1. A Relação poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).
2. A resolução tem lugar em situações de variada natureza, resultando dum facto posterior à celebração do contrato, normalmente um facto que vem iludir ou frustrar a legítima expetativa duma parte contratante, muitas das vezes, um facto da contraparte que traduza o inadimplemento de uma obrigação.
3. É «justa causa» de resolução qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, ou a verificação de violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual.
4. A resolução por incumprimento não faz desaparecer a relação contratual, antes a converte numa relação de liquidação, podendo-se definir «liquidação» em oposição a cumprimento, como o conjunto e a articulação de todos e cada um dos meios necessários e possíveis para a equilibrada composição entre os interesses das partes de um contrato cujo programa de execução foi por qualquer modo malogrado.
5. Demonstrado o desinteresse do vendedor, na sequência da resolução contratual, em recolher as pedras com os problemas comunicados pelo comprador - e afirmando, aquele, que o restante material produzido, mas não levantado, já não traria qualquer incremento para o seu património -, não será de aplicar a restrição prevista no n.º 2 do art.º 432º do CC.
6. Acordada a cláusula “EXW (Ex Works)” - nos termos da qual «o exportador encerra a sua participação no negócio quando acondiciona a mercadoria na embalagem de transporte (v. g., contentor)» -, incumpre o contrato o vendedor/exportador que não procede ao adequado acondicionamento para transporte.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Vítor Amaral
Moreira do Carmo
I. A..., S. A., sociedade comercial constituída ao abrigo do direito luxemburguês, intentou a presente ação declarativa comum contra B... S. L., sociedade comercial constituída ao abrigo do direito espanhol, e C..., Lda., sociedade comercial constituída ao abrigo do direito português, pedindo[1] que se condenem as Rés ao pagamento à A. de € 151 230,76, e respetivos juros de mora vencidos (€ 10 739,46) e vincendos até integral pagamento, a título de indemnização pelo incumprimento contratual, bem como o montante dos prejuízos sofridos pela A. em virtude dos danos reputacionais causados pelas Rés, responsáveis solidariamente, a fixar com recurso à equidade, mas nunca inferior a € 25 000.
Alegou, em síntese: no exercício da sua atividade de importação e comercialização de produtos acabados de pedra natural destinados a obras públicas, contratou com duas sociedades marroquinas – D... e E... – a venda e entrega, em Marrocos, de granito para utilização em obras públicas, na sequência do que acordou com o gerente da 1ª e 2ª Rés, a produção de blocos de granito com dimensões e cortes específicos; o granito objeto da compra e venda foi extraído de uma pedreira em Vilar Formoso e colocada a bordo em Leixões, para Casablanca, emitindo a Ré à A. as respetivas faturas; não tendo as partes escolhido expressamente a lei aplicável, o Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.6.2008, dispõe que no “contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual” (alínea a) do n.º 1 do artigo 4º), donde a Lei aplicável deverá ser a portuguesa, pois os fornecimentos foram realizados a partir de Portugal; as encomendas assumiam elevada importância quer pela quantidade de granito, quer pela qualidade exigida, do que a A. sempre informou as Rés; as Rés não cumpriram, minimamente, os prazos acordados e a qualidade das pedras de granito a fornecer e logo no início de julho de 2021 os aumentos dos preços pretendido pelas Rés já verificavam uma majoração de 22 %, sendo que, além dos aumentos de preço, também os atrasos foram sucessivos, conduzindo a A., por mais do que uma vez, a procurar esclarecimentos junto das Rés e, ainda assim, procedeu ao pagamento, à C..., de € 80 000 a título de sinal; no final de setembro de 2021, após nova conferência com as Rés, ficou claro que estas apenas agilizariam a produção se os preços fossem (novamente) aumentados, pelo que, face aos atrasos nas entregas e aumento dos preços, a cliente D... comunicou à A. o cancelamento da encomenda referente às bordaduras Bgb 0,2; acresce que, além destes incumprimentos, as peças de granito entregues pelas RR. à A. padeciam de defeitos e irregularidades face às características previamente acordadas; por força do exposto a A. viu a sua margem bruta original de 15 % decrescer significativamente e acabou por ser confrontada com a resolução dos contratos por parte dos seus clientes marroquinos, o que a levou a remeter às Rés, em outubro e dezembro de 2021, a decisão de resolução do contrato, sem qualquer resposta por parte das RR., até março de 2022; as desconformidades foram denunciadas reiteradamente e em vários momentos às Rés, que não repararam, nem substituíram as mercadorias defeituosas em tempo útil e a A. não pode vender as peças de granito defeituosas, as quais nunca foram recolhidas pelas Rés; em virtude dos atrasos e defeitos na produção e entrega das pedras pelas Rés, a reputação da A. junto dos seus clientes e do mercado também sofreu significativo abalo.
As Rés contestaram[2], defendendo-se por impugnação e exceção, alegando, nomeadamente: a ineptidão da petição inicial (p. i.) quanto à causa de pedir, na parte dos defeitos da pedra fornecida pelas Rés; o contrato celebrou-se e produziu efeitos a partir de 21.7.2021; as partes acordaram numa cláusula “ex works”, pelo que os bens se consideravam entregues quando disponibilizados para serem carregados nos camiões, aí terminando a obrigação das vendedoras; a pedra seria cortada de blocos vistos na pedreira, onde esteve a representante legal da A., para os inspecionar; assim ficando definido que a pedra teria as características correspondentes a esses blocos e deveria ser cortada com dimensões específicas, donde esta venda deve considerar-se feita sob amostra e sob qualidade convencionada, caindo na previsão do artigo 469º do Código Comercial, o que torna aplicável o artigo 471º do mesmo código, sendo que no momento da entrega – definido pela cláusula “ex works”– a A. teve oportunidade de examinar, e examinou efetivamente, a pedra vendida, mas, nem nesse momento, nem nos 8 dias posteriores, denunciou às Rés qualquer defeito no produto, assim caducando o direito a denunciar defeitos relativos a discrepância entre o produto e a amostra ou as outras qualidades (dimensões) convencionadas; a denúncia deveria ter sido feita nos 30 dias a contar da entrega dos bens; nunca existiu uma denúncia, mas apenas uma mera queixa, de 12.10.2021, mais de 30 dias após a entrega da maioria dos produtos constantes das faturas; a A. apenas afirma genericamente a existência de uns supostos defeitos, sem identificar as peças em concreto e a que entrega se referem, como se todos os defeitos se verificassem em todas as peças vendidas; a A., sempre tardiamente, pagou apenas algumas faturas, e, em 06.10.2021, estavam vencidas e em dívida 6 faturas, no valor total de €19 062,52, sendo que a A. nunca pagou estas faturas; depois de 27.9.2021, a A. nunca mais veio fazer carregamentos da pedra contratada, que continuava a ser produzida, pelo que não houve incumprimento das Rés que pudesse fundamentar a resolução do contrato pela A.; a pedra foi integrada na respetiva obra em Marrocos (a A. comunicou a resolução e declarou às Rés que a pedra estava disponível para recolha “no local”, mas nunca precisou qual fosse esse local, nem indicou qualquer endereço) e estava acordada uma cláusula “ex works”, pelo que a restituição do que foi prestado teria de ocorrer sempre no lugar onde primitivamente se efetuou a prestação, donde a A. não está em condições de restituir as prestações que recebeu e, nos termos do artigo 432º, n.º 2 do Código Civil, também não tinha condições de resolver o contrato.
Reconvindo, pediram que a A. seja condenada a pagar-lhes os valores das faturas que permanecem em dívida, no valor global de € 19 062,52, bem como da fatura referida no ponto 100º, no valor de € 69 379,20 e, ainda, a indemnizar as Rés em virtude de rutura ilícita do contrato, no montante global de € 80 000, tudo, acrescido de juros vencidos e vincendos, até integral pagamento.
A A. replicou concluindo como na p. i. e pela improcedência da matéria de exceção e da reconvenção, porquanto, além do mais, todas as correspondentes faturas foram pagas, à exceção das relativas à mercadoria produzida pelas Rés após lhes ter comunicado que não tinha mais interesse nas suas prestações.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ineptidão (e relegou para final o conhecimento da restante matéria de exceção), firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Realizado o julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 16.11.2024, julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência: condenou as Rés ao pagamento de € 80 000 à A., e respetivos juros de mora, à taxa legal, desde 07.3.2022, até integral pagamento, absolvendo-as quanto ao mais pedido; julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a A. do peticionado pelas Rés/reconvintes.
Dizendo-se inconformadas, as Rés apelaram formulando as seguintes conclusões:[3]
1ª - A motivação é confusa e ininteligível, pois que o tribunal sobre cada um dos factos que deu como provados não indica os concretos meios probatórios com os quais fundamentou a decisão, fazendo, com o devido respeito, uma amalgama de documentos e depoimentos, sem reporte a cada um dos factos que julgou provados, não se percebendo com a devida clareza o que é que provou o quê.
2ª - E não especifica os fundamentos de facto que justifiquem a decisão, pelo que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615º, n.º 1, al b) e c).
3ª - Foram incorretamente julgados provados os seguintes pontos da matéria de facto: 39, 40, 43, 44 (resolução de 22/9/2021), 51 54, (pedra defeituosa), 56, 57 (resolução de 22/9/2021) 58, 60, 61, 62, 110, 112, 113, 114, 116, 118 e 123, os quais devem ser julgados não provados.
4ª - Assim:
Pontos 39. e 40. - não foi produzida qualquer prova destes factos; temos as reclamações dos clientes Marroquinos que rececionaram a pedra, desconhecendo-se as condições em que a mesma foi descarregada e sobre as condições em que a mesma foi carregada apenas temos o depoimento da testemunha AA que apenas esteve presente na fábrica da B... por duas vezes, mas, pelo seu depoimento não se pode concluir que presenciou os carregamentos dos contentores.
Ponto 43. - inexiste qualquer prova documental, com próprio Tribunal a Quo reconhece, da resolução dos contratos operados pelas clientes marroquinas.
Ponto 44. - Dá-se aqui por reproduzido o que se aduziu quanto ao ponto 43, acrescentando que o email de 22.9.2021 (fls. 291 e 292) não transmite qualquer desistência ou resolução contratual, que a ter ocorrido foi em 04/10/2021.
Ponto 51. - Dá-se aqui por reproduzido o que se aduziu quanto ao ponto 43 e 44 supra.
Ponto 54. - Como resultou provado, as Rés não assumiu qualquer prazo de entrega das mercadorias.
Ponto 57. - A resolução do contrato não se operou através do e-mail de 22.9.2021 (cf. fls. 291 e 292), pois que, do seu teor não resulta nada disso, mas apenas um desabafo do legal representante da Autora (“infelizmente paguei cedo demais”), passando-se a reproduzir a comunicação eletrónica remetida pela sua cliente marroquina que nada diz a respeito da desistência do contrato, até porque após esta data foi expedida mercadoria entre 27 e 30.9.2021. A ter sido, de facto, operada alguma resolução contratual, a mesma ter-se-á verificado por comunicação eletrónica datada de 04.10.2021, a qual se desconhece se foi rececionada ou não, nem sobre isso foi oferecida qualquer tipo de prova.
Ponto 58. - Verifica-se uma total ausência de prova sobre este facto, testemunhal ou documental, mais concretamente quanto às quantidades.
Ponto 60. - Este facto deve igualmente dar-se como não provado, não só pelo infra se dirá sobre a cláusula Exwotks, e fragilidade da prova documental, mas também pelo depoimento inconsistente da testemunha AA, contrariado pelo depoimento da testemunha BB
Ponto 61. e 62. - Estes factos devem igualmente dar-se como não provados, desde logo pelo depoimento inconsistente da testemunha AA, contrariado pelo depoimento da testemunha BB, dos quais se fará uma análise critica.
Ponto 110. - Este facto deve igualmente dar-se como não provado, não só pelo infra se dirá sobre a cláusula Exwotks, e fragilidade da prova documental, mas também pelo depoimento inconsistente da testemunha AA, contrariado pelo depoimento da testemunha BB
Ponto 112. - Este facto deve igualmente dar-se como não provado, desde logo pelo depoimento inconsistente da testemunha AA (que, aliás nunca referiu “caos”) contrariado pelo depoimento da testemunha BB.
Ponto 114. - Este facto deve igualmente dar-se como não provado, desde logo pelo depoimento inconsistente da testemunha AA, contrariado pelo depoimento da testemunha BB, dos quais se fará uma análise critica.
Ponto 115. - Este facto é contrariado pela mensagem de correio eletrónico de fls. 182, datada de 14/10/2021, dirigida por CC da E..., marroquina à Autora (na pessoa de DD), e apesar de reclamar desconformidade de das lajes[4] de passeio, constam duas ordens de compra. Ou seja, denunciavam defeitos, mas mesmo após a resolução contratual operada pela Autora continuavam a fazer encomendas de mais material.
