EXECUÇÃO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
TRATO SUCESSIVO
Sumário

Sumário:
1. O exequente pode desistir do pedido ou da instância executiva.
2. Se num primeiro processo executivo o exequente não fez qualquer ressalva no seu pedido de desistência e se conformou com a posição do agente de execução que qualificou essa desistência como desistência do pedido, só pode considerar-se que esse processo terminou por desistência do pedido executivo.
3. Essa desistência do pedido executivo tem como consequência a extinção da obrigação exequenda.
4. Na presente e segunda acção executiva, tendo por títulos os mesmos créditos hipotecários, não pode voltar a ser reclamado o pagamento, não por uma situação de caso julgado, mas pela extinção da obrigação principal dos mutuários.
5. O título executivo não tinha trato sucessivo, uma vez que o exequente veio dar à execução, como vencida, a dívida na sua totalidade.

Texto Integral

Apelação n.º 863/20.3T8SLV-A.E1
(1.ª Secção)

Relator: Filipe Aveiro Marques


1.ª Adjunta: Ana Pessoa


2.º Adjunto: Filipe César Osório


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***


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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO:

I.A.


“AA, Lda.”, BB e CC, embargantes na oposição à execução que contra eles foi movida por “ARES LUSITANI – STC, S.A.”, vieram recorrer da sentença proferida pelo Juízo de Execução do Silves - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedentes os presentes embargos, determinando, em consequência, a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso para a satisfação da quantia exequenda.

Custas a cargo dos Embargantes/Executados (cfr. artigo 527º, nº 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil).

A execução a que os embargos se visam opor foi inicialmente movida pela exequente (a quem foi cedido o crédito exequendo) contra CC e BB por requerimento apresentado em 9/06/2020.


Depois de a exequente ter requerido a intervenção de outro adquirente do imóvel hipotecado e após oposição dos executados, por requerimento de 31/08/2022 veio a exequente requerer a citação, como executada, da actual proprietária do imóvel hipotecado “AA, Lda.”.


Por decisão de 15/07/2023 foi proferida decisão que admitiu a indicada na qualidade de executada, ao lado dos primitivos executados.


Em 19/01/2024 vieram todos os executados deduzir oposição, por embargos, à referida execução. Alegaram, muito em suma, que: o cedente do crédito que se executa já tinha instaurado acção executiva contra os executados CC e BB e nesse processo, o exequente desistiu do pedido executivo e, por decisão, foi homologada essa desistência, pelo que existe caso julgado; já prescreveram os créditos de capital e juros, pois a execução deu entrada no Tribunal 7 anos depois do incumprimento.


Depois de ter sido desentranhada a contestação oferecida pela executada/embargada, por extemporânea, foram considerados confessados os factos articulados no requerimento de embargos susceptíveis de confissão e não estejam em oposição com os expressamente alegados no requerimento executivo (despacho de 21/05/2024).


As partes apresentaram alegações por escrito.


Por despacho de 5/10/2024 determinou-se a junção do requerimento executivo, o requerimento de desistência e decisão do agente de execução de extinção do processo n.º 229/14.4...


Foram juntos esses elementos, de onde se retira:

- Requerimento do aí exequente “Novo Banco, S.A.” do seguinte teor: “exequente nos autos em epígrafe, vem, nos termos do disposto no art. 848º, n.º 1, CPC, desistir da execução”;

- Despacho do agente de execução de 6/12/2016 do seguinte teor: “Extinção: Desistência. Desistência do pedido, nos termos da alínea d) do artigo 277.º e alínea f) do n.º 1 do artigo 849.º do CPC”.

De seguida foi proferida a decisão recorrida.

I.B.

Os embargantes/executados apresentaram alegações onde terminam com as seguintes conclusões:

I

No entender dos apelantes a sentença prolatada pela Exma. Juiz "a quo" na parte em se pronuncia sobre a excepção do caso julgado invocada pelos apelantes e ex vi da prolação de uma decisão do AE no processo executivo n.º 2229/14.4... Instância Central de Silves-2.ª Secção de Execução - Juiz 1 que decidiu pela extinção da execução em virtude da desistência do pedido por parte da Novo Banco S.A na qualidade de exequente e transitado em julgado. Existe documento no processo, embargos de executado onde se prova que foi a Juiz "a quo" que mandou juntar aos autos esta decisão ao Funcionário Judicial em 07-10-2024 com a Ref2133769246 (o que foi feito), sendo que esta prova documental nunca foi tida em conta pela Exma. Juiz, caso contrário a sentença dos embargos de executados seria in totum favorável aos embargantes/apelantes.

