ARRESTO
REQUISITOS
JUSTO RECEIO DE PERDA OU DIMINUIÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL
Sumário

Sumário:
I. O julgador deve ter um especial cuidado no decretamento de uma providência cautelar de arresto: o facto de ser decretado sem contraditório prévio e a circunstância de permitir a imediata agressão do património do requerido, tornam esta providência cautelar numa arma especialmente perigosa quando colocada nas mãos do credor que, sabendo de antemão que o seu crédito é contestado, pretenda compelir o devedor a satisfazer esse crédito, sob a ameaça de apreensão do seu património;
II. Na fórmula genuína do “justo receio de perda de garantia patrimonial “cabe uma variedade de casos , tais como os de receio de fuga do devedor , de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária .
III. Não preenche tal requisito a providência movida contra um requerido que continua exercer a sua actividade, aparentemente próspera, do qual não há notícia de que não tenha cumprido obrigações perante os credores, segurança social ou fazenda nacional e se, para além de um imóvel, é titular de uma quota numa sociedade comercial da qual aufere os seus proventos.

Texto Integral

Processo: 3508/24.9T8STB.E1

ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

1. AA deduziu procedimento cautelar de arresto contra BB, alegando que este lhe vendeu um lote de terreno para construção pelo preço de € 120.000,00, que o Requerente veio a constatar não pertencer ao Requerido, que assim lhe vendeu um bem alheio sabendo que não era proprietário do referido terreno e que ao fazer seu como fez os valores que lhe foram entregues pelo Requerente estava a lesar o mesmo, pelo menos, no montante respetivo do preço e, além desse montante, o Requerente terá direito a ser ressarcido de todas as despesas que teve em consequência da aquisição do imóvel, cuja venda deverá vir a ser anulada, e também pelos danos morais que sofreu com esta situação, tudo no valor global de € 150.000,00.


Mais alegou que teve conhecimento de que o Requerido tem outras dívidas, já tendo vendido o seu carro e prepara-se para vender a casa, único bem que lhe conhece, pelo que tem justo receio de perda da garantia patrimonial, requerendo o arresto da mesma.

2. Produzida prova indicada pelo Requerente, foi decretado o arresto/do prédio urbano composto por edifício de r/c e 1.º andar, para habitação e logradouro, denominado lote 189, na Local 1, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia do ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da mesma freguesia.

3. Deduziu o Requerido oposição , na qual alegou que o lote de terreno que vendeu ao requerente era da sua propriedade, uma vez que lhe foi doado verbalmente pelo seu avô, não se tratando do mesmo lote de terreno que pertence ao Sr. CC, pelo que não é verdade que tenha vendido ao requerente um lote de terreno que não lhe pertence e, além disso, para além da sua casa arrestada nos autos, possui um outro imóvel, carros de avultado valor e uma quota numa sociedade, não estando com dificuldades económicas nem tem dívidas a terceiros, pelo que nenhum fundamento existe para que tenha sido decretado o arresto do imóvel acima referido, devendo ordenar-se o seu levantamento.

4. Procedeu-se à tomada de declarações às partes e à inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerido na sua oposição, vindo, subsequentemente a ser produzida prova, proferida nova decisão que manteve o arresto anteriormente decretado.

5. É precisamente desta decisão que recorre o Requerido, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


I) O recorrente discorda do entendimento do tribunal a quo, designadamente na parte em que entende como não provados os factos 5, 6 e 7, mormente que os prédios não são os mesmos.


II) De facto, confrontando as cadernetas e descrições prediais e, bem assim, a fotografia aérea junta (Documentos 5, 9 da P.I e 17 da oposição com os Docs. 7 e 8 da P.I e 15 da oposição), facilmente se verifica e identifica que ambos os prédios são diferentes.


III) Quanto à localização: o prédio do requerido/Recorrente, situa -se na Local 2, já o do Sr. CC encontra-se inserido na herdade de Local 3, área arborizada situada mais a norte (onde o lote 12 se insere), em estreita conformidade com o nº de lote constante no respetivo alvará de loteamento.


IV) Quanto às coordenadas constantes na caderneta predial, as quais também diferem.