Ponto 118. - Como acima se aduziu a resolução do contrato não se operou através do e-mail de 22.9.2021 (cf. fls. 291 e 292), pois que, do seu teor não resulta nada disso, mas apenas um desabafo do legal representante da Autora (“infelizmente paguei cedo demais”), passando-se a reproduzir a comunicação eletrónica remetida pela sua cliente marroquina que nada diz a respeito da desistência do contrato, até porque após esta data foi expedida mercadoria entre 27 e 30.9.2021.
Ponto 123. - Não se percebe como tenham sido recusados pelas clientes Marroquinas e, mesmo assim, a Autora os tivesse pago e continuasse a fazer mais encomendas, além de que inexiste qualquer prova de que tal tivesse ocorrido.
É completamente inverosímil que tivessem pago apesar de recusada a mercadora pelos clientes marroquinos. Se tivessem sido recusados, assistia (?)
5ª - Analisados os depoimentos das testemunhas AA, EE e BB, gravados através do sistema integrado de gravação digital, cujas transcrições se anexam, o tribunal deveria chegar a conclusão diversa daquela a que chegou, concretamente julgando-os não provado.
Do depoimento da testemunha AA, cujo inquirido na sessão de 27/5/2024 não se pode concluir que a pedras estavam mal-acondicionadas e que apresentavam defeitos ou se as que eventualmente apresentavam defeitos foram de facto expedidas para Marrocos.
Em primeiro não pode o tribunal concluir que esta testemunha viu o estaleiro num caos, como está escrito no ponto 112, pelos (?) esta expressão deve ter-se como não escrita, uma vez que esta testemunha referiu: “O que eu me recordo foi, efetivamente, de chegar à fábrica e deparar-me com situações que eram completamente fora daquilo que é o normal das produções, daquilo que se pede”, mas não positivou sobre o que “é normal que se pede”
E quanto ao mau acondicionamento e defeitos referiu “Verifiquei que a carga estava mal-acondicionada. Foi uma das primeiras coisas que eu verifiquei. Estamos a falar de granito em cima de madeira, se não for bem-acondicionado, num transporte terrestre já é difícil, se não for bem-acondicionado, num transporte marítimo, pior ainda, para logo a seguir ter afirmado que tal situação foi corrigida
E sobre as fitas, que considerou ser um mau método de acondicionamento, não explicou porquê e qual razão de ciência para que pedras fossem acondicionadas em caixas de madeira, quando decorre de observação das fotografias juntas autos que as pedras estavam amarradas em fitas de plástico adequada para acondicionar pedra, o que aliás nunca foi posta em causa pela própria Autora
Depois verifica-se uma total ausência de prova de que se trataram de largas centenas de peças mal-acondicionadas, até porque a única testemunha que visitou a fábrica da B... foi AA e não falou em “largas centenas da peça” Afirma que o problema nunca foi solucionado, mas não se percebe que, tendo sido mandatado para acompanhar as cargas, não tivesse impedido que essas paletes supostamente mal-acondicionadas, sem calços entre elas e com defeitos tivessem mesmo assim sido carregadas.
Também referiu que as pedras estavam condicionadas sobre paletes em madeira, que partiam, mas das inúmeras fotografias enviadas pelos clientes marroquinos não vemos uma única palete partida.
Esta tese ou conclusão desta testemunha não tem a mínima sustentação, pois, em primeiro, lugar não se percebeu do seu depoimento se acompanhou as cargas todas nas duas vezes que se deslocou à fábrica da Ré C..., e, em segundo, não assistiu de certeza absoluta à descarga em Marrocos.
Não pode afirmar com a certeza irrefutável que as pedras postas de lado acabaram por ser enviadas para Marrocos.
A Testemunha EE, inquirida na sessão de 27/5/2024, em nada contribuiu para descoberta da verdade, pois não acompanhou o carregamento da 1ª encomenda, só sabe o que viu pelas fotos e da sua observação não se vê uma única partida por excesso de peso, nem isso se vislumbra nas fotografias.
Não assistiu a nenhum carregamento e, portanto, quanto a defeitos e mau acondicionamento, só sabe o que resulta das reclamações dos clientes Marroquinos, ou seja, no local da descarga das pedras.
Não tem conhecimento direto dos factos, não verificou ou inspecionou o material e só sabe o que leu nos emails e lhe foi dito.
6ª - A Testemunha FF, inquirida na sessão de julgamento de 27/5/2021, responsável da fábrica da F..., deslocado para aí pela Ré C..., afirmou que cortava pedra azul bordadura 30X30 por metro, do que se pode concluir que eram as pedras produzidas para a Autora, até só porque só cortava pedras com essas caraterísticas, cortando-as desde agosto até outubro continuamente.
– Era ele quem carregava as pedras nos contentores, conforme o motorista lhe dizia; – Enchia os contentores, viu umas pessoas a inspecionar o material mas que não apresentaram qualquer queixa; – Essas pessoas vinham da parte da A... várias vezes, 1 homem e uma mulher. – Quem acondicionou a carga foi ele e os funcionários. – Não lhe explicaram como acondicionar as cargas, mas não foi a 1ª vez que carregou, apesar de nuva (?) ter tido explicações. – Carregava os contentores de maneira que fossem seguros, repartidos por todo o contentor, parque (?) não houvesse peso mal distribuído. – A pessoa que lá foi não deu instruções. – Nunca foi retirada carga por mau acondicionamento e nunca tirou fotografias.
7ª - Pode ter dito que não era a si que lhe podiam fazer reclamações, mas se no momento da carga algo de anormal estivesse a ocorrer, designadamente paletes a partir, ou excesso de peso, como falsamente a testemunha AA afirmou, o mais verossímil era que fosse chamado à atenção e o mandassem suspender a carga, o que não se verificou, como já vimos,
8ª - E quantas ás fitas também parece notório que nada lhe foi dito ou reclamado, até este trabalhador acondiciona pedra da maneira usual e mais segura e, como afirmou, nunca teve problemas.
9ª - Todos as reclamações de defeitos são provenientes de Marrocos e, como bem concluído na sentença recorrida, as fotografias foram registadas em Marrocos, não havendo um único registo fotográfico feito em Portugal das pedras e das cargas e, portanto, não se pode concluir com segurança e certeza que a pedras tenham sido expedidas mal-acondicionadas e com defeitos.
10ª - As únicas evidências que temos nos autos são fotografias de pedras, idênticas às fornecidas pelas RR (que contrariamente ao referido na sentença foi contrariada a possibilidade de serem as dos autos cf. requerimento das RR refª Citius 44367683), todas registadas em Marrocos, desconhecendo-se em que condições foram descarregadas no porto, o transporte até ao local da obra e a sua descarga nesta e se as pedras são as fornecidas pelas Rés
11ª - Até porque, como resultou provado no ponto 78. a Autora não está em condições de restituir totalmente os bens prestados pelas Rés, pois essa pedra ou foi destruída ou foi integrada na respetiva obra em Marrocos (artigo 27º da contestação/reconvenção), não sendo assim possível concluir-se que pedra apresentava defeitos, se apresentavam defeitos ou estavam danificadas ou se chegaram mal-acondicionadas.
12ª - Aliás, quanto ao acondicionamento, mesmo das fotografias juntas não há uma única evidência disso, nem é possível contabilizar o número das peças danificadas, cuja causa também é impossível identificar.
13ª - Se foi aplicada em obra é porque não tinha defeito ou deteriorada.
Aliás, quanto ao acondicionamento, mesmo das fotografias juntas não há uma única evidência disso, nem é possível contabilizar o número das peças danificadas, cuja causa também é impossível identificar.
14ª - Como provado no ponto 79. A Autora comunicou a resolução e declarou às Rés que a pedra estava disponível para recolha “no local”, mas nunca precisou qual fosse esse local, nem indicou qualquer endereço para ele, sendo este facto sintomático da ausência de quaisquer defeitos ou danos nas pedras que tenha sido da responsabilidade das Rés, designadamente do seu mau acondicionamento.
15ª - Se existissem pedras danificadas ou com defeito para serem levantadas, a Autora indicava o local preciso para serem levantadas.
16ª - Pelos vistos destruiu-as, o que não deixa de ser estranho, porque nenhuma razão plausível se vislumbra para que assim tenha procedido.
17ª - Alterando-se a decisão da matéria de facto quanto aos pontos acima elencados, inexiste qualquer fundamento para a resolução contratual operada pela Autora, sendo, portanto, ilícita e, portanto, deverá pagar as faturas em dívida e não terá que restituir os € 80 000
18ª - Desde a expedição de Portugal até Marrocos, durante transporte e descarga muitas vicissitudes podem ocorrer, que não são da responsabilidade das AA, por força da cláusula ExWorks acordada entre Autora e Rés. e como explicado na sentença referida, “a cláusula Ex Works (EXW) é um dos termos do Incoterms usados no comércio internacional para definir as responsabilidades do vendedor e do comprador, que consiste no vendedor disponibilizar a mercadoria nas suas instalações (fábrica ou armazém) e o comprador assumir todas as responsabilidades e custos a partir desse ponto.
Em síntese, de acordo com tal Incoterm, são responsabilidades do vendedor: disponibilizar a mercadoria no local acordado (fábrica, armazém, etc.); embalar e etiquetar a mercadoria adequadamente; fornecer a documentação necessária para a exportação.
São responsabilidade do comprador: organizar e pagar o transporte da mercadoria; lidar com todos os custos e riscos a partir do momento em que a mercadoria é disponibilizada pelo vendedor; cuidar do desembaraço aduaneiro de exportação e importação.
As condições de aplicação dos Incoterms decorrem da vontade das partes, donde estes devem ser especificados claramente no contrato, indicando-se a regra escolhida, o local ou ponto designado (normalmente seguido de "Incoterms 2020").
Com efeito, os Incoterms não são obrigatórios por lei, não obstante recomendada a sua inclusão em contratos internacionais, pelo que os contraentes podem optar por incluir tais cláusulas internacionais.
Ora, ambas as partes alegam ter acordado na aplicação a este contrato desta cláusula, tal como provado em 69. (as partes acordaram numa cláusula “ex works”, considerando que os bens objeto do contrato se consideravam entregues quando eram disponibilizados para serem carregados nos camiões e que nesse momento culminava a obrigação das vendedoras)”.
19ª - Acresce que além da recolha e transporte da mercadoria, cuidar do desembaraço aduaneiro de exportação e importação, recai sobre o comprador a ónus de inspecionar a mercadoria.
20ª - Os riscos da não inspeção recaem sobre o comprador, neste caso da Autora e, como bem observado na sentença recorrida (pág. 74), além de ter sido solicitado a intervenção de uma testemunha para o efeito, cabendo à Autora a recolha e transporte da mercadoria, não só a mesma poderia inspecionar pelos seus próprios meios, como fez em algumas ocasiões, como tendo contratado em “ExWorks” poderia contratar uma empresa G... (G...) para fazer a inspeção
21ª - Como resulta do depoimento de parte do representante legal da Autora, as paletes eram carregadas nos camiões ou contentores de uma empresa que contratou para o efeito (eles são responsáveis pela logística) após o que se fazia o transporte dali para Leixões, onde era a bordo e enviada para Casablanca.
22ª - Chegados aqui, depois de disponibilizadas mercadorias na fábrica da Ré B..., caberia às Autora verificar ou inspecionar a mercadoria.
23ª - E se quer as pessoas que mandatou para se deslocarem à Fábrica da B... inspecionar a mercadoria, quer a empresa de logística que contratou verificassem defeitos nas peças e mau acondicionamento das pedras pura e simplesmente não as carregavam.
24ª - A própria Autora, no depoimento de parte do seu legal representante, confessa que foi á Fábrica da B... acompanhado pela testemunha EE, algumas vezes e que estava tudo perfeito e não reclamou de nada.
25ª - Aliás foi julgado provado que quer no momento da entrega a Autora teve oportunidade de examinar, e examinou efetivamente em algumas ocasiões, a pedra vendida, mas nem nesse momento, nem nos oito dias posteriores, denunciou às Rés qualquer defeito no produto vendido (ponto 71 dos factos provados) e em 21.9.2021, a Autora manifestou junto da B... que a pedra de três contentores tinha sido “controlada e validada”, não obstante e sem prejuízo do referido em 40.; 51.; 56., 58.; 112. e 122), o que não deixa de ser contraditório com a resolução que veio comunicar em 04/10/2024 (nem em 22/9/2024).
26ª - Se se verificasse os vícios apontados, a Autora tinha o poder potestativo de não carregar a mercadoria e não a aceitar no seu ponto de recolha e, portanto, ao carregá-la e transportá-la, sem a inspecionar ou inspecionando-a e verificando os vícios alegados, a Autora assumiu todos os riscos e consequências dessa omissão, designadamente, além do mais, a falta de fundamento para operar a resolução contratual.
27ª - De acordo com as regras Ecoterms 2020, a celebração de contrato sujeito à regra ExWork, os riscos e os danos das mercadorias são transferidos para o comprador.
