CONTRATO DE FORNECIMENTO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
CLÁUSULA PENAL
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, a falta de indicação nas conclusões dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, implica a rejeição do recurso quanto à matéria de facto, por incumprimento do ónus de especificação previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil
II. O contrato de fornecimento de café, em que uma das partes (o fornecedor) se obriga, contra o pagamento de um preço, a realizar fornecimento periódico ao outro contraente (o fornecido), em quantidades pré-determinadas, que este se compromete em adquirir, acompanhado de venda e cedência de equipamentos, constitui um contrato complexo de natureza comercial, que envolve elementos próprios do contrato promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e do contrato de compra e venda de café, além de equipamentos, celebrado pelas partes ao abrigo da liberdade contratual consagrada no artigo 405.º do Código Civil.
III. Por acordo das partes podem ajustar-se diferentes cláusulas de cessação do vínculo contratual, conforme previsto no artigo 432.º, n.º 1, do Código Civil, que admite a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, as quais constituirão o fundamento da resolução convencional.
IV. Resolvido o contrato com fundamento na verificação de cláusula resolutiva expressa tem o contraente não faltoso direito a ser ressarcido dos prejuízos sofridos, nos termos da cláusula penal validamente acordada pelas partes.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 274/22.6T8TNV.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. JMV – José Maria Vieira, SA., intentou acção declarativa, com processo comum, contra AA, BB, e AGRINUTRIPEC, Lda., pedindo que seja reconhecida a resolução do contrato celebrado com os réus e estes condenados a pagarem o montante global de €10.373,86, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, correspondente:

a. Ao pagamento da indemnização no valor de €9.175,00, abatido da bonificação a que a R. teve direito pelas compras de café efectuadas no valor de € 121,96; e

b. Ao pagamento das facturas em atraso no valor de €1.076,90, correspondente a factura não paga, a que acrescem os juros comerciais desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento.


2. Para o efeito, sustentou, em síntese que, em 31/01/2008, celebrou com os Réus um contrato de comércio, mediante o qual estes réus se obrigaram a comprar 1.900 quilos de café Torrié, lote Moinho Real, em quantitativos mínimos mensais de 40 quilos, aos preços de tabela vigentes às datas das vendas efectivas, e a autora a conceder-lhe, a título de bonificação, a quantia de €1.876,35, quando cumulativamente a totalidade de café se mostrasse totalmente adquirida e paga.


Acrescentou que, nessa mesma data, foram vendidos os bens mencionados na factura n.º 9111401366, de 31 de Janeiro de 2008, bem como foram emprestados os equipamentos mencionados no número 06 do contrato referido.


Referiu ainda que as partes convencionaram que o incumprimento do contrato, conferiria à Autora o direito de o anular/resolver e o de reclamar, nomeadamente, a indemnização nos termos contratualmente previstos.


Sustentou que os 1º e 2º Réus assumiram responder pessoal e solidariamente com a sua representada, a 3ª Ré, pelo exacto e fiel cumprimento das obrigações a que esta ficou adstrita, quer derivassem directamente do contrato ou da sua resolução/anulação.


Alegou ainda que, os Réus desde, pelo menos, Dezembro de 2009, sem explicação nem aviso, não mais compraram café à Autora, pelo que lhe assiste o direito de resolver o referido contrato de comércio e a ser indemnizada nos valores contratualmente estabelecidos.


Além disso, alegou que se encontra em débito a factura n.º 1111013671 de 21/09/2010, vencida a 21/10/2010, no valor de 1.076,90€, e que os Réus nunca procederam à regularização do contrato, nem ao pagamento das quantias reclamadas.


3. Regularmente citados, o 1.º Réu e a 3.ª Ré deduziram contestação, invocando a falta de assinatura do réu AA e dos legais representantes da ré pessoa colectiva e a invalidade da resolução efectuada. Impugnaram ainda o montante indemnizatório peticionado, não aceitando o valor de €25,00 atribuído ao preço do café, nem a quantidade de café que a autora alega ter sido adquirida pela Ré.


Quanto ao montante peticionado de €1.076,90, respeitante à factura n.º 1111013671, referem que a mesma não tem qualquer correspondência com o contrato de comércio em causa nos autos, sendo que, quanto ao material previsto nesse contrato, o mesmo foi todo devolvido, sustentando que a referida factura não é exigível.


O 2.º Réu também deduziu contestação, invocando a sua ilegitimidade material, alegando que se assinou o contrato em apreço nos autos, o fez apenas e tão só na qualidade de gerente da ré pessoa colectiva e não a título pessoal. Mais sustentou que cedeu a sua quota em 21/10/2008 e que renunciou ao cargo de gerente em 31/03/2009, pelo que a partir dessa data deixou de representar legalmente a sociedade Ré, bem como de ter conhecimento de toda a actividade levada a cabo por esta, pelo que impugnou a factualidade alegada pela Autora.


Quanto à factura n.º 1111013671, sustentou que a mesma não tem qualquer ligação ao contrato que foi celebrado em 31/01/2008 e que foi emitida depois da renúncia à gerência, pelo que não lhe pode ser exigido o respectivo pagamento.


4. A Autora respondeu à matéria de excepção invocada.


Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do processo e enunciados os temas da prova.


5. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que veio s ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:

1. Declarar resolvido o contrato celebrado entre as partes em 31.01.2008;

2. Condenar os réus AA, BB e Agrinutripec, Lda., a pagar à autora JMV – José Maria Vieira, S.A., a quantia global de €6.979,97 (seis mil novecentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação dos réus até efectivo e integral pagamento;

3. Absolver os réus do demais peticionado.

4. Condenar autora e réus no pagamento das custas na proporção do respectivo decaimento que se fixa em que se fixa em 33% para a autora e em 67% para os réus


6. Inconformado interpôs o R. AA o presente recurso, o qual motivou, nos termos e com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões:

a. A questão a decidir, é a de saber qual o sentido juridicamente relevante do texto “ Como gerentes e com poderes para tanto …..” que consta no local de assinatura do contrato e a interpretação a dar de acordo ao disposto nos artigos 236.º a 238 do Código Civil

b. Interpretando de acordo às referidas disposições legais e em conjugação com a prova produzida na audiência de discussão e julgamento o sentido a dar foi de que quem assinou pretendeu apenas fazê-lo em representação da sociedade e não por si.

c. O tribunal a quo deveria ter considerado os elementos do próprio contrato e o que resultou da prova produzida e caso o fizesse a interpretação nos termos do artigo 236 e 238 do CC é que, o recorrente ao assinar apenas o fez em representação de AGRINUTRIPEC e não pessoalmente.

d. O Tribunal deveria ter considerado elementos do contrato como o facto de que a primeira folha do contrato não se encontra assinada o que indicia a não leitura, o facto de que nenhuma testemunha presenciou a assinatura e negociações preliminares ao contrato, o facto assente na audiência de discussão e julgamento de que foi a Autora quem redigiu e elaborou o contrato e ainda de forma deveras importante a prova de que apenas CC interveio da parte da Autora ou em sua representação e consequentemente ponderados todos estes considerandos dar como provado que assinaram apenas em representação

e. Não se provando a vontade real dos declarantes, deveria ter aplicado o critério normativo objectivo do n.º 1 do artigo 236.º

f. Na interpretação do contrato não considerou que o texto escrito COMO GERENTES valesse com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, poderia deduzir do comportamento do declarante

g. Deveria o Tribunal realizar tal raciocínio e conjugando com os depoimentos prestados, bem como da redacção e elementos do próprio contrato resultaria sempre que qualquer pessoa que assinasse no campo da assinatura com a menção que ali constava entenderia sem excepção que estava a assinar apenas em representação e não pessoalmente

h. Impondo-se a dúvida na interpretação haveria que recorrer ao artigo 237 do CC e 224, nº 3 do C. Civil no sentido de tomar como assente que face ao texto como gerentes estava a assinar apenas em representação e considerando também a prova de que o contrato foi elaborado pela Autora e estando incluído o referido texto no referido contrato no local onde se assina, resulta que nenhuma culpa tem quem o assinou na interpretação de que o fazia apenas em representação, tendo assim sido também violado o nº 3 do artigo 224 do CC

i. Interpretando de outra forma, questiona-se porque motivo não consta também o texto no campo da assinatura como gerentes e a título pessoal ou designação idêntica e ficou apenas como gerentes, o que poderá ter contribuiu decisivamente na vontade real dos segundos outorgantes quando assinaram

j. Sendo o contrato em causa um negócio jurídico que está sujeito às regras de interpretação dos negócios jurídicos, nomeadamente ao disposto no art. 236º, nº 1 e 238 do CC deveria ser dado como provado e assente que contrato mas apenas em representação da sociedade como gerente

k. Não se provando a vontade real dos declarantes, aplica-se o critério normativo objectivo do n.º 1 do artigo 236.º, que dispõe que em principio, a declaração vale como o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratório real, poderia deduzir do comportamento do declarante, ou, numa formulação próxima, vale com o sentido que o declaratário real lhe daria se fosse uma pessoa razoável, diligente, de boa fé, e assim se concluindo que o tribunal não interpretou o contrato de acordo aos artigos 236 e 238 do Código Civil

l. O Tribunal de 1ª instância nas considerações que fez quanto aos depoimentos dos legais representantes não observou o disposto no artigo 361 do CC, reconhecendo factos desfavoráveis ao recorrente

m. Tribunal não respeitou o disposto no artigo 374 e 376 do Código Civil pois admitiu e considerou prova testemunhal em contrário ao texto do contrato Os Segundos Outorgantes, Como gerentes e com poderes para tanto, que se encontra no local da assinatura dos segundos outorgantes

n. Face aos considerandos e conclusões acima alegadas entende que não foram respeitadas as normas legais dos artigos 414 do CPC, na repartição do ónus da prova

o. Deu como provados factos recorrendo a ilações que não encontram suporte em factos provados e assim se concluindo violou o disposto nos art° 516°, 349° e 350°, n° 2, todos do Código Civil.