V) Quanto à descrição: o prédio do requerido/Recorrente não foi alvo de QUALQUER operação de loteamento, não tendo, em consequência, nenhum número de lote, sendo excluído da operação de loteamento levada a cabo pelo Exmo. Sr. DD.


VI) Já o Prédio do Sr. CC corresponde ao lote 12 da operação de loteamento, encontrando-se mais a norte da parcela de terreno vendida ao requerente, sendo que a planta síntese e o alvará facilmente o identificam.


VII) Quanto às confrontações: basta atentar no Doc. 14-A – planta de localização - junta pelo requerente, onde é possível ver a disposição dos lotes e respetivas confrontações.


VIII) Denotando-se que o prédio do requerido/Recorrente, vendido ao requerente, não tem qualquer lote atribuído e confronta a norte com o lote 13-A, a sul com o lote 17, a nascente com a Local 2 e a poente com o Hospital, nºs de lote que foram, por qualquer razão, posteriormente alterados.


IX) E que o lote do Sr. CC (nº 12) confronta a norte/sul/Poente com EE e a nascente com a via pública, mormente a ... não tendo este lote sofrido qualquer alteração (em consonância com a escritura de compra e venda – Doc. 15. pag. 4 da P.I).


X) Desta feita os prédios não são os mesmos, nem podem sê-lo.


XI) Todavia, ainda assim, pretende o requerente/recorrido fazer crer ao tribunal que os Documentos 14- B, C, D, e E foram emitidos ou certificados pela Câmara Municipal de ... e identificam o imóvel, propriedade do Sr. CC, quando, na verdade, a demarcação/identificação ali realizada foi exclusivamente efetuada pelo requerente.


XII) Razão pela qual no topo do referido documento consta que “a identificação da localização é da inteira responsabilidade do requerente ”, significando que na realidade foi este quem procedeu à mesma.


XIII) Ao contrário do que sucede com a certidão emitida pela CMS de que consta que o lote que era propriedade do requerido se encontra excluído do loteamento)


XIV) O que na realidade ocorreu, foi que o Sr. CC, aproveitando-se do facto de o prédio do Requerido/Recorrente não se encontrar inscrito na Conservatória do Registo Predial, logrou obter respetiva inscrição, implantando-o, depois, sobre o prédio do requerido/Recorrente, uma vez melhor localizado do que o lote 12 de que, de facto, é proprietário.


XV) Constituindo essa sobreposição um erro da Câmara Municipal de ..., ou resultado de quaisquer outros factos a apurar, mormente a prestação de falsas declarações pelo Sr. CC.


XVI) Mas nunca pelo facto de estarmos perante o mesmo prédio!


XVII) Nestes termos, smo, cremos que o Tribunal a quo esteve mal em julgar como não provado os factos 5,6 e 7 da douta Sentença.


XVIII) No entanto, não apenas não existe “aparência de bom direito” como também não se encontra preenchido “o fundado receio de perda da garantia patrimonial” (nº 1 do art.º 391º do CPC);


XIX) Para o efeito o requerente/recorrido necessitaria alegar e provar um circunstancialismo fáctico que permitiria afirmar e antever, com objetividade e distanciamento, o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, nunca o tendo logrado provar.


XX) Pelo contrário, recorrente não se furtou às suas responsabilidades nem a quaisquer tentativas de contactos, até porque considera que o prédio é sua propriedade, não tendo vendido qualquer bem alheio!


XXI) Ao que acresce que não possui quaisquer dívidas, ao contrário do dolosamente alegado em sede de P.I (ponto 46 a 49 e 106)!


XXII) E, em sede de audiência, o próprio requerente admitiu desconhecer a situação patrimonial do requerido, em estrita contradição com o que anteriormente tinha afirmado em sede de P.I.


XXIII) Alegações que tiveram como propósito apenas iludir o tribunal, fazendo-o acreditar que os requisitos do arresto se encontravam preenchidos.


XXIV) Ademais, o requerido/recorrente não tem quaisquer execuções pendentes contra si, nem o seu património se encontra onerado.


XXV) Nem tem dívidas à segurança social ou autoridade tributária.


