Sumário:
I. No processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais a determinação do quantum da prestação alimentícia deve assentar em factos provados que concretizem as necessidades dos alimentandos, para além, naturalmente, dos factos relativos aos restantes critérios ou pressupostos estabelecidos no artigo 2004.º do CC.
II. Tratando-se de processo de jurisdição voluntária no qual vigora o princípio do inquisitório o Tribunal pode e deve investigar livremente os factos, não estando limitado ao alegado ou articulado pelos progenitores, pelas crianças/jovens ou pelo Ministério Público.
III. A ausência absoluta na Sentença de factos relativos às necessidades dos alimentandos afetam-na com o vício da falta de fundamentação de facto (artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC), porquanto impossibilitam o escrutínio das razões pelas quais conduziram o julgador a fixar o quantum alimentício.
IV. A nulidade da sentença por falta de fundamentação é suscetível de ser conhecida oficiosamente.
V. Não tendo o tribunal de recurso acesso a todos os elementos necessários ao suprimento da referida nulidade e impondo-se, ainda, o respeito pelo duplo grau de jurisdição, mostra-se adequada a baixa do processo à 1.ª instância para esse efeito.
Acordam as Juízas da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 – Relatório.
Em 10-10-2022 foi intentada ação de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais por AA contra BB, progenitores de CC, DD e EE, nascidos respetivamente em ...-...-2005, ...-...-2007 e ...-...-2013.
1. Da decisão
1.1. Em 18-11-2024 foi proferida sentença que decidiu modificar o regime das responsabilidades (assinalando-se a negrito, por questões de clareza, os factos provados e não provados relativos ao regime alimentício, por ter sido este o segmento impugnado, em sede de recurso, pelo progenitor), nos seguintes termos (transcrição):
“(…) 1. Os menores DD e EE ficam a residir a mãe, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano.
2. As responsabilidades parentais, no que concerne as questões de particular importância para a vida dos menores, ficam a cargo de ambos os progenitores.
3. O pai pode ver e estar com a DD e com o EE, sem prejuízo das horas de descanso e deveres escolares daqueles, combinando com a progenitora e com a DD com antecedência razoável (v.g., por email ou telemóvel).
4. Os menores passam períodos de férias escolares de verão com o pai, a combinar entre os progenitores e com a DD.
5. Os menores passam fins-de-semana com o pai, a combinar entre os progenitores e com a jovem DD.
6. No dia de aniversário dos menores, estes tomam uma refeição com o pai, a combinar com antecedência.
7. No dia de aniversário do pai e no dia do pai, os menores tomam uma refeição com o pai, o mesmo sucedendo com a mãe nos dias correspondentes.
8. No dia de Natal, ano novo e domingo de Páscoa, os menores tomam uma refeição com o pai, a combinar com antecedência.
9. Quanto a alimentos:
a) O progenitor contribuirá com a importância de 200 € (duzentos euros) mensais a título de prestação de alimentos para cada menor (DD e EE), no total de 400 € (quatrocentos euros) que será paga à progenitora, até ao dia 8 de cada mês a que diga respeito, através de transferência bancária para a conta desta;
b) O progenitor deverá proceder ao pagamento das quantias devidas desde a data de interposição da ação até à presente data, sem prejuízo de se proceder ao desconto das quantias que, desde que foi fixado o regime provisório (21.06.2023) foram pagas.
10. A prestação de alimentos deverá ser atualizada anualmente em 2% a partir de janeiro de 2026.
11. Cada progenitor suportará, em parte iguais, as despesas médicas e medicamentosas, escolares e extracurriculares dos menores, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da documentação.
12. O progenitor contribuirá com a importância de 200 € (duzentos euros) mensais, a título de prestação de alimentos para o CC, entre outubro de 2022 a junho de 2024, descontando-se o montante pago a partir da data em que foi fixado o regime provisório.
13. O progenitor deverá suportar 50% das despesas escolares (livros, material escolar, viagens de estudo), de saúde e extracurriculares (estas, desde que acordadas) relativamente ao CC, desde a data de interposição da ação até junho de 2024, mediante a apresentação do respetivo recibo (a enviar por email), a serem pagas no mês seguinte à sua apresentação, juntamente com o pagamento da prestação de alimentos.”.
1.2. Nesta sentença foram dados como provados e não provados os seguintes factos (assinalando-se a negrito os segmentos com conexão com o regime de alimentos fixado):
“1. A requerente e o requerido contraíram entre si casamento, na data de ........2004 e, no decurso do casamento nasceram os filhos de ambos:
- CC, nascido a ........2005;
- DD, nascida a ... de ... de 2007;
- EE, nascido a ... de ... de 2013.
2. A requerente e o requerido separaram-se, tendo corrido termos na CRC de ... o processo de divórcio por mútuo consentimento nº 743/2016, vindo a ser decretado o divórcio entre ambos, na data de ........2016.
3. E, no âmbito do aludido processo, foi homologado o acordo relativo às responsabilidades parentais dos filhos de ambos, nos termos do qual acordaram no exercício em comum, por ambos os progenitores, das responsabilidades parentais, nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.
4. Mais acordaram em fixar um regime de guarda partilhada com a alternância de 15 em 15 dias com cada um dos progenitores, nas respetivas residências, que também por acordo terão que se localizar impreterivelmente no distrito do ... e ser do conhecimento do outro progenitor.
5. Quanto a visitas, ficou previsto que ambos os requerentes acordam que no dia do aniversário do Pai e no dia do Pai, os três filhos menores passarão com ele desde as 20 horas do dia imediatamente anterior até às 9:00 horas do dia imediatamente seguinte.
6. Assim como ficou acordado que no dia do aniversário da Mãe e no dia da Mãe, os três filhos menores passarão com ela desde as 20 horas do dia imediatamente anterior até às 9:00 horas do dia imediatamente seguinte.
7. Acordam ainda que nos dias dos aniversários dos menores, os três filhos menores andarão sempre juntos, passando alternadamente, de ano para ano, todos, com cada um dos progenitores, uma parte do dia, com um até às 15 horas e com o outro das 15 horas em diante, tomando com cada um uma refeição.
8. Nas férias mantiveram o regime previsto em 5 e, porque os progenitores não professam a religião católica, não foram reguladas essas festividades em concreto.
9. Não foi fixada uma pensão de alimentos, ficando as despesas dos menores suportadas em partes iguais por ambos os progenitores.
10. A requerente e requerido mantiveram o regime da residência alternada que funcionou sem atritos entre os progenitores até maio de 2022.
11. Entretanto, em maio de 2022, o CC e o progenitor discutiram, porque o CC pretendia ir até à praia referindo ter autorização da mãe, tendo o requerido transmitido que apenas ia, mas “com a sua autorização” e, na sequência desse desentendimento entre ambos, o requerido acabou por dizer ao CC que “ou obedecia, ou ia para casa da mãe” (sic).
12. Após o incidente, o CC acabou por deixar a casa do pai, indo para casa da mãe, onde passou a residir de forma permanente, não mais tendo voltado a residir com o pai.
13. E, em julho de 2022, também por causa de desentendimentos entre a DD e o pai, desencadeado pelo facto de aquela ter respondido ao pai num tom de voz que este não gostou, nessa sequência, disse à filha que “não lhe falava assim, senão, era melhor ir para casa da mãe” (sic) e a DD acabou sair de casa do pai, indo residir para junto da mãe, de forma permanente, não mais tendo voltado a residir com o pai.
14. Logo após a saída da DD, o EE também foi residir com a mãe de forma permanente, não mais tendo ido para casa do pai.
15. Por decisão de 21.06.2023, foi fixado um regime provisório nos termos do qual:
a. A crianças ficam a residir com a mãe, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano.
b. As responsabilidades parentais, no que concerne as questões de particular importância para a vida das crianças ficam a cargo de ambos os progenitores;
c. O progenitor contribuirá com a importância de 130 € (cento e trinta euros) mensais para cada criança, a título de prestação de alimentos que será paga à progenitora, até ao dia 8 de cada mês a que diga respeito, através de transferência bancária para a conta da progenitora.
d. O progenitor paga 50% das despesas médicas, medicamentosas, escolares (livros e material escolar), e extracurriculares (estas, desde que acordadas), mediante a apresentação do respetivo recibo (a enviar por email), a serem pagas no mês seguinte à sua apresentação, juntamente com o pagamento da prestação de alimentos.
16. Nos presentes autos teve lugar a conferência de pais, na data de 10.07.2023, na qual a progenitora relatou ao tribunal que:
“(…) o progenitor não tem efetuado as visitas aos filhos menores. (…) tudo foi desencadeado por uma discussão muito “feia” entre o progenitor e o filho mais velho, na qual inclusive foi ela própria chamada ao local, tentando se aperceber os motivos que a originaram. Dessa discussão, o progenitor literalmente expulsou o filho de casa, sendo que, até hoje, não se falam nem procuram o contacto. Volvidos dois meses após a discussão (julho do pretérito ano), os outros dois filhos saíram de casa.
