Sumário:
I - A ideia, que se reconduz ao princípio da proporcionalidade da penhora, está enunciada no artigo 735º, nº 3, do CPC: «A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução».
II - O direito de habitação previsto no artigo 65º da CRP, diz respeito a prestações diretas ou indiretas do estado e não se impõe a outros particulares.
III - A lei de bases da habitação (Lei n.º 83/2019), nada alterou nesta matéria, pois não concedeu qualquer proteção acrescida à penhora e venda desses imóveis.
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Nos presentes autos de execução sumária, para pagamento de quantia certa, em que é exequente Banco Bic Português, S.A. e executados AA e outros, veio este último deduzir deduziu oposição à penhora dos dois bens imóveis identificados no auto de penhora de 27.09.2023.
Pede o levantamento dessas penhoras e o cancelamento dos respetivos registos, e que o Agente de Execução se abstenha de penhorar mais bens até à decisão, transitada em julgado, da procedência ou improcedência da oposição à penhora.
Alega, em suma, ser a penhora excessiva, por ofensa do princípio da proporcionalidade, e inadmissibilidade da penhora de um desses bens por constituir a sua habitação própria e permanente.
O exequente respondeu, opondo-se àquela pretensão.
Considerando que o estado dos autos reunia, sem necessidade de mais provas, nem da prática prévia de qualquer outro ato processual, todos os elementos para conhecimento da oposição, foi proferida decisão em cujo dispositivo se consignou:
«Com os fundamentos de facto e de Direito acima expostos, DECIDE-SE:
a) Julgar improcedente a presente oposição à penhora;
b) Condenar o executado/oponente nas custas do incidente; e
c) Fixar ao presente incidente o mesmo valor da execução.»
Inconformado, o executado apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«NULIDADE DA SENTENÇA por Excesso de pronúncia / INVALIDADE:
1.ª
A Sentença aqui em apreço enferma de nulidade por excesso de pronúncia,
2.ª
O Tribunal a quo proferiu Despacho, com data de 07-11-2023 e referência Citius: 94744189 (cfr. Fls. …), já transitado em julgado, mediante o qual admitiu liminarmente a oposição à penhora.
3.ª
No mencionado Despacho o Tribunal a quo determinou que “(…) é sabido que o imóvel sito na Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o nº 4136/20061222 e inscrito na matriz respetiva sob o artº 6778, penhorado em 21.9.2023, constitui a casa de morada de família do executado AA, ao abrigo do disposto no artº 733º, nº 5, ex vi do artº 785º, nº 4, ambos do C.P.C., que a venda do apontado imóvel aguarde a decisão a proferir no âmbito da presente oposição à penhora”.
Assim,
4.ª
O Tribunal a quo, ao ter de forma clara declarado que o bem penhorado que constitui a casa de morada de família do executado é o imóvel sito na Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial deLocal 1sob o nº 4136/20061222 e inscrito na matriz respetiva sob o artº 6778.
5.ª
Não podia, na Sentença objeto do presente recurso, proferir decisão contrária relativamente a tal matéria, isto é, que o prédio que constitui a habitação própria e permanente do executado/oponente é a fração autónoma designada pela letra "L", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 2 sob o número 4088/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 5423, passamos a transcrever:
6.ª
Ao fazê-lo, violou o dispõe o artigo 613 n.ºs 1 e 3 do C.P.C., porquanto proferido o Despacho, esgota-se o poder jurisdicional do juiz, sobre a matéria objeto do mesmo.
7.ª
Inquinando a Sentença com o vício de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d), pois conheceu de matéria que não podia já conhecer.
8.ª
Desde já se argui a presente nulidade, para a devida apreciação de V. Exa., estando convictos que não deixarão de a declarar como tal.
9.ª
Nestes sentido decidiu o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão proferido no Processo: 1373/21.7T8STR-A.E1 que parcialmente transcrevemos in. www.dgsi.pt: parcialmente supra transcrito;
10.ª
Subsidiariamente e, caso não seja esse o entendimento deste Venerando Tribunal, pugnamos por que, como questão prévia e de conhecimento oficioso, seja a Sentença declarada inválida, no que tange ao decidido quanto à habitação própria e permanente do executado/oponente.
11.ª
Desta forma decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão proferido no Processo: 3639/09.5TJCBR-A.C1, in. www.dgsi.pt que parcialmente supra transcrevemos.
DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO:
12.ª
Tendo em conta a prova vertida nos presentes autos, não obstante o Tribunal a quo ter decidido de mérito, sem prévia inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente, impunha-se que o Tribunal tivesse decidido de forma diferente no que respeita aos factos descritos nos artigos 3) alíneas a) e b) e 9) alíneas a), f) e g) dos factos considerados provados.
13.ª
S.m.o., impunha-se que o Tribunal a quo tivesse decidido tais factos, da forma seguinte:
3) Nos autos de execução, foram penhorados os seguintes bens:
a) Prédio urbano destinado a habitação, composta por cave, rés do chão e logradouro, sito na freguesia de ..., concelho de Local 1, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 4136/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 6778, com o valor patrimonial actual de 157.764,00 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente como bem próprio (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023) ), e que constitui a habitação própria e permanente do executado/oponente (negrito nosso).
b) Fracção autónoma designada pela letra "L", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 2 sob o número 4088/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de..., sob o artigo 5423, com o valor patrimonial actual de 4.212,25 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente e do cônjuge BB, no estado de casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023).
9) A executada CC é, também, proprietária, em parte ou em exclusivo, dos seguintes bens imóveis urbanos, sobre os quais pendem os seguintes ónus:
a) Fracção autónoma designada pela letra "B", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1375/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 4292.º, com o valor patrimonial actual de € 15.953,90: a executada apenas é proprietária de ½ do imóvel, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob a Ap. 2039 de 2023/05/30, penhora a favor da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., no valor de € 31.800,78, cfr. doc. 6 junto com a contestação.
f) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1373/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 89.º, com o valor patrimonial atual de € 1.581,78, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 2202 de 2020/12/10, no valor de € 3.080,25 registo de penhora a favor da Fazenda Nacional.
g) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 2031/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 108.º, com o valor patrimonial atual de € 5.688,60, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 1617 de 2020/02/13, penhora a favor do Novo Banco, no valor de € 38.125,22.
Porquanto,
14.ª
A prova documental e os restantes elementos apresentados nos autos não foram devidamente conjugados, resultando numa decisão que se mostra dissociada da realidade fática e jurídica.