XXVI) E não se encontra em dificuldades económicas.


XXVII) Para além do imóvel arrestado o requerido possui ainda a quota e gerência de uma sociedade unipessoal, com ativos móveis, designadamente veículos, e imóveis com um nível de faturação anual, ilíquido, de 120 mil euros.


XXVIII) Exercendo uma profissão estável e lucrativa como ... de alta voltagem


XXIX) Quota e ativos penhoráveis em sede executiva caso venha a ser concedida providência às pretensões do requerente/recorrido.


XXX) Nunca pretendendo o requerido – como a Meritíssima Juiz do tribunal a quo parece entender no segmento final da sua decisão – que fosse arrestada a quota em vez do imóvel,


XXXI) mas sim arguir e evidenciar o facto de o recorrente não padecer de qualquer dificuldade económica, possuindo bens penhoráveis que constituem garantia suficiente do crédito em sede executiva e que nunca se eximirá das suas responsabilidades.


XXXII) Não se encontrando preenchidos nenhum dos pressupostos legitimadores do arresto.


Pelo exposto pugna-se V. Exa digne, sempre com o douto suprimento, revogar o arresto decretado sobre imóvel propriedade do recorrente.

6. O requerente não apresentou contra-alegações.

7. OBJECTO DO RECURSO


Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – são as seguintes as questões cuja apreciação aquelas convocam:


7.1. Impugnação da matéria de facto: Se os factos insertos nos pontos 5, 6 e 7 do elenco dos “Não Provados” devem transitar para o dos “Provados”.


7.2. Reapreciação jurídica da decisão: da (in)verificação dos requisitos de decretação do arresto.


II. FUNDAMENTAÇÃO

8. O Tribunal “a quo” deu como assente o seguinte quadro fáctico na decisão que decretou o arresto:


“Tomadas declarações de parte ao Requerente e inquiridas as testemunhas arroladas pelo mesmo, consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos:


1. O Requerente pretendeu adquirir um lote de terreno para construção sito em ....


2. Nessa medida, após pesquisa, tendo visto um terreno do seu agrado, cuja venda se encontrava a ser promovida pela sociedade de mediação imobiliária “FF – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, o Requerente contactou telefonicamente a Agência Imobiliária e negociou com a mesma a aquisição do imóvel.


3. Tendo apresentado uma proposta de compra, que foi aceite pelo Requerido, com a intermediação da referida agência imobiliária.


4. Foi celebrado, em 4 de abril de 2023, o contrato promessa de compra e venda, entre o Requerente e o Requerido, no qual este último declarou ser dono e legítimo proprietário do prédio urbano composto por terreno para construção sito em ..., na Local 2), concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número quatro mil quinhentos e três, da freguesia de ... e descrito na matriz predial urbana sob o n.º 11361 da referida União de Freguesias de ...) e prometeu vender ao Requerente e este prometeu comprar-lhe o referido imóvel.


5. Posteriormente, em 30 de agosto de 2023, foi celebrada a escritura pública de compra e venda, no Cartório Notarial de GG, através do qual o Requerido vendeu ao Requerente o referido lote de terreno supra melhor identificado.


6. O preço do terreno em causa foi de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), que foi pago pelo Requerente ao Requerido da seguinte forma:


- Pagamento da quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), no dia 4 de abril de 2023 (data de assinatura do contrato promessa de compra e venda), através do cheque bancário com o número ... sacado sobre o Banco Comercial Português, S.A.;


- Pagamento da quantia de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) em numerário, no dia da escritura de compra e venda (30/08/2023);


- Pagamento do remanescente de € 94.400,00 (noventa e quatro mil e quatrocentos euros), no dia da escritura de compra e venda, ou seja, 30/08/2023, através do cheque bancário com o número ... sacado sobre o Banco Comercial Português, S.A.


7. O Requerente pagou os impostos relativos à aquisição do terreno – IMT no valor de € 7.800,00 e Imposto de Selo no valor de €960,00.


8. Após a escritura pública de compra e venda, a aquisição do imóvel a favor do Requerente foi registada na Conservatória do Registo Predial de ... em 31/08/2023 através da apresentação 5447 da mesma data.


