HERANÇA INDIVISA
CONTRATO-PROMESSA DE PARTILHA
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
DESPESAS
Sumário

Síntese conclusiva:
A ação em que os autores pedem a condenação do réu por despesas realizadas com um imóvel integrado em herança não partilhada, com fundamento em incumprimento de “contrato promessa de partilha da herança”, deve ser julgada improcedente se vem formulado pedido de condenação do réu a favor dos herdeiros e não a favor da herança.

Texto Integral

Proc. n.º 350/23.8T8RMR.E1

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I - RELATÓRIO


AA e BB, instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo que seja condenado a pagar-lhes a quantia total de € 4.982,54 a título de imposto de selo e a título de imposto municipal sobre imóveis, bem como das quantias que anualmente forem sendo liquidadas a esse título até à celebração do contrato prometido, acrescida de juros à taxa legal.


Alegam, em síntese, que o réu celebrou um contrato promessa de partilha de herança com os demais herdeiros de DD e EE, entre os quais FF, entretanto falecida e a quem os autores sucederam como únicos e universais herdeiros, mediante o qual acordaram que a herança é constituída por um prédio urbano, ao qual os outorgantes atribuíram o valor de € 80.000,00, que seria adjudicado ao réu, mediante o pagamento de tornas aos demais herdeiros nos termos ali acordados, cabendo ao réu a administração da herança e ainda que a escritura pública seria outorgada até 28.02.2018, em data e hora a comunicar pelo réu aos demais outorgantes, contrato que em 26.02.2018 os outorgantes decidiram alterar, prevendo, entre o mais, que o contrato definitivo seria celebrado até 28.02.2019 e que a administração da herança seria remunerada.


Mais alegam que até à data da entrada da petição inicial, o réu não procedeu à marcação de escritura pública do contrato prometido, o que determinou que, por força da sucessão dos autores na herança aberta por óbito de FF em ........2023, composta, entre o mais, por um terço do referido prédio urbano, estes fossem notificados pela Autoridade Tributária e Aduaneira da liquidação do imposto de selo relativo à quota-parte do prédio em causa, a cujo pagamento procederam e que reclamam do réu, bem como os valores pagos a título de impostos municipais sobre imóveis respeitantes aos anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022.


O réu contestou, alegando ter efetuado o pagamento da totalidade do preço a todos os outorgantes, entre eles à falecida FF, em 29.10.2028, tendo ainda efetuado os pagamentos de imposto municipal sobre imóveis referentes ao prédio, com exceção dos referentes aos anos de 2021 e 2022 e relativos à quota-parte da falecida, mais alegando que encetou várias diligências tendentes à regularização da situação registral e fiscal do prédio em causa, com vista à celebração do contrato prometido.


Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhe a quantia de € 5.861,38, correspondente à sua quota parte das despesas por si suportadas com a realização de obras no referido prédio, registos prediais, obtenção de documentos e certidões, plantas e levantamentos topográficos e emissão do certificado energético.


Houve réplica, pugnando os autores/reconvindos pela improcedência do pedido reconvencional, sustentando, no essencial, que o réu tinha perfeito conhecimento da situação em que o prédio se encontrava aquando da outorga do contrato-promessa.


Teve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.


Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto, decide o Tribunal:


I – Julgar a ação totalmente procedente e, em consequência:


a) Condenar o Réu CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 4.090,04 (quatro mil e noventa euros e quatro cêntimos), a título Imposto de Selo relativo à transmissão dos bens da herança deixada por FF, tia dos Autores, acrescida de juros de mora civis calculados à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da citação 2023/11/22, e vincendos até efetivo e integral pagamento.


b) Condenar o Réu CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 892,50 (oitocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de imposto municipal sobre imóveis dos anos 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, bem como das quantias que, anualmente forem pagas a este título até à celebração da escritura do contrato definitivo, a liquidar ulteriormente em incidente, por referência aos artigos 556.º e 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, acrescida de juros de mora civis calculados à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da citação 2023/11/22, e vincendos até efetivo e integral pagamento.


II – Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condenar os Autores AA e BB a pagar ao Réu CC a quantia de € 1.825,99 (mil oitocentos e vinte e cinco euros e noventa e nove cêntimos), correspondente à quota parte no prédio (1/3).


Custas a cargo dos Autores e do Réu na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 30% e 70%, respetivamente (artigos 527.º, n.º 1 e 2 e 529.º do Código de Processo Civil).»


Inconformado, o réu apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:


«A.