(…) nunca incentivou os filhos a cortarem os laços com o pai, devendo-se apenas à iniciativa dos menores a situação atual.”
17. Pelo progenitor foi dito que “por vezes, encontra-os na rua. Os filhos rejeitam a possibilidade de conviver com o pai. Anteriormente, eles viviam num sistema de guarda partilhada, com periodicidade mensal.
No que se refere aos motivos que levaram à situação atual, explicita que, a confusão nasce quando o filho mais velho – CC, quando se encontrava a residir na sua habitação, afirmou que ia sair à noite à ..., ao que lhe respondeu que ele tinha de perguntar de modo a obter permissão, ao que o mesmo revoltou-se ao responder que a progenitora tinha dado autorização, resultando num arremessar de telemóvel para o chão. Quanto aos outros dois filhos, foi desencadeado pela filha DD, a qual começou a falar num tom que não gostou, tendo-a advertido que tal não podia acontecer, ao que ela bateu com a porta com muita força, e a partir de então não mais voltaram a contactar. Apenas mantém contacto com o filho mais novo, uma vez que se dirige fisicamente à escola que o mesmo frequenta.”
18. O jovem CC reportou que “(…) Não fala com o pai desde maio do ano passado, por opção própria. (…) não pretende mais o contacto com o pai.”
19. A jovem DD transmitiu também que “No dia de hoje, faz precisamente um ano que não contacta com o pai, também por sua opção” e o menor EE verbalizou que “apenas contacta com o pai quando ele se desloca à escola e pede ao funcionário para o chamar e pelas grades fala com ele”.
20. Foi, ainda, dado conta na conferência de pais que “a jovem DD mostrou-se muito chorosa e com dificuldade em conter a emoção”.
21. Não tendo chegado a qualquer consenso, os progenitores foram remetidos para audição técnica especializada (ATE).
22. No decurso da ATE, a Técnica realça que ao longo de “toda a intervenção os pais apresentaram-se disponíveis para responder a todas as questões colocadas bem como colaborantes no processo em questão.
Ambos expuseram a situação de forma clara, revelando capacidade de enfoque nas necessidades dos filhos, falando dos mesmos com ressonância afetiva.
No que diz respeito às competências parentais (…) aparentemente apresentam capacidade de vigilância e proteção quanto à educação e saúde, evidenciando terem uma atitude responsável ao nível da parentalidade. Ambos demonstraram preocupação face ao bem-estar e desenvolvimento integral das crianças.
Relativamente às competências desta mãe o pai não tem uma apreciação positiva, considera que mesma dá demasiado liberdade aos filhos (…).
A mãe relativamente à função parental deste pai, acredita que o mesmo ama os filhos, no entanto pratica uma educação muito militarista não respeitando o espaço dos filhos que estão a crescer, o que tem vindo a afastar os filhos de si.
23. Os progenitores transmitiram que a “a rutura entre a díade parental e a díade paterno filial, dá-se na sequência de um desentendimento entre o pai e CC, em que o filho terá comunicado que iria à ..., o pai não concordou e acabou por descobrir que o mesmo lhe havia mentido, terminando a desavença com o pai a convidá-lo a sair de casa e este a ir para junto da mãe.
Segundo a mãe esta situação dá-se em maio de 2022, ainda tentou interceder junto do filho e do pai para resolverem a situação, no entanto, ambos tomaram atitudes extremadas, não tendo sido possível fazerem as pazes. Desde então não tem existido contacto entre a díade paterno filial.”
24. Quanto aos menores, a Técnica dá conta que “Foram efetuados atendimentos individualizados às crianças, que vieram aos serviços acompanhadas pela mãe tendo sido possível observar-se cumplicidade afetiva entre todos, evidenciadas através de olhares e atitudes que aparentam indicar vinculação segura, sem qualquer indicador de mau estar.
(…) todos interagiram com facilidade e tiveram posturas dóceis e espontâneas nas suas explanações, demonstraram estar bem integrados na casa da mãe. Quanto à casa do pai revelaram que a situação se alterou em termos de dinâmicas familiar desde que o pai se voltou a casar, mencionando que a madrasta interferia muito e gerava conflitos, além de ter começado a existirem comentários que punham em causa a imagem da mãe.
25. A Técnica reporta, ainda, que o “CC contou que tinha uma relação estável com o pai e que se terá alterado quando o pai casou, tendo começado a existirem conflitos entre eles, embora não atribua as culpas à madrasta e sim ao pai, que deveria ter sabido fazer a destrinça da relação conjugal, com a dos os filhos.
Verbalizou não querer ter contactos com o pai, pois considera que o mesmo não tem contactos consigo porque não quer, alegou não ter mudado de número de telemóvel e quando o pai lhe mandou uma mensagem respondeu-lhe, mostrando-lhe na altura abertura para o fazer, se não manteve foi porque não o quis. Revelou alguma tristeza pelo facto de a relação estar quebrada, no entanto pareceu estar bem emocionalmente.
26. Relativamente à DD, a Técnica esclarece que esta lhe transmitiu que “a sua relação com o pai sempre foi idilizada por si, sempre quis muito que o pai fosse presente e envolvido nas suas atividades o que nunca aconteceu. Referiu que o pai nunca foi afetivo e que com o tempo foi-se afastando do mesmo.
Revelou que houve uma altura quis muito resgatar a relação, no entanto, atualmente está bem e não está disponível para essa aproximação, pois considera que o pai nunca irá mudar. Manifestou vontade de continuar a residir com a mãe e de não quer qualquer contacto com o pai, mesmo que seja para tomar uma refeição na sua companhia”.
27. Já quanto ao EE, a Técnica enuncia que “é uma criança dócil, que tal como os irmãos se encontra com uma postura de recusa em estar com o pai, achando que o pai deixou de gostar dos filhos e que se quisesse falar com eles falava. Verbalizou que o pai costuma-o visitar à escola no recreio o que o incomoda, parece que o estar a vigiar.
Gosta de viver apenas com a mãe e os irmãos quanto a visitas, manifestou não querer estar com o pai, verbalizando que se o obrigarem vai arranjar maneira de fugir”.
28. Do acompanhamento feito, a Técnica deu conta que “não existe qualquer comunicação entre a díade parental, sendo que a mãe mostrou disponibilidade para resolver a situação, no entanto entende que a iniciativa deverá partir do pai.”
29. A progenitora tem uma postura mais aberta e menos rígida quanto às regras e rotinas dos filhos, sendo mais permissiva, tendo manifestado tal permissividade quanto aos contactos dos filhos com o pai, verbalizando que “não tem capacidade para obrigar o EE a ir ter com o pai”,
30. O pai é mais rígido e firme quanto às regras, por exemplo, em sua casa não quer telemóveis ligados, não quer os quartos de dormir desarrumados, tendo mencionado ao tribunal que no dia do julgamento, quando os filhos chegaram ao átrio não lhe foram falar e ele aprendeu que “quem chega é que deve falar a quem está”, por isso também nada lhes disse.
31. O pai é testemunha de Jeová e devido às crenças religiosas associadas à prática do culto não festeja a aniversários, nem natal ou Páscoa.
32. Na presente data e desde que os menores estão a residir junto da mãe que os progenitores não comunicam um com o outro, mantendo uma relação conflituosa.
33. O requerido, entretanto, casou com FF, no dia ........2019.
34. O requerido está reformado, auferindo 623 € mensais de reforma.
35. O requerido, na data de 16.01.2023, vendeu um imóvel de que era proprietário, pelo valor de 528.782,50 €.
36. O requerido toma medicação para diabetes e colesterol, gastando em média cerca de 58,97 € em medicamentos.
37. A mulher do requerido é funcionária pública, exercendo funções na Câmara Municipal de ....
38. Os menores beneficiam da ADSE, tal como o CC, o que foi diligenciado através da mulher do requerido, a qual, sendo funcionária pública, é beneficiária da ADSE.
39. O requerido é sócio gerente da sociedade comercial por quotas, “T..., Lda., a qual tem por objeto a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como o arrendamento de imóveis.
40. Os filhos CC e a DD, também são sócios da referida sociedade.
41. A referida sociedade é proprietária de vários bens imóveis, sendo ainda proprietária de um veículo automóvel, da marca Mercedes Benz.
42. O requerido e a sua mulher, em 2022 apresentaram declaração de rendimentos conjunta, no valor de 21.665,60 € (sendo 8.030,25 € do requerido e 13.635,35 € de sua mulher).