9. O imóvel também foi inscrito a favor do Requerente nas Finanças, ficando este a constar como proprietário do mesmo na respetiva caderneta predial.


10. A partir da data de aquisição pelo Requerente este passou a agir em conformidade com o seu direito de propriedade, designadamente, limpou e vedou o terreno.


11. Todavia, em finais de janeiro/inícios de fevereiro de 2024, em dia não apurado em concreto, o Requerente foi contactado pelo sobrinho do Exmo. Sr. CC, o Sr. HH, que se deslocou ao terreno e ao ter visto a vedação colocada pelo Requerente, lhe disse que ele não podia ter vedado o terreno porque o terreno era propriedade do seu tio.


12. O Requerente, surpreendido com tal afirmação, respondeu que devia haver algum engano uma vez que havia comprado o terreno.


13. Na sequência do que o Sr. HH contactou o seu tio, a fim de lhe dar conhecimento da situação acima referida.


14. O Sr. HH, sobrinho do Sr. CC, informou o A. que este estava na ... mas viria de propósito a Portugal para falar pessoalmente com o A., o que veio a acontecer.


15. Quando o Sr. CC chegou a Portugal encontrou-se com o Requerente, tendo-lhe dito que aquele terreno era sua propriedade e que o tinha adquirido por escritura de compra e venda há muitos anos atrás, em 29 de julho de 1974, ao DD.


16. E que sempre pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis relativamente a tal terreno e tinha um projeto para iniciar uma obra no mesmo.


17. E que inclusivamente já tinha dado entrada de um processo de licenciamento na Câmara Municipal relativamente ao referido terreno.


18. Nessa ocasião de tempo e lugar, o Sr. CC apresentou ao Requerente a certidão do Registo Predial do terreno e a Caderneta Predial do mesmo, encontrando-se o terreno registado em seu nome.


19. Todavia, o Requerente verificou que o terreno tinha uma descrição predial e área diferentes – constava como prédio urbano situado em Local 3, com a área de 634 m2, composto por lote de terreno para construção (designado por lote 12), encontrando-se registado na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 4094 da freguesia de ..., com a descrição em Livro n.º 31581 do Livro n.º 100, Secção: 0.


20. O terreno tinha também uma inscrição matricial diferente – encontrava-se inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 4066 da União das Freguesias de ...).


21. A morada era também diferente – a morada que constava da certidão e da caderneta predial que o Sr. CC lhe apresentara era em “Local 3” e com a designação de lote 12, ao passo que o terreno que o Requerido lhe havia vendido tinha a morada “Local 2, em ...”, não tendo qualquer número de lote ou porta.


22. Quanto às confrontações, as do terreno registado em nome do Sr. CC eram as seguintes: Norte; Sul e Poente – DD; Nascente: Via Pública; enquanto que as confrontações do terreno que comprou ao Réu eram: Norte, lote 13 A; Sul, lote 17; Nascente, estrada pública; Poente, hospital.


23. Nessa sequência, o Requerente, acompanhado do Sr. CC e do seu Arquiteto, II, deslocaram-se ao terreno, a fim de confirmar de que se tratava do mesmo terreno e que não havia nenhuma confusão na localização do mesmo.


24. Tendo chegado à conclusão de que estavam todos a falar do mesmo terreno, ou seja, do terreno que o Requerente havia comprado ao Requerido em ... de ... de 2023.


25. O Requerente acreditou que o Requerido, quando lhe vendeu o referido lote de terreno, era, de facto, o seu legítimo proprietário e possuidor, estando a aquisição da propriedade, por usucapião, registada a favor do Requerido e a caderneta predial também em seu nome.


26. Após ter conhecimento dos factos supra referidos, o Requerente contactou telefonicamente o Requerido, informando-o do que havia sucedido e exigindo-lhe explicações.


27. Ao que o Requerido lhe disse que não estava em Portugal, mas sim a trabalhar fora, em ... e que só voltaria a Portugal dali a umas semanas.


28. E posteriormente, enviou-lhe uma mensagem, ao Requerente, no dia 2 de fevereiro de 2024, com o seguinte teor: “O terreno era do meu avô. Chego a Portugal dia 24 ao fim do dia. Podemos combinar para lhe mostrar a minha documentação.”.