O Recorrente foi condenado a pagar aos Recorridos AA e BB a quantia de € 4.090,04 (quatro mil e noventa euros e quatro cêntimos), a título Imposto de Selo relativo à transmissão dos bens da herança deixada por FF, tia dos Recorridos, acrescida de juros de mora civis calculados à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da citação 2023/11/22, e vincendos até efetivo e integral pagamento e a quantia de € 892,50 (oitocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de imposto municipal sobre imóveis dos anos 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, bem como das quantias que, anualmente forem pagas a este título até à celebração da escritura do contrato definitivo, a liquidar ulteriormente em incidente, por referência aos artigos 556.º e 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, acrescida de juros de mora civis calculados à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da citação 2023/11/22, e vincendos até efetivo e integral pagamento.


B.


O Recorrente não se conforma com a decisão plasmada na Sentença recorrida, colocando-se aqui em crise os pontos de facto e de direito relativamente ao que foi percecionado pelo Tribunal a quo e em consequência, manifestado na Sentença ora impugnada, versando o objecto do presente recurso sobre matéria de facto e matéria de direito.


C.


Por outro lado, a decisão em crise incorre ainda numa incorrecta interpretação e aplicação do direito, não se podendo aderir, sob nenhuma perspectiva, à tese sustentada pelo Tribunal “a quo” na sentença proferida.


D.


O tribunal a quo julgou procedente o pedido dos Recorridos quanto ao pagamento dos IMI’s, tendo dado como provado que o Recorrente não pagou os impostos relativos aos anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022.


E.


Foi dado como não provado o seguinte:


“ a) O Recorrente efetuou os pagamentos a FF do valor correspondente ao Imposto Municipal sobre Imóveis respeitante aos anos de 2018 no valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos), 2019 no valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos) e 2020 no valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos).”


F.


O tribunal a quo dá como não provado que o Recorrente tivesse pago os IMI’s de 2018, 2019, 2020 sustentando tal decisão com o facto de que o Recorrente não fez, como lhe competia, prova do alegado e que, não obstante ter o Recorrente afirmado tais pagamentos em sede de declarações de parte tais declarações não foram corroboradas por outras provas.


G.


As declarações do Recorrente foram comprovadas – em parte, é certo – pela testemunha GG que afirmou que o imposto de 2018 se encontrava pago, conforme declarações prestadas em sede de audiência e gravadas em ficheiro áudio a partir do minuto 14:58.


H.


Deve ser dado como parcialmente PROVADO o ponto a) da matéria de facto não provada, ou seja, dar-se como provado que o Recorrente pagou o IMI relativo ao ano de 2018.


I.


A referida alteração levará à necessária conclusão de que não assiste aos Recorridos o direito ao pagamento do valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos).


J.


O tribunal a quo fundamenta a condenação do Recorrente no pagamento dos IMI’s relativos aos anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 na responsabilidade pré-contratual do Recorrente para com FF.


K.


O Tribunal não considerou que a eventual lesada do incumprimento das responsabilidades pré-contratuais foi FF.


L.


Sendo que os Recorridos litigam em seu nome próprio e não enquanto representantes da herança aberta por óbito de FF.


M.


Tal como preconiza a sentença, os danos foram sofridos pela de cuiús, pelo que os estes apenas poderiam ser peticionados em juízo pela sua herança e não pelos seus herdeiros atuando em juízo por si próprios, ainda que eventualmente sejam únicos e universais herdeiros.


N.


Os Recorridos não têm legitimidade para, nesta sede judicial em que litigam em nome próprio, peticionarem o pagamento dos impostos em causa.


O.


Os Recorridos não sofreram qualquer dano que importe o seu ressarcimento ao abrigo de uma responsabilidade pré-contratual e consequentemente, não se encontra verificado um dos requisitos para a existência de responsabilidade pré-contratual pelo que cabia ao tribunal a quo ter decidido no sentido de não existir qualquer obrigação do Recorrente em indemnizar os Recorridos.


P.


Quanto ao pagamento do imposto de selo, o tribunal a quo andou mal na interpretação e aplicação das normas invocadas uma vez que errou ao considerar que a mora do Réu na marcação da escritura é causa do alegado dano sofrido pelos recorridos e que este alegado dano é passível de ressarcimento.


Q.


O tribunal a quo considerou o Recorrente em mora desde 28 de Fevereiro de 2019, pelo que terá estado em mora cerca de 4 anos ainda em vida de FF, sua tia.


R.


Neste período temporal de quatro anos FF não invocou a referida mora nem sofreu qualquer dano com esta, conformando-se com a mesma e sem que tenha feito o que quer que fosse para lhe colocar termo.


S.


FF nunca interpelou o Recorrente para que este procedesse à marcação da escritura definitiva e bastou-se com o facto de que este a marcaria quando lhe fosse possível.


T.