43. A requerente é ..., auferindo um salário mensal variável entre 1.500 € a 1600 €.
44. No ano de 2022 declarou rendimentos (regime simplificado –ato isolado) no valor de 2.603,20 €.
45. É dona de dois imóveis, na zona do ..., os quais deu de arrendamento, auferindo, com as rendas que recebe, rendimentos mensais no valor de 1.500 €.
46. Tem empréstimos ao banco, para aquisição de casa e um crédito pessoal, pagando as quantias, respetivamente, de 700 € e 300 € mensais para amortização.
47. A requerente recebe o abono de família dos filhos DD e EE, nos valores de 216,00 € e de 108 € respetivamente.
48. A jovem DD frequenta explicações para a disciplina de matemática, no que despende 95 € mensais.
49. A jovem DD frequenta o 12º ano de escolaridade, na Escola ....
50. Também no ano letivo de 2023/2024 frequentou o 11º ano de escolaridade, na referida escola, sendo uma aluna assídua e pontual, embora tenha registo de algumas faltas justificadas.
51. Comparece na escola com a sua higiene cumprida e vestuário adequado à estação.
52. A nível do aproveitamento no ano escolar transato foi aprovada nas várias disciplinas que constituem o curso de Ciências e Tecnologias, tendo obtido resultados satisfatórios, com média de 13,7 valores; quando solicitadas tarefas, sempre cumpriu com os seus deveres.
53. Relativamente ao comportamento, cumpre com as regras escolares, não se envolvendo em conflitos.
54. Desde o ano letivo transato, notou-se uma melhoria na postura da aluna, tendo estado mais motivada, atenta e trabalhadora.
55. Os docentes caracterizam a DD como sendo uma aluna muito simpática, sempre bem-disposta, cativando os colegas e professoras e tendo uma boa relação para com todos, aparenta ser uma jovem feliz, pelos comportamentos demonstrados.
56. No ano letivo transato realizou-se um intercâmbio "Projeto Família de Acolhimento" com uma escola Holandesa, na qual a DD demonstrou interesse, no entanto, verbalizou junto de uma professora do conselho de turma que não saberia se iria uma vez que necessitaria da autorização do pai para deslocação para fora do país.
57. A DD acabou por desistir da viagem, possivelmente, pelo facto da sua amiga mais próxima na turma ter desistido da mesma.
58. Quanto à Encarregada de Educação, articulou frequentemente com a Diretora de Turma, estando a par de todas as informações escolares respeitantes à sua educanda, assim como participa em todas as reuniões escolares, sendo uma das representantes dos Encarregados de Educação.
59. Quanto ao pai, procurou saber informações acerca do percurso escolar da sua filha este ano letivo por duas vezes (novembro e abril) e os contactos mantidos com este foram ambos presenciais, por sua iniciativa.
60. O EE frequenta o 6º ano de escolaridade, na Escola ....
61. Também no ano letivo de 2023/2024 frequentou o 5º ano de escolaridade, na referida escola, sendo um aluno pontual e com as faltas devidamente justificadas;
62. A encarregada de educação e mãe do EE compareceu sempre que foi convocada em atendimento com a diretora de turma, no qual sempre se mostrou atenta ao percurso escolar do filho.
63. O pai do EE compareceu espontaneamente em atendimento com diretora de turma para tomar conhecimento do aproveitamento e comportamento do filho.
64. O EE tem uma postura em sala de aula pouco participativa, mas é educado e exibe uma postura adequada em sala de aula, não regista participações ou registos de ocorrência dentro ou fora da sala de aula.
65. Mostra-se adequado com adultos e pares do estabelecimento escolar.
66. Apresentou uma postura habitualmente muito passiva, contudo, não aparentou quaisquer alterações de comportamento merecedor preocupação.
67. O EE nunca abordou questões familiares com a diretora de turma, contudo, quando abordado em contexto de tutoria, acerca do bem-estar geral e particular dos alunos da turma, o mesmo nunca se manifestou.
68. O EE apresentou-se diariamente com um aspeto cuidado, limpo e com roupa adequada à estação do ano.
69. No que respeita ao aproveitamento escolar o aluno, o mesmo não registou quaisquer retenções no seu percurso escolar.
70. Ao longo do primeiro ciclo o aluno teve um rendimento escolar com classificações de bom e muito bom.
71. No ano letivo transato obteve um aproveitamento regular e bom, no qual obteve no final do segundo semestre, duas disciplinas com nível 5, sete disciplinas com nível 4 e três disciplinas com nível 3.
72. O EE registou algumas faltas de TPC dispersas ao longo do ano letivo, sem relevância no seu aproveitamento escolar.
73. A jovem DD desde que saiu de casa do pai (em julho de 2022) apenas esteve com ele no dia 04 de agosto de 2022 e desde então nunca mais voltaram a estar juntos.
74. O pai esporadicamente envia mensagens para o telemóvel da filha DD, todavia esta não responde às mensagens.
75. A jovem DD manifestou a sua vontade de não querer estar com o pai, revelando que este é uma pessoa pouco carinhosa e pouco “aberta”, embora não rejeite convívios no futuro com este.
76. O EE manifestou a sua vontade de ficar com a mãe, e não querer passar períodos de tempo com o pai.
77. O EE costuma ver o pai, quando este se desloca à escola para o ver ou quando o encontra nas imediações da escola, quando vai para casa ao final das atividades escolares.
78. Desde que saiu de casa do pai e até ao presente, o CC voltou a falar com o pai, tendo já estado juntos em duas ou três ocasiões.
79. O CC frequentou, no ano letivo 2023/2024, o 3º ano do Curso Técnico de Desporto do Ensino Profissional, do Agrupamento de ....
80. Desde que terminou o 3º ano do curso referido, que o jovem CC não está mais a estudar, nem quer prosseguir os estudos, tendo iniciado atividade laboral num restaurante, onde está a trabalhar em part-time.
81. Apesar de estar a trabalhar, continua a residir com a mãe.
82. Não são conhecidos antecedentes criminais aos progenitores.
B) Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa apenas não se provou que:
- a sociedade “T..., Lda. só tem tido prejuízos.
- o requerido esteja a pagar à ex-mulher GG, uma dívida de 150.000,00 € relativa à partilha dos bens após o divórcio. Com interesse para a decisão da causa, não ficaram por provar quaisquer outros factos.
A restante matéria plasmada nas alegações dos progenitores e não referida supra (A ou B) contém juízos de valor, é conclusiva, de direito ou irrelevante para a decisão da causa.”.
1.3. Na sentença recorrida a nível da fundamentação de direito, no segmento relativo à fixação dos alimentos, foi decidido o seguinte (transcrição parcial):
“(…) Por fim, importa fixar os alimentos.
A obrigação de alimentos é uma obrigação que recai sobre ambos os progenitores à qual corresponde um direito indisponível por parte do menor (art. 36º, n.º 3 CRP, 1874º e 1878º, n.º 1 CC). Em caso de regulação de exercício das responsabilidades parentais ao progenitor com quem o menor não reside habitualmente incumbe pagar-lhe uma quantia a título de pensão de alimentos, sendo certo que o outro progenitor também alimentos.
De acordo com o art. 2003º do Código Civil, os alimentos devem compreender tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. No caso de o alimentando ser menor os alimentos compreendem também a educação e instrução deste. Trata-se de uma noção legal muito ampla que compreende a satisfação das necessidades do menor tendo em conta a sua idade e com vista ao seu desenvolvimento intelectual e emocional.
Esta obrigação deverá ser repartida em igualdade de circunstâncias por ambos os progenitores (artigos 36º nº3 da C.R.P. e arts. 1874º e 1878º nº1 do C.C.).
Os alimentos deverão ser proporcionais aos meios daquele que houver de os prestar e às necessidades do menor que houver de recebê-los, há que tentar que, dentro do possível, o menor mantenha um nível de vida semelhante ao que usufruía antes da separação dos pais e que tal nível de vida possa ser semelhante ao dos seus progenitores.
A obrigação de prestar alimentos é devida desde a data da interposição da acção (art. 2006º do CC).
Como critérios a atender na determinação do montante alimentício a prestar pelo progenitor, destacamos:
1. As necessidades da criança, atendendo-se nomeadamente à evolução do custo de vida, à idade, as suas condições de saúde, a sua situação social e ao nível de vida a que está habituado.
2. As possibilidades do progenitor que fica obrigado a pagar tal prestação.
3. A possibilidade de o menor prover à sua própria subsistência (art. 2004 n.º 2 do CC).
Tratam-se de critérios meramente indicativos que devem ter por subjacente a ideia de que o Tribunal deve neste âmbito julgar de acordo com juízos de equidade, segundo os critérios de um bom pai de família.