29. Não obstante, o Requerente deslocou-se no dia seguinte à residência do Requerido para falar com ele pessoalmente.


30. Quando aí chegou, encontrou um vizinho do Requerido e questionou-o sobre se este estaria fora a trabalhar em ..., ao que o vizinho lhe disse que não, pois o mesmo tinha saído de manhã para trabalhar, como fazia todos os dias.


31. Cerca de duas semanas depois, o R. contactou o A. telefonicamente, para se encontrarem pessoalmente e lhe facultar toda a documentação que tinha do terreno: cópia da escritura pública de justificação, do documento comprovativo de participação de transmissões gratuitas - imposto de selo – das Finanças e comprovativos de pagamento do imposto municipal sobre imóveis.


32. Da cópia da escritura entregue ao Requerente, é possível verificar que no dia ........2022, no Cartório Notarial de JJ, em ..., o Requerido celebrou escritura de justificação notarial, na qual declarou que, com exclusão de outrem, era dono e legítimo e possuidor do referido terreno, sito na Local 2), localidade de ..., concelho de ..., a confrontar a Norte com o lote 13A, a Sul com o lote 17, a Nascente com a Estrada Pública (Local 2) e a Poente com o Hospital, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 11361, destinado a construção, com a área de quinhentos e dezoito metros quadrados.


33. Tendo ainda o Requerido declarado na aludida escritura que o referido prédio urbano “foi-lhe doado verbalmente, no ano de mil novecentos e noventa e três, por seu avô, KK, por conta da respetiva quota disponível, sem que por isso aquele ficasse a dispor de título formal que permitisse o respetivo registo na Conservatória do Registo Predial, mas dele logo, entrou na posse e fruição, em seu nome próprio, posse que assim deteve por muito mais de trinta anos, sem interrupção ou ocultação de quem quer que fosse.


34. Ora, conforme o Requerente veio a apurar posteriormente à compra do terreno, as declarações prestadas pelo R. na referida escritura de justificação são falsas, pois o Requerido não exerceu qualquer posse sobre o terreno em causa.


35. Sendo que apenas o Sr. CC exerceu, desde a sua aquisição do terreno, posse sobre o imóvel em causa.


36. Entretanto, foi o Requerente informado de que o Sr. CC em janeiro de 2024 deu entrada na Câmara Municipal de um pedido de informação prévia, para a construção de uma moradia no terreno, que já tinha obtido um parecer favorável daquela entidade, por ofício datado de 02/02/2024.


37. Mais: foi referido pelo Arq. II que nem sequer se poderiam colocar dúvidas de que o proprietário e legítimo possuidor do terreno era o Sr. CC porque da planta Síntese que constitui o anexo VI ao Alvará de Loteamento n.º 21/88 existente na Câmara Municipal de ... consta a identificação do terreno com o n.º da descrição em Livro do imóvel na Conservatória do Registo Predial – descrição n.º 31581, Livro n.º 100, Secção 0, conforme documento junto (nº 14).


38. Ficando então o Requerente ciente de que na documentação existente na Câmara Municipal, nomeadamente na documentação relativa ao Alvará de Loteamento, a descrição do terreno que aí se encontra mencionada é a descrição predial do prédio registado em nome do Sr. CC – descrição atual n.º 4094, que corresponde à descrição n.º 31581 do Livro n.º 100, e não a descrição predial n.º 4503 correspondente ao prédio vendido ao Requerente pelo Requerido.


39. Antes de ser abordado pelo sobrinho do Sr. CC como acima descrito, o Requerente já havia solicitado a uma Arquiteta a elaboração do projeto de licenciamento para construir uma moradia no terreno adquirido ao Requerido.


40. Tendo solicitado a elaboração de um levantamento topográfico ao dito terreno, que foi elaborado pelo topógrafo LL e do qual consta a declaração de que o lote de terreno, vedado com muros dos vizinhos, tem a área de 635,9m2 e não de 518m2, conforme consta na escritura de venda efetuada pelo Requerido ao Requerente.