A mora que é imputada ao Recorrente terá produzido efeitos na esfera jurídica de FF que seria a credora e não na esfera jurídica dos Recorridos sendo que na esfera jurídica de FF não ocorreu qualquer dano que importe ressarcir e que advenha da falta de marcação da escritura.


U.


Se tivesse existido em vida de FF algum dano, poderiam os Recorridos, mas enquanto representantes da herança e nunca por si próprios, vir fazer valer o direito desta, mas ainda assim, esse direito há muito que se encontrava prescrito nos termos do art.º 498º do Código Civil.


V.


À data do pagamento do imposto de selo, o Recorrente não está em mora com os Recorridos.


W.


O alegado dano sofrido pelos Recorridos não é um dano nem é provocado pela mora do Recorrente, na medida em que o pagamento do imposto de selo é uma obrigação fiscal que advém da aceitação, por parte dos Recorridos – da herança de FF


X.


Não se pode estabelecer um nexo de causalidade tal como gizado pelo Tribunal a quo porque a circunstância dos Recorridos terem visto ser liquidado o Imposto de Selo por óbito de FF e o terem pago, decorre, não da mora nem da outorga de qualquer contrato, mas sim do facto de serem herdeiros da Outorgante.


Y.


Nestes termos, verifica-se que se o tribunal a quo tem interpretado corretamente o enquadramento legal que invocou, teria que forçosamente concluir pela não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar.


Z.


Sendo assim necessária a prolação de uma sentença que contemple uma correcta aplicação da lei no sentido de se verificarem como não cumpridos todos os pressupostos necessários à obrigação de indemnizar por parte do Recorrente.


AA.


A referida alteração levará à necessária conclusão de que não assiste aos recorridos o direito ao pagamento das quantias peticionadas importando assim a obrigatória revogação da decisão e absolvição do Recorrente, com o que se fará justiça!


Termos em que deverá o presente recurso proceder e em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que declare a absolvição do Réu.»


Não foram apresentadas contra-alegações.


Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – ÂMBITO DO RECURSO


Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica:


- legitimidade substantiva dos autores;


- alteração da matéria de facto;


- obrigação de indemnizar a cargo do réu.


III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA


Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos1:


Da Petição Inicial


1. Por documento escrito, intitulado de “contrato promessa de partilha da herança”, datado de 16 de dezembro de 2017, foi celebrado um acordo, do qual consta o Réu como primeiro outorgante e com os, à data, restantes herdeiros de DD e EE, entre os quais FF, como terceira outorgante, tendo os mesmos estipulado, no que aqui importa, as seguintes cláusulas:


“Cláusula 1.º


A herança deixada por óbito de DD e EE é constituída pelo prédio urbano composto por rés-do-chão e primeiro andar, sendo o rés-do-chão para comércio e o primeiro andar para habitação, sito na Rua 1, inscrito na matriz urbana da freguesia e concelho de Local 1 sob o n.º 4721, constituído pelos andares ou divisões com utilização independentemente RC85, RC87, RC89, RC93, RC95, 1.ºC91, 1.ºD91 e 1.ºE91, não descrito na Conservatória do Registo Predial.


Cláusula 2.º


Todos os interessados acordam em atribuir ao prédio o valor de 80.000,00 € (oitenta mil euros).


Cláusula 3.º


A FF, a quem cabe 1/3 (um terço) da herança, tem direito a um quinhão no valor de € 26.666,67 (vinte e seis mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos).


Cláusula 10.º


O bem descrito na cláusula 1. será adjudicado ao Primeiro Outorgante, CC.


Cláusula 11.º


O Primeiro Outorgante ficará devedor de tornas aos restantes herdeiros, que serão pagas da seguinte forma: 10 % (dez por cento) com a assinatura do presente contrato promessa de partilha, a título de princípio de pagamento e 90 % (noventa por cento), com a celebração da escritura pública de partilha, na proporção dos respetivos quinhões.


Cláusula 12.º


Nos termos da cláusula anterior, os valores a pagar a cada um dos herdeiros serão os seguintes:


a) A FF é pago com a celebração do presente contrato promessa, o valor de € 2.666,67 (dois mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), e na data da celebração da escritura de partilha será pago o montante de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros)


Cláusula 15.º


Com o presente contrato, todos os interessados acordam na entrega da administração da herança e o exercício das funções de cabeça de casal ao Primeiro Outorgante, nos termos do artigo 2084.º do Código Civil.


Cláusula 16.º


A escritura pública de partilha será celebrada até ao dia 28 de fevereiro de 2018, em Local 1, devendo o primeiro outorgante, comunicar a respetiva data e hora com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias.”