p. O contrato é um negocio formal e o tribunal considerou os depoimentos das testemunhas da AUTORA em sentido contrário mas que não tinha qualquer correspondência com o texto do documento e desta forma desrespeitou as normas legais que definem a força probatória de determinados meios de prova, ou que exigem, para certos factos, prova determinada , ou pressupõem uma logica de raciocínio mas conjugada com a existência de base factual para a dedução de factos, o que não se verifica no caso dos autos e por isso se considera que o Tribunal violou os artigos 371 e 376 do Código Civil

q. O tribunal não respeitou também o nº 2 do artigo 381 do Código Civil, caso se entenda esse escrito “ Como gerentes ….” como anotação, ou escrito que ali foi colocado e ao qual o Tribunal não atribuiu qualquer valor no sentido literal

r. O tribunal não respeitou o disposto na segunda parte do nº 4 do art. 607 do CPC na parte que dispõe que deve tomar em consideração os factos provados por documento e não compatibilizou com a matéria de facto adquirida em audiência de discussão e julgamento

s. O tribunal violou também o nº 5 do art. 607 do CPC na apreciação da prova produzida pois sentenciou com fundamento em prova testemunhal da Autora factos contrários plenamente provados por documento cuja autenticidade reconheceu

t. No calculo da indemnização sancionatória violou os artigo 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 578.º, todos do CPC na medida em que a Autora não alegou factos suficientes e não concretizou do valor unitário a aplicar de acordo ao previsto no contrato, nem indicou o período de tempo aplicável, o que era necessário face ao previsto no

u. Perante a completa falta de alegação de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir, deveria ficar inviabilizado o conhecimento do mérito da causa no cálculo da indemnização sancionatória ou, em alternativa, face à ausência de tais elementos necessários para fixar a quantidade remeter ou decidir de acordo ao disposto no n.º 2 do art. 609 do CPC remetendo a quantificação em sede de liquidação de sentença, pelo que, violou a citada disposição legal

v. Violou o disposto nos artigos 563.º e 564.º do CC, pois a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão e ao considerar o valor unitário de 19,85 poderá estar a compreender indemnização para além dos benefícios que a Autora iria ter caso o contrato fosse cumprido

w. Considera que face à conclusão anterior violou o art.º 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, pois sentenciou sobre questão que não podia apreciar.

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento julgando-se procedente a apelação e deve ser revogada a condenação do REU AA na indemnização em que foi condenado no valor de €6.979,97 absolvendo-se do pedido indemnizatório OU assim não se considerando ser remetida a quantificação do pedido indemnizatório a título de clausula penal em sede de execução de sentença.

7. Não se mostram juntas contra-alegações.


8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e feito meramente devolutivo.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Da alteração da matéria de facto;

ii. Da reapreciação da decisão jurídica da causa, concretamente quanto à responsabilização do recorrente pelo pagamento da indemnização fixada na sentença e se a quantificação do pedido indemnizatório deve vir a ser apurada em sede de liquidação.


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:


1. A Autora, na qualidade de Primeira Outorgante, no exercício do seu comércio de venda, por grosso, de cafés, bebidas espirituosas e outros produtos, no dia 31 de Janeiro de 2008, celebrou com os réus AA e BB, que outorgaram por si e em simultânea representação da ré Agrinutripec, Lda, na qualidade de Segundos Outorgantes, um acordo denominado de “Contrato de Comércio 183/07/29”, contendo, entre o mais, as seguintes cláusulas:

Promessa de Compra/Venda

01 A PO (primeiro outorgante) promete vender, à representada dos SO (segundos outorgantes), com destino ao seu estabelecimento comercial identificado supra, mil e novecentos (1.900) quilos de café Torrié, Lote Real, em fracções mínimas mensais de quarenta (40) quilos, aos preços de tabela às datas das vendas efectivas, sendo o seu preço actual de dezanove euro e oitenta e cinco cêntimos (19,85EUR) por quilo;

02 conceder-lhe um desconto/bonificação de €1.876,35, quando, cumulativamente, a totalidade de café referida em um se mostrasse totalmente adquirida e paga – a regularizar, porém, anualmente, em função directa e proporcionada dos quantitativos de café adquiridos e pagos em cada ano mas sempre sem prejuízo do estabelecido no número dez, a propósito da resolução/anulação do contrato; (...)

03 (...)

Compra e Venda

04 A PO vende à representada dos SO – no estado físico de novos, em perfeitas condições de funcionamento e sem vícios aparentes – os bens mencionados na factura 9111401366, de 31 de Janeiro de 2008, no valor de €1.876,35 (...), reservando para si a propriedade dos mesmos até integral pagamento do preço.

05 (...)

Empréstimo Gratuito

06 A PO empresta, ainda a título gratuito, à representada dos SO, pelo prazo de vigência deste Contrato, no estado de novos, em perfeito estado de funcionamento e sem defeitos aparentes, para utilização no estabelecimento desta – os seguintes bens de que aquela é dona e possuidora, com exclusão de outrem (...), que os outorgantes avaliam no montante global de €4.872,48.

2. Mais acordaram:

Disposições Comuns

10 Se a representada dos SO, seguida ou interpoladamente, não adquirir café durante três meses, ou não efectuar, em dois trimestres, um mínimo trimestral de compras de cento e vinte (cento e vinte) quilos de café, ou não pagar duas quaisquer facturas vencidas no prazo máximo de 30 dias, a contar dos seus vencimentos, o contrato considerar-se-á, automaticamente e para todos os efeitos, definitivamente incumprido, ficando a PO, por perda do interesse na prestação fraccionada da representada dos SO, desobrigada, a partir da verificação de qualquer dos casos referidos, do dever de lhe fornecer cafés, assistindo-lhe o direito de resolver ou não o contrato e os de reclamar imediatamente da mesma representada dos SO o pagamento dos bens vendidos, restituição imediata dos bens de equipamento emprestados, e indemnização, à razão de oitenta e um euro e vinte e um cêntimos (81,21€), por cada mês que decorra, a partir da data da resolução do contrato até à data da entrega efectiva daqueles à PO e indemnização, a título de cláusula sancionatória, correspondente a 20% do valor do café prometido em compra/venda e não adquirido. (...)