41. O Requerido arrogou-se proprietário do referido terreno, sabendo que o não era, sem que para tal o tivesse adquirido de quem era seu legítimo dono e proprietário.


42. Com efeito, o Requerido após requerer a inscrição de um prédio omisso na matriz quando sabia assim não ser, justificou notarialmente, seguida de registo, como o tendo adquirido por usucapião, prestando falsas declarações porquanto tal prédio era propriedade de outra pessoa.


43. E, ao celebrar um contrato promessa, seguido de contrato de compra e venda com o Requerente, vendeu bem alheio, sabendo que não era proprietário do referido terreno, e que ao fazer seu como fez os valores que lhe foram entregues pelo Requerente estava a lesar o mesmo, pelo menos, no montante respetivo do preço.


44. Apesar disso e de todos os esforços desenvolvidos pelo Requerente, o Requerido nunca lhe devolveu o preço pago nem se mostrou disponível para o indemnizar.


45. O Requerente, para além do preço de aquisição do imóvel, do IMT e do imposto de selo pagos no momento da aquisição, despendeu também a quantia de € 153,00 (cento e cinquenta e três euros) com a escritura de compra e venda que celebrou com o Requerido.


46. E gastou a quantia de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros), com o registo predial da aquisição do terreno.


47. O Requerente despendeu a quantia de € 492,00 (quatrocentos e noventa euros), pelo levantamento topográfico que solicitou ao topógrafo.


48. E pagou a adjudicação do projeto de arquitetura, no valor de € 3.690,00 (três mil seiscentos e noventa euros).


49. O Requerente gastou a quantia de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) com o corte dos pinheiros existentes no terreno.


50. Com honorários de Advogados o Requerente despendeu a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, no total de € 1.476,00 (mil, quatrocentos e setenta e seis euros).


51. Acrescente-se que esta situação trouxe vários problemas para o Requerente, que desde essa data tem tido problemas de saúde, como crises de ansiedade e dificuldade em dormir à noite.


52. Passando os dias angustiado, sem saber se alguma vez irá recuperar o seu dinheiro, fruto das suas poupanças.


53. Teve o Requerente conhecimento que o Requerido está a passar por dificuldades financeiras, constando que o mesmo tem dívidas a terceiros.


54. Tendo vendido o veículo automóvel do qual era proprietário, no passado dia 9 de outubro de 2023.


55. E que se prepara para vender a sua casa – prédio urbano composto por edifício de r/c e 1.º andar, para habitação e logradouro, denominado lote 189 sito na ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 896 da freguesia do ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2986 da mesma freguesia.


56. Tendo um anúncio para venda afixado neste imóvel.


57. Não são conhecidos do Requerente quaisquer outros bens propriedade do Requerido.


58. Tais factos geram receio no Requerente de dissipação dos bens pertencentes ao Requerido e de ver frustrado o pagamento do seu crédito.

9. Na sequência da prova produzida com a oposição, o Tribunal considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

1. Em 09/11/2018, a Camara Municipal de... dirigiu uma carta ao aqui Requerido, para, na qualidade de “responsável do local” – lote de terreno para construção na Local 2 -, proceder à limpeza do terreno e ao corte ou abate das espécies arbóreas não protegidas por lei, mormente pinheiros bravos, que existiam no prédio, as quais constituíam, pelo porte e altura perigo de queda.


2. Sendo posteriormente certificado pela Câmara Municipal que a parcela de terreno aí assinalada (e a cuja venda se reporta o presente processo), não se encontra inserida no Alvará de loteamento número 10/96.


3. O lote de terreno pertencente ao Sr. CC está numerado com o número 12, sendo esta a numeração sequencial de um loteamento urbano conforme consta da respetiva escritura de compra e venda, como decorrente de uma operação de loteamento de parte de um prédio rústico titulado pelo respetivo alvará.


4. E está reproduzido na caderneta predial urbana do artigo 4066 “lote de terreno para construção urbana, correspondente ao lote 12 com área de 634 m2 confrontando a norte sul e poente com DD e a nascente com via publica, e na descrição predial nº 4904 (lote de terreno para construção designado lote 12 com as mesmas confrontações.