2. Em 26 de Fevereiro de 2018, as partes (identificadas em 1 da matéria de facto provada) acordaram alterar o acordo celebrado em 16 de dezembro de 2017, intitulado de «contrato promessa de partilha da herança», passando agora a intitular-se «contrato promessa de compra e venda e partilha de quotas do imóvel sito na Rua 1», fazendo-o por escrito, tendo as mesmas estipulado, no que aqui importa, as seguintes cláusulas:


“Cláusula 1.º


O contrato alterado passa a denominar-se Contrato Promessa de Compra e Venda e Partilha de Quotas do Imóvel, sito na Rua 1.


Cláusula 3.º


FF, comproprietária de um terço do imóvel, promete vender a sua quota ao primeiro outorgante, que este promete comprar, pelo valor de € 26.666,67 (vinte e seis mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos).


Cláusula 12.º


Nos termos da cláusula anterior, os valores a pagar a cada um dos outorgantes serão os seguintes:


a) A FF foi pago, com a celebração do contrato promessa, o valor de € 2.666,67 (dois mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), e é pago, com a outorga do presente aditamento ao contrato promessa, o valor de € 19.200,00 (dezanove mil e duzentos euros), e o remanescente, € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), será pago com a celebração da escritura.


Cláusula 15.º


Pelo presente convenciona-se que cabe ao Primeiro Outorgante a administração do imóvel podendo realizar todos os atos de administração ordinária e extraordinária que entender por convenientes.


Cláusula 16.º


A escritura pública de partilha será celebrada até ao final de 28 de fevereiro de 2019, em Local 1, devendo o Primeiro Outorgante, comunicar a respetiva data e hora com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias.


Cláusula 21.º


Todos os outorgantes acordam que o cargo de administração será remunerado, ficando o primeiro outorgante a receber todos as rendas e frutos que o imóvel proporciona ou pode vir a proporcionar, abdicando todos os outros outorgantes do produto das rendas.”


3. O prédio sito na Rua 1 com os n.ºs de polícia 85, 87, 89, 91, 93, e 95 91, ... Local 1, melhor identificado na Cláusula 1. do acordo intitulado de «contrato promessa de partilha da herança» e da Cláusula 1. da alteração intitulada de «contrato promessa de compra e venda e partilha de quotas do imóvel sito na Rua 1», prometido partilhar e vender, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 10991 da freguesia de Local 1 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 12924.


4. Na sequência da alteração ao acordo aludido em 2., a escritura pública seria realizada até ao final de 28 de fevereiro de 2019, em Local 1, devendo o Réu comunicar a respetiva data e hora ou local com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias.


5. O Réu não procedeu (até à data da entrada juízo da petição inicial) à marcação da data, hora ou local da escritura pública.


6. Em ... de ... de 2023, faleceu FF, tia dos Autores, tendo, por testamento, instituindo-os como seus únicos e universais herdeiros, com o seguinte teor, no que ao caso releva:


“No dia um de fevereiro de dois mil e vinte e três, no Cartório Notarial sito na ..., número sete B, em Local 1, perante mim, HH, Oficial Pública e respetiva Notária, compareceu como outorgante:


AA, NIF ..., casado sob o regime imperativo da separação de bens com GG, natural da freguesia e concelho de Local 1, residente na Rua 2. […] Declarou o outorgante: que é cabeça-de-casal na herança a cuja habilitação de herdeiros se procede em seguida.


Que, no dia ...-...-2023, na ..., concelho de ..., faleceu sua tia FF, natural da freguesia de ..., concelho de ..., com última residência habitual na Rua 2, no estado de viúva de II, sem descendentes ou ascendentes vivos.


Que a falecida outorgou testamento no dia onze de março de dois mil e dezasseis, no Cartório Notarial em Local 1, a cargo da Notária JJ, cujo acervo documental se encontra integrado no arquivo deste Cartório, lavrado de folhas cento e quarenta a folhas cento e quarenta verso do competente livro de notas número dois-B, e no qual instituiu seus únicos e universais herdeiros, em comum e partes iguais, os seus sobrinhos: AA […] e BB […]. Que, segundo o referido testamento, as indicadas pessoas são os únicos e universais herdeiros da falecida, não havendo quem lhes prefira ou com eles possa concorrer à sucessão. […].”


*


“No dia onze de março de dois mil e dezasseis, no meu Cartório, sito em Local 1, ..., perante mim, JJ, Notária, compareceuFF, NIF ..., viúva, de nacionalidade portuguesa, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascida no dia ...-...-1933, filha de KK e de LL, residente na Rua 3, freguesia de ..., concelho de ..., portadora do bilhete de identidade ... emitido em 2003/06/11, pelos S.I.C de Lisboa, e declarou que não tendo descendentes nem vivos os ascendentes faz o seu testamento da seguinte forma: institui por seus únicos e universais herdeiros, em comum e partes iguais, os seus sobrinhos BB e AA, ambos divorciados, filhos de MM e de NN, ela residente em ..., na cidade de Local 2 e ele em Local 1, Rua 2 […].”


