RESPONSABILIDADE CIVIL
SEGURANÇA DE EQUIPAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)

1 - Considerando o contexto sistemático em que se insere a norma prevista no n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento aprovado em anexo, (constituindo parte integrante dele), ao Decreto-Lei n.º 203/2015 de 17/09, bem como a sua conjugação com o disposto nos artigos 4.º e 14.º do dito diploma, é de considerar abrangido na expressão “inerentes à utilização” constante do primeiro dos normativos referidos tudo aquilo que se relacione com o acesso aos equipamentos, tal como as zonas de acesso directo e imediato aos mesmos, consubstanciando, assim, a falta de avisos tendentes a evitar potenciais perigos/riscos para a saúde e segurança de utilizadores desses equipamentos e terceiros que a eles acedam relacionados com características e estado do pavimento das zonas de acesso aos mesmos, bem como a ausência de medidas efectivas tendentes a afastar/minorar esses riscos, omissões relevantes à face da previsão do artigo 486.º do Código Civil;

2 - Os danos não patrimoniais consubstanciam danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem moral, ideal, ou espiritual.

Trata-se, por conseguinte, de danos não susceptíveis de avaliação pecuniária e que não se refletem no património do lesado.

3 - O critério de fixação do montante indemnizatório de tais danos é o da equidade, de acordo com o disposto na primeira parte do n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil , sustentando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, de forma mais ou menos unânime, que se deve atender aos valores arbitrados em situações concretas semelhantes, desta forma se garantindo coerência, segurança jurídica, melhor Justiça, bem como a salvaguarda do principio da igualdade, devendo, porém, a quantia fixada espelhar a relevância e gravidade dos danos a compensar evitando-se o arbitramento de montantes eminentemente parcimoniosos.

4- Quando a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver resultado de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação para a acção.

Texto Integral

Proc. nº 507/20.3T8TMR.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Local Cível de Local 1


Apelante: Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A.


Apelada: AA


***


*


Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:


I – Relatório


BB, casada, domestica e residente na ..., Local 1, intentou a presente ação de processo comum contra AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DA SEGUROS, S.A., com sede na Rua Gonçalo Sampaio, 39, apartado 4076, Porto, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 39.133,70€ (trinta e nove mil, cento e trinta e três euros e setenta cêntimos) – sendo 30.000€, para ressarcir a incapacidade de que passou a sofrer, bem como danos não patrimoniais; 7.500€ para ressarcir as dores e 1.633,70€, para ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos em consequência do sinistro de que foi vítima, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até à data do pagamento.


Para tanto, alegou, em síntese, que, no dia 21 de outubro de 2018, pelas 16:30 horas, deslocou-se à feira de ..., em Local 1, tendo ido com os seus netos ao carrossel segurado na Ré, sendo que, quando se preparava para sair do mesmo e, ao iniciar a descida da rampa de acesso, escorregou e caiu, tendo ficado com o braço direito debaixo do corpo e fraturado o mesmo. Mais alega que tal queda deveu-se ao facto de o piso da referida zona de acesso estar completamente liso e vidrado, inexistindo qualquer tipo de material antiderrapante, tendo sofrido, com a referida queda, os danos patrimoniais e não patrimoniais que elenca, por cujo valor deve ser indemnizada.


Regularmente citada, a Ré contestou, imputando a culpa da queda à própria Autora e impugnando o valor dos danos.


Seguiu-se o agendamento e realização da audiência prévia, onde houve lugar ao proferimento de despacho saneador, tendo a Autora requerido a ampliação do pedido, o que foi deferido, peticionando aquela a condenação da R no pagamento de mais 1.445€, respeitantes a consulta médica a que teve, entretanto, de recorrer e ao valor de cirurgia necessária no futuro, para fazer face aos danos causados pelo acidente e apreço.


Em sede de audiência prévia foi, ainda, proferido despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.


Agendou-se e realizou-se a audiência final, tendo subsequentemente sido proferida sentença, que contempla o seguinte dispositivo:


“Por todo o exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, e, em consequência, decide-se:


- condenar a Ré AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DA SEGUROS, S.A., a pagar a Autora BB a quantia de 40.578,70€ (quarenta mil, quinhentos e setenta e oito euros e setenta cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento;


Custas a cargo da R (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).”


*


Inconformada com a sentença, veio a Ré Seguradora Ageas, SA, apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando as seguintes conclusões:


A. A Autora intenta a presente acção invocando em síntese que, quando se deslocou à Feira de ..., em Local 1, com familiares, e acedeu ao equipamento de diversão do tipo carrossel, denominado “...”, propriedade e explorado por CC, terá escorregado e caído, quando se preparava para abandonar aquele equipamento, por falta de condições do mesmo;


B. Considera a Autora que a queda sofrida se deveu ao facto de naquele equipamento de diversão inexistir qualquer tipo de material antiderrapante, sendo que em momento algum veio identificar quais as normas que se impunham ao proprietário do equipamento e segurado da Ré, ora Recorrente, e que foram violadas por aquele que, a terem sido cumpridas evitariam a queda na plataforma e consequentes lesões sofridas;


C. Considerou a douta Sentença recorrida que pelo proprietário do equipamento de diversão, o segurado da ora Recorrente, foram violadas, por omissão, as regras de segurança inerentes ao funcionamento daquele equipamento de diversão;


D. Dispõe o Decreto-Lei nº. 203/2015, de 17 de Setembro, nomeadamente, o disposto no artigo 12º.:


“1 - Nos espaços de jogo e recreio, deve existir informação afixada, nos respetivos acessos, bem visível e facilmente legível, contendo, nomeadamente, as seguintes indicações:


a) Nome, morada e número de telefone da entidade responsável pelo espaço e morada do espaço de jogo e recreio;


b) Identificação da entidade fiscalizadora;


c) Número nacional de socorro e localização e número de telefone da urgência hospitalar ou outra mais próxima;


d) Localização do telefone mais próximo, nos casos em que o espaço de jogo e recreio não disponha de telefone de uso público;


2 - Os avisos necessários à prevenção dos riscos inerentes à utilização de determinados equipamentos devem encontrar-se afixados junto aos respetivos equipamentos.