15.ª
No que respeita aos factos considerados como provados constantes do artigo 3) alíneas a) e b):
a) Consta do Despacho datado de 07-11-2023 com referência Citius: 94744189 (cfr. Fls. …), a menção de que a casa de morada de família do recorrente é a constante do facto 3) alínea a).
b) Consta ainda que a casa de morada de família do executado é o imóvel sito na Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o nº 4136/20061222 e inscrito na matriz respetiva sob o artº 6778, ora, tal prédio é o descrito no facto considerado provado n.º 3) alínea a) e não o n.º 3 alínea b).
c) O mencionado Despacho transitou em julgado, por não ter sido alvo de qualquer recurso ou arguição de nulidades.
d) O próprio exequente faz constar, no requerimento executivo, como morada do executado\recorrente, a “Estrada 1” que corresponde ao prédio descrito no facto considerado provado n.º 3) alínea a) e não o n.º 3 alínea b), dessa forma aceitando ser esta a morada do mesmo.
e) Nunca o executado ou o exequente, em momento algum, carrearam para os autos qualquer meio de prova que demonstrasse o contrário, ou sequer alegaram um único facto que infirmasse ser o prédio descrito no facto dado como provada na Sentença n.º 3) alínea a) e não o n.º 3 alínea b), isto é Rua 1, a casa de morada de família do executado.
f) A morada constante da caderneta predial referente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1(..., sob o artigo 6778, veremos que ao mesmo corresponde a morada “Rua 1”, prédio que é a residência do exequente.
g) Ao decidir de mérito sem permitir a inquirição das testemunhas arroladas pelo executado, impediu que as mesmas corroborassem que a casa de morada de família do executado é na Rua 1, isto é, o prédio descrito no facto dado como provada na Sentença n.º 3) alínea a) e não o n.º 3 alínea b).
h) disposto no n.º 2 do artigo 412.º do C.P.C. ao estatuir que não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
i) Defendendo o S.T.J. que tal disposição legal tem aplicação quer aos factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções noutro processo, bem como no próprio processo sub judice, nestes termos transcrevemos parcialmente o Acórdão do S.T.J. de 16.03.1999, Revista 129/99-2ª Secção (in. Boletim 29, março de 1999 e Código Processo Civil Anotado),
Acórdão parcialmente supratranscrito.
j) O Tribunal a quo não podia ter decidido com decidiu, pois o facto de a casa de morada de família do executado ser na Rua 1, isto é, o prédio descrito no facto dado como provada na Sentença n.º 3) alínea a) e não o n.º 3 alínea b), é já um facto conhecido pelo Tribunal em virtude do exercício das suas funções, por tal facto constar dos autos do presente processo, nos diversos documentos supramencionados, dos quais realçamos o próprio requerimento executivo que deu início ao presente processo e foi preenchido pelo exequente.
Não obstante, salienta-se ainda que,
16.ª
A fração autónoma identificada em 3), al. b) da Sentença, não é uma habitação, mas sim uma arrecadação sita no piso menos um (cave), fazendo parte de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia da ..., concelho de Local 2, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 4088/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 5423º, como resulta da respetiva caderneta predial (fls. …).
17.ª
Arrecadação que, não tendo janelas, cozinha, casa de banho ou água canalizada, e a única iluminação que tem é a da eletricidade das partes comuns, não possuindo as condições mínimas para constituir a habitação própria de algum ser humano.
18.ª
No que respeita aos factos considerados como provados constantes do artigo 9) alíneas a), f) e g):
a) Dispõe o n.º 2 do artigo 412.º do C.P.C., não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções;
b) Dispõe o artigo 411.º que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”;
c) Impunha-se assim ao Tribunal a quo a realização de todos as diligências necessárias ao apuramento da verdade, o que s.m.o., como demonstraremos, não ocorreu;
d) É verdade que a executada apenas é proprietária de ½ do imóvel identificado na alínea a) do n.º 9 dos factos considerados provados.
e) Não é, no entanto, verdade que tal prédio se encontra onerado com penhora a favor da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., apesar da penhora inscrita pela Ap. 2039 de 2023/05/30, no valor de € 31.800,78, ainda não ter sido levantada.
f) Tal penhora foi realizada no processo executivo nº 357/23.5..., a correr termos no Tribunal Judicial de Santarém – Entroncamento – Juízo de Execução – Juiz 3, que é precisamente o mesmo Juízo que proferiu a decisão de que ora se recorre.
g) Ora, tendo em conta o disposto nos artigos 411.º e 412.º do C.P.C., impunha-se que Tribunal a quo, conhecesse sem necessidade de alegação e prova das partes, que em 26/08/2024, por decisão do Agente de Execução, a execução foi declarada extinta na sequência do pagamento da dívida exequenda.
h) Por conseguinte este Tribunal tem obrigação de conhecer os factos supra uma vez que os mesmos respeitam a processo pendente neste Juízo, como tal, são do conhecimento do Tribunal, em virtude do exercício das suas funções.
i) Não podia, o Tribunal a quo, ter deixado de conhecer que, em 23/10/2024, a exequente no processo executivo nº 357/23.5... veio aos respetivos autos informar que se encontrava ressarcida e que mantinha interesse na extinção da execução.
j) A mesma ordem de ideias se aplica aos prédios indicados em f) e g) do número 9 dos factos considerados provados;
k) As respetivas penhoras foram feitas no processo de execução nº 2308/19.2..., a correr termos no Tribunal Judicial de Santarém – Entroncamento – Juízo de Execução – Juiz 1, declarado extinto em 16/08/2023, estando a aguardar, desde então, o levantamento das penhoras.
l) A inércia no levantamento dessas penhoras não é da responsabilidade dos executados e jamais poderia justificar a penhora da habitação do Executado/Recorrente.
Em suma,
19.ª
Por estarmos perante factos notórios de notoriedade especial, ou melhor, perante factos conhecidos do Tribunal em virtude do exercício das suas funções, tais factos não carecem de alegação das partes.
20.ª
Para além do exposto, em abono do princípio do inquisitório plasmado no artigo 411.º do C.P.C., impunha-se que o Tribunal a quo tivesse realizado ou ordenado, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, sendo que para esse efeito bastaria ter consultado os processos 357/23.5... e 2308/19.2... e as respetivas apresentações.