14 Os SO responderão – pessoal e solidariamente com a sua representada – pelo exacto e fiel cumprimento das obrigações a que esta fica adstrita, que derivem directamente do contrato ou da sua resolução/anulação.

3. No acordo referido em 1), os 1.º e 2.º réus declararam, em nome da sua representada, prometer comprar os cafés identificados em 01) e comprar os bens mencionados em 04) e aceitar o empréstimo dos bens referidos em 06).


4. No acordo referido em 1), os 1.º e 2.º réus, declararam haver recebido, no dia 31.01.2008, os bens descritos em 04) e 06).


5. No acordo referido em 1), declararam ainda “que o teor deste contrato lhes foi facultado, por cópia integral, com dez dias de antecedência, em relação à data da sua outorga, tendo-lhes sido prestada explicação bastante de todos os seus termos, pelo que ficaram absolutamente ciente de que o mesmo corresponde, integral e fielmente, às suas manifestações de vontade”.


6. Os réus, desde Outubro de 2009, deixaram de comprar café Torrié, Lote Real à autora.


7. Encontra-se em débito a factura n.º 1111013671, de 21.09.2010, vencida a 21.10.2020, no valor de €1.076,90, referente a um painel interior.


8. A autora remeteu documento escrito, datado de 20 de Novembro de 2009, por correio registado com aviso de recepção, dirigido à 3.ª Ré, na morada sita em Bar Loja 1, com o seguinte teor:

“Reportamo-nos ao contrato assumido por V.Exas. em 31.01.2008, por via do qual V.Exas. nos prometeram comprar cafés Torrié, Lote Moinho Real, em quantidades mínimas mensais não inferiores a 40 quilos.

(...)

Infelizmente, V.Exas. não vêm adquirido café, facto que viola frontalmente o acordado (...).

Assim cumpre-nos informar que o contrato 183/07/29, celebrado entre as nossas duas firmas, acusa um débito de compras de café de 1.837kgs de café Lote Moinho Real, o que de acordo com o clausulado contratual representa, de V/parte, as seguintes responsabilidades:

1. Pagamento dos bens vendidos, no valor de €1.876,35;

2. Indemnização correspondente a 20% do café prometido em venda e ainda não adquirido, no valor de 8.450,20€ (oito mil quatrocentos e cinquenta euros e vinte cêntimos);

3. Restituição imediata dos bens emprestados ou pagamento de uma renda mensal de €81,21+IVA (20%).

Ficamos, pois, a aguardar liquidação dos valores mencionados no prazo máximo de 15 dias, findo esse prazo recorreremos aos meios judiciais competentes. (...)

9. O aviso de recepção referente à carta postal referida em 8), foi assinado por pessoa a quem foi entregue, identificada como DD.


10. A autora remeteu documento escrito, datado de 20 de Novembro de 2009, através de correio postal com aviso de recepção, dirigido ao 2.º réu, na morada sita em ..., e outro dirigido ao 1.º réu, para a morada sita em ...


11. O aviso de recepção referente à carta postal dirigida ao 1.º réu mostra-se assinado pelo próprio.


12. O aviso de recepção referente à carta postal dirigida ao 2.º réu não se mostra assinado.


13. A autora remeteu documento escrito, datado de 30 de Abril de 2010, por correio registado com aviso de recepção, dirigido à 3.ª Ré, para a morada sita em Bar Loja 1, com o seguinte teor:

“Até à presente data não obtivemos qualquer resposta de V/parte à nossa carta enviada a 20.11.2009, na qual vos alertamos para os vários factos que levam ao incumprimento do contrato.

Neste sentido, iremos remeter este processo ao nosso Departamento Jurídico, no sentido de accionarmos judicialmente o pagamento dos bens vendidos e indemnização correspondente a 20% do café prometido em venda e ainda não adquirido. (...)”

14. O aviso de recepção referente à carta postal referida em 13) tem aposto um carimbo com a menção “... – AGRINUTRIPEC, Lda.”


15. A autora remeteu documento escrito, datado de 30 de Abril de 2010, através de correio postal com aviso de recepção, dirigido ao 2.º réu, na morada sita em ..., e outro dirigido ao 1.º réu, para a morada sita em ...


16. O aviso de recepção referente à carta postal dirigida ao 1.º réu mostra-se assinado por EE.


17. O aviso de recepção referente à carta postal dirigida ao 2.º réu não se mostra assinado.


18. A autor remeteu documento escrito, datado de 20 de Fevereiro de 2012, por correio registado com aviso de recepção, dirigido à 3.ª Ré, para a morada sita em ..., com o seguinte teor:

“Reportamo-nos à factura n.º 1111013671, de 21.09.2010, na qual facturamos o material publicitário (painel interior), que não foi devolvido por V.Exas.