3 - Nos espaços de jogo e recreio inseridos em espaços fechados que disponham de insufláveis ou equipamentos confinados, é obrigatória a afixação de informação sobre a lotação máxima dos mesmos, bem como, se for o caso, a idade dos utilizadores a que diz respeito tendo em conta as especificações do fabricante para os respetivos equipamentos.”;


E. Resulta da prova produzida, nomeadamente, das fotografias daquele equipamento, juntas aos autos com o documento 5 junto com a contestação apresentada nos autos, que o equipamento de diversão objecto de apreciação estava equipado com os elementos exigidos para a sua utilização em segurança, cumprindo desta forma as exigências previstas nos artigos 10º. e seguintes daquele Decreto-Lei;


F. Resulta ainda dos autos a certificação daquele equipamento de diversão, nomeadamente no documento 3 anexo ao relatório de averiguação junto aos autos pela Ré, ora Recorrente, com a contestação junta aos autos;


G. Decorre da análise do preceituado legal que os avisos a que se refere o nº. 2, do artigo 12º., daquele Decreto-Lei 203/2015, de 17 de Setembro, são os avisos inerentes à utilização de determinados equipamentos;


H. A Autora bem sabia que o tempo estava chovoso, pelo que sobre esta se impunha que tomasse medidas adicionais de cuidado em face da entrada e saída dos diversos utilizadores daquele equipamento de diversão, não tendo adoptado qualquer medida que prevenisse a sua queda, nomeadamente, tendo segurando o corrimão que circundava todo o equipamento de diversão;


I. Deverá a Sentença proferida ser revogada e substituída por outra que considere que o segurado da ora Recorrente não violou, por acção ou omissão, qualquer imperativo legal, cumprindo todas as regras que se lhe impunham, nomeadamente, as previstas no Decreto-Lei nº. 1203/2015, de 17 de Setembro, não devendo ser imputado à ora Recorrente qualquer obrigação de indemnizar a Autora;


J. A sentença recorrida, assente nos factos considerados provados, veio a fixar o montante indemnizatório global de Euros 37.500,00 a título de danos não patrimoniais, no entanto, cremos que esse montante é excessivo, em face das lesões e sequelas dadas como provadas e, bem assim, à luz dos critérios legal e jurisprudencial vigentes;


K. O montante da compensação do dano, não devendo determinar enriquecimentos injustificados, também não deve corresponder a um montante miserável, razão pela qual no seu cálculo o Tribunal, nos termos do disposto no artigo 496º., nº.3, do Código Civil, deve fixar uma indemnização segundo critérios de equidade, tendo em atenção os critérios do artigo 494º., do Código Civil, tomando o julgador em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida – vidé Acórdão do STJ de 10 de Fevereiro de 1998, in C.J., STJ, Tomo I, pág.67;


L. Desta forma, o montante indemnizatório, correspondente aos danos não patrimoniais, terá de ser calculado sempre segundo critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e às flutuações do valor da moeda;


M. Na esteira da Jurisprudência que, a título exemplificativo atrás se refere, que leva a Recorrente a crer que o valor fixado na sentença recorrida, a título de danos não patrimoniais à Autora, BB, de Euros 37.500,00 é, salvo o devido respeito, elevado e não respeita os critérios legal e jurisprudencial aplicáveis a casos semelhantes;


N. Para aferir do dano não patrimonial sofrido pela Autora, há que ter por base as conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil realizado, do qual resulta que do acidente a Autora padeceu de um défice funcional temporário total de 2 dias, com período de repercussão temporária total parcial fixado em 165 dias, sendo que a mesma não padeceu de um défice funcional temporário na actividade profissional uma vez que aquela se encontrava reformada à data do evento dos autos, foi fixado um Quantum Doloris de grau 4, numa escala de 1 a 7, e um dano estético de grau 1, numa escala de 1 a 7, sendo portadora de um défice funcional


permanente da integridade físico-psiquica de 6 Pontos;


O. Assente nos factos considerados provados, nos períodos de incapacidade fixados, no défice funcional permanente de que ficou portadora que lhe conferem uma incapacidade permanente, veio a sentença recorrida a fixar o montante indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, em Euros 37.500,00, o que, salvo o devido respeito, leva a concluir que o montante fixado para a indemnização, a título de danos não patrimoniais, é elevado, atento os critérios legal e jurisprudencial vigentes para casos semelhantes;


P. Atendendo aos pressupostos narrados nestas Alegações, a Ré, ora Recorrente, entende que, na fixação do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais à Autora, não foram observados e, por conseguinte, foram violados os normativos legais estabelecidos nos artigos 496º., nº.3 e 494º., ambos do Código Civil, pelo que a sentença recorrida deverá ser revogada nesta parte, devendo, a título de danos não patrimoniais, ser fixado um montante não superior a Euros 15.000,00;


Q. Por outro lado, fixa a sentença recorrida a atribuição de juros, desde a data da citação, à taxa legal, até integral pagamento;


R. As indemnizações por danos de natureza não patrimonial, a respectiva fixação é feita, por regra, de forma actualista, no momento em que é proferida a decisão da primeira instância, como resulta da conjugação dos artigos 494º., 496º., 564º., 566º., nºs.1, 2 e 3, 569º. e 570º., todos do Código Civil, pelo que a determinação dos danos não patrimoniais traduz-se, como é jurisprudência uniforme, na resolução de um problema de direito, dentro dos parâmetros da liberdade decisória do julgador – vidé Acórdão do STJ, de 2 de Dezembro de 1999, in C.J. do STJ, Tomo III, pág. 227;


S. Nos danos de natureza não patrimonial é curial que os respectivos juros moratórios só sejam devidos a partir do momento em que o Tribunal proceda à fixação do respectivo montante, e isto porque irá encontrar nesse momento o valor actualizado dos respectivos prejuízos, o que, como parece evidente, inclui também um ressarcimento pela situação de mora do devedor desde a citação;


T. Donde, a sentença proferida deve, nesta parte, ser alterada fixando-se que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser acrescida, isso sim, de juros à taxa legal, desde a data da Sentença até efectivo e integral pagamento.


Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser proferido Acórdão que conclua pela fixação de montantes indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais, bem como o momento a partir do qual deverão ser contabilizados os juros moratórios, relativamente aos danos não patrimoniais, em conformidade com os parâmetros atrás definidos, com o que se fará sã, serena e objectiva JUSTIÇA.”


*


A Autora respondeu ao recurso, alinhando no final as seguintes conclusões:


“A.- O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai das respectivas alegações, e


no presente recurso a recorrente insurge-se contra a douta sentença quanto a duas questões:


1.- Não houve violação da regras de segurança do equipamento;


2.- Valor excessivo da condenação.


B.- Não obstante toda a factualidade dada como provada, veio a recorrente invocar que não foram


identificadas as normas que se impunham ao proprietário do equipamento e que a falta de cumprimento das mesmas é que levaram à queda da recorrida.


C.- Porém, como a própria recorrente reconhece ao caso dos autos aplica-se o disposto no DL 203/2015, de 17 de setembro, nomeadamente, o disposto nos artigos 1º, 4º, 14º, nº 1, 13º.


D.- E também se aplica o disposto no DL 243/86, de 20 de Agosto, aprovou o Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de Escritório e Serviços, aplicável, por força do disposto no artigo 2º do Regulamento Anexo a “c) Todos os serviços ou locais de quaisquer estabelecimentos, instituições e organismos onde os trabalhadores exerçam principalmente a atividade de escritório não compreendidos no artigo seguinte e aos quais não se aplique outra legislação ou outras disposições que regulamentem a higiene e segurança na indústria, nas minas, nos transportes ou na agricultura.”


E.- E para o caso que no ocupa, aquele DL 243/86, de 20 de agosto, no Artigo 3.º estabelece que:


1 - Este Regulamento aplica-se igualmente aos estabelecimentos ou locais de trabalho, instituições ou organismos:


a) Que prestem serviços de ordem pessoal;


b) Correios e serviços de telecomunicações;


c) Hotéis, pensões e similares;


d) Restaurantes, cantinas, cafés e noutros locais similares onde se sirvam refeições ou bebidas;


e) Estabelecimentos ou locais destinados a espectáculos, divertimentos públicos ou recreativos.