21.ª
Se assim o tivesse feito, cairia por terra a presunção resultante do registo das penhoras.
Em suma,
22.ª
Tais factos deveriam ter sido considerados provados, nos termos supramencionados pelo ora recorrente.
E – DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO:
23.ª
A decisão agora posta em cheque violou o disposto nos artigos 411.º, 412.º, 613, 735.º, 751º, nºs 3 e 4 do C.P.C., artigos 6.º, 65.º da C.R.P. e artigo 10.º da Lei de Bases da Habitação.
Vejamos:
24.ª
Em sintonia com o que expusemos no que tange à matéria de facto, reiteramos que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 411.º e 412.º do CPC.
Porquanto,
25.ª
Ao considerar como provados os factos descritos nos artigos 3) alíneas a) e b) e
9) alíneas a), f) e g) dos factos considerados como provados, bem como ao não realizar ou ordenar qualquer diligência com vista ao apuramento da verdade, violou o princípio do inquisitório, plasmado no artigo 411.º do C.P.C. e desvalorizou integralmente factos de que tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções violando assim o disposto no artigo 412.º do C.P.C..
26.ª
Estamos certos que com relativa facilidade, o Tribunal a quo, alcançaria a verdade material, mediante análise dos factos que se seguem, dos quais tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções:
d) Análise dos diversos documentos constantes dos presentes autos, quanto aos prédios descrito no artigo 3) alíneas a) e b) já supramencionados no capítulo “D – Do recurso da matéria de facto” para o qual remetemos, por uma questão de salvaguarda dos princípios da celeridade e economia processual;
e) No que respeita aos prédio descrito no artigo 9) alínea a) dos factos provados, análise do processo executivo nº 357/23.5... a correr termos neste mesmo Juízo, onde ficou provado ter sido efetuado o pagamento do crédito que originou a respetiva penhora e no qual, a respetiva exequente veio informar que já se encontrava ressarcida do montante objeto da execução e que mantinha o interesse na extinção da mesma, tendo o próprio Ministério Público requerido a "extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”;
f) Quanto aos prédios descritos no artigo 9) alíneas f) e g) dos factos considerados provados análise do processo de execução nº 2308/19.2..., que correu termos no Juiz 1 deste mesmo Tribunal, processo que foi declarado extinto em 16/08/2023.
g) A inércia no levantamento dessas penhoras não é da responsabilidade dos executados e jamais poderia justificar a penhora da habitação do Executado/Recorrente.
27.ª
Reforçamos aqui a posição constante Acórdão do S.T.J. de 16.03.1999, Revista 129/99 -2ª Secção (in. Boletim 29, março de 1999 e Código Processo Civil Anotado) que acolhe a posição de que tal disposição legal tem aplicação quer aos factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções noutro processo, bem como no próprio processo sub judice, nestes termos transcrevemos parcialmente o Acórdão do S.T.J. de 16.03.1999, Revista 129/99 -2ª Secção (in. Boletim 29, março de 1999 e Código Processo Civil Anotado), já parcialmente supratranscrito.
28.ª
A este propósito já supra transcrevemos parcialmente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 549/19.1...-A.P1 in. www.dgsi.pt, no qual é feita uma análise atenda, das disposições legais aqui em apreço.
29.ª
Impunha-se ao Tribunal a quo uma posição mais interventiva no processo dirigida à obtenção da verdade material, dito de outra forma, impunha-se-lhe a realização direta ou indiretamente, mesmo oficiosamente e sem restrições, de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos supramencionados, dos quais lhe é imposto conhecer.
30.ª
A Sentença em cheque, violou ainda o disposto no artigo 735.º, 751º, nºs 3 e 4 do C.P.C., bem como os artigos 6.º e 65.º da C.R.P. e artigo 10.º da Lei de Bases da Habitação.
31.ª
A presente penhora é excessiva, desproporcionada e incide, entre outros prédios, sobre o prédio que constitui a casa de morada de família do ora recorrente.
32.ª
Dito isto, lembremos que nos presentes autos, foram penhorados bens, do ora recorrente, cujo valor indicado pelo Agente de Execução ascende a € 161.976,25 (cento e sessenta e um mil, novecentos e setenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos).
Ora,
33.ª
O valor de mercado dos prédios em Portugal, mormente na cidade de Local 1 têm sofrido um aumento exponencial, valor este que é muito superior ao valor patrimonial.
34.ª
O conjunto dos prédios penhorados, tem um valor manifestamente superior (quase três vezes mais) ao valor da quantia exequenda indicada e atribuída pelo Agente de Execução nomeado nos presentes autos, mesmo que acrescida de juros e custas prováveis.
35.ª
Pelo que foi violado o disposto no artigo 735º, do C.P.C., que fixa o limite da penhora aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução.
36.ª
Ora, mesmo admitindo como consta da fundamentação de Direito da Sentença, que o legislador não foi indiferente ao tempo por que o referido crédito se mantém insatisfeito admitindo a possibilidade da penhora de bens, mesmo que se revele em excesso, não podemos aceitar que com base em tal disposição legal se fundamente que no conjunto dos bens objeto destas penhoras faça parte a habitação própria permanente do executado, consubstanciado tal prática a violação das disposições legais supramencionadas mormente do artigo 751º, nº 3.
37.º
O valor venal dos prédios propriedade da executada, CC, é muito superior ao valor patrimonial tributário dos mesmos.
38.ª
A atestar o que acabamos de expor tenhamos por comparação a venda efetuada, em leilão eletrónico, do prédio rústico, descrito sob o artigo 138º, por €11.900, apesar de seu valor patrimonial ser de apenas €909,78, ou seja foi vendido por um preço mais de 13 vezes superior ao respetivo valor patrimonial.
39.ª
Sendo assim, razoável concluir que a venda de tais prédios, permitirá proceder à satisfação da totalidade dos créditos reclamados pelo executado, bem como as restantes despesas do agente de execução e restantes custas relativas ao processo.
40.ª
Veja-se que o exequente já vendeu um dos bens dos executados, em prazo razoável, o que indicia que o valor que a ser alcançado na venda dos demais imóveis penhorados à executada CC será muito superior ao respetivo valor patrimonial, sendo vendidos em condições semelhantes.