Como se trata de um débito com um prazo muito dilatado, vimos por este meio solicitar o pagamento integral do valor em débito (1.076,90EUR), no prazo máximo de 8 dias, caso contrário seremos forçados a entregar este assunto ao nosso departamento de contencioso para a respectiva cobrança coerciva”.

19. O aviso de recepção referente à carta postal referida em 18) tem aposto um carimbo com a menção “... – AGRINUTRIPEC, Lda.”


20. A autora remeteu documento escrito, datado de 20 de Fevereiro de 2012, através de correio postal com aviso de recepção, dirigido ao 2.º réu, na morada sita em ..., e outro dirigido ao 1.º réu, para a morada sita em ..., com cópia da carta referida em 18).


21. Os avisos de recepção referente às cartas postais dirigidas aos 1.º e 2.º réus não se mostram assinados, tendo as cartas sido devolvidas.


22. A autora remeteu documento escrito, datado de 16.03.2016, por correio registado com aviso de recepção, dirigido à 3.ª Ré, para a morada sita em Bar Loja 1, com o seguinte teor:

“Vimos, por esta via, em relação ao contrato de fornecimento de café n.º 183/07/29, de 31 de Janeiro de 2008, notifica-los de que o resolvemos/anulamos nos termos do disposto no seu número 10, com base no facto de desde pelo menos, Dezembro de 2009 não ter efectuado compras de café Torrié nos termos acordados.

Queiram V. Exas., consequentemente:

1. Proceder ao pagamento da indemnização no valor de (1900-65) x €25,00 x 20% = €9.175,00, abatido da bonificação a que teve direito pelas compras de café efectuadas no valor de €121,96;

2. Tudo no montante global de (€9175,00-121,96)= €9053,04”.

23. A autora remeteu documento escrito, datado de 16.03.2016, através de correio postal com aviso de recepção, dirigido ao 2.º réu, na morada sita em ..., e outro dirigido ao 1.º réu, para a morada sita em ..., com cópia da carta referida em 22).


24. Os avisos de recepção referente às cartas postais dirigidas aos réus não se mostram assinados, tendo as cartas sido devolvidas.


25. Os réus não pagaram as quantias reclamadas.


26. No âmbito do acordo referido em 1), a 3.ª ré adquiriu 133 quilos de café Torrié, Lote Real, à autora.


27. No acordo referido em 1), na parte assinalada “Os Segundos Outorgantes, Como gerentes e com poderes para tanto, Que assinam inteiramente cientes do teor integral deste contrato e receberam cópia”, mostram-se apostas as assinaturas dos réus e um carimbo com a menção “... – AGRINUTRIPEC, Lda.”


28. Foi colocado nas instalações da 3.º ré o painel a que se refere a factura aludida em 7).


29. Tendo a 3.ª Ré levantado e posto à disposição na sua loja o painel para a autora após carregar o material referente à factura n.º 9111401366, o funcionário que estava responsável informou que não levava o referido painel porque já não tinha espaço na sua carrinha.


30. Ficou por isso acordado que a autora o faria mais tarde, devendo informar a 3.ª ré da data para levantamento do painel.


31. Os réus ficaram a aguardar que a autora se deslocasse à loja, o que não sucedeu.


32. Não existiu solicitação ou encomenda do referido painel pela ré.


33. O 2.º Réu cedeu a quota que detinha na sociedade Agrinutripec, Lda em 21.10.2008 e renunciou ao cargo de gerente em 31.03.2009.


34. O contrato aludido em 1) foi discutido com os réus e apenas foi elaborado após a negociação dos seus termos.


35. Os representantes da autora visitaram previamente os réus e acordaram as condições comerciais em que ambas as partes estavam dispostas a celebrar o contrato.


36. Acordados os termos em que as partes pretendiam contratar, a autora, munida dos elementos de identificação dos réus, elaborou o contrato e os seus representantes entregaram aos réus minuta do mesmo com dez dias de antecedência em relação à data da sua celebração.


37. Não obstante a carta de resolução enviada em Novembro de 2009, a autora continuou a fornecer café.


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A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:


A. A ré adquiriu 65 quilos de café Torrié, Lote Real, à autora.


B. O preço do café a ter em conta para o cálculo da indemnização referida em 2) era de €25,00.


C. O réu BB assinou o contrato referido em 1) apenas na qualidade de gerente e representante da ré Agrinutripec, Lda.


D. O réu AA não assinou o contrato referido em 1).


E. Em meados de 2009, o réu BB decidiu emigrar para o Reino Unido, local onde ainda hoje permanece e onde tem a sua vida profissional e familiar organizada.


F. A partir de Março de 2009, o réu BB não só deixou de representar legalmente a sociedade Agrinutripec, Lda., como deixou de ter conhecimento de toda a actividade levada a cabo por esta e pelos gerentes que lhe sucederam.