2 - Os locais ou instalações de trabalho com características provisórias ficam abrangidos por este


Regulamento.


F.- Ou seja, o referido DL 243/86, de 20 de agosto também se aplica no caso em apreço e da matéria dada como provada, resulta que:


3. Naquela data e hora, a A. foi ao referido carrossel com os seus netos, a fim de desfrutarem daquele equipamento de diversão.


4. A A. subiu à plataforma de acesso, a fim de adquirir os respetivos bilhetes e observar os netos


que iriam usufruir de tal equipamento.


5. Quando se preparava para sair do referido carrossel e ao iniciar a descida da rampa de acesso, a A. escorregou e caiu, tendo ficado com o braço direito debaixo do corpo, momento em que sentiu uma dor forte e rapidamente apercebeu-se que o seu braço estava fraturado.


6. O piso da referida zona de acesso do carrossel, onde a A. escorregou e caiu, estava completamente liso e vidrado, inexistindo qualquer tipo de material antiderrapante.


G.- Ficou, assim, provado que a A. pretendia usufruir daquele equipamento de diversão, nomeadamente, pagou quando adquiriu os bilhetes para os netos andaram no carrossel, enquanto ela os ficava a observar e vigiar, e caiu quando iniciou a descida da rampa de acesso ao equipamento, que estava completamente lisa e vidrada e não tinha qualquer material antiderrapante.


H.- Sendo aquele espaço de divertimento publico, onde acedem muitas pessoas, nomeadamente, jovens e crianças, o proprietário do equipamento devia ter implementado várias medidas no carrossel para remover, ou pelo menos, sinalizar os perigos, em especial nos dias de chuva, aquele piso molhado acarreta, bem como podia e devia ter colocado material antiderrapante no pavimento que evitasse quedas.


I.- Porém, o segurado da recorrente e dono do equipamento nada fez para evitar ou impedir que ocorressem quedas naquela rampa lisa e vidrada, especialmente escorregadia quando fica molhada nos dias de chuva.


J.- Tal omissão por parte do segurado da R recorrente foi determinante para que ocorresse a queda e os danos sofridos pela aqui recorrida, pois, se tivesse cumprido as regras de segurança que lhe impunham as normas acima indicadas e transcritas no corpo desta resposta e tivesse, pelo menos, sinalizado a rampa por onde passam todos utentes (inclusive crianças e jovens) e tivesse aplicado naquela rampa material antiderrapante a queda da A. não teria ocorrido.


L.- Verificam-se, assim, os pressupostos do facto ilícito e da culpa.


E como defende a Jurisprudência, mesmo que se entendesse que não existe qualquer norma legal


específica que impusesse dono do equipamento de diversão em apreço determinado comportamento, cuja omissão tenha causado o acidente, resultou provada a violação de dever genérico de prevenção do perigo que sobre ele recaía por força da actividade desenvolvida e de que beneficia, traduzida no incumprimento


de regras de conduta que lhe eram exigíveis observar.


M.- Enquanto entidade exploradora de um local destinado a divertimentos público e usado em feiras onde acorre muito público, recaía sobre a proprietária do equipamento de carrossel o dever de prevenir que fossem causados danos a terceiros (leia-se utilizadores), nomeadamente estava obrigada a ter condutas de modo a prevenir, nomeadamente, o risco de quedas, colocando de material antiderrapante no pavimento.


N.- De toda a matéria de facto dada como provada, resulta que a A. fez a prova da violação daquele dever do proprietário, pelo que a douta decisão recorrida só podia ter decidido como decidiu, nomeadamente, condenar a R. seguradora pelos danos que a A. sofreu, atento disposto no artigo 562º do CC “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.


O.- No tocante à segunda questão: o montante indemnizatório em que foi a recorrente condenada, também a douta decisão não merece qualquer reparo por ser o valor adequado justo, equitativo e adequado à situação em apreço, pois, em consequência do comportamento omissivo do dono do carrossel um dia que seria um dia de grande felicidade para a A., transformou-se numa tragédia para o resto da vida da demandante, que tinha 61 anos de idade.


P.-E como têm defendido os Tribunais superiores para efeito de determinação da indemnização do dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial, importam essencialmente as consequências das lesões na vida do lesado, em todas as suas dimensões, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física de que passou a padecer, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão.


Q.- Além de ficar com cicatrizes que além de comprometerem a funcionalidade ainda tem repercussão a nível estético (deformação e cicatrizes), o que muito a perturba e causa desgosto, já que ficou com limitações e sofreu dano biológico permanente que a impedem de fazer uma vida normal, o que também acarreta além da dor física, grande dor emocional, porquanto vê-se impedida da realizar as tarefas que tanto prazer lhe dava, como cuidar do jardim, fazer a sua horta, costurar para a sua família entre muitas outras e em especial brincar com os netos!


R.- Finalmente, ainda, se diz que os Tribunais superiores têm vindo a actualizar timidamente os valores indemnizatórios, pois, já é tempo de por fim às indemnizações miserabilistas em especial quando o dano atinge o direito à vida, o direito à integridade física e à saúde são afectados.


S.- A mui douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pois, prima pela correta apreciação dos factos, observou as regras do ónus da prova e a aplicação do direito, deve ser MANTIDA a douta sentença recorrida na integra.”


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O recurso foi correctamente admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nada havendo a alterar neste momento quanto a tal.


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Correram Vistos pelo que cumpre, agora, decidir.


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II - Objecto do Recurso


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:

A. Reapreciação de mérito incidente sobre:

1 - Responsabilidade da Apelante por violação por parte do seu segurado de regras de segurança inerentes ao funcionamento do equipamento de diversão propriedade do mesmo;

2 - Cômputo indemnizatório a título de danos não patrimoniais sofridos pela Apelada.

B- Contagem dos juros devidos.

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III - Fundamentação de Facto


Decorre da sentença recorrida o seguinte no tocante a matéria de facto:


“3.1 Factos provados


1. No dia 21 de outubro de 2018, pelas 16:30 horas, a A. deslocou-se à feira de ..., em Local 1, com familiares e amigos,


2. Naquela feira existem vários equipamentos de diversão, entre os quais, um carrossel, propriedade e explorado por CC, residente na ....


3. Naquela data e hora, a A. foi ao referido carrossel com os seus netos, a fim de desfrutarem daquele equipamento de diversão.


4. A A. subiu à plataforma de acesso, a fim de adquirir os respetivos bilhetes e observar os netos que iriam usufruir de tal equipamento.


5. Quando se preparava para sair do referido carrossel e ao iniciar a descida da rampa de acesso, a A. escorregou e caiu, tendo ficado com o braço direito debaixo do corpo, momento em que sentiu uma dor forte e rapidamente apercebeu-se que o seu braço estava fraturado.


6. O piso da referida zona de acesso do carrossel, onde a A. escorregou e caiu, estava completamente liso e vidrado, inexistindo qualquer tipo de material antiderrapante.


7. Perante tal situação e as dores fortes, a A. foi transportada ao Hospital de Local 1, onde, entre o mais, foi submetida a um Raio X, e de imediato foi-lhe diagnosticada fratura distal do rádio e fratura da apófise estiloide do cubito à direita,


8. Perante tal diagnóstico, a A. foi transferida para o Hospital de Local 2, para o Serviço de Ortopedia, onde lhe colocaram gesso, tendo ficado com o braço imobilizado durante seis semanas.


