam as posições de senhorio e de arrendatário.
Nos presentes autos nunca foi posto em causa a sua qualidade de locadora.
Por outro lado, dada a natureza meramente obrigacional do contrato de arrendamento, a circunstância do senhorio não deter legitimidade, segundo a lei substantiva, para dar de arrendamento o arrendado, não determina a invalidade do contrato, seguindo a posição de Henrique Mesquita (RLJ, 125, 100, nota 1), Almeida Costa e Aragão Seia (Arrendamento Urbano, Almedina, 6.ª edição, págs. 78 a 81 e 105), que defendem que o contrato de arrendamento de coisa alheia é válido.
Ou seja, a legitimidade activa para instaurar a acção de despejo depende apenas da sua qualidade de “senhorio”, visto que na acção de despejo o que está em causa é a relação obrigacional e contratual senhorio versus inquilino - os Ac. RL de 29/5/2012, no processo 1693/10.6tclrs, l1.7 relatado por Ana Resende, Ac. RE de 26/3/2015 no processo 183/11.4t2gdl-E1,da Relação de Guimarães de 10/1/2019, no processo 2290/16.8t8bcl.g1, relatado por José Alberto Martins Moreira Dias, todos disponíveis no sítio www.dgsi.pt .
Aliás, estando em causa, no despejo a desoneração do prédio, e não o contrário, não há razão para exigir a presença de mais do que o locador.
Tanto basta para concluir que, a A., sendo locadora – factos 9 e 13- é parte legitima.
Improcede, por isso, nesta parte o recurso.
2ª Questão – Se a sentença é nula por excesso de pronúncia.
Nos termos do artigo 615.º - Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
Invoca a Recorrente que, a sentença é nula, por excesso de pronúncia.
Argumenta para tal que, a sentença julgou a nulidade do contrato de arrendamento sub judice por falta de forma, sem que tal fosse pedido, pelo que não podia condenar nos efeitos decorrentes dessa nulidade, considerando que o pedido primitivo, formulado nos autos, se cingia ao despejo, tendo por base a pretensa caducidade.
Não cremos que assim seja.
Senão vejamos:
Efectivamente, o “juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, páginas 67 e 68.
Por isso é sancionada com nulidade a sentença que ultrapasse os limites relativos à extensão do poder jurisdicional, por referência ao caso submetido ao tribunal.
A formulação usada e atento o excesso de pronúncia – v.g. ultra petitum – remete para um ilegítimo do poder jurisdicional, em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) – ob. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
E a nulidade em causa radica, no conhecimento de questões que não podiam ser julgadas, por não terem sido suscitadas pelas partes, nem serem de conhecimento oficioso.
Em primeiro lugar, entendemos que, sendo a nulidade do contrato questão do conhecimento oficioso, pode ser objecto da decisão.
O tribunal, para declarar a nulidade do contrato, serviu-se precisamente da factualidade alegada pelas partes, sem que houvesse alargado o seu espectro.
E quanto aos efeitos dessa nulidade?
A sentença recorrida, na sequência da declaração de nulidade do contrato, entendeu que emergia:
- Por um lado, a obrigação da Ré entregar à Autora a fração autónoma objeto do contrato nulo; -
- por outro, a manutenção das rendas pagas na esfera jurídica da Autora, com a obrigação da Ré pagar àquela o montante correspondente ao valor das rendas em falta relativamente ao período em que fruiu o locado, dado que existe um valor objetivo do uso da fração integrado no património da Ré, a qual tirou proveito económico de tal fruição, em consequência de um contrato nulo (sem prejuízo de eventuais acertos com a outra herdeira), valor reportado apenas até à presente data em que se declara a nulidade do contrato celebrado.
Contrapõe a recorrente que, não há um pedido de restituição, porque o pedido de despejo da A. ora Recorrida firma-se na pretensa caducidade e não houve formulação expressa – com precisão, requerendo como pedido concreto e autónomo o concreto efeito jurídico que pretendia fosse decretado pelo tribunal de 1ª instância - de qualquer outro pedido de condenação na restituição de quanto fosse prestado, com outro fundamento e nomeadamente por invalidade do negócio, tivesse peticionado a entrega do bem imóvel livre de pessoas e bens, concluindo que, perante os pedidos expressamente formulados pela Autora/Recorrida na sua Petição Inicial e causa de pedir que lhes subjaz, estaria vedado à juíz a quo a decisão das matérias alvo de condenação ao abrigo do instituto da nulidade.