G. Os réus deixaram de comprar café Torrié, Lote Real à autora desde Dezembro de 2009.


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B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. Como resulta das conclusões do recurso, e são estas que delimitam o seu objecto, o R./recorrente, AA, discorda da sentença recorrida, que o condenou, solidariamente, e aos RR. BB e Agrinutripec, Lda., a pagar à autora JMV – José Maria Vieira, S.A., a quantia global de €6.979,97 (seis mil novecentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação dos réus até efectivo e integral pagamento, tecendo considerações quanto à decisão da matéria de facto, concretamente quanto à análise e valoração da prova documental e testemunhal produzidas, e interpretação/aplicação de normas jurídicas consideradas, em especial as reportadas à interpretação das declarações negociais e ao ónus da prova, bem como quanto à decisão de direito, propriamente dita, no que respeita à fixação do quantum indemnizatório.


2. Como se sabe, face ao disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a)); - os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b)); e – a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, alínea c)).


Acresce que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respectiva, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cf. n.º 2, alínea a)).


Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/10/2015 (proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), disponível, como os demais citado sem outra referência, em www.dgsi.pt: «Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do n°1 do art. 640° do CPC; e um ónus secundário - tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do artigo 640°, n°2, al. a) do CPC).»


Em idêntico sentido, concluiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/06/2020 (proc. n.º 8670/14.6T8LSB.L2.S1):


«III- O art. 640.º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem contudo fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação.


IV - Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art. 640.º do CPC devem constar do corpo das alegações.» [sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/05/sumarios_civel_2020.pdf]


E, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/11/2020 (proc. n.º 294/08.3TBTND.C3.S1), «…, se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, entende-se facilmente que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto por si considerados incorrectamente julgados sejam devidamente identificados nas conclusões, pois só assim se coloca ao tribunal ad quem uma questão concreta e objectiva para apreciar, sendo que, via de regra, apenas sobre estas se poderá pronunciar. Assim, se nas conclusões não forem indicados os pontos de facto que o recorrente pretende impugnar, o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles [Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil. Novo regime, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 141-146; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Coimbra, Almedina, 2005, p. 466; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2007 (Pinto Hespanhol), proc.06S3405; de 13 de Julho de 2006 (Fernandes Cadilha), proc.06S1079; de 8 de Março de 2006 (Sousa Peixoto), proc.05S3823 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt].» (sublinhado nosso)


Mais recentemente, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/11/2023 (proc. n.º 31206/15.7T8LSB.E1.S1), no sentido de que: «Deve ser rejeitada a impugnação da decisão de facto quando, nas conclusões, o recorrente não concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados (ainda que, previamente, no corpo da alegação, haja cumprido os demais ónus, especificando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa e deixe expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida)».


Em síntese, e no que para o caso em apreço interessa, constitui jurisprudência uniforme e reiterada que a falta de concretização pelo recorrente nas conclusões do recurso dos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, implica a rejeição do recurso quanto à matéria de facto.


3. No caso dos autos, o recorrente inicia as conclusões do recurso referindo que:


“[a] questão a decidir, é a de saber qual o sentido juridicamente relevante do texto “Como gerentes e com poderes para tanto …..” que consta no local de assinatura do contrato e a interpretação a dar de acordo ao disposto nos artigo 236.º a 238 do Código Civil”, e que, “[i]nterpretando de acordo às referidas disposições legais e em conjugação com a prova produzida na audiência de discussão e julgamento o sentido a dar foi de que quem assinou pretendeu apenas fazê-lo em representação da sociedade e não por si” (cfr. conclusões a) e b)).


E tendo por base este seu entendimento, nas conclusões c) a s), refere, em síntese, que o tribunal devia ter considerado os elementos do próprio contrato e o que resultou da prova produzida, pois caso o fizesse chegaria a outra interpretação nos termos dos artigos 236º e 238º do Código Civil, que não valorou devidamente o contrato nem a prova testemunhal, tendo violado, além das referidas regras substantivas na interpretação do contrato e da vontade das partes, o disposto nos artigos 236º, n.º 1, 374º e 376º do Código Civil, invocando ainda que deu como provados factos recorrendo a ilações que não encontram suporte em factos provados, em violação do disposto nos artigos 516º, 349º e 350º, n.º 2, também do Código Civil, assim como violou o disposto no n.º 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil, referindo a este respeito que “na apreciação da prova sentenciou com fundamento em prova testemunhal da autora factos contrários plenamente provados por documento cuja autenticidade reconheceu”.


Porém, não diz o recorrente, em qualquer ponto das conclusões do recurso, quais os factos provados e/ou não provados constantes da sentença, que, pelas razões que invoca, devem ser alterados.


Por conseguinte, não tendo o recorrente concretizado nas conclusões quais os concretos pontos da matéria de facto provada e/ou não provada que pretende ver alterados, por falta de cumprimento do ónus previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, rejeita-se o conhecimento do recurso quanto à matéria de facto.


4. A título de obiter dictum, sempre se dirá que é certo que o recorrente, no corpo das alegações, na parte que dedica “aos factos incorrectamente julgados e da apreciação da prova testemunhal gravada”, indica os seguintes factos:


«2. A – No ponto 3 “ No acordo referido em 1), os 1.º e 2.º réus declararam, em nome da sua representada, prometer comprar os cafés identificados em 01) e comprar os bens mencionados em 04) e aceitar empréstimo dos bens referidos em 06).