9. No Hospital de Local 1 e de Local 2 esteve internada durante várias horas.


10. Passados 10 dias, a A. foi, de novo, ao Hospital de Local 2, para fazer novo raio X,


11. Tendo pedido um relatório ao médico ortopedista que a estava a seguir no Hospital de Local 2, por exigência da R. Seguradora, para iniciarem o reembolso das despesas.


12. Após o que passou, depois, a ser seguida no Hospital do Local 3, na consulta de ortopedia do Dr. DD.


13. E em 05/12/2018, o médico ortopedista elaborou um relatório, do qual consta que a A. fez fratura de Barton do punho direito em 21.10.2018: “observei a doente hoje e o RX de controlo mostra desvio posterior da fratura com angulação da sub-luxação do punho. Na minha opinião a doente deve ser submetida a intervenção cirúrgica de correção com urgência”.


14. Por isso, a A. foi obrigada a submeter-se a uma cirurgia urgente, no Hospital do Local 3, para osteoclasia e osteossíntese de fratura distal do rádio com placa.


15. No Hospital do Local 3 esteve internada para ser submetida para aquela intervenção cirúrgica durante 2 dias.


16. Quando teve alta, a A. regressou a casa, após o que andou com o braço imobilizado durante 4 meses.


17. Durante este período e durante as primeiras 6 semanas em que andou com o braço engessado, teve necessidade do auxílio de terceira pessoa para as tarefas mais básicas do dia a dia, nomeadamente, para fazer a higiene pessoal e até para se alimentar e, ainda, necessitou de auxilio para realização das tarefas domésticas.


18. A demandante tinha 61 anos à data dos factos.


19. Em consequência direta e necessária do acidente de que foi vítima e em virtude das sequelas de que ficou portadora, que lhe determinaram uma IPP (incapacidade parcial permanente) de 10 pontos,


20. A A. apresentava as seguintes queixas: - Tem dores permanentemente, que se agudizam quando tenta agarrar pesos ou faz algum esforço com o braço direito; - Deixou de ter motricidade fina no polegar e indicador, não conseguindo escrever normalmente, não consegue coser, não consegue fazer renda; - Esteticamente apresenta deformação e cicatrizes.


21. Dado que continuava a sofrer fortes dores, a A. teve de tomar medicação diariamente.


22. A A. era pessoa sem qualquer defeito físico, alegre e trabalhadora, que cuidava e brincava com os netos e deixou de o poder fazer.


23. Passou a ter dificuldade para realizar a grande maioria das tarefas domésticas,


24. Assim como deixou de conseguir realizar qualquer tarefa na horta, que tem junto da sua casa e da qual retirava todos os produtos hortícolas que necessitava para o seu agregado familiar.


25. O facto de não conseguir fazer a sua lide doméstica, de deixar de brincar com os netos e de ter sido obrigada a abandonar o seu quintal provocam desgosto à demandante.


26. Também as cicatrizes que apresenta no braço causam-lhe desgosto.


27. A autora era uma senhora ativa e agora vê-se muito limitada.


28. Tudo isto faz a A. sentir-se diminuída perante si própria, em cada instante.


29. Perante os seus familiares e os seus amigos.


30. No meio social em que se insere,


31. E, causa-lhe, ainda, enorme desgosto e complexos de inferioridade física,


32. Tanto mais que, antes da queda era ativa, trabalhadora, tinha um ótimo relacionamento familiar e social e agora vê-se muito limitada, quer a nível físico, quer a nível psíquico.


33. O desgosto e os complexos de inferioridade são permanentes e contínuos e lançaram-na em angústia.


34. A autora sofreu dores em consequência das lesões e dos tratamentos a que foi submetida.


35. Esteve internada no Hospital de Local 2 e depois no Hospital do Local 3 para ser operada, tendo ficado dependente de terceiro, durante vários meses, para as tarefas mais básicas do dia-a-dia.


36. Em consequência do sinistro, a A. teve necessidade de se deslocar a Local 2 e ao Entroncamento para ir a consultas de ortopedia, para exames médicos, para tratamentos e cirurgia.


37. Em deslocações para se deslocar ao Hospital de Local 1, ao Hospital de Local 2 e ao Hospital do Local 3 gastou a quantia de 260€.


38. Em medicamentos, consultas médicas, raios X e a cirurgia de urgência a que foi obrigada gastou 1.373,70€.


39. Após a queda que vitimou a A., foi contatado o responsável pelo carrossel, que prontamente disponibilizou todos os dados da apólice de seguro e o sinistro foi participado.


40. Tendo a R. Seguradora sido contatada pela A., através da sua filha, que confirmou que tinha sido transferida para ela a responsabilidade civil daquele equipamento de diversão.


41. E inicialmente solicitou os documentos das despesas para serem reembolsadas, porém, quando foi contatada pela A. a propósito da cirurgia para retirar o material de osteossíntese, aquela declinou proceder a qualquer pagamento.


42. O proprietário do carrossel em apreço, após o acidente da A., fechou o referido acesso, e passado algum tempo, colocou, no local, material antiderrapante.


43. CC havia transferido a responsabilidade civil por acidentes ocorridos naquele equipamento para a R. Seguradora através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ....


Da ampliação do pedido


44. No dia 19 de março de 2022, a A. foi a uma consulta de ortopedia, dado que sentia dor e após ser observada pelo ortopedista, foi aconselhada a submeter-se a uma intervenção cirúrgica para extração do material de osteossíntese.


45. Tal intervenção cirúrgica importa no montante de 1.400€.


46. Pela consulta de ortopedia pagou 45€.


Da contestação


47. O capital seguro por CC é no montante de €250.000, sendo aplicável uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis no valor mínimo de 125€.


48. CC, dedica-se à atividade de atrações de feira — carrosséis e divertimentos infantis.


49. Recebida participação do acidente, a Ré diligenciou no sentido de apurar as circunstâncias em que o evento dos autos terá ocorrido.


50. O equipamento/divertimento onde ocorreu o evento dos autos é do tipo carrossel, designado por "...", composto por uma estrutura metálica e uma plataforma de madeira onde estão fixas as figuras,


51. sendo a plataforma rotativa, acionada por um motor que se encontra junto à ralha,


52. e o acesso é efetuado através de uma estrutura circundante com 1,5 metros de largura com pavimento de madeira.


53. A filha mais velha da A. e um dos netos, que iam à frente desta, também escorregaram no pavimento, tendo conseguido equilibrar-se,


54. sendo que, de seguida a A. que seguia atrás destes, escorregou no pavimento, desequilibrando-se para trás e, no intuito de amparar a queda eminente, colocou a mão direita atrás do corpo, amparando daquela forma a sua queda, mas não tenso sido possível evitá-la,


55. No dia do sinistro ocorriam pequenos aguaceiros,


56. encontrando-se o pavimento molhado, em consequência do calçado utilizado pelas pessoas que acediam àquele equipamento se encontrarem molhados,


57. O equipamento, que aquele é dotado de uma guarda lateral, que serve de corrimão para os clientes se apoiarem quando acedem e abandonam o local.