A sentença prolatada nos embargos de executado é nula, por violação dos artº(s) 608 2ª parte do nº2, 609 nº 1 alíneas c) d) e e) do artº 615 do CPC. Nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.

II

Na douta sentença a Exma "juiz a quo" considera que as dividas dos executados na execução e com causa de pedir em dois mútuos venceram-se e tornaram-se exigíveis nos dias 10-09-2013 e 02-092013 por incumprimento.

Só que 12-06-2016 foi decidido a extinça da execução ex vi da desistência do pedido.

Em lugar de aplicar aos autos o preceituado no artº 283 e 285 e 286 todos do CPC que foram postergados de aplicação por omissões contidas pela Exma "Juiz a quo" em relação a excepções invocadas pelos embargantes/apelantes tornando a sentença nula por violação da lei ex vi do artº 608 e 215 do CPC.

III

Está exarado na douta sentença que as dividas dos executados na acção executiva nº 2229/14.4... venceram-se e tornaram-se exigíveis 10-09-2013 e 02-09-2013 e extinção da execução por desistência do pedido tornou-se numa impossibilidade de no futuro executarem os executados por não poderem fazer valer os direitos de créditos e garantias, em virtude de terem desaparecido o exequente Novo Banco S.A aquando desistiu do pedido. Portanto a prescrição invocada nos embargos de executado de 5 anos para o capital e juros tem de proceder in totum ex vi do artº 310 alínea e) do Ccivil e do Acordão Uniformador de Jurisprudência nº 6/2022 de 22-09-202. 0u seja, quando o embargado intentou a execução contra o embargantes/apelantes já os créditos e os juros estavam prescritos, que deve ser declarado por Exmos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal ad quem, considerando os embargos procedentes e em consequência revogar a douta sentença ajuizada quer por ser nula (porque viola a lei, quer pela procedências das excepções invocadas.

I.C.

A recorrida apresentou resposta em que defendeu que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.


I.D.


O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo.


Após os vistos, cumpre decidir.


***

II. QUESTÕES A DECIDIR:

As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).


Assim, no caso, impõe-se apreciar:

a. Invocadas nulidades da sentença recorrida;

b. Relevância da desistência deduzida e decidida no anterior processo executivo;

c. Caso possa prosseguir a execução, se está prescrito o direito invocado.


*

III. FUNDAMENTAÇÃO:

III.A. Apreciação das invocadas nulidades da sentença recorrida:

Invocam os recorrentes a nulidade da decisão recorrida.


Estabelece o artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que:

“É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.

O recorrente imputa à sentença recorrida uma suposta violação das alíneas c), d) e e) deste artigo.


Quanto à nulidade prevista na referida alínea c), do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a mesma ocorre quando exista ininteligibilidade (o que, no caso, não se verifica, dada a clareza da decisão) ou quando a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final (o que, evidentemente, também não ocorre – pois toda a argumentação, quer de facto, quer de direito, aponta no sentido da decisão que veio a ser tomada). Esta nulidade não se pode confundir com o eventual erro de julgamento, pelo que improcede a alegação da recorrente nesta parte.


Já a omissão de pronúncia (alínea d) do referido artigo 615.º) está relacionada com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, onde se exige ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras.


Mas são coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer‑se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Na verdade, “importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio” (nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2024, processo n.º 1610/19.8T8VNG.P1.S1[1]).


E o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que, não tendo sido colocadas pelas partes, não são de conhecimento oficioso. E essas questões são as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (neste sentido, por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2005, processo n.º 05S2137[2]).


Não se vislumbra que a sentença tenha deixado de conhecer alguma questão relevante para apreciação do pedido (pois que se pronunciou sobre todas as questões colocadas pelos embargantes). Também não se confunde esta nulidade com a eventual errada aplicação do direito.