3. B – No ponto 34, que: “O contrato aludido em 1) foi discutido com os réus e apenas foi elaborado após a negociação dos seus termos”


4. C – No ponto 35 que: “Os representantes da autora visitaram previamente os réus e acordaram as condições comerciais em que ambas as partes estavam dispostas a celebrar o contrato.…


5. D – E no ponto 36, na parte : “……elaborou o contrato e os seus representantes entregaram aos réus minuta do mesmo com dez dias de antecedência em relação à data da sua celebração”


Porém, a pretensão que o recorrente evidencia no recurso não respeita propriamente à questão de saber se ele e o R. BB assinaram o contrato em causa como representantes da R. Agrinutripec, Lda., e se, nessa medida, obrigaram a dita sociedade.


O que o recorrente pretende demonstrar é que a assinatura do dito contrato foi apenas em representação da R.-Sociedade e não em termos de o vincular a título pessoal como garante das responsabilidades assumidas pela R.-Sociedade, como consta da cláusula 14ª do dito contrato.


Mas, sendo assim, ainda que se entendesse que o teor das conclusões do recurso se reportavam aos factos indicados no corpo das alegações, concretamente ao indicado ponto 3 dos factos provados, o que não se concede, seria inútil a apreciação de tal matéria, pois não se reporta à vinculação pessoal do recorrente ao cumprimento das obrigações assumidas no contrato pela sociedade por si representada, que é o que está em causa no recurso.


Tal obrigação resulta do ponto 1 dos factos provados, e bem assim, do ponto 2, consignados na sentença, que o recorrente não indica sequer como impugnados no corpo das alegações, onde se deu como assente (no ponto 1) que a A. “celebrou com os réus AA e BB, que outorgaram por si e em simultânea representação da ré Agrinutripec, Lda.”, o contrato em causa nos autos. (sublinhado nosso)


Assim, ainda que se entendesse que nas conclusões do recurso se discutia a matéria em causa no dito ponto 3 dos factos provados, como indicado no corpo das alegações, a apreciação deste facto, e os demais ali invocados, redundaria inútil para a pretensão do recorrente, que radica no facto de não se poder considerar que a assinatura do contrato foi também a título pessoal, como garante das obrigações assumidas pela R., o que levaria também ao não conhecimento do recurso da matéria de facto (cfr. artigo 130º do Código de Processo Civil).


Também é certo que o recorrente levantou logo na contestação a questão de não ter assinado o contrato em causa, mas do ponto 1º dos factos provados resulta que o recorrente outorgou o contrato em causa e, portanto, assinou-o, e o recorrente até acaba por aceitar tal facto, quando refere nas alegações que: «70. O Recorrente aceita a sentença quanto à questão da genuidade de documento e assinatura MAS não aceita a consequência da responsabilidade dos Réus a titulo pessoal pois aceitando-se essa genuidade resulta desse próprio documento que assinaram como gerentes e com poderes para tanto…”».


5. Por fim, importa ainda referir que, não se apreciando o recurso quanto à matéria de facto, não temos que nos pronunciar quanto à concreta interpretação das normas substantivas e processuais a que o tribunal recorrido aplicou na apreciação da matéria de facto, designadamente as invocadas pelo recorrente no recurso.


Assim, e tendo-se rejeitado a apreciação do recurso quanto à matéria de facto, os factos a considerar na apreciação jurídica da causa, são os constantes da sentença, acima indicados.


6. No que se reporta ao enquadramento jurídico da causa, em face dos factos apurados, não subsistem dúvidas de que, como se refere na sentença, estamos em presença de um contrato de fornecimento (de café), pois apurou-se que foi celebrado, em 31/01/2008, um acordo denominado de “Contrato de Comércio 183/07/29”, mediante o qual a A. se obrigou a fornecer à R., café torrado da marca Torrié, Lote Real, e esta se obrigou, por seu turno, a adquirir 1.900 quilos daquele café, em fracções mínimas mensais de 40 quilos, aos preços de tabela às datas das vendas efectivas, sendo o seu preço à data de dezanove euro e oitenta e cinco cêntimos (19,85EUR) por quilo.


Trata-se de num negócio de execução reiterada, em que uma das partes (o fornecedor) se obriga, contra o pagamento de um preço, a realizar fornecimentos periódicos ao outro contraente (o fornecido), no caso acompanhado de venda e cedência de equipamentos.


Estamos, pois, em presença de um contrato complexo de natureza comercial, que envolve elementos próprios do contrato promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e, finalmente do contrato de compra e venda de café, além de equipamentos (cf. artigos 410º n.º 1, 874º, 1129º e 1154º do Código Civil), celebrado pelas partes ao abrigo do disposto no artigo 405º do Código Civil.


Feito o enquadramento jurídico do contrato, concluiu-se na sentença que assistia à A. o direito à resolução do mesmo, pois as partes acordaram que, “[s]e a representada dos SO, seguida ou interpoladamente, não adquirir café durante três meses, ou não efectuar, em dois trimestres, um mínimo trimestral de compras de cento e vinte (cento e vinte) quilos de café, ou não pagar duas quaisquer facturas vencidas no prazo máximo de 30 dias, a contar dos seus vencimentos, o contrato considerar-se-á, automaticamente e para todos os efeitos, definitivamente incumprido …”, e provou-se que a R. deixou de comprar café Torrié, Lote Real, à A., desde Outubro de 2009, tendo adquirido, no total apenas 113 quilos de café, como se considerou na sentença e não foi posto em causa. Ou seja, a R. não só deixou de comprar o dito lote de café, como tendo o contrato o seu início em 31/01/2008, nem sequer cumpriu com a obrigação de aquisição trimestral que constitui causa de resolução do contrato.