O dever de alimentos é um dever jurídico e natural, de todos os progenitores, alimentar os seus filhos, devendo sempre a medida dessa prestação ser fixada, tendo em conta o que se dispõe no artº 2004, do C.C., de forma equitativa, atentas as circunstâncias concretas do caso.
E, sendo as necessidades do alimentando a primeira das medidas a ter em conta na fixação dos alimentos, a medida das possibilidades do progenitor/obrigado tem de se aferir, não apenas, tendo em conta os rendimentos que aufere, fruto de actividade profissional que desenvolve, mas também, tendo em conta a capacidade que o mesmo tem de exercer uma actividade laboral que lhe permita fazer face ao cumprimento das suas responsabilidades parentais, compreendendo-se que, relativamente aos alimentos devidos a filho menor, o critério legal seja muito apertado, não repugnando estimular fortemente a capacidade de trabalho do progenitor (cfr. refere Antunes Varela in “Direito da Família, 1º Vol., 1999, pág. 355.). A responsabilidade parental acarreta para o progenitor, não apenas, um dever de contribuição pecuniária para com o filho menor, mas também, a obrigação de desenvolver comportamentos de modo a conseguir os meios para satisfazer as necessidades daquele. A obrigação de prestar alimentos incumbe a ambos os pais em igualdade de circunstâncias, como integrante do dever de auxílio e assistência aos filhos - art.º 36º, nº 3 da C.R.P. e dos artºs 1874º, 1878º, nº 1, 1879º, 1880º e 2009º, nº 1, al. c) todos do C. Civil, e abrange tudo o que for indispensável ao sustento, segurança, saúde, habitação, vestuário e educação do menor (artsº 1878º, 1879º e 2003º do C. Civil). Como referido no Acórdão da Relação de Guimarães de 11/05/2017 (Relatora: Maria dos Anjos Nogueira), disponível in www.dgsi.pt: “(…) Por outro lado, e a acrescer a tal determinação dum montante fixo de alimentos, poderá ser fixada uma contribuição variável, considerando-se aquelas despesas do menor que embora previsíveis e necessárias, fogem à lógica da satisfação das necessidades básicas de sustento e que se relacionam habitualmente com a saúde (médicas e medicamentosas) escolares (livros e material escolar e/ou eventuais mensalidades de colégios privados ou outras estruturas de ensino) com actividades lúdicas e desportivas, etc. Preside também à fixação da prestação de alimentos o objectivo de, dentro do possível, se preservar o nível de vida do menor, bem como a ideia de que o sacrifício que deverá ser exigido aos progenitores deve ter por base um critério mínimo de razoabilidade, visando proporcionar o maior bem-estar possível aos seus filhos. (…)”. Como também referido vem no Acórdão da Relação de Guimarães de 10/10/2019 (Relatora: Rosália Cunha), disponível in www.dgsi.pt:“(…) não existe nenhuma norma legal que estabeleça que os progenitores devem contribuir em igual proporção para as despesas do menor. Ao invés, o que a lei determina é que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los (art. 2004º, do CC). Assim, estando ambos os progenitores obrigados ao dever de alimentos relativamente ao filho, devem cumprir tal obrigação na medida das capacidades económicas de cada um.
Se as capacidades económicas forem semelhantes, justifica-se que seja fixada uma correspetiva contribuição idêntica. Porém, se, como sucede no caso em análise, as capacidades económicas dos progenitores forem dispares, justifica-se que se introduza uma limitação e que o progenitor cuja situação económica é mais débil contribua numa menor proporção.”
A propósito, ainda, refere o Ac. RP, de 15.12.2021, (Relatora: Eugénia Cunha), disponível in www.dgsi.pt, que “o princípio da igualdade engloba: “(i)tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); (ii) tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador; (iii) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação; (iv) tratamento das situações não apenas como existem mas também como devem existir (acrescentando-se, assim, uma componente ativa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei); (v) consideração do princípio não como uma “ilha”, antes como princípio a situar no âmbito dos padrões materiais da Constituição. (…) Na verdade, é aqui de afirmar a “máxima de que o princípio da igualdade postula o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais”.
Importa, ainda ter em conta que a obrigação de prestar alimentos é devida desde a data da interposição da ação (art. 2006º do CC), no caso, desde 10.10.2022.
No caso concreto, e considerando a matéria provada, temos com relevo para a decisão que:
O jovem CC completou 18 anos de idade no dia ... de ... de 2023, atingindo, assim, a maioridade - art. 122º do Código Civil (CC), tendo na presente data 20 anos de idade. Em consequência, adquiriu plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e bens (arts. 122º e 130º, ambos do CC) e deixou de estar sujeito às responsabilidades parentais (art. 1877º CC).
Em relação aos alimentos, a obrigação dos progenitores mantém-se até que o jovem termine os estudos ou complete 25 anos de idade (art. 1905º, n.º 2 CC), sendo, ainda, de considerar que os alimentos são devidos desde a data de interposição da ação em juízo – art. 2006º do CC.
Ora, ficou provado que o CC frequentou o ano letivo de 2023/2024 e completou o 3º ano do curso Técnico de Desporto do Ensino Profissional, o qual terminou em junho de 2024. Mais se provou que desde então, não frequenta qualquer estabelecimento de ensino, pois que deixou os estudos e, na presente data, está a trabalhar.
Face ao exposto, resulta que a obrigação de alimentos relativamente ao CC apenas é devida desde 10.10.2022 a junho de 2024, por ter sido nesta data que deixou de estudar e passou a trabalhar – art. 1906º, nº 2 Código Civil. Assim, está em causa o período desde 10.10.2022 a junho de 2024 – 20 (vinte) meses.
Quanto à DD e ao EE, terá de se ter em conta as necessidades económicas com o seu sustento, que vão desde as despesas de alimentação, as despesas com a sua educação, as despesas de vestuário, higiene e eventuais despesas médicas, sendo de ponderar as necessidades que qualquer jovem com quase 17 anos de idade tem e outro com 11 anos. Em face do exposto, cabendo a ambos os progenitores o dever de sustentar os filhos, e considerando os factos provados, que aqui se dão como reproduzidos terá de se levar em conta que ambos têm a vida estável e organizada, pois a progenitora aufere o salário de 1.500 € a 1.600 € mensais, a que acresce o valor das rendas dos imóveis que deu de arrendamento, no montante de 1.500 € mensais, tendo despesas com créditos pessoais que contraiu (700 € e 300 € mensais), enquanto que o progenitor está reformado, auferindo 623 € mensais de reforma, todavia, é sócio gerente de uma sociedade de compra e venda de imóveis, a qual é proprietária de vários imóveis, para além de ter procedido à venda de um imóvel de que era proprietário pelo valor de 528.782,50 €, não se tendo apurado quaisquer despesas de relevo, para além das despesas com medicamentos, no valor de 58,97 € - é certo que ambos terão – como a generalidade das pessoas - despesas com alimentação e despesas correntes (água, luz, gás), todavia, nada se apurou de concreto quanto a estas, assim como nenhuma circunstância foi alegada, ou sequer provada, que indique necessidades especiais por parte dos menores (nomeadamente, alimentares ou necessidade de ensino especial), Atento o exposto, entendemos que a atual situação do requerido é mais folgada, já que recebeu rendimentos que advieram da venda de um imóvel que era de sua propriedade, não tem gastos de “monta”, para além da elencada despesa com medicamentos, pese embora a requerente também tenha apresentado rendimentos mensais na ordem dos 3.000,00 €, não se podendo considerar um rendimento miserabilista, exigindo-lhe grande ginástica orçamental para fazer face às despesas com os filhos, todavia, ainda assim, está o tribunal convicto que o requerido tem uma capacidade económica superior à requerente, pois ainda terá que se ter em conta a atividade que tem com a sociedade de que é sócio gerente e de onde, certamente, retirará algum lucro, que irá acrescer ao valor que recebeu com a venda do referido imóvel. Pelo exposto, e tendo em conta a matéria provada, que aqui se dá por reproduzida, e respeitando o princípio da igualdade como se referiu supra, afigura-se que a quantia de 200 € mensais para cada filho é adequada para as necessidades alimentares destes.
Tal prestação de alimentos deverá ser atualizada anualmente em 2% a partir de janeiro de 2026.
Esta cláusula de atualização serve para fazer frente ao aumento do custo de vida, que diminui em face do aumento dos preços, bem assim, ao aumento das despesas que resultam de uma modificação das necessidades dos menores, à medida que vai crescendo.