28ª - Discordamos do segmento da sentença quando refere que “não se vislumbra que a cláusula Ex Works (EXW) tenha a virtualidade de excluir a responsabilidade daquelas, antes pelo contrário (sendo clara a relação direta entre o mau acondicionamento da mercadoria e o estado em que esta chega aos clientes da Autora).”
29ª - Este entendimento está em completa contradição com o sentido significado das regras definidas para este Ecoterm, em 2020, pois, a partir do momento em que o comprador levanta a mercadoria nas instalações do vendedor, transfere-se para ele todos os riscos e danos das mercadorias.
30ª - E ao levantar a mercadoria, a Autora assumiu as consequências do risco de não ter feito de forma cabal, como lhe competia, a inspeção da mercadoria e do seu acondicionamento e, quando fez, segundo a testemunha AA, terá permitido que fossem carregadas pedras com defeito ou mal-acondicionadas, assumindo assim todos os riscos.
31ª - Não pode vir agora, por falta de zelo e diligência, imputar às Rés a culpa dos danos ocorridos e das peças enviadas com defeitos.
32ª - Em bom rigor, o princípio que preside aos Incoterms é o de que o comprador suporta o risco de perda ou deterioração dos bens se tal ocorrer após os bens serem entregues, pelo que, passando o risco para o comprador e havendo deterioração ou destruição da mercadoria, ele continuará adstrito ao pagamento do preço, assim se estabelecendo as regras para determinar o momento em que os bens se devem considerar entregues ao comprador, e, consequentemente, o momento da transmissão do risco relativamente à perda ou deterioração da mercadoria (vide GIUDITTA CORDERO-MOSS, International Commercial Contracts: Applicable Sources and Enforceability, Cambridge University Press, 2014, pp 38-39.)
33ª - Neste circunspecto, sempre terá que se concluir que a Ré não se poderia eximir do pagamento do preço como o fez das faturas em dívida, no montante de global de 19 062,52 - duas emitidas pela Ré B..., uma em 09.09 e outra em 15.09 (docs 24 e 25) e quatro de 27/9/2021 (doc 19 a 22) – cf. ponto 81 dos factos.
34ª - Ainda que assim não se entenda, em face da matéria dada como provada, jamais poderia ter sido considerada lícita a resolução contratual operada pela Recorrida, com a cominação de devolução do montante de 80.000€, com fundamento na perda de interesse objetiva.
35ª - Nos casos em que a violação e/ou desvio do programa negocial assume determinada importância e gravidade, que justifique o desaparecimento do interesse do credor na manutenção da relação contratual, como refere o Tribunal a quo, confere a lei ao credor o direito de resolução, ao abrigo dos art.ºs 793º n.º 2, 801º, n.º 2, 802º, n.º 1 e 808º, do Código Civil (CC).
36ª - A resolução contratual sustentada na perda do interesse do credor depende de um inadimplemento grave, ou seja, toda aquela inexecução ou inexatidão que torne inviável o emprego do objeto da prestação ou que impossibilite o credor de a aplicar ao uso especial que tinha em vista.
37ª - Resulta dos factos provados que, desde o início de agosto até, pelo menos, 27.9.2021, foram disponibilizadas e recolhidas pela Recorrida, salvo lapso de cálculo, 1438 (mil quatrocentas e trinta e oito) unidades da pedra contratada, produzida à medida e com as especificidades requisitadas, as quais seguiram, in totum, em 14 contentores.
38ª - O Tribunal a Quo dá como provado que 10 a 15 unidades de pedras/blocos de granito, por carregamento (isto é, por expedição), apresentavam defeitos, alegadamente detetados, note-se, apenas no local de descarregamento da mercadoria e, não, como também resulta incontrovertido (cf. facto provado 71.), no local em que foram tais mercadorias disponibilizadas para recolha por parte da Recorrida.
39ª - Das 1438 unidades recolhidas pela Recorrida e descarregadas em Marrocos - note-se, no máximo - foram detetados defeitos (“falhas e quebras decorrentes do mau acondicionamento da carga”, cuja responsabilidade jamais poderá ser assacada pelas aqui Recorrentes) em apenas 45 unidades, o que foi afirmado pela empresa marroquina E..., na comunicação datada de 14.10.2021 (fls. 182).
40ª - Nessa mesma comunicação, a cliente marroquina E... manifesta interesse na entrega das demais unidades que terá encomendado à Recorrida (444 unidades), que por sua vez as solicitou às aqui Recorrentes.
41ª - Resulta também cabalmente provado que, mesmo após serem apontados defeitos ao produto, os mesmos foram levantados pela Recorrida e os contínuos pedidos de encomendas não foram interrompidos.
42ª - Conclui-se, portanto, que aquelas empresas marroquinas em momento algum tenham resolvido o contrato que celebraram com a Recorrida com fundamento na inconformidade do produto, inexistindo qualquer prova documental nesse sentido, antes se verificando que o fator de maior perturbação daquelas era a demora nas entregas e incumprimento do calendário acordado com a Recorrida, o que nada diz respeito às Recorrentes.
43ª - Por conseguinte, não foram certamente 45 unidades com alegados defeitos uma calamidade ou gravidade tal ao ponto de deitar por terra o interesse das clientes da Recorridas, pois que resulta provado que o produto continuava a ser-lhes requisitado.
44ª - As faturas emitidas pelas Recorrentes nunca foram atempadamente pagas pela Recorrida, pese embora nunca lhe tenha sido recusada a prestação a que aquelas se obrigaram, tal como resulta provado no ponto 73., 74., 75. e 76., apenas tendo cessado a sua produção no dia 14.10.2021 (cf. facto provado 105).
45ª - Não poderão restar quaisquer dúvidas de que a perda de interesse que sustenta a resolução contratual da Recorrida, não se apresenta, de modo algum, devidamente fundamentado, em particular, no que diz respeito à efetiva gravidade do alegado incumprimento por parte das Recorridas e as alegadas consequências.
46ª - O Tribunal a quo acusa as Recorrentes de não terem adotado uma postura condizente com o consagrado nos art.ºs 227º e 762º n.º 2 do Código Civil, não se concretizando em que fase da contratação tal se tenha verificado, nem, diga-se, os concretos comportamentos, e por outro lado, nada refere a respeito da conduta da Recorrida, que insistentemente se colocava em mora no pagamento das faturas.
47ª - Apesar se esclarecidas quanto ao afastamento da responsabilidade das Recorrentes quanto aos defeitos detetados no produto, a Recorrida insistia em comunicações de teor vago e acusatório, sem fundamento para tal, atuando recorrentemente com má fé, ao que acresce o não pagamento do preço oportunamente.
48ª - Andou mal o Tribunal a quo ao não exigir da Recorrida os mesmos padrões de boa fé que exigiu às Recorrentes, pelo que o sentido dos art.ºs 227º e 762º, n.º 2 CC deveria ter sido interpretado e aplicado para ambas as partes e não, como revela a decisão recorrida, a valerem apenas para as Recorrentes.
49ª - A Recorrida não logra provar a objetiva e fundamentada perda de interesse, concluindo-se pela consequente ilicitude da resolução do contrato celebrado com as Recorrentes.
50ª - As regras gerais da resolução contratual previstas nos art.ºs 432º a 436º, conjugadas com o art.ºs 793º, 801º, n.º 2, 804º, 805º, 808º e 799º, todos do Código Civil, atendendo à verdade dos factos, impunha-se uma interpretação a contrario destes preceitos legais, e, por força disso, a sua aplicação encontra-se errada.
51ª - Em suma, sem prejuízo das regras gerais da resolução contratual, a aplicação do n.º 1 e n.º 2 do art.º 808º e sua interpretação no sentido de não se encontrarem reunidos os pressupostos para a sua aplicação ao presente caso, impunha uma decisão diversa daquela de que se recorre, reconhecendo-se a ilicitude da resolução contratual operada pela Recorrida, com as devidas consequências legais.
52ª - Além do mais, é patente que o Tribunal a quo incorreu numa errada interpretação da cláusula Exworks, segundo as regras do comércio internacional estabelecidas e adotadas pela nossa ordem jurídica.
Violou a sentença as disposições legais acima mencionadas
Deve a sentença ser revogada, substituindo-se por uma outra que julgue totalmente improcedente a ação e procedente a Reconvenção
Não houve resposta.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir: a) nulidade da sentença; b) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); c) decisão de mérito, cuja modificação depende da eventual alteração da decisão de facto.
1) A Autora é uma sociedade comercial constituída ao abrigo do direito luxemburguês, que se dedica à importação e comercialização de produtos acabados de pedra natural (granito, calcário, pórfiro, basalto, entre outras), destinados ao desenvolvimento urbano (obras públicas) e aos mercados da construção.
2) No âmbito da sua atividade, a Autora contratou com duas sociedades marroquinas – D... e E... – a venda e entrega, em Marrocos, de granito para utilização em obras públicas que aí decorriam.
3) Nessa sequência, a Autora encetou contactos e acordou com GG (GG), gerente da 1ª e da 2ª Rés, a produção de blocos de granito com dimensões e cortes específicos.
4) O granito escolhido pela Autora, por sugestão do GG, seria extraído de uma pedreira situada em Vilar Formoso.
5) Por a referida pedreira se situar em Vilar Formoso, a 400 km de distância da fábrica da 1ª Ré, GG informou a Autora de que seria a C..., sediada a 15 km da pedreira, que se encarregaria da encomenda da Autora.
6) Do lado comprador, encontrava-se a Autora - que pretendia entregar o granito em Marrocos - e do lado vendedor, encontravam-se as Rés - uma sociedade espanhola e uma sociedade portuguesa.
7) O granito objeto da compra e venda foi extraído – pelas Rés em articulação entre si – de uma pedreira situada em Vilar Formoso e colocada a bordo de um navio em Leixões, emitindo as Rés à Autora as respetivas faturas.
8) Os produtos encomendados eram carregados em Vilar Formoso, na pedreira, para serem transportados por navio do porto de Leixões para Casablanca, em Marrocos.
9) Os bens objeto do contrato celebrado entre as Partes consideravam-se entregues quando eram disponibilizados para serem carregados nos camiões contratados pela Autora, que os recolhiam na fábrica, em Vilar Formoso, e que depois os transportariam até ao porto de Leixões para serem entregues no destino final.
10) Por força do contrato celebrado, as Rés obrigaram-se a produzir determinada quantidade de granito e a disponibilizá-la para carregamento nos camiões contratados pela Autora, que depois se encarregariam de a colocar a bordo de um navio com destino a Marrocos, também ele previamente contratado pela Autora, em diferentes carregamentos.
11) A Autora encomendou à 1ª e 2ª Rés a produção e entrega de granito com as dimensões e cortes mais bem especificados no documento junto de fls. 60 a 108 e retificado de fls. 239 vs a 243, 246 a 249 e 270.
12) As negociações prévias ao acordo de vontades ocorreram entre a Autora e o suprarreferido Sr. GG, tendo sido este quem envolveu a 1ª Ré no negócio.
13) A intervenção da 1ª Ré no negócio serviria, segundo o Sr. GG, para facilitar todo o processo – dado que as suas instalações se situavam a 15 km da pedreira de onde seria extraído o granito.
14) Tratava-se de encomendas com as seguintes referências: a VIAS09 e a BIOUI03 – sendo que esta última foi parcelada em BIOUI03C1 e BIOUI03C2.
15) A encomenda VIAS09 destinava-se a ser entregue à cliente marroquina E..., ao passo que a encomenda BIOUI03 seria entregue à cliente marroquina D....
16) As encomendas assumiam elevada importância – quer pela quantidade de granito, quer pela qualidade exigida –, o que motivou a E... a advertir a Autora quanto ao extremo cuidado a observar, enviando-lhe, a 01.6.2021, uma comunicação com a discriminação das quantidades encomendadas e calendário de entrega desejado, tendo alertado, em 16 de junho, para a necessidade da homogeneidade das peças de granito.
17) Também a D... reforçou a necessidade de as peças de granito encomendadas estarem homogéneas e sem qualquer mancha evidente ou deterioração.
18) A Autora sempre informou as Rés para os requisitos transmitidos pelos clientes finais da Autora e o extremo cuidado a observar aquando da produção e entrega das pedras.
19) No início das negociações, em maio de 2021, a Ré B... mostrava-se confiante no cumprimento pontual das condições contratuais, designadamente quanto à qualidade, acabamento e quantidade de pedra, e pagamento, criando na Autora a expetativa legítima de que estas obrigações contratuais assumidas iriam ser pontual e escrupulosamente cumpridas, apesar do aumento do preço acordado em 4 %.