Efectivamente, por acordo das partes podem ajustar-se diferentes cláusulas de cessação do vínculo contratual, conforme previsto no artigo 432º, n.º 1, do Código Civil, que admite a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, as quais constituirão o fundamento da resolução convencional.


A resolução convencional assenta na liberdade contratual, podendo apresentar-se com diferentes conteúdos, sendo também os respectivos pressupostos livremente conformáveis pela vontade das partes, sem prejuízo dos limites resultantes do regime das Cláusulas Contratuais Gerais (cf. neste sentido, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, pág. 79 e 80).


O artigo 432º, n.º 1, do Código Civil, ao admitir a resolução convencional, faculta, pois, às partes, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v.g. não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas de uma obrigação). A esta estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa (cf. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 322 e 323).


Neste contexto concluiu-se ter ocorrido a resolução do contrato e que assistia à A. o direito à indemnização, a título de cláusula sancionatória, correspondente a 20% do café prometido em compra/venda e não adquirido, como peticionou, mas que o valor do quilo de café, não era o pedido de €25,00/quilo, mas antes o de €19,85, em vigor à data do contrato.


7. Como se vê das conclusões do recurso, o recorrente não questiona que assistia à A. o direito à resolução do contrato por via do incumprimento do mesmo por banda da R., nem tão pouco o direito da A. a ser indemnizada nos termos estabelecidos na cláusula penal acordada, válida nos termos previstos no artigo 810º do Código Civil, que fixa por acordo o montante da indemnização exigível.


O que o recorrente questiona é que o tribunal não podia considerar, para efeitos do cômputo indemnizatório, o valor do preço do café de €19,85/quilo, pois este era o preço à data da celebração contrato, e o que ficou estabelecido no contrato foi que a indemnização era “correspondente a 20% do valor do café prometido comprar/vender e não adquirido”, pelo que era necessário que a A. tivesse concretizado o valor unitário a aplicar de acordo com o previsto no contrato e indicado o período de tempo aplicável, entendendo que, na falta destes elementos, o tribunal devia ter condenado no que se viesse a liquidar (cfr. artigo 609º, n.º 2, do Código de Processo Civil).


É verdade que resulta do contrato que a R. se obrigou a adquirir café à A., do lote indicado no contrato, em fracções mínimas mensais de 40 quilos, aos preços de tabela às datas das vendas efectivas, tendo-se estabelecido no contrato que o preço actual era de €19,85.


Daqui resulta que o preço/quilo do café não tinha que ser necessariamente o preço vigente à data da celebração do contrato, podendo oscilar, à medida da execução do contrato, em função das tabelas que viessem a ser fixadas.


Porém, em face do incumprimento registado e da resolução contratual, não cremos que, nas circunstâncias dos autos, seja exigível, para efeitos de fixação da indemnização, que a A. tivesse necessariamente que alegar os preços que cobraria durante a execução do contrato pelo café não fornecido, tendo em conta que o incumprimento do contrato ocorreu praticamente desde o seu início – posto que foi celebrado em 31/01/2008, e provou-se que em Outubro de 2009 a R. deixou de comprara o dito lote de café e que apenas havia adquirido até então 113 kg de café, o que implica que nem sequer comprou o montante que estava obrigada no primeiro trimestre –, e porque o R./recorrente contestou o valor de €25,00/quilo pedido pela A., referindo no artigo 22º da contestação que “não se aceita uma vez que o contrato prevê o valor de €19,85 e não justifica a A. de que forma actualizou para esse valor de €25,00”, acrescentando no artigo 23º que “[a]o não ser aplicado o coeficiente de €19,85 terá que demonstrar a A. de que forma aplicou o valor de €25,00, sob pena de não ser exigível o pedido”, retirando-se daqui a conclusão que o R. aceitou que, não provando a A. a actualização do preço do café para o montante pedido, o valor a atender no cálculo da indemnização seria o “actual” fixado no contrato.


Assim, concorda-se com a decisão recorrida, no sentido de que não tendo a A. feito prova do preço/quilo do café pedido para efeitos de cálculo da indemnização, o valor a considerar era o consignado no contrato, ou seja €19,85/quilo, fixando-se a indemnização em €6.979,97, posto que a mesma corresponde a 20% do café não fornecido, ou seja 1787 Kg (dos 1900 prometidos comprar a R. só adquiriu 113), ao preço de €19,85, deduzida da bonificação contratual de €114,42 [20% (1787x€19,85) - €114,42], não sendo caso de aplicação da norma do n.º 2 do artigo 609º do Código de Processo Civil, posto que o tribunal tinha todos os elementos necessários à fixação da indemnização.


8. Deste modo, e resultando do contrato a responsabilidade pessoal e solidária do R./recorrente pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato e da sua resolução, improcede a apelação, com a consequente manutenção da sentença recorrida.


*


C) – Sumário (…)


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a sentença recorrida.


Custas a cargo do Apelante.


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Évora, 8 de Maio de 2025


Francisco Xavier


Manuel Bargado


Ana Pessoa


(documento com assinatura electrónica)