Finalmente, por não se tratar de sentença condenatória não está, manifestamente, em causa a nulidade prevista na alínea e), do artigo 615.º do Código de Processo Civil.


Improcede, por isso, esta parte da apelação.


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III.B. Fundamentação de facto:

III.B.1 Factos provados:

Considera-se a seguinte matéria de facto constante da decisão recorrida e não impugnada pelos recorrentes:

1. No processo de Execução nº 229/14.4..., o Exequente Novo Banco, S.A. apresentou requerimento executivo contra os Executados CC e BB, invocando, entre o mais, o seguinte:

“Por escritura de "título de mútuo com hipoteca" (doc.1) e escritura de “título de mútuo com hipoteca" (doc.2), a primeira celebrada em 07.09.2011 e a segunda em 12.03.2012, o exequente concedeu aos Executados, CC e BB, dois empréstimos:

- um, a que foi aposto o nº de contrato ..., no valor de € 40.000,00, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos executados(…);

- e outro a que foi aposto o nº ..., no valor de € 15.000,00, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelos executados(…)

(…)

No que respeita ao 1º empréstimo, os executados efectuaram o pagamento da última prestação em 10.09.2013, tendo deixado de pagar todas as que se venceram posteriormente. No que respeita ao 2º empréstimo, os executados efectuaram o pagamento da última prestação em 02.09.2013, não tendo pago qualquer quantia posteriormente a essa data. Os executados incumpriram, pois, ambos os contratos, o 1º em 10.09.2013 e o segundo em 02.09.2013. (…) Assim, e por força do disposto nas citadas cláusulas 9ªs de ambos os contratos, a dívida dos executados, com referência aos mútuos dos autos, veio a vencer-se e tornar-se exigível, na sua totalidade, em 10.09.2013 quanto ao 1º contrato e, em 02.09.2013, quanto ao 2º contrato.”

2. Por requerimento de 03.10.2016 apresentado na referida execução, o aí Exequente Novo Banco, S.A. veio desistir da execução;

3. Por decisão de 16.12.2026, o Sr. AE extinguiu a execução por desistência;

4. Na presente execução, a Exequente Ares Lusitiani - Stc S.A. apresentou requerimento executivo, invocando, entre o mais, o seguinte:

“Em 7 de Setembro de 2011, mediante escritura pública celebrada na Conservatória do Registo Predial de ..., os Executados CC e BB celebraram com o Banco Espirito Santo S.A., um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, nos termos do qual o Banco cedente emprestou aos Executados a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) conforme resulta da escritura pública que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais como documento nº 3 (Título Executivo).

9. Em 12 de Março de 2012, através de escritura pública celebrada na Conservatória do Registo Predial de ..., os Executados CC e BB celebraram com o Banco Espirito Santo S.A., um contrato de mútuo, garantido por hipoteca, nos termos do qual o Banco emprestou aos Executados a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), conforme resulta da escritura pública que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais como documento nº 4 (Título Executivo).

(…)

Ora, sucede que os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Banco mutuante, não tendo pago as prestações que se venceram em 10/8/2018, relativamente ao primeiro mútuo, e em 2/11/2018 relativamente ao segundo mútuo, tal como as prestações subsequentes.

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III.B.3. Factos não provados:


Não existem factos não provados.


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III.C. Fundamentação jurídica:


A. Invocam os recorrentes, em primeiro lugar (sua conclusão I), que o Tribunal a quo não considerou um documento junto aos autos relacionado com uma decisão do agente de execução no processo n.º 229/14.4...


Mas sem qualquer razão, já que a decisão recorrida refere expressamente essa circunstância (como se pode constatar pela simples leitura dos factos considerados – ver o ponto 3 dos factos acima elencados).


B. Questão diferente, será a da relevância da “desistência da execução”, que vem colocada na conclusão II.


Em primeiro lugar, não oferece grandes dúvidas que no processo n.º 229/14.4... e, agora, na execução a que estes embargos se visam opor, se pretendeu a execução dos mesmos dois créditos hipotecários.