Mas, no nosso entender, sem razão.
Senão vejamos:
Sendo a nulidade formal de conhecimento oficioso (art.286 do CC), a sua declaração implica a restituição do que foi prestado, por força do art.289 nº1 do CC e Assento do STJ nº4/95 de 28/2/95, DR I Série de 17/5/95, ao estabelecer a seguinte orientação:
“Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no nº1 do art.289 do Código Civil “.
Este Assento, agora transformado em acórdão de uniformização de jurisprudência, tem aplicação às acções de despejo fundadas em contrato cuja nulidade seja decretada (cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol I, 2ª ed., pág.52).
O Assento permite ao tribunal proceder a qualificação jurídica da situação concreta e julgar com base em fundamento diferente do enunciado pelas partes, adoptando-se a doutrina de Vaz Serra ( RLJ ano 109, pág.312 ) para quem, formulando o autor determinados pedidos, partindo da validade do contrato, poderia tê-los formulado também na base da nulidade deste, sendo, por isso, de admitir, que se tivesse previsto a nulidade, o teria feito, defendendo a possibilidade da conversão da causa de pedir na que o autor teria invocado se tivesse previsto a nulidade do contrato, à semelhança do negócio jurídico nulo ( art.293 do CC ).
O Assento consente uma aplicação menos rígida e menos formal do artigo 609º do Código de Processo Civil, ao admitir que o Tribunal possa decretar uma determinada pretensão, que não coincidia rigorosamente com o pedido que havia sido formulado, porque tal pretensão - embora coincidindo, nos seus efeitos práticos, com o pedido - baseia-se em causa de pedir diversa da que havia sido invocada, correspondendo, no rigor dos princípios, a uma pretensão diferente.
Com efeito, não faria sentido que tendo os autores instaurado acção a pedir a resolução do contrato e o despejo do locado no pressuposto da validade do contrato, mas tendo este sido declarado nulo, estivessem obrigados a propor outra acção, agora baseada na nulidade do mesmo contrato, desde logo face ao princípio da economia processual .
Tudo consiste em saber se, os efeitos da nulidade se situam no mesmo efeito prático-jurídico que foi solicitado, ainda que sob diferente qualificação jurídica, ou seja se se pode considerar incluído (ainda que com uma interpretação menos rígida) o efeito decorrente da nulidade.
Tal como é referido, no Ac. STJ de 30.05.23, Proc. nº 135/21.6T8LRA.C1.S1, relatora Maria Clara Sottomaior:
«O princípio do dispositivo, material e teleologicamente compreendido à luz de uma visão holística da relação jurídica admitirá, assim, que o tribunal, determine a restituição do bem prestado na sequência de um contrato declarado resolvido, tratando-se de, na formulação utilizada pelo acórdão do STJ de 09-05-1996 (Processo nº 088244), conceder os “efeitos totais da tutela jurisdicional deduzida” pelo autor.
E cremos que, é o que acontece no caso dos autos.
Embora a A. tenha formulado o pedido de pagamento, num plano diferente (caducidade), daquele que veio a ser objecto da condenação (nulidade do contrato), ou seja apesar do pedido radicar num determinado negócio e tendo como pressuposto a sua validade, o Tribunal ao concluir que esse negócio é nulo, o Tribunal, na medida em que pode e deve declarar a nulidade - apesar de tal não lhe ter sido solicitado - poderá também, com base nessa nulidade, satisfazer a pretensão que lhe havia solicitada, sendo que, ao actuar nesses termos - como é admitido pelo aludido Assento - o Tribunal limita-se decretar o efeito prático que lhe foi solicitado (ainda que com base em diferente causa de pedir e com diferente qualificação jurídica).
A tutela requerida pela A inclui, como efeito necessário o teor da condenação decorrente da nulidade, convergindo ambas para o valor pecuniário da utilização do locado, até porque a nulidade opera retroactivamente, o que implica haver lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio (art.289 do CC).
Com efeito, um contrato nulo não o torna inexistente, já que o negócio existe como acto realizado, fundando-se, assim, uma “relação de liquidação “.
Em suma, estava o tribunal legitimado a conhecer oficiosamente da nulidade do contrato de arrendamento e os efeitos desta nulidade, sem que ocorra nulidade da sentença.
Logo, improcede totalmente o recurso.
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 8.05.25
Elisabete Valente
Filipe César Osório
Sónia Moura