41.ª
Saliente-se ainda, que se entendíamos não serem os presentes autos subsumíveis no disposto no artigo 751º, nº 4, al. b) do Cód. Proc. Civil, reforçada se encontra agora tal posição, porquanto, os prédios descritos nas alíneas a), f) e g) do artigo 9) dos factos provados, carecem apenas do respetivo levantamento da penhora, cujo crédito se encontra pago, para serem vendidos, o que s.m.o, será alcançável em prazo inferior a 12 meses.
42.ª
Ao decidir como decidiu, indeferindo a oposição à penhora o Tribunal a quo, não só violou as disposições legais supramencionadas, como infringiu o direito fundamental à habitação, protegido pela CRP no seu artigo 65.º e pelo artigo 10.º da Lei de Bases da Habitação, ao privilegiar a penhora da habitação própria e permanente do executado, sem considerar a viabilidade da alienação de outros bens capazes de provocar menor lesão aos direitos considerados como direitos fundamentais pela C.R.P..
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência:
1. Declarar-se a nulidade ou, subsidiariamente, a invalidade da Sentença em apreço, na parte em que conhece os artigos Facto 3) alíneas a) e b) da matéria considerada provada, factos que não podia conhecer;
2. Ser alterada a matéria de facto considerada provada no que respeita aos factos descritos nos artigos 3) alíneas a) e b) e 9) alíneas a), f) e g) dos factos considerados provados, nos termos seguintes:
3) Nos autos de execução, foram penhorados os seguintes bens:
(…)
a) Prédio urbano destinado a habitação, composta por cave, rés do chão e logradouro, sito na freguesia de ..., concelho de Local 1, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 4136/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1 ..., sob o artigo 6778, com o valor patrimonial actual de 157.764,00 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente como bem próprio (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023) ), e que constitui a habitação própria e permanente do executado/oponente (negrito nosso).
b) Fracção autónoma designada pela letra "L", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 2 sob o número 4088/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 5423, com o valor patrimonial actual de 4.212,25 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente e do cônjuge BB, no estado de casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023).
9) A executada CC é, também, proprietária, em parte ou em exclusivo, dos seguintes bens imóveis urbanos, sobre os quais pendem os seguintes ónus:
a) Fracção autónoma designada pela letra "B", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1375/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1 ... sob o artigo 4292.º, com o valor patrimonial actual de € 15.953,90: a executada apenas é proprietária de ½ do imóvel, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob a Ap. 2039 de 2023/05/30, penhora a favor da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., no valor de € 31.800,78, cfr. doc. 6 junto com a contestação.
f) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1373/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 89.º, com o valor patrimonial atual de € 1.581,78, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 2202 de 2020/12/10, no valor de € 3.080,25 registo de penhora a favor da Fazenda Nacional.
g) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 2031/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 108.º, com o valor patrimonial atual de € 5.688,60, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 1617 de 2020/02/13, penhora a favor do Novo Banco, no valor de € 38.125,22.
3. Ser declarado que a Sentença agora posta em cheque violou o disposto nos artigos 411.º, 412.º, 613, 735.º, 751º, nºs 3 e 4 do C.P.C., artigos 6.º, 65.º da C.R.P. e artigo 10.º da Lei de Bases da Habitação.
4. Revogar-se a sentença recorrida e consequentemente reenviá-la para que seja proferida nova decisão desprovida dos vícios que a inquinam;
5. Com todas as demais consequências legais».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:
- nulidade da decisão recorrida;
- impugnação da matéria de facto;
- violação do princípio da proporcionalidade e impenhorabilidade de um dos imóveis por ser a habitação própria do executado.
III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos1:
1) O exequente Banco BIC Português, S.A. instaurou acção executiva em 29-03-2021, contra os executados Rosa & Ferreira, Lda., CC e AA, pedindo o pagamento das quantias de 61.571,55 Euros, a título de capital, 34,21 Euros, a título de juros, 1,37 Euros, a título de imposto de selo, tudo no valor total de 61.607,13 Euros contabilizado à data de 29-03-2021, acrescido de juros e os impostos legais até integral e efectivo pagamento (cfr. requerimento executivo inicial).
2) Em 20-04-2021, o exequente requereu a cumulação de execuções, admitida por despacho de 22-10-2024, para cobrança de mais 3.800 Euros, a título de capital, 95,42 Euros, a título de juros, 3,82 Euros, a título de imposto de selo, tudo no valor total de 3.899,24 Euros, contabilizado à data de 16-04-2021, acrescido de juros e impostos legais até integral e efectivo pagamento (cfr. requerimento executivo de 20-04-2021).
3) Nos autos de execução, foram penhorados os seguintes bens:
a) Prédio urbano destinado a habitação, composta por cave, rés do chão e logradouro, sito na freguesia de ..., concelho de Local 1, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 4136/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1 ..., sob o artigo 6778, com o valor patrimonial actual de 157.764,00 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente como bem próprio (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023).
b) Fracção autónoma designada pela letra "L", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 2 sob o número 4088/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 5423, com o valor patrimonial actual de 4.212,25 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente e do cônjuge BB, no estado de casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023), e que constitui a habitação própria e permanente do executado/oponente.
c) Prédio rústico, composto por terra de vinha, oliveiras, cultura arvense, figueiras e amendoeira, com a área de 2.800 m2, sito na freguesia de ..., descrito na competente conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 1060 / ... e inscrito na Matriz predial rústica sob o Artigo 138º secção N, com o valor patrimonial de 409,81 euros, com última aquisição registada a favor da executada CC, no estado de casada com DD no regime da comunhão de adquiridos (cfr. auto de penhora de 21-05-2021).
d) 1/3 da pensão que a executada CC aufere pelo Centro Nacional de Pensões, no valor ilíquido de 1.810,25 Euros, a iniciar em data não concretamente apurada, mas posterior ao término de penhoras anteriores em curso (cfr. auto de penhora de 05-06-2024).
4) Sobre os referidos bens imóveis encontram-se registados, com data anterior às penhoras referidas em 3), os seguintes ónus:
a) sobre o bem referido em 3), al. a), duas hipotecas a favor do Barclays Bank, PLC, registadas sob a Ap. 965 de 2010/06/21, para garantia do montante de capital de 380.000 Euros, e Ap. 966 de 2010/06/21, para garantia do montante de capital de 7.536,16 Euros (cfr. certidão do registo predial respectiva junta aos autos de execução).
b) sobre o bem referido em 3), al. b), uma penhora a favor do Novo Banco S.A., registada sob a Ap. 9098 de 2021/01/15, para garantia do montante de 33.868,77 Euros (cfr. certidão do registo predial respectiva junta aos autos de execução).
c) sobre o bem referido em 3), al. c), uma hipoteca sob a AP. 1186 de 2021/04/16, a favor do Banco Bic Português, S.A., para garantia do montante máximo de 85.800 Euros (cfr. certidão do registo predial respectiva junta aos autos de execução).