20) A 29.6.2021, a Autora havia solicitado à B... que a encomenda VIAS09 começasse a ser carregada (pela B...) a 14.7.2021, a um ritmo de 6 contentores por semana, ainda que com um aumento de 5 % no preço, ao passo que a encomenda D... seria carregada pela C..., e nessa mesma comunicação (cuja resposta das Rés se desconhece) sublinhou o extremo cuidado que aquela Ré deveria observar no fabrico e carregamento das peças de granito.
21) Logo no início de julho de 2021 (antes de definitivamente fixados) os aumentos dos preços pretendidos pelas Rés já superavam os anteriores 5 % para a encomenda VIAS09 e os 2 % para a segunda encomenda, chegando-se a verificar uma majoração na ordem dos 22 % face aos valores iniciais da negociação.
22) Tais aumentos eram inaceitáveis para a Autora, o que a motivou a manifestar o seu desagrado e a reforçar o abalo que a sua reputação iria sofrer.
23) Além dos aumentos de preço, face aos valores iniciais da negociação, a Autora, por mais do que uma vez, procurou esclarecimentos junto das Rés quanto às datas de entrega.
24) Através de conversa telefónica, a B... sugeriu que as primeiras entregas acontecessem em setembro, dado que interromperia a sua atividade entre 07 e 20.8.2021, para férias do pessoal.
25) A Autora comunicou à B..., em 21.7.2021, que seria impossível esperar até setembro para satisfazer as primeiras encomendas, acrescentando que apenas conseguiria justificar uma paragem de 07 a 20 de agosto, aos seus clientes marroquinos, sob o pretexto, de um surto de Covid-19 nos trabalhadores da B....
26) Nessa mesma comunicação, a Autora sublinhou que seria necessária uma primeira expedição de seis contentores completos a 29 de julho para a encomenda VIAS09, assim como 12 contentores completos a 05.8. 2021 a serem partilhados entre as duas encomendas – retomando-se, a partir de 26.8. 2021, um ritmo de 12 contentores por semana.
27) Advertiu ainda que, a partir de setembro de 2021 – e especialmente se não fossem enviados contentores nas duas semanas de paragem em agosto – o ritmo de produção teria de ser aumentado.
28) Ainda assim, a Autora procedeu ao pagamento, à C..., em 21.07.2021, de € 80 000 a título de sinal.
29) Em resposta à referida comunicação, a B... comprometeu-se a tentar carregar um total de 12 camiões até ao final de agosto de 2021, ressalvando que, em setembro, apenas se dedicariam às encomendas da Autora.
30) Motivando a Autora a insistir na necessidade de carregar 06 contentores a partir de 29.7.2021 e, idealmente, 12 contentores antes das férias da B... a 06 de agosto.
31) Tendo-se comprometido com a entrega do granito vendido aos seus clientes
marroquinos, a Autora decidiu confrontá-los com os aumentos de preço pretendidos pelas Rés, ainda que, mesmo assim, em virtude dos mesmos, se verificasse uma quebra na sua margem de lucro.
32) A 06.8.2021, a Autora remeteu à sua cliente D... os documentos para os dois primeiros contentores da encomenda BIOUI03C1 e nesse dia comunicou à cliente que a fábrica da B... iria encerrar até 19 de agosto, em virtude do tal surto de Covid-19.
33) Relativamente à encomenda VIAS09, os primeiros 06 contentores foram enviados no início de agosto, juntamente com mais 2 da encomenda da D... (tendo ambos sido expedidos em 07.8.2021 por via marítima).
34) Chegados a 14.9.2021, a Autora reuniu com a cliente D... através de videoconferência para dar conhecimento do calendário de entrega previsto, conforme as indicações do diretor de produção, tendo-o feito, igualmente, por e-mail.
35) A previsão para as entregas, entre a Autora e os clientes marroquinos, já se havia alargado até novembro de 2021.
36) No final de setembro de 2021, após nova conferência telefónica entre a Autora e as Rés, ficou claro que as Rés apenas agilizariam/aumentariam a produção se os preços fossem aumentados.
37) Face aos atrasos nas entregas acordadas com a Autora, a cliente D..., em
30.9.2021, comunicou à Autora o cancelamento da encomenda referente às bordaduras Bgb 0,2 (22 unidades de 99,5 cm e 2 unidades de 63 cm).
38) Aqui chegados, a confiança depositada pelas clientes marroquinas na Autora era bastante reduzida – verificando-se, inclusive, o cancelamento de uma encomenda – sendo que os aumentos de preço pretendidos pelas Rés e apresentados por esta e os atrasos nas entregas acordadas entre a Autora e as suas clientes tornaram a relação comercial insustentável.
39) Acresce que as peças de granito entregues pelas Rés à Autora foram denunciadas a esta como padecendo de defeitos e irregularidades face às caraterísticas previamente acordadas pela Cliente E... em carta de 08.10.2021 e por e-mail de 14.10.2021 (cf. fls. 182 a 203).
40) Apesar de as Rés terem sido devidamente alertadas para a qualidade exigida, as pedras entregues apresentavam, concretamente, pelo menos entre 10 a 15 por carregamento, múltiplas ruturas devido a más condições de acondicionamento, falta de equipamento e sobrecarga das paletes.
41) A Autora foi alertada pelos seus clientes marroquinos em 08.10.2021, os quais detetaram as desconformidades quando receberam a mercadoria em Marrocos, sendo que naquela data reportaram 693 unidades desconformes ao solicitado à Autora.
42) Por força do que se vem de expor, assim como dos sucessivos atrasos na disponibilização das mercadorias (face ao acordado pela Autora com os clientes marroquinos) e aumentos unilaterais de preços pretendidos pelas Rés, a Autora viu em risco os compromissos assumidos junto dos seus clientes e, além disso, viu a sua margem bruta original esperada decrescer.
43) Face aos sucessivos incumprimentos dos compromissos assumidos para com os clientes, bem como devido à conduta das Rés referida em 40); 51); 56) e 58), a Autora foi confrontada com a resolução dos contratos por parte dos seus clientes marroquinos (cf. fls. 182 a 203).
44) O que conduziu a Autora a remeter às Rés, em outubro e dezembro de 2021, face às reiteradas reclamações apresentadas em 18 e 19.8.2021, 16.9.2021, 17.9.2021 e 22.9.2021 (sem reparação por parte das Rés), e à resolução ocorrida pelos clientes marroquinos, a decisão de resolução do contrato, em e-mail de 22.9.2021 (cf. fls. 291 e 292) e em cartas datadas de 12.10.[5]2021 (cf. fls. 205 a 210).
45) Sem qualquer resposta por parte das Rés, até março de 2022.
46) Em 07.3.2022, a Autora reiterou a denúncia dos defeitos das pedras de granitos que haviam sido fornecidas, assim como solicitou o ressarcimento dos prejuízos que entendeu ter sofrido em consequência dos reiterados incumprimentos contratuais, onde fixou um total de € 151 230,76 como montante necessário para ressarcimento dos prejuízos sofridos e correspondente ao valor das desconformidades comunicadas (que fixou em € 44 320,76, já recebidos pela C...), somado ao montante despendido com o transporte da mercadoria defeituosa (num total de € 26 910) e ao montante pago à C... a título de sinal (€ 80 000), cf. fls. 216 a 223).
47) Na última missiva remetida pela Autora às Rés, datada de 07.3.2022, a Autora reiterou os motivos que a levaram à resolução contratual e requereu, ainda, a emissão de notas de crédito relativas a 21 faturas por si emitidas e cujos destinatários eram as Rés.
48) As Rés comprometeram-se a produzir as pedras com determinadas características e mediante um preço, que a Autora sinalizou nos termos acima referidos e pagou, nas circunstâncias e com as ressalvas infra discriminadas.
49) Antes de 21.7.2021 as Rés ainda pretenderam aumentar o preço, nos termos acima referidos em 21) e 23), sendo que, depois da sua fixação, a pretensão de aumento dos preços ocorre nos termos referidos em 36) e 96).
50) Com a sua conduta, as Rés afetaram a margem de lucro que a Autora esperava retirar para si e a sua reputação no mercado de Marrocos, contribuindo para que os seus clientes marroquinos resolvessem o contrato celebrado.
51) Eram notórios os estragos nas peças de granito entregues, que foram denunciadas reiteradamente e em vários momentos pela Autora às Rés, quer via e-mail, para os e-mails institucionais da B..., nos dias 18 e 19.8.2021, 16, 17 e 22.9.2021 (cf. fls. 292 a 300 e 401 a 406), quer nas várias conversas telefónicas havidas com os Srs. GG e HH, das Rés.
52) Na missiva de interpelação datada de 07.3.2022 que a Autora remeteu às Rés, aquela concedeu a estas um prazo de 10 dias para recolha das pedras defeituosamente produzidas, o que também não se verificou.
53) As Rés não repararam nem substituíram as mercadorias defeituosas em tempo útil e a Autora não pode vender as peças de granito estragadas, as quais nunca foram recolhidas pelas Rés.
54) Em virtude do sucedido, a reputação da Autora junto dos seus clientes marroquinos e do mercado daquele país também sofreu abalo, criando-se a imagem de que a Autora não presta um bom serviço, atrasando prazos de entrega e comercializando peças de pedra defeituosas.
55) As peças de granito encomendadas às Rés não foram fornecidas todas de uma só vez e os estragos que os vários blocos de granito produzidos e entregues pelas Rés apresentavam não eram exatamente iguais em todos os carregamentos, donde nem todas as reclamações acima referidas eram idênticas, embora se reconduzam essencialmente ao referido em 40) e 58).
56) As largas centenas de peças produzidas pelas Rés encontravam-se mal-acondicionadas para transporte, sem os cuidados necessários à manutenção da sua integridade até ao destino, em paletes com excesso de peso e com fitas à volta da carga, em vez de madeira, sem a carga estar totalmente imobilizada.
57) A Autora resolveu o contrato em 22.9.2021 (cf. fls. 291 e 292), tendo – em face da inércia das Rés – reiterado o teor desse ato nos dias 04.10.2021 (cf. fls. 311 vs e 312), 12 e 14.10.2021, 20.12.2021 e 07.3.2022 (cf. fls. 205 a 223).
58) As pedras fornecidas pela Ré apresentavam, em pelo menos 10 a 15 peças por carregamento, cantos partidos, fendas abertas, manchas negras de grande dimensão e, em geral, desconformidades de acabamento superficial.
59) As denúncias efetuadas foram sendo dirigidas a HH – funcionário da B... (atenta a relação de sócios comuns à sociedade espanhola e portuguesa) – e ao Gerente de ambas as Rés – o Sr. GG.
60) Concretamente, as denúncias por escrito começaram a surgir em meados de agosto de 2021 e relacionavam-se com: a. Atraso nos carregamentos; b. Paletes sobrecarregadas: as Rés haviam colocado 12 (doze) peças com dimensões de 30 x 30 cm por palete, o que se traduzia em quase três toneladas por palete – o que colocava em risco sério o correto transporte e conservação das peças para transporte entre Portugal e Marrocos, destino final; c. Acondicionamento insuficiente, sem proteção entre as peças; d. Acondicionamento de peças danificadas a priori, as quais haviam sido descartadas em inspeção prévia e, ainda assim, foram carregadas; e. Chanfros com dimensões de 1,42 x 1,42 cm e 2 cm na parte oblíqua – em desrespeito pelas dimensões encomendadas.
61) A 18.8.2021, a Autora denuncia um atraso no início dos carregamentos, bem como a falta de qualidade das peças até então entregues e a existência de peças danificadas (cf. fls. 401 a 403).
62) No dia seguinte (19.8.2021), a Autora denuncia a sobrecarga das paletes, o acondicionamento insuficiente das peças e o acondicionamento de peças danificadas a priori (cf. fls. 403 vs a 406).
63) No dia 23.8.2021, a Autora denuncia dimensões erradas dos chanfros (cf. fls. 407 e 408).
64) A denúncia de defeitos em momento posterior à resolução contratual sucedeu porque entre o momento em que a mercadoria é expedida e o momento em que o cliente a receciona, verifica-se um hiato temporal de duas a três semanas que pode sofrer atrasos.
65) Fruto das desconformidades recorrentemente verificadas nos documentos de transporte emitidos pelas Rés, muitas encomendas sofreram atrasos motivados pelo tempo despendido na resolução de entraves aduaneiros - o que, aliás, importou custos de armazenamento de contentores, suportados pela Autora (em montante não apurado).
66) A receção da última encomenda ocorreu já após 22.9.2021.
67) As manifestações de resolução contratual da Autora através das missivas juntas a fls. 204 a 223 foram dirigidas a ambas as Rés, como o e-mail enviado a 22 de setembro foi dirigido a ambas as Rés, tendo sido enviado quer para o Sr. HH – ponto de contacto direto da Autora relativamente às encomendas em crise –, quer para o Sr. GG – gerente de ambas as Rés, o qual foi sempre tomando conhecimento das comunicações enviadas pela Autora, sendo destinatário habitual das mesmas.