7. De entre os bens deixados por FF consta 1/3 (um terço) da herança indivisa deixada por óbito de DD e EE e que se refere ao prédio urbano identificado em 3., objeto dos acordos (identificados em 1 e 2 da matéria de facto provada) celebrados entre o Réu e restantes herdeiros, encontrando-se na proporção de 6/18 registado em nome de FF na Conservatória do Registo Predial de Local 1 pela AP. 2670 de 9 de maio de 2019.


8. Em 2023/02/08, os Autores na qualidade de únicos e universais herdeiros de FF entregaram na Autoridade Tributária e Aduaneira o modelo 1 – comprovativo de participação de transmissões gratuitas, constando como verba n.º 1 1/3 (um terço) na herança indivisa de que FF era titular.


9. Por carta datada 2023/02/16, os Autores foram notificados pela Autoridade Tributária e Aduaneira da liquidação do imposto de selo - Herança - relativo à transmissão dos bens da herança de FF, tendo sido fixado à verba n.º 4 1/3 (um terço) com o valor tributável de € 47.238,65 (quarenta e sete mil duzentos e trinta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos), tendo os Autores liquidado a quantia de € 4.090,04 (quatro mil e noventa euros e quatro cêntimos), correspondente à terça parte de que FF detinha no prédio identificado em 3 da matéria de facto provada.


10. O Réu comprometeu-se a efetuar o pagamento aos restantes herdeiros, entre os quais a FF do valor correspondente ao Imposto Municipal sobre Imóveis sobre o prédio prometido comprar identificado em 3 da matéria de facto provada.


11. O Réu não efetuou os pagamentos a FF do valor correspondente ao Imposto Municipal sobre Imóveis respeitante aos anos de 2021 no valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos) e 2022 no valor de € 180,44 (cento e oitenta euros e quarenta e quatro cêntimos), perfazendo o valor total de € 358,54 (trezentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos).


Da Contestação/Reconvenção


12. FF recebeu do Réu o valor de € 4.740,00 (quatro mil setecentos e quarenta euros), quantia que faltava para totalizar a sua quota parte do preço nos termos acordados no acordo escrito intitulado de “contrato de compra e venda e partilha de quotas do imóvel sito na Rua 1”.


13. Durante o ano de 2019, foram realizadas pelo Réu várias diligências, nomeadamente registo de partilha da herança de DD e EE e compra de OO e PP, correção de áreas, atualização da descrição do prédio e retificação dos números de polícia, necessárias à regularização do prédio (identificado em 3 da matéria de facto provada), despendendo a quantia de € 5.477,98 (cinco mil quatrocentos e setenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), sendo:


a) € 1.486,18 (mil quatrocentos e oitenta e seis euros e dezoito cêntimos), a título de registos prediais, obtenção de documentos e certidões;


b) € 2.136,00 (dois mil cento e trinta e seis euros), a título de plantas e levantamentos topográficos;


c) € 1.855,77 (mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e sete cêntimos) e € 0,03 (três cêntimos), a título de emissão do certificado energético.


14. O Réu procedeu a obras no prédio (identificado em 3 da matéria de facto provada) despendendo a quantia de € 5.463,89 (cinco mil quatrocentos e sessenta e três euros e oitenta e nove cêntimos).


Da Réplica


15. O Réu remeteu à tia dos Autores, FF, carta datada de 18 de fevereiro de 2016, com o seguinte teor, no que ao caso releva:


“[…] Assunto: proposta de aquisição do imóvel,


CC, com residência fiscal em Local 3, na qualidade de herdeiro, oferece para a aquisição do prédio urbano sito na Rua 1, inscrito na matriz predial sob o artigo 3256 (constituído pelos artigos RC85, RC87, RC89, RC93, RC95, 1.ºC91, 1.ºD91 e 1.ºE91), o montante de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros) […].”


16. O Réu remeteu à tia dos Autores, FF, carta datada de 15 de setembro de 2017, através da sua ilustre mandatária, com o seguinte teor, no que ao caso releva:


“[…] Assunto: «proposta para aquisição do prédio, sito na Rua 1”,


Exm.ª Sr.ª FF,


Fui mandatada pelo Sr. CC para comunicar a V.ª Ex.ª e demais sucessíveis do Senhor DD, a pretensão do meu constituinte, como herdeiro, adquirir o prédio urbano de r/c e 1.º andar, destinado a comércio e habitação, sito na Rua 1.