5. No dia 30/01/2024 o Requerido viajou de Lisboa para ... e regressou a Lisboa no dia 03/01/2024.


6. O requerido atualmente reside na ... 10 – ..., em ....


7. Quem reside no imóvel que foi arrestado são os Srs. MM e NN.


8. Além do imóvel arrestado nos autos, o Requerido também tem uma quota de uma sociedade comercial - OO, Unipessoal, Lda.


9. O requerido exerce a atividade profissional de ... de alta voltagem ao serviço da sociedade unipessoal de que é sócio gerente, que apresenta em média um volume de negócios anual, ilíquido, de cerca de € 120.000,00.


10. Quer o Requerido quer a sociedade OO, Unipessoal, Lda, de que é sócio gerente, em julho de 2024 tinham a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária.


10. Da prova documental e testemunhal realizada nos autos, com interesse para apreciação da causa entendeu o Tribunal “ a quo” que nada mais resultou indiciariamente provado, nomeadamente não resultou provado que:


1. O requerido adquiriu o prédio objeto do presente processo por doação do seu avô, PP, que o havia adquirido verbalmente ao Sr. DD por volta do ano de 1960/1970.


2. Circunstâncias, ambas, aquisição e doação do conhecimento incontestado de todos que com qualquer destes três sujeitos se relacionaram, inclusive dos presuntivos herdeiros do seu avô.


3. O requerente tem plena consciência e conhecimento que o prédio do requerido não corresponde ao prédio do Sr. CC.


4. Mais sabe que com esta atuação está a manchar o bom nome do requerido imputando-lhe atos que sabe que este não praticou.


5. Os prédios não são os mesmos.


6. A referência do lote 12 na planta de síntese terá tido génese na pretensão urbanística do Sr. CC já em 2023, que arrogando-se proprietário do referido lote 12, o implantou erroneamente sobre uma parcela que não fazia parte do loteamento por ter sido previamente vendida ao avô do requerido.


7. É o referido Sr. CC que implantou o prédio que é proprietário (lote 12) sobre o prédio vendido pelo requerido e não o inverso.


8. Em junho de 2024 o Requerido trocou o seu veículo por um outro novo, ....


9. Possuindo o Requerido, além do imóvel arrestado nos autos, um outro imóvel também situado no ... com valor venal superior a 75.000,00 € e diversos veículos motorizados.


10. As placas com a indicação de venda da casa do Requerido, aqui arrestada, foram lá colocadas pelo Requerente única e exclusivamente com o propósito de falsificar meios probatórios para sustentar o requerimento de arresto que se encontrava já a instruir,


11. Nunca tendo o requerido promovido ou publicitado a venda do imóvel.

10. Do mérito do recurso

1. Impugnação da matéria de facto


Insurge-se o Requerido contra a resposta que foi dada aos factos por si alegados e insertos nos pontos 5, 6, e 7 do elenco dos “Não Provados” louvando-se nas cadernetas e descrições prediais e, bem assim, na fotografia aérea juntas aos autos.


Porém, a questão é que, aparentemente, o terreno alienado coincidirá fisicamente com o terreno do senhor CC e até a questão ser deslindada em sede própria os documentos em apreço não têm em virtualidade de confirmar o alegado tanto mais que têm origem no processo de justificação notarial de que o Requerido lançou mão para inscrever a sua dominialidade e que terá de ser objecto de competente acção de impugnação de justificação notarial.


Por esse motivo, improcede a pretensão de ver estes factos dados como “Provados”.


10.2. Reapreciação jurídica da decisão: Da (in) verificação dos pressupostos de decretamento do arresto.


“Calamandrei defendia que uma das primeiras máximas do bom juiz era a de que este devia ser cauteloso na concessão de providências cautelares.


Apesar de esta máxima ter sido enunciada no século passado, a verdade é que esta, ainda hoje, conserva toda a sua pertinência e atualidade.