68) No contrato de fornecimento de pedra granítica referido em 10), esta seria vendida por ambas as Rés, faturando cada uma as vendas que processasse diretamente, tendo-se este celebrado definitivamente e produzido efeitos a partir de 21.7.2021.[6]
69) As partes acordaram numa cláusula “ex works”, considerando que os bens objeto do contrato se consideravam entregues quando eram disponibilizados para serem carregados nos camiões e que nesse momento culminava a obrigação das vendedoras.
70) A pedra objeto do contrato seria cortada de bloco vistos na respetiva pedreira, onde esteve presente DD, representante legal da Autora, para os inspecionar, ficando definido que a pedra a fornecer teria as características correspondentes a esses blocos.
71) No momento da entrega a Autora teve oportunidade de examinar, e examinou efetivamente em algumas ocasiões, a pedra vendida, mas nem nesse momento, nem nos oito dias posteriores, denunciou às Rés qualquer defeito no produto vendido.
72) Nos termos do contrato, a faturação ocorria no final da semana a que dizia respeito, o que as partes entendiam como a sexta-feira e o pagamento deveria ocorrer até à terça-feira seguinte.
73) Os atrasos no pagamento começaram logo com as faturas emitidas a 09.9.2021 – três da Ré C... (docs. 13 a 15) e uma da ré B... (doc. 24).
74) Ainda assim, as Rés continuaram a produzir e a disponibilizar o produto para entrega; mas reclamando sempre o pagamento.
75) A Autora, sempre tardiamente, pagou apenas algumas faturas e, em 06.10.2021, estavam vencidas e em dívida seis faturas, no valor total de € 19 062,52 - duas emitidas pela Ré B..., uma em 09.9 e outra em 15.9, e quatro emitidas pela Ré C... em 27.9.2021.
76) Mas as Rés sempre as reclamaram e insistiram em que, ao fazer novos carregamentos de produto, a Autora deveria assegurar-se de que pagava até esse momento, todas as faturas pendentes.
77) Depois de 27 a 30.9.2021, a Autora nunca mais veio fazer carregamentos da pedra contratada, que continuava a ser produzida.
78) A Autora não está em condições de restituir totalmente os bens prestados pelas Rés, pois essa pedra ou foi destruída ou foi integrada na respetiva obra em Marrocos.
79) A Autora comunicou a resolução e declarou às Rés que a pedra estava disponível para recolha “no local”, mas nunca precisou qual fosse esse local ou indicou qualquer endereço.[7]
80) Em 21.9.2021, a Autora manifestou junto da B... que a pedra de três contentores tinha sido “controlada e validada”, não obstante e sem prejuízo do referido em 40); 51); 56), 58); 112) e 122).
81) Permanecem em dívida seis faturas, no valor total de € 19 062,52 - duas emitidas pela Ré B..., uma em 09.9 e outra em 15.9 (docs. 24 e 25), e quatro emitidas pela Ré C... em 27.9.2021 (docs. 19 a 22), a que acresce a emitida à C..., junta a fls. 269, no valor de € 69 379,20.
82) As partes encetaram negociações para o fornecimento de pedra granítica, que se prolongaram por alguns meses.
83) Em 2021, os preços das matérias-primas para a construção aumentaram de preço rápida e constantemente, o que continua a acontecer atualmente.
84) O contrato só viria a existir e produzir efeitos, a partir dos dias 21-22.7.2021, com o pagamento do sinal de € 80 000 e a aceitação definitiva dos termos do contrato, por parte da Autora.
85) Os termos do contrato constam do documento designado de encomenda, com o n.º 18074; onde se especificam as características da pedra a fornecer, o seu preço, o valor total do contrato, os termos do pagamento, bem como a exigência do sinal “no momento da assinatura do contrato” e o seu valor.
86) Apesar de, em tal documento, constar a data de 09.6.2021, a verdade é que ele foi objeto de múltiplas alterações até ao dia 21.7.2021.
87) Já a aceitação, por parte da Autora, dos termos do contrato, data de 22.7.2021.
88) Uma vez que a encomenda 18074 correspondia apenas à encomenda da Autora designada por VIAS09, este contrato foi aditado, em 03.8.2021, com as encomendas n.º 18144 e 18145; e que correspondem às encomendas da Autora designadas por BIOUI03C1 e BIOUI03C2, respetivamente.
89) Tudo aquilo que se discutiu, apresentou e propôs antes de 21.7.2021, foram apenas meras negociações do contrato.
90) Não existe qualquer cláusula contratual relativa à assunção pelas Rés de um qualquer ritmo de entregas semanais, como também não houve cláusula contratual com mapa de periodicidade de entregas do produto.
91) As Rés só após o depósito do sinal e a aceitação final da Autora dos termos do contrato, começaram a cortar a pedra objeto do mesmo e, duas semanas depois, entre 3 e 05.8.2021, entregaram pedra pronta, que encheu oito contentores da Autora e encerraram para férias, como fazem todos os anos, voltando a entregar pedra no início de setembro.
92) A Autora queria que determinados contentores fossem carregados antes das férias e que houvesse um determinado ritmo de entregas depois.
93) Os preços foram sendo negociados, tendo ficado definitivamente fixados em 21.7.2021 e 03.8.2021 quanto a essas encomendas.
94) Como a Autora pretendia um aumento do ritmo das entregas e o melhor que as Rés conseguiam fazer não correspondia aos desejos daquela, foi a própria Autora que propôs às Rés que subcontratassem o fornecimento, de modo a aumentar o ritmo das entregas.
95) Havia custos acrescidos com a prestação em subcontrato.
96) As Rés informaram a Autora que teria de ser aumentado o preço para atender às suas exigências do ritmo das entregas.
97) O preço da pedra fornecida diretamente pelas Rés e vertido nas encomendas não foi alterado nas respetivas faturas.
98) A Ré H... forneceu a pedra descrita nas faturas n.º 420 (108 unidades de UD. Bordures GLO droites 99,5 x 30 x 30, ref. 1.1, Bgb14.1 - doc. 24) e 431 (108 unidades de UD. Bordures GLO droites 99,5 x 30 x 30, ref. 1.15, Bgb14.1 - doc. 25), respetivamente em 09.9.2021 e 15.9.2021, ocupando um contentor cada uma.
99) Embora tardiamente, a Autora pagou, em 21.9, as três faturas da C..., emitidas a 09.9, mas não pagou a referida fatura no 420 da Ré B..., que tinha vencido, nos termos do contrato, na terça-feira, dia 14.9 e que permanece em dívida.
100) O mesmo aconteceu em 27.9, data em que estava vencida e em dívida a referida fatura n.º 431 da Ré B...; cujo vencimento ocorreu em 21.9 e que permanece em dívida.
101) Estas faturas tinham ambas o valor de € 3 153,60.
102) Nesse mesmo dia (27.9.2021), a Ré C... entregou produto que foi carregado em quatro contentores, tendo sido emitidas as quatro faturas correspondentes, a saber: - fatura n.º FT2021/49, relativa a 108 unidades de UD. Bordures GLO droites de 99,5x30x30cm, ref. 1.15, Bgb14.1 (Doc. 19), com o valor de € 3.153,60; - fatura n.º FT2021/50, relativa a 108 unidades de UD. Bordures GLO droites de 99,5x30x30cm, ref. 1.15, Bgb14.1 (Doc. 20), com o valor de €3.153,60; -fatura n.º FT2021/51, relativa a 26 unidades de UD. Bordure nez de quai de 99,5x50x50cm, ref.1.1, SNP28.1 e 84 unidades de UD Bordures droites de 99,5x30x14cm, arasée, ref. 1.33, Bgb0.1 (Doc. 21), com o valor de €3.248,54; - fatura n.º FT2021/52, relativa a 20 unidades de UD. Bordure nez de quai de 99,5x50x50cm, ref.1.1, SNP28.1, 42 unidades de UD Bordures droites de 99,5x30x14cm, arasée, ref. 1.33, Bgb0.1, 18 unidades de UD Bordures droites de 99,5x30x17cm, arasée, ref. 1.31, Bgb2.1 e 36 unidades de UD. Bordure arriére de quai de 99,5x20x30cm, ref. 1.3, BGB14.2 (Doc. 22), com o valor de € 3.199,58.
103) Nos termos do contrato, estas faturas venceram-se na terça-feira, dia 06.10.2021.
104) As Rés não pararam de produzir a pedra contratada, em cumprimento do contrato e na perspetiva de a disponibilizar para carregamento, assim que a Autora viesse recolhê-la.
105) Só depois de 14.10.2021 as Rés pararam de produzir a pedra objeto dos contratos em causa.
106) A pedra produzida para a Autora até à rutura do contrato e não recolhida foi produzida à medida e com as características específicas contratadas com a Autora.
107) As Rés produziram pedra contratada, no valor acordado de € 69 379,20, conforme fatura n.º FT2021/67 (Doc. 23).
108) Em resposta ao recebimento de comunicação da Autora de 14.10.2021, as Rés reclamaram o pagamento e recolha desta pedra, nessa data, e nisto insistiram muitas vezes, até que emitiram a sobredita fatura.
109) O valor total do contrato celebrado pelas Rés com a Autora era na ordem de € 920 749,17.
110) Os defeitos denunciados pela Autora resultam, não da qualidade ou características da pedra em bloco inicialmente inspecionada, mas dos acabamentos deficientemente efetuados pelas Rés e da falta de cuidado no acondicionamento em palete das peças.
111) A obrigação das Rés consistia no fornecimento de peças em granito que necessitavam de ser cortadas em dimensões específicas dos blocos de granito e no seu
posterior acondicionamento para transporte.
112) A Autora, numa das visitas às instalações da C..., denunciou o caos com que se havia deparado e que se traduzia em defeitos de acabamento das peças, sobrecarga de paletes, proteção insuficiente da carga, tendo denunciado tais factos também por escrito, via e-mail, entre o mais, no dia 16.9.2021.
113) Tais denúncias foram sendo reiteradas nos dias 17 e 22 de setembro sem, contudo, serem encetadas quaisquer diligências por parte das Rés para a resolução dos problemas detetados, as quais nunca se dignaram a responder especificamente às várias denúncias efetuadas pela Autora.
114) No momento da sua disponibilização, as paletes estavam mal-acondicionadas para transporte, nos termos referidos em 40); 51); 56) e 58).
115) A Autora denunciou os defeitos conforme decorre do e-mail de 16.9.2021 e, depois de ter conhecimento dos defeitos detetados pelas suas clientes marroquinas ao tentarem colocar as peças no local para que foram desenhadas, voltou a denunciá-los, tendo remetido às Rés as comunicações via e-mail de 17 e 22 de setembro, bem como as missivas referidas em 57).
116) As Rés não manifestaram qualquer disponibilidade ou vontade em recolher as pedras com os problemas comunicados pela Autora, assim como nunca questionaram o local exato onde a pedra se encontrava pronta a ser recolhida.
117) O último carregamento de mercadoria efetuado pela Autora ocorreu entre 27 e 30.9.2021.
118) Não tendo sido pagas as faturas relativas à mercadoria produzida pelas Rés após a Autora lhes ter comunicado que não tinha mais interesse nas suas prestações, o que ocorreu logo em 22.9.2021, quando esta manifestou desistir dos dois projetos objeto do contrato.
119) A decisão de continuar a produzir as peças de granito depois dessa data é exclusiva das Rés, sendo a Autora alheia à mesma.
120) Relativamente às faturas emitidas num total de € 19 062,52, a Autora solicitou, em consequência da denúncia dos defeitos e resolução contratual, a emissão da competente nota de crédito, o que nunca veio a suceder.
121) A encomenda n.º 18074 tem a data aposta de 09.6.2021 e de entrega 10.6.2021.
122) A existência dos problemas nas peças graníticas produzidas pelas Rés e referidos em 40); 51); 56) e 58), era evidente e foi constante.
123) Logo os primeiros 8 contentores entregues foram recusados pelas clientes marroquinas da Autora, o que foi comunicado pela Autora às Rés nos termos acima referidos.
124) A presente ação deu entrada em juízo em 05.9.2022, sendo que a carta com a citação da Ré C... se mostra assinada em 15.9.2022 e a carta com a citação da B... se mostra assinada em 13.9.2022.