Atendendo ao elevado estado de degradação em que o mesmo se encontra, por não terem sido realizadas quaisquer obras necessárias à sua conservação, o imóvel encontra-se a degradar-se e a desvalorizar-se acentuada e diariamente. Com efeito, o imóvel necessita, com urgência, de obras que importam custos elevadíssimos.


Sabendo do elevado montante que terá de ser despendido para recuperar o imóvel em causa, e tendo em conta que os valores das rendas que deveriam ter sido imputados na sua conservação e restauro foram distribuídos pelos restantes herdeiros, que não o meu cliente, tem-se por justa e adequada a aquisição do imóvel, pelo M/Constituinte, pelo montante global de € 80.000,00 (oitenta mil euros), a ser pago, na respetiva proporção, ao Senhor QQ, ao Senhor RR, à Senhora FF e à Senhora SS.


Em face do exposto rogo a V.ª Ex.ª se digne encetar conversações com os restantes herdeiros no sentido de acordarem na venda do imóvel ao M/Constituinte, dispensando-se todos os custos financeiros, emocionais e temporários inerentes a um inventário e a uma ação de prestação de contas […].”


17. O valor proposto pelo Réu de € 80.000,00 (oitenta mil euros) foi aceite pelas partes, tendo o Réu enviado carta datada de 24 de novembro de 2017 à tia dos Autores, FF, sob o assunto: “partilha do prédio sito na Rua 1” com o seguinte teor, no que ao caso releva:


“Exma. Senhora FF,


Na sequência da comunicação que já antes lhe enviei, venho pelo presente informá-la que todos os herdeiros concordaram em fazer um contrato-promessa de partilha do prédio em epígrafe e posteriormente a escritura pública, tendo todos, como V.ª Ex.ª, aceitado o valor de € 80.000,00 (oitenta mil euros).


Atendendo a que o prédio está compreendido na herança deixada por óbito dos seus sogros EE e DD, cabe-lhe 1/3 do referido prédio, ou seja, o correspondente a € 26.666,67 (vinte e seis mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos).


Assim, ser-lhe-ão pagos 2.666,67 (dois mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) com a celebração, assim que possível e com a maior brevidade possível, do contrato promessa, e € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) com a outorga da escritura pública, a celebrar em finais de fevereiro de 2018.


Rogo a V.ª Ex.ª se digne fornecer-me o s/ contacto telefónico para agendar data para o contrato-promessa a fornecer o IBAN e SWIFT-BIC para as transferências bancárias.


Questiono a sua disponibilidade para celebrar o contrato promessa, no dia 18 de dezembro, sugerindo-lhe as datas alternativas de 15 e 16 de dezembro […].”


18. No ano de 2016 as rendas do prédio (identificado em 3.) totalizaram o valor de € 5.562,00 (cinco mil quinhentos e sessenta e dois euros), e no ano de 2017 o valor de € 5.190,00 (cinco mil cento e noventa euros).


19. As diligências necessárias à regularização do prédio (identificado em 3 da matéria de facto provada) para viabilizar a realização da escritura pública definitiva, ficaram a cargo do Réu.


20. Em 9 de maio de 2019 o Réu apresentou na Conservatória do Registo Predial de Local 1, requisição para registo de aquisição do prédio (identificado em 3 da matéria de facto provada).


E foram considerados não provados os seguintes factos:


Da Contestação/ Reconvenção


a) O Réu efetuou os pagamentos a FF do valor correspondente ao Imposto Municipal sobre Imóveis respeitante aos anos de 2018 no valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos), 2019 no valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos) e 2020 no valor de € 178,10 (cento e setenta e oito euros e dez cêntimos).


b) A escritura do contrato definitivo de compra e venda e partilha do prédio (identificado em 3.) esteve marcada no ano de 2018, mais concretamente em 29 de outubro no Cartório Notarial de Local 1, a cargo da Dra. TT.


c) A Dra. TT detetou irregularidades relativas à situação registral e matricial do prédio (identificado em 3.) que obstavam à realização da escritura uma semana antes.


d) Existindo a necessidade de proceder à regularização da situação do prédio, todos os intervenientes aceitaram comparecer no referido Cartório Notarial de Local 1 na data e hora marcada (29 de Outubro de 2018), a fim de esclarecerem as circunstâncias em que essa regularização se iria proceder bem como acertar outros detalhes relativos aos negócios, o que aconteceu.