58. O equipamento em referência tinha a respetiva inspeção realizada,


59. não tendo sido detetada qualquer anomalia ou deficiência no mesmo.


Mais se provou que:


60. Em 16.11.2020, a autora apresentava as seguintes lesões/sequelas: - Membro superior direito: cicatriz nacarada, com vestígios de pontos, linear, longitudinal, na face anterior do antebraço, medindo 6,5 cm de comprimento; cicatriz nacarada, com vestígios de pontos, linear, longitudinal, interessando os dois terços distais da face posterior do antebraço, medindo 10 cm de comprimento; sem amiotrofia do braço e do antebraço comparativamente ao membro contralateral (medida respetivamente a 12 cm proximal e distalmente ao bordo superior do olecrânio); mobilidades do punho: flexão palmar de 55º (versus 80º no membro contralateral), dorsiflexão de 55º (versus 80º no membro contralateral) e desvios radial e ulnar simétricos ao membro contralateral; mobilidades do punho dolorosas nos últimos graus de flexão palmar, de dorsiflexão e de desvio radial; pronação e supinação simétricas ao membro contralateral e indolores;


mobilidades da articulação metacarpofalângica do 1º dedo simétricas às do membro contralateral, com articulação interfalângica do 1º dedo em hiperextensão de 50º (versus hiperextensão de 25º graus no membro contralateral), sem flexão ativa, com flexão passiva de 45º (versus 60º de flexão ativa no membro contralateral); mobilidades das articulações metacarpofalângica e interfalângica proximal do 2º dedo simétricas ao membro contralateral; flexão da articulação interfalângica distal do 2º dedo de 75º (versus 100º no membro contralateral), com extensão simétrica ao membro contralateral; é capaz de efetuar pinças pulpo-pulpar entre o 1º e o 2º dedos (à custa das mobilidades ativas do 2º dedo), a pinça polegar-tridigital e a pinça esférica, embora não evidencie flexão ativa da articulação interfalângica do 1º dedo; calosidades na face palmar da mão, na região correspondente às articulações metacarpofalângicas do 3º, 4º e 5º dedos; força muscular nos movimentos de dorsiflexão, flexão palmar e desvios radial e ulnar do punho, de pronação e supinação e na flexão e extensão dos dedos simétrica ao membro contralateral (excetuando na flexão ativa da articulação interfalângica do 1º dedo).


61. Em 18.10.2021, a autora a presentava s seguintes lesões/sequelas: - Membro superior direito: cicatriz nacarada, com vestígios de pontos, linear, longitudinal, na face anterior do antebraço, medindo 6,5 cm de comprimento; cicatriz nacarada, com vestígios de pontos, linear, longitudinal, interessando os dois terços distais da face posterior do antebraço, medindo 10 cm de comprimento; sem amiotrofia do braço e do antebraço comparativamente ao membro contralateral (medida respetivamente a 12 cm proximal e distalmente ao bordo superior do olecrânio); mobilidades do punho: flexão palmar de 55º (versus 80º no membro contralateral), dorsiflexão de 55º (versus 80º no membro contralateral) e desvios radial e ulnar simétricos ao membro contralateral; mobilidades do punho dolorosas nos últimos graus de flexão palmar, de dorsiflexão e de desvio radial; pronação e supinação simétricas ao membro contralateral e indolores; mobilidades da articulação metacarpofalângica do 1º dedo simétricas às do membro contralateral, com articulação interfalângica do 1º dedo em hiperextensão de 50º (versus hiperextensão de 25º graus no membro contralateral), sem flexão ativa, com flexão passiva de 45º (versus 60º de flexão ativa no membro contralateral); mobilidades das articulações metacarpofalângica e interfalângica proximal do 2º dedo simétricas ao membro contralateral; flexão da articulação interfalângica distal do 2º dedo de 75º (versus 100º no membro contralateral), com extensão simétrica ao membro contralateral; é capaz de efetuar pinças pulpo-pulpar entre o 1º e o 2º dedos (à custa das mobilidades ativas do 2º dedo), a pinça polegar-tridigital e a pinça esférica, embora não evidencie flexão ativa da articulação interfalângica do 1º dedo; calosidades na face palmar da mão, na região correspondente às articulações metacarpofalângicas do 3º, 4º e 5º dedos; força muscular nos movimentos de dorsiflexão, flexão palmar e desvios radial e ulnar do punho, de pronação e supinação e na flexão e extensão dos dedos simétrica ao membro contralateral (excetuando na flexão ativa da articulação interfalângica do 1º dedo).


62. Em 18.10.2021, verifica-se ainda:  Défice Funcional Temporário Total fixável num período total de 2 dias;Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período total de 165 dias;Quantum Doloris fixável no grau 4/7; Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 6 pontos;  Dano Estético Permanente fixável no grau 1/7;  Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7.


63. Em 20.03.2023, verifica-se que a autora mostra a falange distal do polegar em hiperextensão, o que provoca uma limitação funcional, com défice no efeito de pinça, e tem material de osteossíntese no punho direito, que foi necessário para a estabilização da fratura.


64. Se a autora pretender melhorar a capacidade funcional da mão direita, deverá ser submetida a intervenção cirúrgica para colocar a falange distal do polegar em posição de função.


65. Se a placa que atualmente está implantada na extremidade distal do rádio direito incomodar de algum modo, a autora, terá que proceder à sua remoção.


66. Estas cirurgias poderão ser efetuadas em simultâneo ou isoladamente.


***


FACTOS NÃO PROVADOS


Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa, designadamente que:


I. O desgosto e os complexos de inferioridade lançaram a autora numa depressão profunda.


II. A A., mesmo após ter presenciado que a sua filha e neto tinham escorregado naquele pavimento, não caminhou de forma mais cuidada,


III. nem utilizou aquele corrimão para se apoiar.”


*


IV- Fundamentação de Direito


A-Reapreciação de mérito

1–Da responsabilidade da Apelante por violação por parte do seu segurado de regras de segurança inerentes ao funcionamento do equipamento de diversão propriedade do mesmo.

Sustenta a Apelante que o equipamento de diversão propriedade do seu segurado estava dotado com os elementos exigidos para a sua utilização em segurança, cumprindo, desse modo, as exigências previstas nos artigos 10.º e seguintes, mormente artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 213/2015 de 17/09, entendendo não terem sido violadas por omissão quaisquer regras de segurança inerentes ao funcionamento do aludido equipamento, descartando desse modo a aplicação ao caso do n.º 2 do mencionado artigo 12.º.

Na resposta ao recurso defende a Apelada que o segurado da Apelante incorreu de facto em violação de regras de segurança do equipamento de diversão (tipo carrossel), que explorava na Feira de ... em Local 1 a 21/10/2018, considerando aplicável o disposto nos artigos 1.º, 4.º, 14.º, n.º 1 e 13.º do Dec.Lei n.º 203/2015 de 17/09, ao não sinalizar o risco/perigo de queda no pavimento de acesso ao carrossel especialmente em dias de chuva, devido à respectiva superfície ser lisa e vidrada, bem como não ter providenciado pela colocação de material antiderrapante no aludido pavimento com o fito de prevenir tais quedas.