Acompanhando de perto o Ac. RG, de 2283/17, Relator: Paulo Reis (in www.dgsi.pt) “(…) a inclusão de uma cláusula de atualização do montante das prestações de alimentos devidos a menores configura um elemento essencial para impedir a erosão monetária do valor fixo estabelecido em prestações pecuniárias mensais (artigo 2005.º, n.º1, do CC), visando por isso essencialmente a prossecução e a prevalência do interesse da criança ou do jovem alimentando para que a organização da sua vida e o seu desenvolvimento se processem em condições de estabilidade e garantindo em qualquer situação a sua subsistência. (…)
Deste modo, atenta a natureza da obrigação de alimentos devida a menores, que como vimos já, deve ser contínua, indisponível e incondicional, afigura-se-nos manifesto que a inclusão de uma cláusula de atualização da prestação de alimentos (…), tem como objetivo adaptar automaticamente a prestação de alimentos ao eventual aumento do custo de vida verificado anualmente, obstando assim à degradação do valor fixado causada pela inflação”. Importa, ainda ter em conta que a obrigação de prestar alimentos é devida desde a data da interposição da acção (art. 2006º do CC), no caso, desde 06.07.2021.
Além da prestação de alimentos fixada a que o requerido fica obrigado, importa ainda proceder ao pagamento das quantias devidas desde a data de interposição da ação até à presente data, sem prejuízo de se proceder ao desconto das quantias que, desde que foi fixado o regime provisório (21.06.2023) foram pagas: na verdade, não podemos olvidar que o regime fixado provisoriamente determinou o pagamento de 130 € mensais por cada menor, a cargo do pai, pelo que estas quantias pagas, terão que ser deduzidas.
Assim, relativamente ao CC, e tendo presente o disposto no art. 1905º, n.º 2 CC, os progenitores deixaram de estar obrigados a prestar-lhe alimentos desde junho de 2024, o que significa que o progenitor apenas tem a obrigação de prestar alimentos no período decorrido entre 10.10.2022 a junho de 2024 - art. 2006º CC, o que ascende a 3.600 € - todavia, a esta quantia importa descontar o montante pago desde que foi fixado o regime provisório, ou seja desde 21.06.2023.
E, também deverá suportar 50% das despesas escolares (livros, material escolar, viagens de estudo), de saúde e extracurriculares (estas, desde que acordadas) desde a data de interposição da ação até junho de 2024, mediante a apresentação do respetivo recibo (a enviar por email), a serem pagas no mês seguinte à sua apresentação, juntamente com o pagamento da prestação de alimentos.
No que concerne à DD e ao EE ascende a 10.000,00 (25 meses x 400 €) – todavia, há que descontar o montante pago desde que foi fixado o regime provisório, ou seja, desde 21.06.2023 a novembro de 2024.
Por fim, em relação à DD e ao EE, o progenitor deve, ainda, suportar 50% das despesas escolares (livros, material escolar, viagens de estudo), de saúde e extracurriculares (estas, desde que acordadas), mediante a apresentação do respetivo recibo (a enviar por email), a serem pagas no mês seguinte à sua apresentação, juntamente com o pagamento da prestação de alimentos.”.
3. Do recurso interposto pelo progenitor BB
Inconformado com tal decisão, o progenitor interpôs recurso contra a mesma quanto ao segmento relativo ao regime alimentício, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
“A. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida, em 18 de Novembro de 2024, pelo Juízo de Família e Menores de ... - Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o qual o Recorrente não se conforma.
B. O Tribunal a quo deveria ter dado como provados outros factos que resultaram da instrução da causa, designadamente que:
a. 35.1. O Requerido manifestou a intenção de reinvestir, na totalidade, o valor da venda do imóvel de que era proprietário, a que se refere o ponto 35. dos factos provados, (…) na aquisição da sua habitação própria permanente.
b. 41.1. A sociedade denominada T..., Lda.” apresentou, na declaração de rendimentos, Modelo 22 – IRC, relativa ao ano de 2021, um resultado líquido negativo de € 33.274,82 (trinta e três mil, duzentos e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos) e um prejuízo fiscal no valor de € 28.095,84 (vinte e oito mil e noventa e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos)
c. 44.1. A Requerente vendeu um imóvel de que era proprietária, em Junho de 2021, pelo valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
d. 44.2. A Requerente declarou, no apenso G da declaração de rendimentos Modelo 3 – IRS, relativa ao ano de 2021, a venda do imóvel de que era proprietária, referida no ponto anterior dos factos provados, tendo manifestado a intenção de reinvestir o valor de € 100.000,00 na aquisição da sua habitação própria permanente.
e. 44.3. A Requerente adquiriu, mediante escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada no dia 6 de Julho de 2023, pelo preço de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), a fracção autónoma, designada pela letra “V”, que constitui o quarto andar – retaguarda direito, destinada a habitação, integrada no prédio urbano constituído em propriedade horizontal, denominado “...”, situado na ..., na freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 5193 da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5472.
f. 44.4. Para a aquisição da fracção autónoma atrás identificada, a Requerente solicitou um empréstimo ao Banco BPI, S.A., no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), da qual se confessou devedora na escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada no dia 6 de Julho de 2023.
C. Tais factos encontram-se provados por documentos juntos aos autos, designadamente, o documento n.º 3 junto com o requerimento apresentado pelo Recorrente em 10.11.2022, a fls., o documento n.º 12 junto com o requerimento inicial, o documento n.º 3 junto com as alegações apresentadas pela Recorrida em 15.03.2024, a fls., aliadas à própria confissão da mesma no seu requerimento inicial.
D. O Tribunal a quo deu ainda erradamente como provado, sob o ponto 40. dos factos provados, que “Os filhos CC e a DD, também são sócios da referida sociedade.”.
E. Porém, resulta da certidão comercial junta como documento n.º 1 com o requerimento apresentado pela Recorrida, em 15.03.2024, a fls., que todos os filhos do Recorrente são sócios da sociedade T..., Lda., cada um com uma quota no valor correspondente a 5% do capital social, devendo, assim, o facto constante do ponto 40. dos factos provados deverá ser alterado nos seguintes termos:
a. 40. Os filhos CC, DD e EE, também são sócios da referida sociedade, cada um com 5% do capital social, num total de 15% do mesmo.
F. Entende o Recorrente que o valor fixado a título de alimentos aos menores DD e EE é manifestamente excessivo e desproporcional. Isto porque,
G. Relativamente à capacidade económica da Recorrida provou-se que a Recorrida tem rendimentos iguais ou superiores a € 3.000,00 (três mil euros), o que corresponde a mais de 3 X o salário mínimo nacional para o ano de 2024, montante ao qual acresce o abono de família dos filhos DD e EE, no valor de € 216,00 (duzentos e dezasseis euros) e de € 108,00 (cento e oito euros), respectivamente, o que perfaz o valor de € 3.324,00 (três mil, trezentos e vinte e quatro euros), a título de rendimento do agregado familiar.
H. A Recorrida tem ainda disponível a quantia de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), eventualmente deduzida do imposto relativo às eventuais mais valias, correspondente à diferença entre o valor da venda do imóvel e o valor dos capitais próprios investidos na aquisição da sua habitação própria permanente.
I. Quanto às despesas do agregado familiar, a Recorrente tem empréstimos ao banco, para aquisição de casa e um crédito pessoal, pagando as quantias, respetivamente, de € 700,00 (sete centos euros) e € 300,00 (trezentos euros) mensais para amortização e que a jovem DD frequenta explicações para a disciplina de matemática, no que despende € 95,00 (noventa e cinco euros) mensais, cujo custo, nos termos da decisão, deverá ser suportado em partes iguais por ambos os progenitores, pelo que não deverão integrar os alimentos devidos.
J. Os menores beneficiam de ADSE, tal como o CC, o que foi diligenciado através da mulher do Recorrente, a qual, sendo funcionária pública, é beneficiária da ADSE.
K. Os menores não têm necessidades superiores à média.
L. Os menores beneficiam de apoio escolar e não pagam livros, nem alimentação.
M. O Recorrente está reformado, auferindo € 623,00 (seiscentos e vinte e três euros) mensais, a título de reforma, sendo que, no ano de 2022, declarou rendimentos no valor de € 8.030,25 (oito mil e trinta euros e vinte e cinco cêntimos), o que significa que o rendimento mensal disponível do Recorrente corresponde a cerca de 18% do rendimento mensal disponível da Recorrida.
N. Os rendimentos prediais auferidos pelo Recorrente em 2023 derivaram da alienação do imóvel que constituía a sua habitação própria permanente, cujo valor aquele declarou, em sede de declaração de rendimentos, Modelo 3 – IRS, pretender reinvestir na aquisição da sua habitação própria permanente, prerrogativa que lhe permitirá realizar esse investimento no prazo de 36 (trinta e seis meses) a contar da data da realização.
O. O Recorrente não recebe qualquer quantia, incluindo a título de lucros, da sociedade de que é sócio e gerente, tanto mais que resulta dos factos provados que a mesma apresenta prejuízos fiscais e, havendo lugar à distribuição de lucros, os seus filhos, todos eles sócios da sociedade, irão igualmente receber, o que aumentará, ainda que indirectamente, o rendimento da Recorrida, na medida em que os filhos residem com esta.