5) O bem referido em 3), al. c) foi objecto de venda nos autos de execução, por negociação particular, pelo preço de 11.900 Euros, em 27-06-2023 (cfr. comprovativos de 29-06-2023 e 11-09-2023, juntos aos autos de execução).
6) Por decisão do(a)/ao(à) senhor(a) Agente de Execução de 23-11-2023, a penhora efectuada sobre a fracção autónoma identificada em 3), al. b), foi sustada em virtude da existência de penhora registada anteriormente (cfr. decisão de 23-11-2023 proferida nos autos de execução).
7) Sobre o prédio identificado em 3), al. a), foram reclamados créditos no valor total de 268.111,48 Euros, pelo Banco Bankinter, S.A., garantidos por hipotecas e que, por sentença proferida em 22-10-2024, proferida no apenso B, foram reconhecidos e graduados para serem pagos, pelo produto da venda desse mesmo bem, com preferência sobre o crédito exequendo (cfr. sentença proferida no apenso B).
8) A executada CC está inscrita como proprietária de três veículos automóveis, com as matrículas EJ-..-.., ..-JI-.. e ..-EN-.., sendo que sobre os dois últimos estão registadas duas penhoras a favor do Novo Banco, S.A. e o primeiro é um Renault Ligeiro, com ano de matrícula em Portugal de 1984 e sendo o último ano de pagamento de IUC 2008 (cfr. comprovativos juntos aos autos de execução em 21-06-2021).
9) A executada CC é, também, proprietária, em parte ou em exclusivo, dos seguintes bens imóveis urbanos, sobre os quais pendem os seguintes ónus:
a) Fracção autónoma designada pela letra "B", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1375/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1..., sob o artigo 4292.º, com o valor patrimonial actual de € 15.953,90: a executada apenas é proprietária de ½ do imóvel, encontrando-se onerado com penhora a favor da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., registada sob a Ap. 2039 de 2023/05/30, no valor de € 31.800,78, cfr. doc. 6 junto com a contestação.
b) Fracção autónoma designada pela letra "CJ", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1709/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1 ..., sob o artigo 4357.º, com o valor patrimonial actual de € 740,95, cfr. doc. 7 junto à contestação.
c) Fracção autónoma designada pela letra "AR", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1678/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1 ... sob o artigo 5108.º, com o valor patrimonial actual de € 59.063,36: a Executada apenas é proprietária de ½ do imóvel, encontrando-se onerada com penhora a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., registada sob a Ap. 22 de 2020/03/18, no valor de € 56.007,55, cfr. doc. 8 junto à contestação.
d) Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 3923/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Madalena e Beselga, sob o artigo 2226.º, com o valor patrimonial actual de € 562.868,25: a Executada doou o imóvel (AP. 576 de 2018/11/21) e apenas ficou com o Direito de Uso e Habitação, cfr. doc. 9 junto com a contestação.
e) Prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 4625/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 51.º e sob o artigo matricial rústico 104.º, com o valor patrimonial actual de € 15.716,42: ambos os Executados constam como proprietários do imóvel, sendo que o mesmo tem registada uma penhora a favor do Novo Banco, AP. 1642 de 2020/03/20, no valor de 38.125,22, cfr. doc. 10 junto à contestação.
f) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1373/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 89.º, com o valor patrimonial atual de € 1.581,78: registo de penhora a favor da Fazenda Nacional, AP. 2202 de 2020/12/10, no valor de € 3.080,25, cfr. doc. 11 junto à contestação.
g) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 2031/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 108.º, com o valor patrimonial atual de € 5.688,60: registo de penhora a favor do Novo Banco, AP. 1617 de 2020/02/13, no valor de € 38.125,22, cfr. doc. 12 junto com a contestação.
h) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 2323/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 113.º, com o valor patrimonial atual de € 178,38: atento o valor patrimonial do imóvel ser bastante reduzido face ao montante em dívida, o Exequente não indicou à penhora tal bem, cfr. doc. 13 junto com a contestação.
i) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1587/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 129.º, com o valor patrimonial actual de € 238,11: registo de penhora a favor da Fazenda Nacional, AP. 58 de 2019/12/10, no valor de € 4.474,81, cfr. doc. 14 junto com a contestação.
Da nulidade da decisão
Segundo o recorrente, a decisão recorrida enferma de nulidade de excesso de pronúncia ou pronúncia indevida, atento o teor do despacho que admitiu liminarmente a oposição à penhora, proferido em 07.11.2023 (ref.ª Citius 94744189) e transitado em julgado.
Lê-se neste despacho:
«Não há lugar à suspensão da execução por não se verificar qualquer das hipóteses a que se alude no nº 3 do artº 785º do C.P.C..
Em todo o caso, porquanto é sabido que o imóvel sito na Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o nº 4136/20061222 e inscrito na matriz respetiva sob o artº 6778, penhorado em 21.9.2023, constitui a casa de morada de família do executado AA, determino, ao abrigo do disposto no artº 733º, nº 5, ex vi do artº 785º, nº 4, ambos do C.P.C., que a venda do apontado imóvel aguarde a decisão a proferir no âmbito da presente oposição à penhora.»
Diz a recorrente que ao ter de forma clara declarado que o bem penhorado que constitui a casa de morada de família do executado é o imóvel sito na Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial deLocal 1 sob o nº 4136/20061222 e inscrito na matriz respetiva sob o artº 6778, não podia na sentença recorrida proferir decisão contrária relativamente a tal matéria, pelo que ao fazê-lo, violou o disposto no artigo 613 n.ºs 1 e 3 do C.P.C., porquanto proferido o referido despacho se esgotou o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria objeto do mesmo.
Vejamos, pois, se a decisão recorrida enferma da invocada nulidade.
Tem-se entendido de forma pacífica que o despacho liminar de admissão ou rejeição de embargos ou oposição à penhora, não constitui caso julgado sobre os pressupostos da respetiva admissibilidade quando estes pressupostos não são expressamente apreciados e conhecidos em tal despacho.