Antes de avançarmos importa reter que se considera consolidada a matéria de facto discriminada na sentença recorrida uma vez que o recurso interposto não abarca impugnação da mesma.

Resulta do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil (doravante apenas CC), o seguinte:


“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelo danos resultantes da violação.”


Por seu turno, estatui o artigo 486.º do mesmo diploma legal, que:


“As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente de outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido.”


Estatui, ainda, o artigo 487.º, n.º1, do mesmo diploma legal, que:


“É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.”


Conforme se depreende dos normativos acima transcritos a responsabilidade extracontratual por facto ilícito pressupõe a verificação de um facto, (por acção ou omissão), a ilicitude do mesmo, ou seja a contrariedade a normas destinadas a proteger direitos de terceiros, ou interesses alheios, a culpa do agente no sentido do facto ilícito lhe ser censurável, ou seja imputável à sua conduta, a produção de danos no lesado ou em bens de sua pertença e o nexo de causalidade entre o facto ou omissão e a produção desses danos na esfera do lesado.

Compete ao lesado provar os mencionados requisitos ou pressupostos, inclusive, como regra, o da culpa.

Vejamos de que forma resolveu o Tribunal recorrido esta questão:

“[…]

Postula-se, assim, a causalidade da omissão, pois que o referido artigo 486.º não dispensa o nexo de causalidade, sendo a finalidade do preceito apenas a de esclarecer que as omissões podem juridicamente ser havidas como causa de um facto danoso, sem dispensar a prova de que o ato omitido teria obstado ao dano, com certeza ou com a maior probabilidade.

No caso que nos ocupa, no dia 21 de outubro de 2018, na feira de ..., em Local 1, estava montado um equipamento de diversão – carrossel -, explorado por CC, e então seguro pela Ré. Nessa ocasião estava a chover, o piso estava escorregadio, não tinha material antiderrapante na zona de acesso ao equipamento de diversão, não tinha aquele acesso vedado, nem sinalizado a advertir que o piso estava escorregadio.


Por força desta circunstância, a autora caiu e fez uma fratura distal do rádio e fratura da apófise estiloide do cubito à direita.


Essa queda traduz-se num “facto danoso”, ocorrido por força da omissão das regras de segurança em equipamentos de diversão, designadamente ausência de material antiderrapante na zona de acesso ao equipamento de diversão, ausência de vedação no acesso vedado, ou sinalização a advertir que o piso estava escorregadio. Tal facto infringe frontalmente o preceituado no artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17 de setembro.


Estas normas, na medida em que se destinam a regular o funcionamento de equipamento de diversão, de forma a evitar a ocorrência de acidentes, configuram normas destinadas a proteger interesses alheios, pelo que ao infringir essas normas, o dono do carrossel agiu ilicitamente.


Acresce que as normas referidas consagram deveres objetivos de cuidado que se impõem, pois trata-se de uma atividade intrinsecamente perigosa, dentro de limites de risco de ocorrência de acidentes socialmente toleráveis.


Esses deveres objetivos de cuidado foram, no caso vertente, omitidos pelo dono do carrossel, levando à potenciação do risco de ocorrência do acidente.


Acresce que era perfeitamente previsível que, ao não agir em conformidade com o exposto- colocar tapete antiderrapante ou sinalização de aviso de piso escorregadio ou vedar o acesso – atenta a chuva que se fazia sentir, podia dar origem à queda que, entretanto, se veio a verificar. Apesar disso, o dono do carrossel não cuidou em adotar esses deveres de cuidado, tendo agido culposamente.


Por sua vez, a A em nada contribuiu para a queda que se veio a verificar, não tendo para ela contribuído com qualquer culpa.


Em consequência dessa condução ilícita e culposa, a A sofreu danos físicos, materiais e psicológicos.


O comportamento omissivo do proprietário do carrossel foi causa direta da queda da autora e do resultado danoso produzido, pelo que é legítimo concluir pela obrigação de aquele indemnizar a A.”


O Dec.Lei n.º 203/2015 de 17/09, aprovou em anexo o “Regulamento que estabelece as condições de segurança a observar na localização, implantação, conceção e organização funcional dos espaços de jogo e recreio, respetivo equipamento e superfície de impacto”, constando do dito Regulamento o seguinte:


Artigo 1.º


Objeto


O presente Regulamento estabelece as condições de segurança a observar na localização, implantação, conceção e organização funcional dos espaços de jogo e recreio, respetivo equipamento e superfícies de impacto, destinados a crianças e jovens, necessárias para garantir a diminuição dos riscos de acidentes, de traumatismos e lesões acidentais, e das suas consequências.


Artigo 4.º


Obrigação geral de segurança


Os espaços de jogo e recreio devem ser seguros, não podendo a sua utilização pôr em perigo a saúde e segurança de utilizadores e de terceiros, devendo a sua conceção, construção e organização obedecer aos requisitos de segurança constantes do presente Regulamento, bem como das normas aplicáveis identificadas no anexo ao mesmo, do qual faz parte integrante.”


Artigo 12.º


Informações úteis


1 - Nos espaços de jogo e recreio, deve existir informação afixada, nos respetivos acessos, bem visível e facilmente legível, contendo, nomeadamente, as seguintes indicações:


a) Nome, morada e número de telefone da entidade responsável pelo espaço e morada do espaço de jogo e recreio;


b) Identificação da entidade fiscalizadora;


c) Número nacional de socorro e localização e número de telefone da urgência hospitalar ou outra mais próxima;


d) Localização do telefone mais próximo, nos casos em que o espaço de jogo e recreio não disponha de telefone de uso público;


2 - Os avisos necessários à prevenção dos riscos inerentes à utilização de determinados equipamentos devem encontrar-se afixados junto aos respetivos equipamentos.


3 - Nos espaços de jogo e recreio inseridos em espaços fechados que disponham de insufláveis ou equipamentos confinados, é obrigatória a afixação de informação sobre a lotação máxima dos mesmos, bem como, se for o caso, a idade dos utilizadores a que diz respeito tendo em conta as especificações do fabricante para os respetivos equipamentos.


Dos equipamentos e superfícies de impacto


Artigo 14.º


Obrigação geral de segurança


1 - Os equipamentos e superfícies de impacto destinados aos espaços de jogo e recreio, quando utilizados para o fim a que se destinam ou outro previsível atendendo ao comportamento habitual das crianças e jovens, não podem ser suscetíveis de pôr em perigo a saúde e a segurança do utilizador ou de terceiros, devendo, quando colocados ou disponibilizados no mercado e durante todo o período da sua utilização normal e previsível, obedecer aos requisitos de segurança previstos nas normas aplicáveis e identificadas no anexo ao presente Regulamento.”