e) Nessa mesma data, acordaram ainda todas as partes (identificadas em 1 da matéria de facto provada) receber a totalidade do preço estipulado no acordo celebrado em 26 de fevereiro de 2018, intitulado de “contrato promessa de compra e venda e partilha de quotas do imóvel sito na Rua 1”, através da entrega, por parte do Réu, dos valores remanescentes e que haviam sido prometidos pagar aquando da realização do acordo definitivo.


f) Em virtude das diligências a cargo do Réu referidas em 19 da matéria de facto provada, não foi estabelecido prazo para a marcação da escritura.


g) As obras realizadas no prédio (identificado em 3 da matéria de facto provada) são condição para obter o licenciamento camarário que viesse a permitir a devida regularização.


h) As obras realizadas no prédio (identificado em 3 da matéria de facto provada) foram necessárias para assegurar as condições mínimas de segurança.


i) A pandemia mundial provocada pelo SARS-CoV-2, que é responsável pela doença COVID-19, inviabilizou até 2022 a realização pelo Réu de ulteriores diligências necessárias à realização da escritura.


j) O Réu teve conhecimento em meados de 2022 do falecimento de UU (2022/06/04), um dos outorgantes do contrato promessa de compra e venda, tornando-se necessária agora a respetiva habilitação de herdeiros e participação de óbito, diligências que o Réu não poderia realizar.


k) Face a um problema grave da mulher do Réu, também interveniente no acordo celebrado (identificado em 1 e 2 da matéria de facto provada), os Réus viram-se obrigados a deslocar-se para o estrangeiro a fim de aí obter tratamento médico, onde se encontravam aquando da notícia do falecimento de FF.


l) Os Autores foram informados da situação de saúde precária do cônjuge do Réu e que o mesmo não teria disponibilidade para se deslocar a Portugal até meados de 2023.


m) O Réu não procedeu ao agendamento da escritura pública definitiva em virtude da necessidade de realização de diversas diligências que se prolongaram no tempo, consequência dos pontos h), i), j) e k).


n) Para realização de obras no prédio o Réu despendeu a quantia de € 6.115,29 € (seis mil cento e quinze euros e vinte e nove cêntimos).


o) O Réu despendeu da quantia de € 530,00 (quinhentos e trinta euros) a título de registos prediais e obtenção de documentos e certidões.


Da legitimidade substantiva dos autores


Diz o recorrente que o tribunal a quo fundamentou a sua condenação no pagamento do IMI relativos aos anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 na responsabilidade pré-contratual do mesmo para com a falecida FF, considerando que a lesada pelo não pagamento daquele imposto foi esta última.


Relativamente ao imposto de selo pago pelos autores, diz o recorrente que o alegado dano sofrido pelos autores não é um dano nem é provocado pela mora do réu, na medida em que o pagamento do imposto de selo é uma obrigação fiscal que advém da aceitação, por parte dos autores, da herança de FF


Entende assim o recorrente que a indemnização pelos alegados danos apenas poderia ser peticionada pelos autores, na qualidade de herdeiros da falecida FF, em representação da herança, e não atuando em juízo por si próprios, ainda que sejam únicos e universais herdeiros.


É sabido que antes da partilha existe comunhão, a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha. Até à realização desta o direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre certos bens, pelo que não se pode atribuir aos herdeiros, antes da partilha, a qualidade de proprietário ou comproprietário de este ou daquele bem da herança.


Depois da aceitação da herança2 e enquanto a mesma permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram pelo que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos estabelecidos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil. Só depois de efetuada a partilha da herança e adjudicados os bens ou, definida a quota-parte de cada um nesses bens, é que o herdeiro passa a ser titular dos bens em concreto.


No caso, não há dúvida que o direito de crédito invocado pelos autores - situado na esfera jurídica da sua falecida tia -, pertence à herança indivisa pelo que enquanto houver indivisão não pode aquele invocado direito ser destacado dessa unidade e ingressar no património individual dos herdeiros, aqui autores. E isto é válido tanto para o crédito reclamado a título de IMI, como a título de imposto de selo, pois nas sucessões por morte, este último imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça-de-casal, e pelos legatários, nos termos do art. 2.º, n.º 2, al. a), do Código do Imposto de Selo (Lei nº 150/99, de 11 de setembro)3.


Mesmo considerando que os autores são os únicos herdeiros, titulares da totalidade das quotas-partes ideais na herança global, o que sobreleva é que os mesmos apenas podiam reclamar o aludido crédito em nome e em representação da herança e não em nome e no seu interesse pessoal4.


A situação em análise tem a ver com a inexistência do direito na esfera jurídica de quem se arroga ser seu titular (os autores) e nada tem a ver com situações de uma mera qualificação jurídica dos factos verificados. Ao invés, é a própria substanciação do pedido e da causa de pedir que os autores apresentam que não pode ter acolhimento.