P. Aliás, se assim fosse, os seus filhos teriam de aprovar, anualmente, em sede da reunião da assembleia geral destinada a aprovar as contas, a distribuição de lucros/dividendos, o que não ocorreu, recebendo uma parte dos lucros/dividendos, na parte que lhes competiria…
Q. Para efeitos de determinação das possibilidades do alimentante, apenas se deverá atender à pensão de reforma auferida pelo Recorrente, na medida em que nenhum outro rendimento se apurou e o produto da venda do imóvel será totalmente reinvestido na aquisição de outra habitação própria e permanente do Recorrente.
R. O Recorrente está reformado e é diabético, despendendo, em média, mensalmente em medicamentos para diabetes e colesterol a quantia de € 58,97 (cinquenta e oito euros e noventa e sete cêntimos), para além das restantes despesas normais de um agregado familiar composto por três pessoas.
S. O valor fixado pelo Tribunal a quo irá seguramente colocar em causa a própria subsistência do Recorrente, na medida em que o seu rendimento será reduzido para € 223,00 (duzentos e vinte e três euros mensais), sendo que, para além disso, o Recorrente estará ainda obrigado a suportar 50% das despesas médicas, medicamentosas, escolares e extracurriculares (desde que acordadas), o que, certamente, obrigará o Recorrente a recorrer ao apoio de familiares ou a depender financeiramente da sua actual mulher, o que, diga-se, na sua idade, o Requerido não esperava que viesse a acontecer
T. A decisão em causa violou, pois, o artigo 2004.º do Código Civil.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser:
a. Dados como provados os factos constantes dos pontos 35.1., 41.1., 44.1., 44.2., 44.3. e 44.4. nos termos supra;
b. Alterada o facto constante do ponto 40. dos factos provados nos termos supra; e
c. Revogada a sentença recorrida proferida pelo Juízo de Família e Menores de ... – Juiz 3, substituindo-a por outra que fixe os alimentos aos filhos (maior e menores) no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros) por cada um.”.
3. Das contra-alegações apresentadas pela progenitora AA
Nas contra-alegações, conclui a progenitora dever ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmada na íntegra a decisão recorrida.
4. Das contra-alegações apresentadas pelo MP
Nas contra-alegações o MP por sua vez conclui dever ser negado provimento ao recurso por ser “adequada e sensata a decisão proferida pelo Tribunal a quo de julgar procedente a ação para alteração das responsabilidades parentais relativamente aos alimentos” tendo o Tribunal recorrido realizado “uma correta apreciação da matéria de facto, fundamentando a sua convicção, aplicando a lei de forma correta”.
5. Da tramitação subsequente
O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Dados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II. Apreciação
A apreciação do recurso terá em consideração que os factos com relevância para a decisão do recurso são os constantes do relatório (ponto I. deste Acórdão).
1. Objeto do recurso
As questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, são a de saber se devem ser dados como provados os factos constantes dos pontos 1.1, 44.1., 44.2, 44.3 e 44.4 das conclusões recursivas do progenitor, ser alterado o facto provado constante do ponto 40. e ser revogada a decisão recorrida que fixou a prestação alimentícia em 200 € para cada um dos filhos, substituindo-se por outra que fixe os alimentos aos filhos no valor de 75 € (setenta e cinco euros) por cada um.
2. Análise do recurso
Apesar das questões suscitadas pelo recorrente cumpre apreciar uma questão prévia de conhecimento oficioso1: a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito2.
No processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais na vertente do quantum da prestação alimentícia esta está sujeita a critérios ou pressupostos de fixação dos alimentos, de acordo com o artigo 2004.º do CC3, a saber:
– Necessidades dos alimentandos filhos;
– Possibilidades dos progenitores alimentantes;
– Possibilidades dos menores alimentandos proverem à sua subsistência, ou seja, de disporem de réditos e proventos capazes de, por si só, suprirem a incapacidade decorrente da sua menoridade.
Analisando, a sentença proferida, coloca-se, todavia, a questão de saber se a materialidade dada como provada pelo Tribunal a quo permitia chegar à conclusão alcançada de que cada um dos três filhos (à data da propositura da ação e no momento da prolação da sentença) necessitava, que o progenitor não residente contribuísse a título de alimentos com cerca de 200 € mensais (alimentos em sentido restrito, vestuário, calçado, lazer, produtos de higiene, água, luz, gás, internet, telefone, transportes, cabeleireiro/barbeiro, etc).
Na situação em apreciação as despesas de educação, de saúde e extracurriculares foram autonomizadas nas cláusulas 11. e 13. da decisão quando se determinou que:
“11. Cada progenitor suportará, em parte iguais, as despesas médicas e medicamentosas, escolares e extracurriculares dos menores, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da documentação.
(…)
13. O progenitor deverá suportar 50% das despesas escolares (livros, material escolar, viagens de estudo), de saúde e extracurriculares (estas, desde que acordadas) relativamente ao CC, desde a data de interposição da ação até junho de 2024, mediante a apresentação do respetivo recibo (a enviar por email), a serem pagas no mês seguinte à sua apresentação, juntamente com o pagamento da prestação de alimentos.”.
Por outro lado, o pai, em sede recursiva, convocou expressamente a excessividade e a desproporcionalidade do montante fixado (cláusulas 9. e 12.), mas a verdade é que da factualidade apurada pouco ou nada de concreto é referido quanto às necessidades dos alimentandos, apenas sendo assinalando o seguinte:
“38. Os menores beneficiam da ADSE, tal como o CC, o que foi diligenciado através da mulher do requerido, a qual, sendo funcionária pública, é beneficiária da ADSE.
40. Os filhos CC e a DD, também são sócios da referida sociedade.
48. A jovem DD frequenta explicações para a disciplina de matemática, no que despende 95 € mensais.
49. A jovem DD frequenta o 12º ano de escolaridade, na ....
60. O EE frequenta o 6º ano de escolaridade, na ....”.
É verdade ter sido alegado e apurado quanto à situação económica do progenitor que:
“34. O requerido está reformado, auferindo 623 € mensais de reforma.
35. O requerido, na data de 16.01.2023, vendeu um imóvel de que era proprietário, pelo valor de 528.782,50 €.
36. O requerido toma medicação para diabetes e colesterol, gastando em média cerca de 58,97 € em medicamentos.
37. A mulher do requerido é funcionária pública, exercendo funções na Câmara Municipal de....
38. Os menores beneficiam da ADSE, tal como o CC, o que foi diligenciado através da mulher do requerido, a qual, sendo funcionária pública, é beneficiária da ADSE.
39. O requerido é sócio gerente da sociedade comercial por quotas, “T..., Lda., a qual tem por objeto a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como o arrendamento de imóveis.
41. A referida sociedade é proprietária de vários bens imóveis, sendo ainda proprietária de um veículo automóvel, da marca Mercedes Benz.
42. O requerido e a sua mulher, em 2022 apresentaram declaração de rendimentos conjunta, no valor de 21.665,60 € (sendo 8.030,25 € do requerido e 13.635,35 € de sua mulher).”
Depois, no concernente à situação económica da progenitora, também, resultou provado e havia sido alegado que:
“43. A requerente é ..., auferindo um salário mensal variável entre 1.500 € a 1600 €.
44. No ano de 2022 declarou rendimentos (regime simplificado –ato isolado) no valor de 2.603,20 €.
45. É dona de dois imóveis, na zona do ..., os quais deu de arrendamento, auferindo, com as rendas que recebe, rendimentos mensais no valor de 1.500 €.
46. Tem empréstimos ao banco, para aquisição de casa e um crédito pessoal, pagando as quantias, respetivamente, de 700 € e 300 € mensais para amortização.
47. A requerente recebe o abono de família dos filhos DD e EE, nos valores de 216,00 € e de 108 € respetivamente.”.
Lendo, todavia, os segmentos acima transcritos deles decorre que, em rigor, no concernente às necessidades dos filhos nada se alegou ou apurou (à exceção das despesas com explicações que foram autonomizadas nas cláusulas 11. e 13. e não fazem parte integrante das cláusulas 9. e 12. cujo regime é impugnado pelo recorrente).
O tribunal sustentou a sua decisão, quanto ao regime alimentício, na prática, tão só na factualidade alegada e apurada relativa aos rendimentos e património dos progenitores.
Desconhece-se, todavia, quais as concretas necessidades dos alimentandos designadamente quanto despendia o agregado da progenitora em supermercado mensalmente e em concreto cada um dos alimentandos, se os descendentes comem ou comiam na escola, se beneficiavam de subsídio escolar, quanto despendiam em média com as refeições, quais as despesas médias mensais do agregado da progenitora com consumos com luz, água, gás, internet, telefone, bem como com a aquisição para os filhos de calçado, vestuário, produtos de higiene, cabeleireiro, esteticista, lazer, semanada, etc.