Também não existem dúvidas na doutrina e na jurisprudência que o exequente pode desistir do pedido ou da instância executiva. Não distinguindo o artigo 848.º do Código de Processo Civil, será por via do regime geral (aplicável por via do artigo 551.º, n.º 1, do mesmo diploma) que se chega à possibilidade e distinção dos diferentes modos de desistência no âmbito da acção executiva.


São, por isso, diversos os efeitos: no caso de desistência do pedido executivo ocorre a extinção da obrigação exequenda (cf. artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e no caso da desistência da instância executiva apenas se extingue a execução (cf. artigo 285.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Neste sentido, ver António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[3], bem como, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/11/2016 (processo n.º 3443/14.9T8STB.E1[4]).


Importa, por isso, qualificar o tipo de desistência que foi levada a cabo pelo exequente do processo n.º 229/14.4...


No seguimento do entendimento expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2021 (processo n.º 677/13.7TBABF-A.P1.S1[5]), se o então exequente apenas pretendia desistir da instância executiva, teria de o ter declarado e enfrentar a circunstância dessa desistência poder depender da posição de eventuais embargantes (e, portanto, poder não ser aceite).


Nesse primeiro processo, o exequente não fez qualquer ressalva, pelo que se deve qualificar a sua desistência como sendo uma desistência do pedido executivo.


Decisivamente, o então exequente/desistente conformou-se com a posição do agente de execução que interpretou a sua desistência como uma desistência do pedido (como expressamente consignou no despacho com que extinguiu a execução – como resulta claro da leitura do mesmo, tal como ficou consignado no relatório deste Acórdão).


Por outras palavras, podendo contra esse despacho reagir, o exequente não o fez e, portanto, tal decisão tornou-se definitiva.


Nas palavras de Delgado de Carvalho[6]se o ato ou a decisão daquele agente não for objecto de reclamação pelas partes, o ato ou a decisão torna-se incontestável e inalterável, dado que deixa de ser atacável por iniciativa de qualquer das partes; pode falar-se a este propósito num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, esse ato ou decisão torna-se, em princípio, imodificável” e, ainda, que “uma vez que existe o ónus de impugnação dos atos e decisões daquele agente, a omissão pelos interessados do meio processual de ataque ou reação a esses atos ou decisões impede que a parte ou o terceiro interveniente, que não se tenha defendido tempestivamente no processo de execução, possa mais tarde invalidar ou a decisão inimpugnável, quer no processo pendente, quer numa nova execução em que intervenha”.


No mesmo sentido ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/07/2023 (processo n.º 9761/10.8YYLSB-A.L1-7[7]): “porque a decisão do agente de execução se torna definitiva sempre que, depois de notificada às partes, estas não a impugnem perante o juiz, nos termos do art.º 723º, n.º 1, c) e d) do CPC, tornando-se, assim, tanto para o agente de execução como para o juiz, incontestável e inalterável, não tendo as partes, neste caso, impugnado a decisão da senhora agente de execução, que extinguiu a execução com fundamento em inutilidade superveniente da lide, tal decisão tornou-se imodificável, formando o caso estabilizado”.


Para todos os efeitos, por isso, o processo executivo n.º 229/14.4T8SLV terminou por desistência do pedido executivo.


Ainda seguindo o decidido no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/11/2016 (processo n.º 3443/14.9T8STB.E1[8]), pode dizer-se que “a desistência do pedido, tendo na acção executiva a mesma natureza de negócio de direito privado que tem na acção declarativa, configura uma declaração de renúncia ao próprio crédito exequendo. Porém, ao invés do que ocorre na acção declarativa, não é homologada por sentença, produzindo directamente, não apenas aqueles efeitos de direito civil, mas também o efeito processual de extinção da obrigação exequenda”.


Portanto, só pode considerar-se que a obrigação exequenda que se pretendia executar nesse processo n.º 229/14.4... se extinguiu.


Não se trata, por isso, de uma situação de caso julgado, mas de extinção da obrigação principal dos mutuários no contrato que foi dado à execução.


E, nessa medida, não pode o exequente (nem ninguém por ele, designadamente a actual exequente) voltar reclamar o seu pagamento.