Com efeito, o julgador deve ter um especial cuidado no decretamento de uma providência cautelar de arresto. Na verdade, o facto de o arresto ser decretado sem contraditório prévio e a circunstância de permitir a imediata agressão do património do requerido, tornam esta providência cautelar numa arma especialmente perigosa quando colocada nas mãos do credor que, sabendo de antemão que o seu crédito é contestado, pretenda compelir o devedor a satisfazer esse crédito, sob a ameaça de apreensão do seu património.


Ora, para que o arresto possa ser decretado, o julgador tem de dar como preenchidos dois requisitos cumulativos:


a) verificar-se a probabilidade séria de existência do direito de crédito de que o requerente se arroga titular (fumus boni iuris);


b) existir um receio, devidamente justificado e fundado, de o credor poder vir a perder a garantia patrimonial do seu crédito (periculum in mora)1”.


Cremos que os factos indiciariamente provados não permitem que ocorra um juízo de verosimilhança quanto ao facto de o Requerente ser efectivamente credor do Requerido da quantia 150.000 euros ou de qualquer outra que justifique o decretamento de um arresto deste jaez.


Na verdade, a eventual existência de tal crédito está dependente da prova de que o terreno vendido pelo Requerente ao Requerido se consubstanciou na “venda de um bem alheio”, o que neste momento se revela controverso.


Mas, ainda que assim não fosse, o certo é que ficou por demonstrar o requisito do “receio justificado da perda da garantia patrimonial”.


Tal requisito pressupõe a alegação e prova (sumária é certo) de factos que façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito em apreço.


Tal “receio” para ser considerado “justo” há-de assentar em factos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio meramente subjectivo do credor decorrente de não ver liquidado o seu crédito.


Na fórmula genuína do “ justo receio” de perda de garantia patrimonial “ cabe uma variedade de casos , tais como os de receio de fuga do devedor , de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária .


In casu e com interesse para tal desiderato, apenas resultou provado que:


O requerido “se prepara para vender a sua casa”( ponto 55), tendo um anúncio para venda afixado neste imóvel ( 56)


- O requerido atualmente reside na ... 10 – ..., em ....


- Quem reside no imóvel que foi arrestado são os Srs. MM e NN.


- Além do imóvel arrestado nos autos, o Requerido também tem uma quota de uma sociedade comercial - OO, Unipessoal, Lda.


- O requerido exerce a atividade profissional de ... de alta voltagem ao serviço da sociedade unipessoal de que é sócio gerente, que apresenta em média um volume de negócios anual, ilíquido, de cerca de € 120.000,00.


- Quer o Requerido quer a sociedade OO, Unipessoal, Lda, de que é sócio gerente, em julho de 2024 tinham a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária.


Em suma: O requerido continua exercer a sua actividade, aparentemente próspera, não havendo notícia de que não tenha cumprido obrigações perante os credores, segurança social ou fazenda nacional.


É certo que terá intenções de alienar o imóvel arrestado mas não há quaisquer indícios de ausência de solvabilidade ou de perigo de dissipação do valor da alienação.


Indemonstrada igualmente ficou a impossibilidade de o requerente poder ser ressarcido do crédito que eventualmente lhe venha a ser reconhecido através do património do Requerido que contempla, como vimos, uma quota numa sociedade comercial - OO, Unipessoal, Lda., da qual aufere os seus proventos.


Em suma: Não se descortina a existência indiciária de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens nem de situação deficitária.


E, por isso, a decisão que decretou o arresto não se pode manter.


III. DECISÃO


Termos em que se acorda em revogar a decisão recorrida e se ordena o levantamento do arresto incidente sobre o prédio urbano composto por edifício de r/c e 1.º andar, para habitação e logradouro, denominado lote 189, na Local 1, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 896 da freguesia do ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2986 da mesma freguesia.


Custas pelo apelado.


Évora, 8 de Maio de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Ricardo Miranda Peixoto


Francisco Xavier

1. In PROVIDÊNCIAS CAUTELARES CONSERVATÓRIAS: QUESTÕES PRÁTICAS ATUAIS de Marco Carvalho Gonçalves, pag. 7, consultável em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/53693/1/Provid%c3%aancias%20cautelares%20conservat%c3%b3rias-%20Quest%c3%b5es%20pr%c3%a1ticas%20atuais.pdf↩︎