O artigo 620º do CPC refere que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (nº 1), excluindo-se os despachos previstos no artigo 630.º (nº 2). Esta força dentro do processo traduz em termos práticos o esgotamento do poder jurisdicional do juiz.
Ora, tal esgotamento apenas se verifica quando o julgador efetivamente aprecia a questão, no caso os pressupostos da admissibilidade da oposição à penhora. O despacho em causa foi proferido ao abrigo do artigo 856º do CPC, não contendo em si uma apreciação sobre a questão, mas como do mesmo decorre com alguma clareza, a alusão à casa de morada de família serviu apenas para justificar a suspensão da execução quanto ao imóvel aí identificado, em conformidade, aliás, com o disposto no nº 4 do art. 856º do CPC, segundo o qual quando não se cumule com os embargos de executado, é aplicável ao incidente de oposição à penhora o disposto nos n.ºs 2 a 6 do art. 785º do CPC.
O despacho limitou-se a assegurar na fase inicial e em sede liminar, o prosseguimento do incidente de oposição à penhora, prosseguindo-se para a audição da parte contrária (exequente), não se apreciando em concreto a questão da casa de morada de família.
Ao permitir-se a tramitação do processo para uma fase ulterior, o juiz apenas diferiu, para momento ulterior e já à luz do contraditório que viesse a ser estabelecido, a apreciação de qualquer questão de que pudesse depender a admissibilidade, procedência ou improcedência do incidente, designadamente a matéria respeitante à casa de morada de família do executado2.
Se na decisão recorrida se veio a considerar que a casa de família não era aquela a que se aludiu no despacho liminar, poderá, quanto muito, ter-se cometido um erro de julgamento de facto, que não se confunde com a nulidade da sentença por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento e muito menos se trata de uma decisão inválida.
Em suma, a decisão recorrida não enferma da nulidade invocada.
Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, os quais, como se diz na decisão recorrida, são os «documentos juntos pelas partes a estes autos, ou juntos aos autos principais de execução ou ao apenso B, acima melhor identificados».
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que o recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados e referiu a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida3.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Infere-se das alegações/conclusões do recorrente, que este discorda da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos pontos 3), alíneas a) e b) e 9), alíneas a), f) e g) do elenco dos factos provados.
Segundo o recorrente, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse decidido tais factos da seguinte forma:
«3) Nos autos de execução, foram penhorados os seguintes bens:
a) Prédio urbano destinado a habitação, composta por cave, rés do chão e logradouro, sito na freguesia de ..., concelho de Local 1, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 4136/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1..., sob o artigo 6778, com o valor patrimonial actual de 157.764,00 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente como bem próprio (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023) ), e que constitui a habitação própria e permanente do executado/oponente (…).
b) Fracção autónoma designada pela letra "L", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 2 sob o número 4088/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 5423, com o valor patrimonial actual de 4.212,25 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente e do cônjuge BB, no estado de casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos (cfr. auto de penhora de 27-09-2023, junto aos autos em 28-09-2023).
9) A executada CC é, também, proprietária, em parte ou em exclusivo, dos seguintes bens imóveis urbanos, sobre os quais pendem os seguintes ónus:
a) Fracção autónoma designada pela letra "B", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1375/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1 ..., sob o artigo 4292.º, com o valor patrimonial actual de € 15.953,90: a executada apenas é proprietária de ½ do imóvel, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob a Ap. 2039 de 2023/05/30, penhora a favor da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., no valor de € 31.800,78, cfr. doc. 6 junto com a contestação.
f) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1373/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 89.º, com o valor patrimonial atual de € 1.581,78, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 2202 de 2020/12/10, no valor de € 3.080,25 registo de penhora a favor da Fazenda Nacional.
g) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial deLocal 1 sob o número 2031/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 108.º, com o valor patrimonial atual de € 5.688,60, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 1617 de 2020/02/13, penhora a favor do Novo Banco, no valor de € 38.125,22»4.
Começando a nossa análise pelo ponto 3, al. a), verificamos que a discordância do recorrente tem apenas a ver com a circunstância de não se ter dado como provado que o prédio urbano aí identificado, “constitui a habitação própria e permanente do executado/oponente”.
E quanto à alínea b) daquele mesmo ponto 3, a discordância circunscreve-se precisamente à situação inversa da alínea a), ou seja, por aí se ter consignado que o prédio urbano ali referido, «constitui a habitação própria e permanente do executado/oponente.»
Segundo o recorrente, suportam este seu entendimento o facto de logo no despacho liminar se fazer menção de que a casa de morada de família do recorrente é a constante do facto 3) alínea a), o próprio exequente ter feito constar do requerimento executivo como morada do executado a “Estrada 1”, que corresponde precisamente ao prédio descrito no referido ponto 3-a), sendo que nunca o executado ou o exequente, em momento algum, carrearam para os autos qualquer meio de prova que demonstrasse o contrário, ou sequer alegaram um único facto que demonstrasse não ser o prédio descrito naquele ponto da matéria de facto, a casa de morada de família do executado.
Acrescenta ainda o recorrente que a morada constante da caderneta predial referente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1..., sob o artigo 6778, corresponde à morada “Rua 1”, sendo esse prédio a residência do exequente.
E tem razão o recorrente, a qual lhe advém do facto da prova documental junta aos autos5 – aqui e na execução – não deixar margem para dúvidas que o prédio descrito no ponto 3-a) dos factos provados constitui a habitação do recorrente, o que é, aliás, aceite pelo exequente, que assim o diz no requerimento executivo.
Acresce que, a fração autónoma identificada em 3)-b) não é uma habitação, mas uma arrecadação sita no piso menos um (cave), fazendo parte de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia da ..., concelho de Local 2, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 4088/... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., sob o artigo 5423º, como resulta da respetiva caderneta predial.
Ora, uma arrecadação tem como principal característica uma função de depósito ou armazenamento, pelo que não é minimamente concebível que possa constituir a habitação própria de alguém, assistindo assim razão ao recorrente quanto à pretendida alteração das alíneas a) e b) do ponto 3 dos factos provados, que passam a ter a redação proposta pelo recorrente e acima transcrita.
Vejamos agora a pretendida alteração do ponto 9, alíneas a), f) e g).
Diz o recorrente que sendo certo ser a executada apenas proprietária de ½ do imóvel identificado no ponto 9-a), já não é verdade que tal prédio se encontre onerado com penhora a favor de “Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.”, apesar da penhora inscrita pela Ap. 2039 de 2023/05/30, no valor de € 31.800,78, ainda não ter sido levantada.