Cumpre, então, apurar se não tendo tal materialidade sido alegada pela progenitora em 1.ª instância o Tribunal recorrido a deveria ter investigado e se nesse caso esta Relação pode dela conhecer oficiosamente, até porque esta matéria está conexionada com a questão suscitada pelo recorrente quando, ao impugnar a matéria de direito, assaca à medida da prestação alimentícia excessividade e desproporcionalidade.
Como é sabido no âmbito do processo civil vigora o princípio do dispositivo e quando o Julgador conhece de questões sobre as quais não podia tomar conhecimento, por não terem sido suscitadas pelas partes, a sentença é nula por estar afetada do vício do excesso de pronúncia, pois a causa de pedir fixa os limites da cognição do Tribunal (cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) segunda parte e 5.º, n.º 1 do CPC).
Já nos processos de natureza voluntária, no qual vigora o princípio do inquisitório, a causa de pedir não delimita o âmbito de cognição do tribunal, porquanto este pode considerar outros factos além dos alegados pelos intervenientes processuais4.
A providência tutelar cível de alteração das responsabilidades parentais é um processo de jurisdição voluntária no qual vigora o princípio do inquisitório, podendo e devendo o Tribunal investigar livremente os factos, não estando limitado ao alegado ou articulado pelos progenitores, pelas crianças/jovens ou pelo Ministério Público.
Como o Julgador decide segundo critérios de conveniência e oportunidade são-lhe atribuídos poderes inquisitórios (cf. artigo 987.º do CPC ex vi artigo 12.º do RGPTC) tendo de investigar para além do alegado se os articulados forem insuficientes, designadamente quando à materialidade relativa às necessidades dos alimentandos.
Daí, no caso concreto, o Julgador em primeira instância teria de ter investigado os factos, ouvindo para o efeito os progenitores e eventualmente as crianças/jovens e convidando aqueles, se necessário, a juntarem ao processo documentação que reforçasse as verbalizações dos alimentantes e dos alimentandos.
Embora a decisão recorrida seja totalmente omissa quanto à descrição dos factos relativos às necessidades dos alimentandos, o Julgador não se coibiu de fixar a prestação alimentícia mensal em 200 € a favor de cada um dos filhos (cf. cláusulas 9. e 12. da Decisão proferida):
“9. (…) a) O progenitor contribuirá com a importância de 200 € (duzentos euros) mensais a título de prestação de alimentos para cada menor (DD e EE), no total de 400 € (quatrocentos euros) que será paga à progenitora, até ao dia 8 de cada mês a que diga respeito, através de transferência bancária para a conta desta;
b) O progenitor deverá proceder ao pagamento das quantias devidas desde a data de interposição da ação até à presente data, sem prejuízo de se proceder ao desconto das quantias que, desde que foi fixado o regime provisório (21.06.2023) foram pagas.
(…)
12. O progenitor contribuirá com a importância de 200 € (duzentos euros) mensais, a título de prestação de alimentos para o CC, entre outubro de 2022 a junho de 2024, descontando-se o montante pago a partir da data em que foi fixado o regime provisório.”.
Esta decisão escuda-se na circunstância de os critérios estabelecidos no artigo 2004.º do CC serem “meramente indicativos” e deverem “ter por subjacente a ideia de que o Tribunal deve neste âmbito julgar de acordo com juízos de equidade, segundo os critérios de um bom pai de família.”.
Para depois de forma conclusiva relativamente à DD e ao EE referir que “as necessidades económicas com o seu sustento (…) vão desde as despesas de alimentação, as despesas com a sua educação, as despesas de vestuário, higiene e eventuais despesas médicas, sendo de ponderar as necessidades que qualquer jovem com quase 17 anos de idade tem e outro com 11 anos.” e em relação ao CC salientar que “a obrigação de alimentos relativamente (…) apenas é devida desde 10.10.2022 a junho de 2024, por ter sido nesta data que deixou de estudar e passou a trabalhar. “.
Não assinala o Tribunal recorrido, todavia, qualquer concreta despesa tida pela progenitora para prover ao sustento dos filhos, à exceção das tidas com as explicações (estas despesas extracurriculares), em relação a dois dos alimentandos.
Nada é mencionado, na fundamentação de direito, em relação à circunstância de os três alimentandos beneficiaram de montantes a título de abono de família (ADSE) em valor superior a 300 € mensais (desconhecendo-se de todo o montante do qual beneficiou o filho mais velho CC), através da madrasta que é funcionária pública. Não se deslinda, designadamente, se esse valor foi considerado ou desconsiderado na ponderação realizada para a fixação da prestação alimentícia em 200 € para cada filho, pois a madrasta não tem qualquer obrigação a esse nível. O facto é que aqueles valores são uma receita e a questão que se coloca é se devem ou não ser considerados no cômputo da fixação do quantum alimentício por referência às necessidades dos alimentandos. A este nível, todavia, o Tribunal a quo não fundamentou de direito a sua opção, ou seja, não assinalou se desconsiderou ou considerou os factos dados como provados em 38. e 47..
Não se desconhece que alguma jurisprudência5 preconiza que a quantificação das necessidades dos alimentandos pode ter por fundamento as regras da experiência e do normal acontecer, ou até que essas necessidades configuram um facto notório (artigo 412.º do CPC), ou, ainda, que se possa fazer apelo ao valor mínimo considerado pelo Estado como o do limiar da sobrevivência (IAS6) ou até ao limite da penhorabilidade previsto no artigo 738.º, n.º 4 do CPC7. Essa fundamentação não foi, todavia, referenciada em parte alguma da sentença recorrida e designadamente na fundamentação de direito.
Como já se salientou não decorre da matéria provada factos que permitam definir em concreto as necessidades dos alimentandos. Depois do direito aplicado não resulta qual o raciocínio lógico que levou o Julgador a concluir situarem-se as necessidades dos alimentandos em valor superior a 200 €, nem qual a comparticipação percentual de cada um dos progenitores no suprimento dessas carências, embora se saiba, da leitura da sentença, ter o Tribunal recorrido entendido que a do pai deveria ser superior à da mãe.
Entende esta Relação, todavia, que os factos relativos às necessidades dos alimentandos constituem matéria essencial à fixação da prestação alimentícia (cf. artigo 2004.º do CPC), quando para além do mais, como no caso, há desacordo dos progenitores sobre essa matéria e que embora não alegada devia ter sido suprida pelo Julgador em 1.ª instância, por precisamente estarmos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária.
A situação não poderá deixar de ser resolvida através da figura do vício da sentença, porquanto ocorre uma nulidade por falta de fundamentação prevista no artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC, que embora não invocada pelo recorrente é suscetível de ser conhecida oficiosamente por força do artigo 608.º, n.º 2 parte final do CPC.
Na realidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC a sentença é nula “quando não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Por outro lado, dispõe o artigo 154.º n.º 1 do CPC que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
A este nível tem sido pacificamente defendido pela doutrina e pela jurisprudência cível que a nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC não se basta com uma mera deficiência da fundamentação da sentença proferida. É exigível uma absoluta falta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito nomeadamente quando falta a discriminação dos factos provados ou quando só são enunciados conclusivamente juízos de direito8.
A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, por ser um princípio geral, que a própria Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 205.º, n.º 1, que não poderá deixar de ser observado nas decisões judiciais.
Na sentença proferida foram fixados factos provados e enunciados alguns dos fundamentos de direito, mas em relação às necessidades dos alimentandos a única materialidade conduzida aos factos provados reporta-se às suas atividades extracurriculares.
Estas atividades extracurriculares estão, como já atrás salientado, diretamente conexionadas com as cláusulas 11. e 13. da decisão proferida. O recorrente, todavia, não coloca em crise a sua obrigação decorrente das apontadas cláusulas 11. e 13., mas tão só das cláusulas 9. e 12..
Em rigor, a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo de condenar o progenitor a pagar 200 € a título de alimentos a favor de cada um dos filhos num total de 600 € (três filhos menores inicialmente) e posteriormente a quantia global de 400 € (aos dois filhos menores em razão de um deles ter atingido a maioridade e ter findado os estudos), não se baseou em quaisquer factos concretos relativos às necessidades dos alimentandos, como exige o artigo 2004.º do CC.
É verdade que se baseou em alguns factos relativos à situação económica de cada um dos progenitores, mas o artigo 2004.º do Código Civil exige, ainda, que sejam apuradas as necessidades dos alimentandos e nessa parte a sentença em 1.ª instância é completamente omissa na fundamentação de facto e na de direito.