2. E deu como não provado:
a) a pedreira referida em 4) pertence à I... S.L., cujo gerente é irmão do Sr. GG;
b) o referido em 14) fosse realizado apenas pela 2ª Ré (sociedade portuguesa);
c) GG envolveu a 2ª Ré no negócio (no sentido de que este tinha sido realizado essencial e principalmente com a 1ª);
d) o referido em 13) se reportasse à intervenção da 2ª Ré;
e) apesar de as Rés se terem comprometido a produzir e entregar as peças de granito encomendadas pela Autora a partir de 14.7.2021, a verdade é que não cumpriram, minimamente, os prazos acordados assim como a qualidade das pedras de granito a fornecer;
f) a 29.6.2021, a Autora havia acordado com a B... que a encomenda VIAS09 começaria a ser carregada (pela B...) a 14.7.2021, a um ritmo de 6 contentores por semana, ainda que com um aumento de 5 % no preço, ao passo que a encomenda D... seria carregada pela C..., sem aumento de preço;
g) também os atrasos foram sendo sucessivos;
h) o referido em 31) se reportasse a atrasos das Rés (por reporte a datas de entrega por estas assumidas); que a Autora viu-se forçada a confrontar as clientes com os aumentos de preço pretendidos e que a quebra aí mencionada fosse “acentuada”;
i) a Autora viu-se forçada a proceder nos termos referidos em 32);
j) o referido em 32) prejudicou a relação de confiança que se havia estabelecido entre a Autora e os seus clientes marroquinos;
k) o referido em 35) extravasa o prazo para as entregas inicialmente comunicado pelas Rés - que ocorreria a 14.7.2021;
l) o referido em 37) fundou-se também no aumento dos preços;
m) as pedras entregues apresentavam, concretamente, os seguintes defeitos: - Os acabamentos não estavam em conformidade com o tipo de acabamento solicitado nas encomendas; - Dimensões do chanfro não conformes com a encomenda; - Bordas cortadas sem respeitar as dimensões contratualizadas com margens de tolerância desrespeitadas; - Utilização de pedras com defeitos;
n) a Autora apenas tomou conhecimento de tais defeitos quando alertada pelos seus clientes marroquinos em 08.10.2021;
o) a descida da margem bruta original referida em 42) foi de 15 %;
p) as Rés comprometeram-se a entregar as pedras a partir de 14.7.2021;
q) as Rés atrasaram as entregas sem fim à vista;
q1) (exclusivamente) com a sua conduta, as Rés levaram a que os seus clientes marroquinos resolvessem o contrato celebrado com a Autora;
r) a margem de lucro que a Autora esperava obter, caso as Rés cumprissem com as obrigações contratuais a que se vincularam, fixava-se nos 15 % do preço convencionado – preço esse que ascendia ao valor total de € 924 609,78;
s) fruto dos sucessivos aumentos unilaterais do preço pelas Rés, a margem de lucro foi decrescendo até atingir valores negativos;
t) a inspeção rigorosa e adequada dos blocos de granito aquando da sua disponibilização para carregamento era manifestamente impossível e incompatível com o cumprimento dos contratos celebrados com as Clientes marroquinas da Autora;
u) não era possível aferir da conformidade de largas centenas de peças com as dimensões previamente contratadas;
v) muito menos quando o tempo útil para entrega no seu destino final já se encontrava - fruto dos grosseiros atrasos promovidos pelas Rés - comprometido;
w) o último carregamento de mercadoria efetuado pela Autora ocorreu (exatamente) a 30.9.2021;
x) a. Tipo de acabamento solicitado nas encomendas: o acabamento solicitado nas encomendas e formulários de aprovação seria, em grande parte, do tipo “amaciado mate” (“adoucie mat”). No entanto, as peças foram produzidas pelas Rés apenas em acabamento “serrado” (“sciée”) e apresentando numerosas marcas de serra. b. Dimensões do chanfro encomendadas: os chanfros encomendados deveriam ter uma
dimensão de 2 x 2 cm, tal como consta das encomendas e formulários de aprovação. No entanto, a maioria deles tinha uma dimensão de apenas 1x1 centímetros e, inclusivamente, verificou-se a existência de alguns com dimensões irregulares de um lado para o outro. c. Dimensões contratualizadas: as dimensões contratualizadas são as que constam das encomendas e formulários de aprovação, as quais variam consoante a peça em causa. d. Margem de tolerância: no âmbito da produção de peças de pedra natural para o desenvolvimento urbano são frequentemente utilizadas normas europeias que definem as tolerâncias dimensionais a observar – as normas EN 1341, 1342 e 1343. Estas normas europeias foram repetidamente referidas nos formulários de aprovação anexos às encomendas efetuadas pela Autora, designadamente nas páginas 18 a 24 e 27 a 43. No entanto, as margens de tolerância aí definidas não foram respeitadas pelas Rés, verificando-se várias discrepâncias entre as margens efetivamente produzidas e as margens consagradas naquelas normas;
y) nunca existiu uma denúncia, mas temos apenas uma mera queixa, que surgiu a 12.10.2021;
z) aquilo que a Autora apresenta são propostas de termos contratuais emitidas pela A., que as Rés não aceitaram;
aa) as Rés nunca se comprometeram a um qualquer ritmo de entregas semanais, mas apenas que fariam o seu melhor para que o ritmo fosse o mais elevado possível;
ab) as Rés nunca aceitaram o referido em 92), dizendo apenas que fariam o melhor que podiam;
ac) a exigência de aumento do ritmo de entregas prende-se com a questão dos preços;
ad) as Rés estudaram esta possibilidade, mas, por aquela altura, nenhum produtor oferecia preços tão baixos como aqueles que tinham sido contratados entre a Autora e as Rés;
ae) o referido em 96) fosse resultado do vertido em 95);
af) nesta fase, as rés reclamavam firmemente, da Autora o pagamento das faturas em dívida e a estratégia da Autora era responder com recriminações várias, relativas ao ritmo das entregas, aos preços da subcontratação e, até, quanto a supostos erros na documentação de transporte, que alegadamente teriam impedido, num primeiro momento, o desalfandegamento dos primeiros oito contentores;
ag) as Rés entregaram toda a pedra em perfeito estado e de acordo com os termos contratados;
ah) só em 14.10.2021 a Autora lhes comunicou a resolução do contrato;
ai) a pedra produzida para a Autora não pode ser vendida a outro cliente;
aj) também não pode ser cortada em peças mais pequenas, pois o custo de tal corte, somado ao custo primitivo da sua produção, torna a pedra mais cara do que o preço pelo qual as Rés a poderiam vender;
ak) com o referido em 107) as Rés sofrem danos com a ocupação de espaço, por este produto, que precisam de libertar, num valor que ainda não é possível liquidar;
al) os defeitos relativos às desconformidades de dimensão ou corte das peças de granito apenas poderiam ser detetados, com rigor, assim que as peças fossem sendo colocadas no destino final;
am) no momento da sua disponibilização a sua inspeção era praticamente impossível;
an) único meio rigoroso de inspeção das peças encomendadas seria a sua colocação na obra a que se destinavam, em Marrocos, só assim se atestando se as dimensões das mesmas correspondiam às dimensões contratadas;
ao) inexistiu qualquer amostra;
ap) os defeitos denunciados resultaram dos cortes deficientemente efetuados pelas Rés e não da qualidade da própria pedra em bloco;
aq) o último carregamento de mercadoria efetuado pela Autora ocorreu a 30.9.2021;
ar) sendo que todas as correspondentes faturas foram pagas pela Autora;
as) as modificações feitas na encomenda n.º 18074 foram meramente formais, nomeadamente no que respeita à indicação de quantidades e do número de conta bancária, não alterando, de maneira alguma, o acordo de vontades existente entre as partes;
at) nos vários contactos trocados entre as Rés, ficou convencionado que as Rés entregariam 6 contentores de pedra por semana - começando a 14.7.2021;
au) a média de entregas feitas pelas Rés é de, aproximadamente, um contentor por semana;
av) as Rés atrasaram as entregas;
aw) as Rés tomaram, quer as ameaças de desistência das encomendas, quer as queixas quanto a defeitos do produto e outros aspetos, como aquilo que realmente eram - um mero expediente da A. para exercer pressão sobre as Rés, no sentido de estas deixarem de reclamar veementemente o pagamento das faturas em dívida e aceitassem receber apenas quando a A. também recebesse dos seus clientes.
3. Cumpre apreciar e decidir.
O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1 do CPC[8]), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir - as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).
O tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objeto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objetiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[9], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respetivo corpo.[10]
As conclusões servem assim para delimitar o objeto do recurso (art.º 635º), devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.
4. Dizem as Rés que a sentença recorrida é nula, nos termos do art.º 615, n.º 1, alíneas b) e c), porquanto a motivação apresenta-se confusa e ininteligível (o tribunal sobre cada um dos factos que deu como provados não indica os concretos meios probatórios com os quais fundamentou a decisão) e o Mm.º Juiz não especifica os fundamentos de facto que justifiquem a decisão.
No despacho sobre o requerimento de interposição de recurso, referiu o Mm.º Juiz, designadamente: “(...) ao longo da motivação de facto que integra a decisão recorrida, entendemos ter explicitado os meios probatórios em que assentou a convicção do Tribunal, por reporte aos factos controvertidos com relevância para a decisão da causa, não se vislumbrando qualquer omissão ou obscuridade nesse particular. / (...) além de se ter aludido aos vários segmentos de facto controvertidos ao longo da motivação (desde logo por assunto/núcleo factual), justificando a razão da sua demonstração (ou não), inclusivamente se foram especificando os pontos de facto, provados e não provados, e os meios de prova essenciais para assim se concluir (a cuja análise se procedeu) (...). Tal é claramente demonstrado nas páginas 32 a 75 da decisão, cuja efetiva leitura permite claramente perceber a análise que esteve subjacente ao juízo probatório positivo e negativo preconizado pelo Tribunal (não sendo a motivação da decisão de facto uma mera tabela de correspondência entre números de factos e identificação de meios de prova). / Aliás, basta atentar nas alegações de recurso para perceber que nenhuma dúvida parece existir às recorrentes sobre os elementos de prova em que assentou a convicção positiva e negativa do Tribunal. / Também não julgamos verificada qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão de facto, ou uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados. / Tal como decorre dos vários segmentos do ´thema decidendum` o Tribunal fez a respetiva integração dos factos relevantes para cada um, não se percebendo como podem as recorrentes afirmar que a decisão ´...não especifica os fundamentos de facto que justifiquem a decisão` (...).”
Apreciando.
Verifica-se que as Rés/recorrentes atacam, sobretudo, a decisão sobre a matéria de facto e a respetiva fundamentação, problemática que se conhecerá infra, em sede própria.
Mas sempre se dirá que a sentença especifica os fundamentos de facto (e de direito) que justificam a decisão; tais fundamentos estão em linha com a decisão proferida; esta, mostra-se suficientemente inteligível, como se verá e explicitará nos pontos seguintes.
Assim, não ocorrem as apontadas nulidades.
5. a) As Rés/recorrentes insurgem-se, principalmente, contra a decisão sobre a matéria de facto, sendo que da sua eventual modificação poderá resultar diferente desfecho dos autos.
Importa averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade (provada) aludida em II. 1. 39), 40), 43), 44), 51), 54), 57), 58), 60) a 62), 110), 112), 114), 115), 118) e 123), supra, pugnando a Ré que se considere não provada, tendo em atenção, principalmente, a prova pessoal produzida em audiência de julgamento (depoimentos de parte e, principalmente, de duas testemunhas, estes, tidos por “contraditórios”...) e alguns dos documentos juntos aos autos - cf., sobretudo, “conclusões 3ª e 4ª”, ponto I. [entre si, incongruentes... - no tocante à indicação dos factos 56), 113), 115) e 116), supra], o expendido em II. 3., supra e, obviamente, o que se fez constar da fundamentação da alegação de recurso.
b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental junta aos autos.
c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[11] afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.
d) Da fundamentação de facto/motivação apresentada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo importa destacar os seguintes excertos [atento o objeto do recurso, indicando-se, entre parêntesis retos, alguns elementos visando, sobretudo, esclarecer e simplificar/sintetizar]:
«(...) foi decisiva para a decisão da matéria de facto a análise da documentação junta aos autos, (...) em especial os seguintes documentos: [foram enumeradas faturas reproduzidas nos autos, discriminando-se, nomeadamente, a entidade emissora, a entidade devedora/cliente, as respetivas datas, o serviço de expedição prestado e o preço devido - cf. documentos de fls. 53 e seguintes; descreveu-se o teor de documento emitido pela Ré C..., intitulado “encomenda”, imputada à A., n.º de encomenda 18074, data 09/6/2021, data de entrega 10/6/2021, à firma E... (...) reproduzido a 60 a 67; mencionou-se o teor dos documentos reproduzidos a fls. 68 a 75, onde constam vários desenhos de peças, com as respetivas medidas e acabamentos, bem como o teor dos documentos de fls. 76 a 110 (referentes, designadamente, a “Encomendas” e a desenhos técnicos e medidas); aludiu-se às faturas das Rés reproduzidas a fls. 111 a 147, e bem assim ao que decorre da correspondência eletrónica junta de fls. 148 a 169 e 172 a 182 (sublinhando-se, além do mais, o “negociar de aumentos de preço para aumentar a produção e “a qualidade do acondicionamento[12]”); analisou-se o que decorre das fotografias reproduzidas de fls. 185 a 203 e o teor das missivas reproduzidas a fls. 204 a 212 (“pelo que não podem existir dúvidas, para qualquer uma das partes, de que o contrato foi resolvido pela Autora em 12.10.2021”) e fls. 214 a 223; mencionaram-se as mensagens de correio eletrónico reproduzidas a fls. 238 e 239 e a nota de encomenda da Ré C... para a A., n.º 18074, junta de fls. 239 verso a 243; aludiu-se depois, nomeadamente, às mensagens de correio eletrónico reproduzidas a fls. 244 e 245, 250, 271 e 291 e seguintes (alguns, “originais”, “dando conta de defeitos de acabamento, acondicionamento, rotulagem e desadequação de contentores, entre o mais, na sequência da recusa dos primeiros 8 carregadores em Marrocos/ especificando terem 1cm a menos e as arestas partidas devido ao defeito da embalagem”), 311 a 313, 401 e seguintes (num dos quais se refere “mais um carregamento mal acondicionado e sem proteção, com paletes sobrecarregadas/quase 3 toneladas por palete/, que determinaram que muitas se partissem”), às notas de encomenda da Ré C... n.ºs 18144 e 18145 (fls. 246 a 249), às faturas reproduzidas a fls. 251 a 270, aos registos fotográficos de fls. 293 a 300 (e, novamente, de fls. 302 verso a 309 e 332 verso a 349) e 401 verso e seguintes (“os suportes originais - ou pelo menos a cores - dos registos fotográficos” foram juntos a fls. 518 verso e seguintes).]