Segundo o recorrente, tal penhora foi realizada no processo executivo nº 357/23.5..., a correr termos no Tribunal Judicial de Santarém – Entroncamento – Juízo de Execução – Juiz 3, que é precisamente o mesmo Juízo onde foi proferida a decisão ora recorrida.
Defende assim o recorrente, que tendo em conta o disposto nos arts. 411.º e 412.º do CPC, impunha-se que Tribunal a quo, conhecesse sem necessidade de alegação e prova, que em 26.08.2024, por decisão do Agente de Execução, a execução foi declarada extinta na sequência do pagamento da dívida exequenda, acrescentando que também não podia o Tribunal ter deixado de conhecer que, em 23.10.2024, no processo executivo nº 357/23.5... veio a exequente informar que se encontrava ressarcida e que mantinha interesse na extinção da execução.
Segundo o recorrente, a mesma ordem de ideias se aplica aos prédios indicados em f) e g) do ponto 9 dos factos provados, uma vez que no processo de execução nº 2308/19.2..., do Tribunal Judicial de Santarém – Entroncamento – Juízo de Execução – Juiz 1, onde foram feitas as penhoras referidas em tais alíneas, foi declarada extinta a execução em 16.08.2023, estando a aguardar, desde então, o levantamento das penhoras.
Ora, tratando-se de factualidade relevante para a decisão do incidente de oposição à penhora, podia o tribunal a quo, ao abrigo do princípio do inquisitório (art. 411º do CPC), ter feito uma consulta dos referidos processos executivos, confirmando se os imóveis em causa se encontram ou não penhorados, mas para tal era necessário que tal tivesse sido alegado pelo executado/recorrente na petição do incidente de oposição à penhora, o que não fez. E no que tange aos factos que o juiz conheça em virtude do exercício das suas funções (art. 412º do CPC), não basta dizer que correm no mesmo Tribunal os referidos processos de execução, até porque dois desses processos correm termos num juiz diferente.
Seja como for, este Tribunal da Relação solicitou oficiosamente o acompanhamento dos aludidos processos executivos no Citius, estando assim na posse de todos os elementos necessários a decidir a impugnação da matéria de facto referente ao ponto 9, alíneas a), f) e g), dos factos provados.
Assim, quanto à alínea a), resulta da consulta efetuada ao processo de execução nº 357/23.5... o seguinte:
- No dia 23.10.2024, a exequente apresentou o seguinte requerimento nos autos: «Garval - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., Exequente nos autos supra identificados em que são Executados Ferreiras & Abrantes, Lda. e Outros notificada do requerimento apresentado pela Fazenda Nacional a informar que se encontra ressarcida, informa que mantém o interesse na extinção da execução nos termos do art. 806º CPC de acordo com o requerimento oportunamente junto aos autos outorgado por Exequente e Executado».
- Em 13.11.2024 foi proferido o seguinte despacho: «Face aos requerimentos que antecedem, deverá a execução prosseguir, desta feita com o Senhor Agente de Execução já anteriormente indicado e não com o Senhor Oficial de Justiça e para ressarcimento do crédito do exequente, estando o crédito das Finanças já pago».
- Em 28.11.2024, veio a agente de execução dizer o seguinte: «(…), notificada do despacho que antecede no qual V.Exa. ordena a prossecução da execução, vem mui respeitosamente informar que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não é essa a vontade expressa pela Exequente, que no s/ requerimento datado de 23.10.2024 com a ref.ª 50244396 indica "(...) que mantém o interesse na extinção da execução nos termos do art. 806º CPC».
- Em 18.02.2025 foi proferido o seguinte despacho: «Notifique o Senhor Agente de Execução para que proceda à extinção da execução, nos moldes requeridos no requerimento que antecede».
Daqui resulta, pois, que à data da prolação da decisão recorrida (04.11.2024), já a exequente havia requerido na execução a extinção da execução, o que faria desde logo supor, como se veio a verificar, a sua extinção, desconhecendo-se a razão por que ainda não foi aí levantada a penhora, pelo que alínea a) do ponto 9 dos factos provados passa a ter a redação sugerida pelo recorrente: «Fracção autónoma designada pela letra "B", descrita na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1375/... e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de Local 1 ..., sob o artigo 4292.º, com o valor patrimonial actual de € 15.953,90: a executada apenas é proprietária de ½ do imóvel, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob a Ap. 2039 de 2023/05/30, penhora a favor da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., no valor de € 31.800,78, cfr. doc. 6 junto com a contestação».
Quanto às alíneas f) e g) do ponto 9, após consulta do processo de execução nº 2308/19.2..., constata-se que no dia 16.08.2023 o agente de execução proferiu a seguinte decisão:
«Extingue-se a presente execução tendo em consideração que:
Nos presentes autos de execução comum, veio o exequente comunicar que o executado procedeu ao pagamento da quantia de 14550,12 euros, aceitando reduzir o valor em dívida para o montante mencionado, tendo em consideração os montantes em dívida a 24 de julho de 2023.
Mostram-se liquidados os honorários e despesas da Agente de Execução
Pelo que decide-se proceder à extinção com base no pagamento da quantia exequenda, custas de parte e legais acréscimos, nos termos do nº5 do artigo 846º e alínea f), do nº1 do artigo 849 ambos do CPC.»
Extinta a execução não pode subsistir a penhora sobre os imóveis aí penhorados, desconhecendo-se a razão porque não foi ainda ordenado o seu levantamento, o que não é imputável ao executado/recorrente e também não o pode prejudicar.
Assim, as alíneas f) e g) do ponto 9 dos factos provados passam a ter a redação sugerida pelo recorrente:
«f) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 1373/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 89.º, com o valor patrimonial atual de € 1.581,78, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 2202 de 2020/12/10, no valor de € 3.080,25 registo de penhora a favor da Fazenda Nacional.
g) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o número 2031/... e inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ..., sob o artigo 108.º, com o valor patrimonial atual de € 5.688,60, sem qualquer ónus, apesar de se encontrar registada sob AP. 1617 de 2020/02/13, penhora a favor do Novo Banco, no valor de € 38.125,22».
Da excessividade da penhora
Uma vez alterada a decisão de facto nos termos anteriormente referidos, a questão concreta que importa agora resolver é a de saber se se mostra excessiva a penhora dos dois imóveis penhorados nos autos, melhor identificados no ponto 3, alíneas a) e b) dos factos provados.