Da leitura dos normativos acima indicados, mormente dos que constam do n.º 2 do artigo 12.º, 4.º e 14.º, n.º 1, resulta à evidência que a obrigação do responsável por qualquer equipamento de recreio/diversão não se esgota com a publicitação das informações previstas no n.º 1 do artigo 12.º acima discriminado, mas também em assegurar, nos locais onde se encontrem os seus equipamentos de recreio/diversão, os avisos necessários à prevenção dos riscos inerentes à utilização de tais equipamentos, que, contrariamente ao que parece querer sustentar a Apelante no presente recurso, não pode deixar de abranger também informação sobre os riscos relacionados com o acesso aos mesmos atento o tipo de pavimento existente no local mormente em condições especificas como seja a de piso molhado, para além de, em prol do cumprimento da obrigação geral de segurança de utilizadores e terceiros, garantir através das medidas adequadas que a concepção e construção de todo o espaço relativo ao equipamento de diversão, que naturalmente abrange as zonas de acesso directo e imediato ao mesmo, é segura e não coloca em perigo a saúde e a segurança quer de utilizadores, quer de terceiros, mormente acompanhantes dos primeiros.


Dito isto é de considerar no caso concreto como acertado que o segurado da Apelante mantivesse no dia 21 de Outubro de 2018 pelas 16h30m, dia em que no local ocorreu precipitação, junto ao seu equipamento de diversão do tipo carrossel denominado “...” instalado na feira de ...em Local 1, avisos aos utilizadores e acompanhantes dos mesmos (visto que os primeiros seriam essencialmente crianças atento o tipo de diversão em causa), sobre o perigo de escorregar devido ao pavimento liso e vidrado existente na rampa de acesso ao carrossel se encontrar molhado por causa dos rastos de calçado molhado deixado por anteriores utentes daquele equipamento, bem como que o aludido segurado da Apelante tivesse providenciado atempadamente pela colocação de pavimento antiderrapante na dita rampa de acesso ao carrossel por forma a evitar a possibilidade de quem quisesse aceder à sua diversão escorregar, cair e por via disso sofrer acidentes pessoais.


Ao não o ter feito o segurado da Apelante acabou por incorrer numa omissão enquadrável na previsão do artigo 486.º do CC visto que a mesma foi causa de um acidente (queda) que provocou danos no corpo da Apelada, sendo certo que, conforme já vimos acima, impendia sobre aquele segurado o dever legal de avisar devidamente os potenciais utilizadores do risco de escorregar/cair no pavimento de acesso ao carrossel atentas as características do mesmo e o seu estado nesse momento , o que. recorde-se, sempre poderia ter sido evitado se o segurado da Apelante tivesse colocado anteriormente no local pavimento antiderrapante, o que, aliás, veio a fazer posteriormente ao acidente sofrido pela Apelada.


Importa ainda esclarecer, em face do que a Apelante referiu concretamente na alínea H das suas conclusões recursivas, que não consta do elenco dos factos considerados como provados na sentença recorrida que a Apelada não se apoiou na guarda lateral do equipamento de diversão que servia de corrimão para os clientes se apoiarem ao acederem e abandonarem o local, tendo antes resultado como não provado que a mesma não utilizou o dito corrimão para se apoiar, na certeza de que competia à Apelante a prova desse facto, visto que o alegou e dele pretenderia aproveitar e sendo ainda certo que da indemonstração de que a Apelada não utilizou tal corrimão para se apoiar não pode concluir-se nem que o utilizou, nem o contrário disso, ou seja que não o utilizou.


Certo é que, pois tal resultou provado, no mesmo momento em que se produziu a queda da Apelada dois elementos da sua família que seguiam à sua frente também escorregaram no pavimento tendo, felizmente, conseguido equilibrar-se evitando a respectiva queda.


Em face do exposto revela-se acertada a apreciação feita na sentença recorrida improcedendo esta primeira questão objecto do recurso


2-Cômputo indemnizatório a título de danos não patrimoniais sofridos pela Apelada.


Impõe-se, agora, analisar a questão atinente ao montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais sofridos


Entende a Apelante que o montante fixado na sentença recorrida é muito avultado não podendo a compensação do dano sofrido “determinar enriquecimentos injustificados” pugnando pela fixação de um montante “não superior a Euros 15.000,00.”


Na respectiva resposta ao recurso a Apelada pugna pela manutenção do montante pecuniário fixado na sentença recorrida.


A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:


Na fixação da indemnização deve atender-se, também, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, devam merecer a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil), que será fixada de acordo com critérios de equidade (artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil) e as circunstâncias previstas no artigo 494.º do Código Civil, isto é o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.


Deve ponderar-se designadamente o quantum doloris, o período de duração do sofrimento físico e moral, as sequelas decorrentes das lesões, designadamente a incapacidade de que se fica a padecer na medida em que implica sofrimento físico ou moral, prejuízo estético, e outros.


Tal como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.12.2015 (Proc. 3969/07.0TBBCL.G1.S1; www.dgsi.pt), “ a atribuição pecuniária a título de danos não patrimoniais visa compensar o lesado pelo dano imaterial sofrido, em termos de lhes permitir satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão, mas também, de algum modo, punir a conduta do agente. (…) Tal compensação não deverá confinar-se a uma dimensão puramente simbólica, mas assumir uma expressão significativa com relevo no quadro de vida do lesado e com repercussão sancionatória para o lesante.


[…]


Mais resultou provado que a autora sofreu dores e lesões e ficou perturbada com a queda, causando-lhe alterações do estado emocional. Causou-lhe, ainda, limitações permanentes e teve que ser auxiliada por terceiro em todas as tarefas durantes alguns meses. Mais importa considerar a idade da autora, a gravidade da lesão apresentada, os internamentos, cirurgias e os tratamentos realizados e a alteração de quotidiano daí decorrente, bem como a necessidade de cirurgia futuras, pelo que, de harmonia com critérios de equidade, decide-se fixar o valor correspondente aos danos não patrimoniais no montante de 37.500€ (trinta e sete mil e quinhentos euros).”


Apreciando:


Dispõe o artigo 496º, do CC, epigrafado “Danos não Patrimoniais“, o seguinte:


“1 - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.


[…]


4 – O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; […]“


Por seu turno resulta do artigo 494.º o seguinte:


“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica dele e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”


Os danos não patrimoniais consubstanciam danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem moral, ideal, ou espiritual.


Trata-se, por conseguinte, de danos não susceptíveis de avaliação pecuniária e que não se reflectem no património do lesado.


Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão“ ( Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, 2018, Almedina, pág. 592 ).


Os danos não patrimoniais indemnizáveis são apenas aqueles que se mostrem suficientemente graves para merecerem a tutela jurídica.


O critério de fixação do montante indemnizatório de tais danos é o da equidade, sustentando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, de forma mais ou menos unânime, que se deve atender aos valores arbitrados em situações concretas semelhantes, por forma a garantir alguma coerência e melhor Justiça a nível do decisório nesta matéria e do mesmo modo salvaguardar igualmente o principio da igualdade.


A nível da jurisprudência do STJ, que se debruçou sobre esta matéria dos danos não patrimoniais, chamamos à colação alguns arestos, relativamente recentes, todos eles acessíveis para consulta in www.dgsi.pt, que nos parecem elucidativos e nos ajudarão, a final, a decidir pelo cômputo dos mesmos no caso concreto.


Assim no Acórdão proferido em 04/06/2015 (Processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1) , Relatora Conselheira Teresa Pizarro Beleza, referiu-se o seguinte:


Tendo ficado provado que as sequelas decorrentes de um acidente ocorrido em 2005 determinaram para a autora, então com 17 anos de idade, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos – e, por isso, com efectiva repercussão na actividade laboral –, nada há a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correcções habitualmente citadas na jurisprudência, nem ao recurso ao valor de € 800,00 ilíquido auferido pela lesada a título de salário, a partir de 2013, para fixar o valor da indemnização devida por danos patrimoniais futuros em € 55 000,00, como decidiu a Relação.