Por via da sobredita documentação e registos fotográficos, não obstante as múltiplas insuficiências que não foi possível esclarecer atenta a ausência de um contrato redigido com um mínimo de substância, foi possível ao Tribunal constatar a data provável em que as partes acertaram os termos do acordo de fornecimento das peças em granito pela 2ª Ré, que se reconduz a 21.7.2021 (por reporte aos e-mails e transferência do sinal), sendo que o seu concreto teor parece se circunscrever ao vertido nas notas de encomenda que acompanham os e-mails contemporâneos daquela data. Todavia, como veremos, o legal representante das Rés confessou o teor do vertido em 36º da petição inicial, que remete para as notas de encomenda de fls. 60 e ss..
Seja como for, daqui se pode concluir que nada existe que documentalmente comprometa as Rés a calendários de entrega, prazos ou quantidades específicas, no fornecimento acordado (...).
Acrescente-se que, apesar de também não existir qualquer referência ou consagração documentada de uma cláusula Incoterms Ex Works, é a própria Autora que a invoca na petição inicial, no que é acompanhada pelas Rés, logo no início da contestação.
Acompanhamos aqui as Rés, pois o exposto aponta nesse sentido, quando referem que as encomendas que obtiveram acordo são as que constam dos documentos juntos à contestação (fls. 239 e ss.) (...).
Também da análise desta documentação resulta que as entregas tiveram início, pelo menos, em 05.8.2021, sendo que, pelo menos, nas datas das expedições vertidas de fls. 53 a 59, compreendidas entre 07.8.2021 e 02.10.2021, já a mercadoria havia necessariamente sido entregue à Autora e tinha de ser do seu conhecimento o seu acondicionamento nas referidas datas de 07.8; 10.9; 17.9 e 02.10.
Já quanto às reclamações dos defeitos destas prestações, a documentação junta remete-nos para uma primeira denúncia de peças partidas em 18.8.2021, às 15:59 (cf. fls. 401), a que se seguem reclamações de defeitos em 16.9.2021 (fls. 292 e ss.), que se repetem a 17 e 22.9.2021, redundando numa resolução contratual comunicada em 12.10.2021 e reiterada em 14.10.2021, 20.12.2021 e ainda em 07.3.2022.
Quanto à resolução contratual importa lembrar, como referem as Rés, que a Autora indica três datas diferentes nos pontos 33º a 35º da réplica (22.9.2021, 04.10.2021 e 12.10.2021), sendo que em 74º e 75º da P. I., apesar de não referir expressamente a data, remete para o documento 21, onde consta uma declaração emitida a 12.10.2021 (a qual é referida na réplica como sendo a da “formalização” da resolução contratual), indicando 04.10.2021 como sendo a da reiteração da vontade de desistir do contrato, que havia manifestado em 22.9.2021, não obstante no ponto 43º da réplica, afirme que o último carregamento que fez de mercadoria das Rés ocorreu em 30.9.2021 (as Rés contrapõem com 27.9.2021 para este carregamento, embora nenhuma sem prova bastante para o sustentar, donde o Tribunal apenas tenha dado como provado que este ocorreu entre aquelas duas datas), logo já depois da “primeira” resolução contratual...
Da análise desta prova resulta que das denúncias/reclamações o Tribunal apenas pode concluir, com segurança, relativamente ao deficiente acondicionamento das peças produzidas pelas Rés e posteriores estragos que estas apresentavam, embora em número/valor não concretamente apurado (mas superior a 45 unidades, cf. fls. 182), pois que não existindo uma relação discriminada de peças com defeito (e quais) por reporte a cada carregamento, tal como não foi possível avaliar pericialmente, entre o mais, se as medidas de corte estavam (ou não) conformes ao vertido nas encomendas, além de que nada ficou demonstrado quanto a prazos/quantidade de entregas.
(...) Como não foi alegada ou se apurou a data exata de entrega das peças (ou de chegada das mesmas a Marrocos), apenas se podendo concluir que a primeira mercadoria foi entregue à Autora, pelo menos, a 05.8.2021 e que a última remessa foi expedida para Marrocos em 02.10.2021 (tendo sido entregue à Autora entre 27 e 30.9.20219), apenas podemos concluir que após as denúncias foi ainda entregue pelas Rés e recolhida pela Autora mercadoria.
(...) não se mostram relacionados os defeitos com segmentos específicos das encomendas, donde o Tribunal apenas pôde concluir nos termos acima referidos.
(...) apesar de não existir prova documental que corporize a cessação dos contratos das firmas marroquinas com a Autora (...), as comunicações eletrónicas e a própria existência desta ação são evidência bastante para se concluir nesse sentido (...).
(...) Passando à análise da prova produzida em audiência de julgamento, importa sublinhar que os sobreditos elementos probatórios, não obstante escassos para a demonstração de muitos factos alegados pelas partes (que assim ficaram não provados), quanto ao que provado ficou “falam” por si, sendo particularmente relevantes na análise probatória que realizamos, porquanto estamos numa ação em que a generalidade das testemunhas tem relações laborais subordinadas com as partes e esta prova testemunhal se mostra grosso modo polarizada entre os que visam apoiar uma ou outra das litigantes, encontramos quanto a vários factos controvertidos descrições e afirmações absolutamente contraditórias entre si e relativamente às quais apenas existem, como forma de clarificação (na sobredita medida que se revelou possível), os elementos de prova acima analisados.
(...) Perante versões tão contraditórias como aquelas trazidas aos articulados e na ausência de distanciamento da maioria dos inquiridos quanto ao desfecho da lide, o Tribunal teve um particular cuidado em assentar a sua convicção apenas nas descrições que denotam sustentação documental, lógica e vão de encontro ao normal acontecer no âmbito de relações comercias como as vertidas nos autos.
Posto isto, e seguindo a ordem de produção da prova, principiando pelo depoimento de parte das Rés, prestado por GG (...); tendo sido confrontado com fls. 60 a 147; 65 e 66; 162; 164; 166; 251; 168; 178; 182 e ss. e 217 (explicitando que o HH que por vezes aí surge mencionado é o seu comercial em Portugal).
(...) referiu que já conhecia o DD (representante legal da A.) há anos, tendo sido este quem foi à pedreira (pois ele conhece as suas pedras há muitos anos) pretendendo pedra azul; quem definiu as condições de carregamento foi a Autora A..., mas quem dispõe a carga no camião é o motorista, sendo que as pedras vão uma em cima de outra, em palete, e os elementos da A. quando viram as pedras, estas estão à vista e sem cintas, sem envolvência, para serem comprovadas e prontas para serem colocados no camião.
Novamente confrontado com a mensagem do HH (seu funcionário) a fls. 179 (datada de 28.9.2021, em que aquele apresenta dois cenários para aumento de produção, com aumento de preços), explicou que a Autora queria mais madeira nas paletes e mais camiões, daí o aumentar os preços para atender a tais pretensões (que não estavam no acordo inicial), sublinhando que são só conversas, sem relação com as encomendas já feitas, mas pode ter sido uma ampliação da encomenda inicial (...); mais referindo que o DD [legal representante da A] conhecia a fábrica e a sua capacidade de produção, bem como cada viagem são 25 toneladas, pensando que consegue 50 a 100 toneladas por semana.
Foram também consideradas as declarações de parte da Autora, prestadas por DD (...) tendo sido confrontado com fls. 60 a 67; 84 e ss.; 183; 76; 238 vs e 244 dos autos.
(...) Referiu que foi lá pessoalmente inspecionar algumas das pedras, o que também foi feito pela testemunha EE, e estava tudo perfeito (admitindo-se que o deficiente acondicionamento das peças não tenha sido logo percecionado por estes, ao nível das medidas e tons, pelo menos algumas das peças tinham de estar conformes, pois foram confirmados pelo próprio declarante e uma funcionária), mas como não estiveram em todos os carregamentos e por isso houve problemas, de tal forma que depois pediu à testemunha AA para lá ir “controlar” os contentores, mas quando não estava carregavam o que lhes apetecia, o que redundou numa situação que reputou de indescritível[13] e inacreditável...
(...) depoimento da testemunha AA, (...) gerente de uma empresa de logística (J..., Lda.); (...) que aos costumes disse que a Autora é sua cliente há 15/16 anos, precisando que nessa relação comercial presta serviços à A... e acompanhou alguma da produção e cargas dos fornecimentos em causa, sendo que conhecia de outra fábrica o gerente das Rés.
Num depoimento isento e objetivo, a testemunha explicou que a sua intervenção ocorre há uns 2 ou 3 anos, quando DD (um seu cliente importante) lhe pediu que fosse a Vilar Formoso à fábrica da C..., por causa de problemas de qualidade de umas peças de pedra que havia encomendado.
Explicou que o mesmo estava muito preocupado, por as entregas não estarem a correr de acordo com o combinado, sendo que, chegado à fábrica, viu coisas anormais nestas produções.
Referindo que lhe foi comunicado que estariam 8 contentores por semana acordados, mas nunca foram feitos, afirmou que a carga estava mal-acondicionada, fazendo paletes com excesso de peso, o que no transporte marítimo é pior.
Descrevendo que tinham inclusive fitas à volta da carga, em vez de madeira, sustentou que o pior era a sobrecarga, todas acima de 1500 a 1600 kg, sendo que havia algumas paletes com 2 toneladas e até 2,5 toneladas, sem a carga interior ir devidamente imobilizada.
Acrescentou que disse aos responsáveis da C... o que estava a ser mal feito, os quais lhe responderam que iam retificar o acondicionamento, mas só tiraram peso à palete, sem preencher o espaço entre peças e paletes, donde naturalmente chegavam a Marrocos com os cantos partidos e sem qualidade.
Note-se que a testemunha explicou que novamente o DD pediu-lhe para lá voltar, tendo-se ali dirigido duas ou três vezes (num espaço de 3 semanas), e os carregamentos estavam sempre deficientes, sendo que lhe diziam sempre que sim às suas sindicações, mas não solucionavam o problema...
Mais explicou que as próprias peças tinham defeito, pois o raio da quina da pedra de 2,5 nunca era certo, porquanto era feito manualmente (e assim com erro) (...).
Adiante instado para precisar a má qualidade das peças, aludiu a pedras rachadas, acabamentos mal feitos (os veios nos acabamentos que apareciam) e medidas do chanfro que estariam erradas, sem, contudo, conseguir precisar, quanto aos acabamentos e medidas, carregamentos ou número de peças em causa, adiante apenas referindo que chegavam partidas entre 10 a 15 peças por palete, o que é muito para cada carregamento.
Mais explicou que esteve em reuniões antes deles pararem a obra, tendo vindo a uma onde estava o GG e o HH, das Rés, sendo que inclusive um marroquino (que disse ser representante da D...) veio cá ver, pensando ter sido a última antes de cancelarem a encomenda.
(...) mediu as peças por amostragem, estando as paletes na rua, em fila; bastava ver ali o comportamento da palete em si, pois a madeira quebra e faz barulho, para perceber que aquilo não podia estar assim acondicionado, salientando ter visto madeira quebrada e calços de paletes com problemas (...), assegurando que, pelo tamanho, havia cargos com peso muito acima dos permitido; mais referindo que era o HH das Rés que tratava do acondicionamento e transporte parte, sendo que o pessoal das Rés reconhecia os defeitos, mas nada mudava...
Concluiu afirmando que o DD estava muito agastado com o cancelamento dos contratos, até porque era um volume de negócio grande.