C. Na decisão recorrida e nas alegações da recorrida/exequente vem introduzida a questão de se tratar de título com trato sucessivo o que, no entender da exequente, legitimaria a dedução de nova execução apesar da extinção da anterior.


Mas, salvo o devido e muito respeito, não se pode dizer que o título que foi dado à execução (duas vezes, como se viu) tivesse ou tenha trato sucessivo.


Um título executivo com trato sucessivo é aquele do qual emergem obrigações periódicas ou continuadas ao longo do tempo, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2010 (processo n.º 846-F/1997.L1.S1[9]).


Ora, o título dado à execução no processo n.º 229/14.4... não contém uma obrigação periódica ou a pagar em prestações, uma vez que o exequente veio dar à execução como vencida a dívida na sua totalidade (basta ver o que fez constar do requerimento executivo e consta do ponto 1 dos factos provados: “a dívida dos executados, com referência aos mútuos dos autos, veio a vencer-se e tornar-se exigível, na sua totalidade, em 10.09.2013 quanto ao 1º contrato e, em 02.09.2013, quanto ao 2º contrato[10]). É irrelevante, por isso, o que constava no contrato de mútuo relativamente ao modo de pagamento em prestações.


A obrigação encontrava-se, assim, vencida na sua totalidade e não apenas parcialmente, nas prestações devidas até então (neste sentido ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/06/2019, processo n.º 3022/11.2TBPTM.E1[11]).


E tanto não é aplicável o artigo 850.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que a ora exequente não veio pedir a renovação da anterior instância executiva (que estava definitivamente extinta) e veio deduzir uma nova execução, mas com base no mesmo título.


Não se vislumbra, nem a ora exequente o diz, como surgiu uma nova data para os invocados incumprimentos dos mesmos contratos (que já tinham sido dados como definitivamente incumpridos anteriormente – decisivamente, nada consta do requerimento executivo ou do título apresentado que nos leve a poder considerar que tenha ocorrido qualquer retoma do contrato de crédito, tal como se permite no artigo 28.º do Regime dos contratos de crédito relativos a imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho e, antes disso, se permitia pelo artigo 23.º-B, da Lei 59/2012, de 9 de Novembro).


Está em causa, por isso, uma excepção peremptória de direito material (de extinção do direito dos créditos exequendos) que deverá ser julgada procedente e, consequentemente, julgados procedentes os embargos e extinta a execução.


Fica, naturalmente, prejudicado o conhecimento das demais questões que vinham colocadas no recurso (designadamente as relacionadas com a prescrição).


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As custas da execução, embargos e do presente recurso deverão ficar a cargo da ora recorrida, por ter ficado vencida, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


***


IV. DECISÃO:


Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em conformidade, pela extinção dos direitos de crédito exequendos, procedentes os embargos e extinta a execução a que estão apensos.


Condena-se a exequente/embargada/apelada nas custas da execução, dos embargos e do recurso.


Notifique.



Évora, 8 de Maio de 2025


Filipe Aveiro Marques


Ana Pessoa


Filipe César Osório

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1. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cb9583125d0cc62b80258afc004cdfc9.↩︎

2. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/37d58e1f5ea473228025712a00549398.↩︎

3. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, pág. 270.↩︎

4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0a9213aa5ef504068025808f005bd0df.↩︎

5. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/85754473feab0b7e80258791004b8db1.↩︎

6. O caso estabilizado dos atos e das decisões do agente de execução (Contributos para uma teoria geral dos atos e das decisões do agente de execução), acessível no blog do IPPC em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/o-caso-estabilizado-dos-atos-e-das.html e https://drive.google.com/file/d/1azWbepPvvEbHO9e3xA2xgzNh0QI21d9d/view.↩︎

7. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e3aecf4ddbe7829a802589ea003bdc09.↩︎

8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/0a9213aa5ef504068025808f005bd0df.↩︎

9. Acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/f-2010-89582675 e em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/E69B3BE69375617F802576AA004B3F06.↩︎

10. Sublinhado nosso.↩︎

11. Acessível em http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/ab3126bd395e29988025842300318c68.↩︎