Tendo em consideração: (i) as circunstâncias do acidente, o sofrimento que implicou, os tratamentos médicos, intervenções, internamentos e períodos que se lhe seguiram que se prolongaram no tempo, tendo a lesada apenas tido alta mais de 4 anos depois do acidente; (ii) a repercussão não patrimonial da incapacidade parcial permanente fixada à autora; (iii) as sequelas do acidente, as repercussões estéticas, as dores e demais sofrimento que se prolongarão pela vida da autora, que à data do acidente era saudável e tinha apenas 17 anos, e, finalmente; (iv) o grau de culpa da condutora do veículo causador do acidente que resultou de uma infracção séria às regras de circulação automóvel, traduzidas no desrespeito de um sinal de stop colocado à entrada de um cruzamento, mostra-se ajustado fixar a indemnização devida à autora por danos não patrimoniais em € 40 000,00, como decidiu a Relação. “


Já no Acórdão proferido em 21/01/2016 (Processo 1021/11.3TBABT.E1.S1), Relator Conselheiro Lopes do Rego, decidiu-se o seguinte:


“ O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.


Não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €50.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7,envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.


Vejamos, ainda, o que se decidiu a este título no acórdão proferido em 19/09/2019 (Procº 2706/17.6T8BRG.G1.S1) , Relatora Conselheira Maria do Rosário Morgado:


Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de € 50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos.


Nos casos que acabámos de referir o montante fixado a título de danos não patrimoniais oscila entre os 40.000,00 e os 50.000,00 Euros, importando salientar que em dois deles resulta assente que os lesados eram ainda bastante jovens (com 17 anos de idade) e as lesões e consequências físicas delas resultantes excediam a amplitude do que resultou provado no caso concreto relativamente à Apelada.


De todo o modo estão em causa situações julgadas há pelo menos meia dúzia de anos a esta parte.


Neste contexto apontamos ainda o acórdão de 26/10/2023, julgado por unanimidade neste Tribunal da Relação de Évora, no âmbito da Apelação n.º 2245/17.5T8STR.E1, o qual transitou pacificamente em julgado, no qual se fixou como reparação a título de danos não patrimoniais a um lesado (à data jovem adulto), em consequência de acidente de viação sofrido com consequências físicas e psíquicas não substancialmente distantes do que se apurou no caso vertente, a quantia de 40.000,00 Euros,


Aqui chegados, importa rechaçar a aplicabilidade do artigo 494.º do CC ao caso vertente desde logo por não terem resultado provados quaisquer factos atinentes à situação económica de lesante e lesada passíveis de justificar a limitação ou redução indemnizatória prevista em tal preceito legal.


Dito isto e tendo presente a facticidade descrita no segmento atinente aos factos considerados como provados na sentença recorrida sob os pontos 8., 9., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20. a 36. e 61. a 64., destacando-se a idade que a Apelada tinha quando sofreu a queda (61 anos), a IPP que lhe foi fixada (10%), o quantum doloris fixado (grau 4/7), o dano estético permanente fixado (grau 1/7), a Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixada (grau 2/7), o Défice Funcional Permanente de Integridade Fisico-Psíquica fixado em 6 pontos, os vários exames médicos, internamentos e intervenção cirúrgica a que teve de se sujeitar, com prognose segura de ter de se submeter a uma outra se quiser melhorar a capacidade funcional da sua mão direita, a impossibilidade de efectuar diversas tarefas domésticas, de amanhar a sua horta, bem como de brincar com os seus netos, não podendo, porém, de acordo com o previsto na 1.ª parte do n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil, de deixar de se atender ao grau de culpabilidade do segurado da Ré (lesante), que, face às circunstâncias concretas deste caso (cfr ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida), poderemos enquadrar no âmbito da culpa leve, distinto, como tal, da infração ou violação de regras estradais, considera-se adequado, tendo como linha orientadora os valores pecuniários fixados nos arestos acima mencionados, sem esquecer a flutuação da moeda, o período temporal, já acima mencionado, que dista entre a presente data e as datas de alguns dos ditos arestos e a necessidade, que reputamos crescente na jurisprudência, de valorizar devidamente e não apenas de forma parcimoniosa os incómodos, o sofrimento e todo o tipo de prejuízos relevantes de natureza não patrimonial causados por ocorrências, ou omissões, geradoras de responsabilidade civil, fixar o montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais na quantia de € 25.000,00 (Vinte e cinco mil Euros), desse modo reduzindo a quantia fixada na sentença recorrida, mais se esclarecendo tratar-se de montante já devidamente actualizado, sem olvidar o tempo de pendência da acção na 1ª Instância.


Conclui-se, assim, quanto a esta questão ora reapreciada, procederem parcialmente as conclusões recursivas da Apelante.


B - Contagem dos juros devidos


Em sede de juros a contabilizar, atendendo a que no segmento relativo à fundamentação de direito da sentença recorrida se menciona expressamente e de forma acertada a aplicação ao caso concreto do normativo constante do artigo 566.º do CC, não esquecendo que na pendência dos autos a Apelada até requereu ampliação do pedido, que foi admitida, impõe-se respeitar a jurisprudência fixada no acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2002, pelo que neste conspecto assiste razão à Apelante não sendo de contabilizar no caso vertente, como a mesma sustenta, os juros de mora a partir da citação, mas sim da decisão actualizadora até integral pagamento, mais se esclarecendo que incidindo o recurso nesta matéria apenas sobre a contagem de juros relativos à quantia fixada a título de danos não patrimoniais não haverá que apreciar tal pretensão do período de contagem de juros ao restante quantum fixado, pois que relativamente a tal operou o trânsito em julgado.


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V- DECISÃO


Face a todo o exposto, acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por Ageas Portugal, Companhia de Seguros, SA, decidindo-se o seguinte:


1-Revogar parcialmente a sentença recorrida condenando-se a Apelante Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., a pagar à Apelada BB a título de danos não patrimoniais a quantia de € 25.000,00 (Vinte e cinco mil Euros), acrescidos dos juros de mora, incidentes sobre o montante destes danos, contabilizados desde a sentença até integral pagamento;


2-Manter no mais, ou seja quanto ao montante a título de danos patrimoniais e contagem dos juros incidentes sobre estes, o decidido na sentença recorrida;


3-Condenar Apelante e Apelada no pagamento das custas processuais devidas, atendendo ao disposto no artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC, na proporção de 75% para a primeira e de 25% para a segunda, considerando que ambas as Partes decaem parcialmente, sensivelmente na mesma medida, quanto ao montante relativo aos danos não patrimoniais e a Apelante igualmente no tocante à questão da responsabilidade na produção do acidente, (sem prejuízo do apoio judiciário de que a Apelada beneficia).


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Notifique.


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ÉVORA, 08 de MAIO de 2025


(José António Moita-Relator)


(Maria João de Sousa e Faro – 1ªAdjunta)


(Ricardo Miranda Peixoto - 2.º Adjunto)