Na verdade, é noutras situações absolutamente distintas que a jurisprudência tem defendido a possibilidade do poder corretivo do juiz ou de um convite ao aperfeiçoamento por considerar, por exemplo, excessivamente formalista o entendimento de que, num caso em que se refere na petição inicial que a ação é intentada por determinada herança, representada por todos os seus herdeiros, tal circunstância impeça o normal prosseguimento dos autos, sendo que, no fundo, o que ocorre é apenas uma incorreção na expressão utilizada para identificar a parte e a qualidade em que instaura a ação, devendo entender-se que nesse caso os autores são os próprios herdeiros e não a herança que dizem representar5.


Como se lê no citado Ac. do TRP de 07.11.20236, «o que está em causa é algo até prévio aos princípios do ónus de alegação da partes e aos poderes ex officio do juiz e tem a ver com a própria essência do processo judicial que é a reconstituição da realidade acontecida, dos factos da vida que ocorreram, factos obviamente com significado para o direito que se pretende fazer no processo».


Esses factos têm, pois, de ter acontecido, não podem ser uma ficção do que poderá ou deverá acontecer, não interessando aqui que os autores sejam os únicos herdeiros e que após a partilha da herança lhes possa vir a ser adjudicados o direito de crédito que reclamam do réu.


Ora, a realidade que temos é que os autores são herdeiros de uma herança indivisa que é alegadamente detentora de um crédito sobre o réu, resultante do incumprimento, por parte deste, do “contrato promessa de partilha da herança”, sendo este património comum que pode reclamar aquele pagamento e não os autores como titulares desse crédito.


Esta assunção da representação jurídica em nome e no interesse da herança é uma qualidade essencial que tem de ser inequivocamente afirmada com as inerentes consequências ao nível da causa de pedir e do pedido, sendo que esta realidade substancial nada tem a ver com meras interpretações jurídicas ou formalismos7.


Os autores, porque ainda não partilhada a herança, não podiam para si invocar o direito de crédito sobre o réu, pois este, reitera-se, é um direito da herança (que integra o seu património autonomamente) e não dos herdeiros.


Acresce que a apresentação da habilitação de herdeiros, donde constam como herdeiros os autores, tem apenas a virtualidade de reconhecer aqueles como sucessores da falecida, sua tia, não constando da mesma qualquer partilha de bens do respetivo acervo hereditário, partilha na qual tenha sido adjudicado aos autores ou a algum deles aquele direito.


Estamos, pois, perante um caso de legitimidade material, substantiva ou “ad actum”, a qual consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.


Ora, perante a conclusão de que o direito de crédito que serve de fundamento ao pedido e à ação é um direito da herança e não dos autores, impõe-se a revogação da sentença recorrida na parte em que condenou o réu, com a consequente absolvição deste do pedido, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso (art. 608º, nº 2 do CPC).


Vencidos no recurso, suportarão os autores/recorridos as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.


IV – DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou o réu, absolvendo-se este do pedido, mantendo-se no mais o decidido.


Custas em ambas as instâncias a cargo dos autores/recorrentes.


*


Évora, 8 de maio de 2025


Manuel Bargado (Relator)


Sónia Moura


Susana Cabral


(documento com assinaturas eletrónicas)

___________________________________________

1. Mantém-se a redação e numeração constante da decisão recorrida.↩︎

2. Foi o que sucedeu in casu.↩︎

3. Como bem aduz o recorrente, o alegado dano, decorrente do pagamento do imposto de selo, não é uma consequência da mora do réu, uma vez que o pagamento daquele imposto é uma obrigação fiscal que advém da aceitação pelos autores da herança de FF↩︎

4. Num caso em que estava em causa o exercício do direito de preferência, decidiu-se no Ac. do STJ de 04.10.2028, proc. 541/09.4TBCBC.G1.S1, in www.dgsi.pt, que «[a] ação de preferência com fundamento na venda de um prédio confinante com um prédio integrado em herança não partilhada, deve ser julgada improcedente se vem formulado pedido de reconhecimento do direito de propriedade daquele prédio a favor dos herdeiros e não a favor da herança. Neste mesmo sentido decidiu o Ac. do TRP de 07.11.2023, proc. 2720/22.7T8PNF.P1, no mesmo sítio.↩︎

5. Cfr., inter alia, os Acs. do TRC de 24.02.2025 e 24.09.2019, respetivamente, procs. 1530/12.7TBPBL.C1 e 348/18.8T8FND-A.C1, in www.dgsi.pt.↩︎

6. Nota 3 supra.↩︎

7. Assim, o citado Ac. do TRP de 07.11.2023.↩︎