A resolução deste problema convoca ao exame, ainda que breve, de um dos princípios estruturantes da penhora - o princípio da proporcionalidade6.
Escreveu-se no Acórdão desta Relação de 31.01.20197:
«A ideia, que se reconduz ao princípio da proporcionalidade da penhora, está enunciada no art. 735º, nº 3, do CPC: «[a] penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução».
Este princípio tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (cfr. art. 62º da CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações jurídicas ativas privadas.
Na jurisprudência, tem-se defendido que a “natureza gravosa” da penhora limita-se àquilo que seja necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas[4].
Havendo, porém, lugar à intervenção dos credores do executado, embora só daqueles que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados ou do exequente que tenha obtido uma segunda penhora sobre esses bens numa outra execução, a suficiência – rectior, a proporcionalidade - da penhora para a satisfação da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução deve, evidentemente, ser aferida tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes (arts. 751º, nº 4, alíneas a) e b), 786º, nº 1, alínea b), 788º, nºs 1 e 5 e 794º, nº 1, do CPC)[5].
O princípio da proporcionalidade não se projeta, exclusivamente, na constituição da garantia patrimonial, isto é, na efetivação da penhora. Ele vale, igualmente, para o momento da satisfação dos créditos, designadamente através da venda executiva.
Com efeito, é o princípio da proporcionalidade que justifica que, no processo executivo, não devam ser vendidos mais bens dos que os estritamente necessários para proceder à liquidação das despesas da execução, da dívida do executado e dos credores com garantia real sobre os bens já vendidos – princípio da instrumentalidade da venda (art. 813º, nº 1, do CPC). A mesma razão justifica que, tendo havido fracionamento do prédio penhorado, o executado possa requerer que a venda se inicie por alguns dos prédios resultantes da divisão, cujo valor seja suficiente para o pagamento (art. 813º, nº 3, do CPC).»
Revertendo ao caso concreto há que assinalar, desde logo, que os recorrentes não impugnaram o montante da quantia exequenda, o qual ascende a € 61.571,55.
O imóvel penhorado e descrito na al. a) do ponto 3 dos factos provados, que constitui a casa de habitação do executado/recorrente, tem um valor patrimonial atual de € 157.764,00, e está registado a favor daquele como bem próprio.
Sobre este bem existem duas hipotecas a favor do Barclays Bank, PLC, para garantia do montante de capital de € 380.000 Euros, e para garantia do montante de capital de € 7.536,16 Euros.
Por sua vez, o imóvel penhorado e descrito na al. b) do ponto 3 dos factos provados tem um valor patrimonial atual de € 4.212,25 Euros, com última aquisição registada a favor do executado/oponente e do cônjuge BB, no estado de casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos.
Sobre este imóvel existe uma penhora a favor do Novo Banco S.A., para garantia do montante de € 33.868,77 Euros.
Por outro lado, também não se vê como os imóveis referidos no ponto 9, alíneas a), f) e g) dos factos provados, pertencentes à executada CC, possam garantir o crédito exequendo e as despesas prováveis da execução, mesmo que as penhoras efetuadas não devam subsistir por força da extinção das respetivas execuções.
Na verdade, o imóvel referido na alínea a) tem um valor patrimonial atual de € 15.953,90, sendo que a executada CC apenas é proprietária de ½ do imóvel. O imóvel referido na alínea f) tem um valor patrimonial atual de € 1.581,78, e o imóvel da alínea g) tem um valor patrimonial atual de € 5.688,60.
Estes bens não podem, evidentemente, “substituir” os imóveis já penhorados nos autos, pois como mostra a simples observação do quotidiano judiciário, a venda executiva é, em regra, realizada por um preço muito aquém do valor real dos bens, o que reforça o entendimento que cada um dos últimos imóveis, considerado individualmente, jamais seria suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda.
Por último, falece o argumento do executado, no sentido da inadmissibilidade da penhora da fração autónoma identificada no ponto 3, al. a) dos factos provados, por constituir a sua habitação própria e permanente, já que o disposto no artigo 751º, nº 4, al. b) do CPC a admite, mesmo que pecando por excesso.
Nem se diga, como o recorrente, que a decisão recorrida «infringiu o direito fundamental à habitação, protegido pela CRP no seu artigo 65.º e pelo artigo 10.º da Lei de Bases da Habitação, ao privilegiar a penhora da habitação própria e permanente do executado, sem considerar a viabilidade da alienação de outros bens capazes de provocar menor lesão aos direitos considerados como direitos fundamentais pela C.R.P.»
O direito de habitação previsto no artigo 65º da CRP diz respeito a prestações diretas ou indiretas do estado, não se impondo a outros particulares, sendo que a lei de bases da habitação (Lei n.º 83/2019), nada alterou nesta matéria, pois não concedeu qualquer proteção acrescida à penhora e venda desses imóveis8:
Improcedem, assim, as conclusões em sentido contrário do recorrente, sendo de manter a decisão recorrida.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Évora, 8 de maio de 2025
Manuel Bargado (Relator)
Filipe Aveiro Marques
António Fernando Marques da Silva
(documento com assinaturas eletrónicas)
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1. Mantém-se a redação e numeração constante da decisão recorrida.↩︎
2. Neste sentido, em casos de oposição à execução, o Ac. da RP de 11.04.2019, proc. 900/05.1TBESP-C.P1 e o Ac. da RG de 19.11.2019, proc. 1336/15.1T8VRL-C.G1, in www.dgsi.pt.↩︎
3. Não assentando a matéria de facto em prova testemunhal, não tinha evidentemente o recorrente de indicar quaisquer passagens de gravação ou proceder à sua transcrição.↩︎
4. Destaques nossos.↩︎
5. Cfr. caderneta predial junta com o requerimento de oposição à penhora e as certidões permanentes do registo predial online, anexas ao auto de penhora de 27.09.2023.↩︎
6. Também denominado princípio da adequação da penhora. Assim, Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, 2003, p. 341 e Acórdão da Relação de Évora, de 24.05.2007, proc. 732/07.3, in www.dgsi.pt.↩︎
7. Proc. 2246/15.8T8LLE-A.E1 (acórdão relatado pelo aqui relator).↩︎
8. Cfr. Ac. da RP de 29.04.2021, proc. 25742/19.3T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt.↩︎