Embora tal circunstância não tenha impedido o Julgador em 1.ª instância de fixar o valor da prestação alimentícia em 200 € mensais, essa opção, todavia, não tem no caso concreto qualquer suporte nos factos provados nem na fundamentação de direito apresentada.
Assim, atento o princípio em vigor nos processos de jurisdição voluntária, como é o caso da alteração das responsabilidades parentais, dada a primazia da procura oficiosa da verdade material o Julgador, no interesse das crianças/jovens, deveria, para ultrapassar a falta de alegação por parte da requerida mãe, e atenta a resistência do recorrente em proceder ao pagamento dos alimentos, ter apurado oficiosamente as concretas despesas tidas com os filhos.
Só essa averiguação oficiosa permitiria que ficasse fundamentada de forma clara e lógica a fixação num montante, à data da propositura da ação, de 600 € mensais abrangente da quase totalidade do valor auferido pelo progenitor a título de pensão de reforma (623 €), quando para além do mais os alimentandos beneficiavam de abono de família de pelo menos 300 € mensais (nos factos provados em todo o caso não foi assinalado o montante do qual o filho mais velho beneficiou a este título), cujo acionamento foi despoletado pela companheira do progenitor na qualidade de funcionária pública.
E se é verdade ter sido apurado que o recorrente alienou um imóvel e encaixou no seu património o montante de 528.782,50 €, e daí poder resultar de acordo com as regras da experiência ter capacidade económica para pagar 600 € mensais a favor dos e filhos e posteriormente 400 €, não se impõe que o mesmo estivesse obrigado a suportar alimentos naquele valor quando se desconhece o quantum concreto das necessidades dos filhos, nem a proporção em que cada um dos progenitores deverá contribuir para o sustento daqueles, quando o montante dos alimentos é fonte de litígio e a sentença não fundamentou a consideração ou desconsideração pelo valor auferido pelos alimentandos a título de ADSE.
Assim, por um lado, não só não constam dos factos apurados como não resulta do direito aplicável o fundamento para a fixação dos alimentos em 200 € mensais a suportar pelo progenitor não residente.
Sendo lícito a esta Relação conhecer a questão por se tratarem de factos, que embora não alegados pela progenitora, eram relevantes, por isso impunha-se ao juiz que os averiguasse e ao não serem referenciados na sentença a inquinam com o vício da falta de fundamentação de facto e de direito (artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC), porquanto impossibilitam o escrutínio das razões pelas quais conduziram o julgador a fixar o quantum alimentício em 200 € por cada um dos alimentandos.
Não obstante a nulidade da sentença, não pode esta Relação substituir-se ao Tribunal a quo na decisão da causa (artigo 665.º do CPC), por não dispor de elementos de facto que lhe permitam fazê-lo, dado que permanecem por apurar factos relevantes9.
Não tendo o tribunal de recurso todos os elementos necessários ao suprimento da nulidade em causa e ainda por se impor o respeito pelo duplo grau de jurisdição, mostra-se adequada a baixa do processo à 1.ª instância a fim do tribunal recorrido fundamentar a decisão com a discriminação dos factos e com a fundamentação de direito que entenda serem adequados para a decisão10.
Em face do exposto, decide-se declarar nula a decisão e, consequentemente, ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de ser suprida a nulidade referida, fundamentando-se a decisão de facto e de mérito quanto ao quantum dos alimentos fixados atentas as necessidades dos alimentandos e aos demais elementos considerados, pelo Julgador, pertinentes serem averiguados para uma correta fixação da prestação alimentícia, incluindo os valores auferidos a título de ADSE pelo filho mais velho.
Devendo, ainda, o Tribunal recorrido aproveitar a oportunidade para fundamentar de direito qual a concreta quota-parte da prestação de alimentos que cabe a cada um dos progenitores suportar, porquanto considerou as situações dos progenitores desiguais e concluiu ser de lhes impor contribuições distintas, embora não identificasse a proporção da contribuição de cada um deles11.
No mais mostra-se prejudicada a apreciação das restantes questões apresentadas por se terem tornado irrelevantes por força da nulidade decretada (artigo 608.º, n.º 2 do CPC).
Tudo sem prejuízo de o Tribunal a quo, se assim considerar necessário, após investigação apurada das necessidades dos alimentandos, aproveitar a oportunidade para acrescentar outros factos considerados essenciais à decisão da causa fundamentando a sua convicção e de o progenitor continuar obrigado a garantir o pagamento da prestação alimentar fixada provisoriamente em 130 € mensais para cada um dos filhos.
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam as juízas da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação em declarar nula a sentença, no segmento apontado, ordenando em consequência a baixa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de aquela ser suprida, fundamentando-se a decisão de facto e de direito.
Sem custas.
Évora, 8 de maio de 2025.
Beatriz Marques Borges
Rosa Barroso
Maria Perquilhas
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1. Não se ignora não ter o recorrente invocado expressamente essa nulidade não fazendo referência ao artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC. Tal situação remeter-nos-ia para uma outra questão a de saber se a nulidade da sentença decorrente de falta de fundamentação de facto é ou não de conhecimento oficioso. A este propósito não se desconhece a existência de duas correntes jurisprudenciais: uma em sentido negativo baseada na necessidade de alegação, embora admita que nos casos de falta absoluta de fundamentação de facto e de direito a decisão proferida possa ser anulada ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC; a outra em sentido positivo com o argumento que tratando-se a nulidade do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC de um vício mais grave comparativamente com a anulabilidade prevista na apontada alínea c), do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, não faria sentido que a lei processual civil fizesse depender o seu conhecimento da arguição por parte do recorrente (tese por nós acolhida). A propósito desta querela pode consultar-se o Ac. da RL de 20-12-2018, proferido no P. 78/14.0TBVFX-C.L1-7, relatado por Diogo Ravara e disponível para consulta em:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c40fc94389996efd802583c500536ac0.
2. O dever de fundamentação das sentenças tutelares cíveis não se encontra previsto expressamente nos artigos 1.º a 33.º do RGPTC, mas decorre do artigo 607.º do CPC aplicável por força do artigo 33.º, n.º 1 do RGPTC, naturalmente sem prejuízo das adaptações decorrentes da natureza dos processo de jurisdição voluntária, que consagram o princípio da livre investigação dos factos e da obtenção oficiosa de provas (artigo 986.º, n.º 2) e, ainda, que no julgamento o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar, em cada caso, a solução julgada mais conveniente e oportuna (artigo 987.º do CPC).
3. O artigo 2004.º sob a epígrafe Medida dos alimentos estabelece que: “1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. 2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.”.
4. Cf. neste sentido Ac. RC de 09-01-2024, proferido no processo 1022/21.3T8ACB-A.C1, relatado por Henrique Antunes e disponível para consulta em:
5. Cf. entre outros o Ac. da RE de 26-09-2024, proferido no P. 669/24.0T8FAR-C.E1, relatado por Filipe Marques Aveiro no qual são abordados alguns métodos para determinação do quantum alimentício, principalmente numa fase embrionária do processo (regime provisório fixado na conferência de pais), disponível para consulta em:
6. O valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2025 é de € 522,50 por força Portaria n.º 6-B/2025/1, de 6 de janeiro publicado no Diário da República n.º 3/2025, Suplemento, Série I de 2025-01-06 e disponível para consulta em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/portaria/6-b-2025-902111932.
7. Neste n.º 4 estabelece-se que quando o crédito exequendo for de alimentos é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, ou seja, o valor mensal desta pensão em 2025 é de 255,25 €.
8. Cf. FREITAS, José Lebre de – “Código de Processo Civil Anotado”,.Volume 2.º. 2.ª edição. Coimbra Editora. 2008. páginas 703 e 704; - “A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”. 3.ª edição. Coimbra Editora. Setembro de 2013. página 332.
9. Embora o artigo 665.º, n.º 1 do CPC disponha que “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”, tal pressupõe que os elementos constantes do processo permitam conhecer o objeto do recurso e, naturalmente por inerência, o mérito da causa. Neste sentido pode consultar-se GERALDES, Abrantes - “Recursos no novo Código de Processo Civil”. 5ª Ed.. Almedina. 2018. p. 335, quando afirma “a anulação da decisão (…) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo quando não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”.
10. Cf. a propósito do reenvio do processo para a 1.ª instância por total falta de fundamentos de facto e de direito a Decisão Singular da Relação de Évora prolatada ao abrigo do artigo 656.º do CPC datada de 23.01.2023, proferida no P. nº 2050/17.9T8FAR-C.E1 e relatado por Elisabete Valente.
11. No Ac. da RE de 26-09-2024, proferido no P. 669/24.T8FAR-C.E1, relatado por Filipe Aveiro Marques é avançado um método para o cálculo da proporção do que cada um dos progenitores deve suportar a título de alimentos a favor dos alimentandos.