(...) Foi depois considerado o depoimento de EE (...) gestora de clientes na A...; (...) trabalha para a Autora, com a exceção de um intervalo entre 2008 e 2009, faz em 2024 12 anos, a qual foi confrontada com fls. 53 a 83 e fls. 159 dos autos. (...) disse ter acompanhado a encomenda da A..., tendo-se deslocado com o DD na procura de uma certa pedra para a obra de Marrocos (que disse ser muito importante pelas dimensões e mercado, sendo a E... e a D... os seus clientes marroquinos, que foram divididos em duas encomendas), a qual encontraram na B..., em 2021.
Em 2020 iniciaram a procura e porque o GG (das Rés) mandou vídeos começaram a falar mais em fevereiro de 2021, sendo que em maio ou junho foi à B... e viu a pedra, tendo-se deslocado primeiro sozinha e depois com o II.
Explicando que antes já tinham trabalhado com o pessoal das Rés, foi o GG que sugeriu aquela pedreira, que pensa ser do irmão, sendo que ali chegados viram que tinha capacidade e era a pedra pretendida, depois avançaram as negociações e chegaram a um acordo.
Instada explicou que era tudo organizado pela sua empresa, A..., cabendo à B... também fazer o acondicionamento nos contentores, pois não só quem carrega é o fornecedor, como a transportadora não acondiciona a carga.
Reiterou que foi tudo validado entre as partes, já com os cortes e dimensões pretendidas, pelo que fizeram negócio, aduzindo que fizeram planos de carregamento e entregas, adiante referindo que a condição eram pagar antes de carregar ou na semana depois do carregamento, tendo ficado tudo estipulado...
(...) o AA foi quem acompanhou o carregamento dos primeiros contentores, os quais foram logo reclamados, pois chegou lá tudo destruído, por mau acondicionamento (...).
Ora, tal reclamação mostra-se documentalmente sustentada na mensagem de correio eletrónico de 18.8.2021, junta a fls. 401, acima referida.
Acrescentou que pelas fotos que o cliente marroquino enviou estava tudo mal acondicionado, constatando paletes com excesso de peso (o que leva a que partam as peças de baixo), não tendo dúvidas de que estes foram os contentores com as peças oriundas das Rés, pois fizeram o seu seguimento, sendo que o cliente relatou que chegaram pedras partidas e outras sem as dimensões contratadas e com acabamentos mal feitos (sendo que, à semelhança da anterior testemunha, não especificou quer o número de peças com aqueles defeitos, nem as reportou a concretos carregamentos).
(...) perante constantes entraves e problemas os clientes não aceitaram mais.
Instada, confirmou que esteve em reuniões, mas eram mais telefonemas e e-mails, sabendo que um dos clientes veio cá à pedreira, assim como fizeram comunicados para Marrocos por motivos de covid, para aguentar o cliente...
(...) É neste contexto que a E... e a D... deixaram de ser clientes deles, além de que nunca mais trabalharam em Marrocos (...).
(...) Foi também considerado o depoimento de FF, (...) pedreiro; (...) que aos costumes disse que tem uma relação profissional com as Rés, sendo que trabalha numa das Rés e estava deslocado na outra, tendo uma relação laboral com a B... desde abril de 2018.
Esclarecendo que trabalhou na fábrica de C..., em Vilar Formoso, referiu que do contrato entre as partes nada sabe, nem sequer podendo precisar para quem cortava a pedra, apenas podendo assegurar que em 2021 estava todos os dias na C..., em Vilar Formoso, a cortar material azul, apenas tendo parado para férias, como é habitual, e retomado o serviço em fins de agosto, tendo cortado continuamente, não recordando se pararam em outubro ou mais tarde.
Instado, referiu que normalmente era ele que carregava os contentores, os quais enchiam e sobrava sempre alguma coisa, sendo que depois deram-lhes ordens para pararem de cortar, não sabendo porquê.
(...) ficou muito material cortado, algumas 150 paletes, mas não as contou.
(...) viu lá uma vez pessoas da A... inspecionar o material cortado e paletizado[14] e outra vez nos carregamentos, mas nunca lhe apresentaram queixas, tratando-se de um homem, nunca uma mulher.
Ora, tão inverosímil se apresentava este relato, quer em face dos depoimentos que atendem[15], quer das comunicações e fotos juntas aos autos, que apenas se admitia que a testemunha possa estar a falar verdade na eventualidade de AA se ter dirigido a outrem quando no local (...).
Certo é que a testemunha refere depois não saber quem era (o que não deixa de ser revelador) ou se era um ou mais clientes (!?), reafirmando que a sua intervenção era só cortar, embalar e carregar no camião, conforme o motorista lhe dizia...
Não obstante voltar a reconhecer que era ele (e os outros funcionários da C...) que carregava os contentores, afirmou que eram várias empresas que transportavam os contentores, mas não sabe precisar pois não teve acesso a documentação e ele nada assinava.
Percebendo-se, assim, a circunscrita intervenção desta testemunha, não estranha que a mesma não se lembre quando se iniciaram os carregamentos, assim como não saiba quem mandava vir os camiões, sendo que o GG é que lhe dava as notas com as medidas e quantidades, assim como era aquele que lhe deu instruções para o carregamento.
Todavia, este depoimento acabou por se revelar relevante pois, quando instado sobre quem lhe explicou como devia acondicionar a carga, o mesmo foi claro ao dizer que ninguém lhe explicou e nunca lhe deram instruções, acabando por revelar que não era a si que reclamavam, até porque tal não entra na sua competência.
(...) Não se mostram, pois, por qualquer forma invalidados os depoimentos que dão conta dos pedidos formulados no local por AA, embora desatendidos pelas Rés. Importa, contudo, notar que tais observações e sugestões (assim foram descritas pelo próprio AA) não revestiram a forma de reclamação qua tale.
Por último, foi considerado o depoimento de JJ (...) assistente administrativa e de logística; (...) disse trabalhar para a Autora desde 2015.
Com uma intervenção que logo esclareceu estar circunscrita a contactos[16] com o HH, através de e-mail, e à participação na organização do transporte a partir de Portugal para Marrocos, para a expedição de mercadoria, a testemunha foi clara ao afirmar que não participou nas negociações, nem sabe pormenores dessa situação.
(...) Os clientes marroquinos desistiram da encomenda à Autora e desde então perderam relações comerciais com Marrocos, sendo que não sabe se desistiram verbalmente e por escrito, mas verbalmente certamente, pois assistiu a uma chamada telefónica com o responsável, mas não sabe quando, talvez em setembro de 2021.
(...) Tudo visto, e em síntese, (...) apenas podemos concluir, com a segurança necessária (...), que existiu um acordo nos termos acima referidos, que se acertou finalmente com o depósito do sinal, e o qual foi sendo cumprido de forma deficitária pelas Rés, não relativamente a prazos e medidas de corte (...), mas de forma clara quanto ao mau acondicionamento das peças e, em geral, desconformidades de acabamento superficial, que determinou a rejeição de parte significativa dos carregamentos (embora não concretamente apurada), o que, não obstante os alertas da Autora, foi sempre desconsiderado pelas vendedoras, até que esta, confrontada com a resolução do contrato pelos seus clientes, acaba por pôr termo à relação com as Rés em sucessivas comunicações com tal fim, reportando-se a primeira a 22.9.2021. (...)»
e) Esta perspetiva do Mm.º Juiz do Tribunal a quo afigura-se correta.
Vejamos, contudo, alguns excertos da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (indicada no recurso).
- AA (fls. 598):
“(...) Sou gerente de uma empresa de logística, K... Limitada. (...) como prestador de serviços à A..., a A... pedia por eu acompanhar alguma parte da produção e das cargas que são feitas em Portugal ou na zona fronteiriça. (...) recordo-me que o senhor DD me pediu a determinada altura que me deslocasse a Vilar Formoso, à fábrica, porque estavam a ter alguns problemas com a produção das peças, nomeadamente, em termos de qualidade. (...) [tal ocorreu há] (...) seguramente dois, três anos. (...) vir a Vila Famoso era já sair fora da minha área. E, efetivamente, o Sr. DD estava muito preocupado com a situação, porque não só a produção não corria da forma que não queria, como também havia questões de qualidade. (...) O que eu me recordo foi, efetivamente, de chegar à fábrica e deparar-me com situações que eram completamente fora daquilo que é o normal das produções, daquilo que se pede. Eu não organizei o transporte, mas tentava, juntamente com o fornecedor e com a D.ª EE, depois vermos a quantidade (...). Portanto, a determinada altura, o Sr. DD pediu-me para ir ver o que é que se passava. Porque é um cliente importante meu, eu tenho um relacionamento profissional, e o Sr. DD confia não só na parte da logística, mas também pela minha experiência em termos de trabalho e em termos de pedra, de tentar saber o que é que se estava a passar, efetivamente. Porque é que havia atrasos, porque é que havia reclamações dos clientes em termos de... Porque uma coisa é nós fazermos um transporte para a Europa, outra coisa é metermos carga dentro de um contentor, fechar e ir para Marrocos. Portanto, se a carga não for verificada cá, nós só vamos saber se efetivamente há algum problema já depois da carga estar no cliente. (...) Conhecia [a C...], sim. Da outra fábrica de Espanha. (...) Verifiquei que a carga estava mal-acondicionada. Foi uma das primeiras coisas que eu verifiquei. Estamos a falar de granito em cima de madeira, se não for bem-acondicionado, num transporte terrestre já é difícil, se não for bem-acondicionado, num transporte marítimo, pior ainda. (...) Estavam pedras... estavam paletes com excesso de peso. Paletes que deveriam ter (...) uma determinada forma de ser acondicionado com madeira e não tinha. (...) Tinha uma fita. Umas fitas de plástico. Mas sobretudo o que eu vi foi sobrecarga de peso em cima de uma paleta de madeira. Normalmente deverá ter 1500, 1600 quilos. E garantidamente havia paletes com duas toneladas, duas toneladas e meia. Depois, tentei fazer ver que não se pode transportar. Não me cabe (...) dizer às pessoas como é que elas têm que trabalhar. Cabe-me a mim dizer que, em determinada altura, num transporte, se a carga não for bem-acondicionada, vamos ter problemas. Há uma forma, primeiro, menos peso em paletes, e depois vamos ter que, ao carregar as paletes nos contentores, vamos ter que fazer com que elas encostem uma a outra ou então que não se mexam. Porque se deixarmos ficar um espaço entre as paletes, no transporte marítimo, o que é que vai acontecer? Com o balançar do barco, o que vai acontecer é que elas vão acabar por tombar. E disse sim, senhora, foi-me dito, ´ok, sim senhora, vamos colocar aqui`, e o que é facto é que nunca aconteceu. Portanto, nós tivemos, repetidamente, o mesmo problema em termos de acondicionamento. Continuou com as tais fitas, tiraram peso efetivamente à palete, mas aquilo que se chama (...)… evitar o espaço entre as duas paletes, que supostamente deveria levar um calço entre paletes, nunca foi feito. Aí, a maior parte dos contentores que chegavam, as pedras vinham desfeitas, as paletes vinham desfeitas, vinham batidas, batendo (...) parte os cantos. Portanto, o cliente repetidamente fazia uma reclamação em termos de qualidade. (...) depois o Sr. DD voltou-me a pedir para eu voltar a ir lá, pedir novamente para… eu fui garantidamente duas ou três vezes à C... para tentar resolver este problema. Nunca me foi dito que não, mas também nunca foi solucionado o problema. (...) Há um chanfre, um raio, que deveria ter, por exemplo, 2,5. E esse raio nunca era 2,5. Umas vezes tinha 2,5, outras vezes tinha 2,2, outras vezes tinha 2,3. Portanto, aquele raio que é feito na quina da pedra, era uma das obrigatoriedades da produção. Inclusivamente, foi feita uma peça, e eu vi, para poder ser feito esse chanfre, sempre da mesma maneira, feito à mão. E o que é facto é que assim, não sendo feita de uma forma mecânica, sendo feita à mão, umas vezes sai bem, outras vezes sai mal. (...) quando nós temos um cliente que pede 2,5, mesmo que haja uma peça que vá com 2,3, para o cliente já é um defeito. Já é uma forma dele poder reclamar. (...) Das últimas vezes antes de eles pararem depois com a obra (...) vim aqui novamente a Vilar Formoso, estava o Sr. GG e o Sr. HH, penso eu. E ele deslocou-se cá para ver, o senhor marroquino. Foi a última reunião que ele veio antes de cancelar a (...); Penso que eu era ´Bili` (o nome da empresa). (...) Resultou mais uma vez que ´vai ser tudo feito, vai ser tudo ok`, agora é que vai ser. E foi até o cliente cancelar... (...), final de verão. (...) as encomendas continuaram até o Sr. DD me dizer, ´olha, eles acabaram por cancelar`. (...) Pedras rachadas (...), tipo do acabamento... As pedras têm veios. (...) Normalmente têm de ser escolhidos. E nota-se... notava-se veios. Não era suposto. (...) O carregamento era feito em contentores. (...) a última vez que vim, vim por uma questão não da parte da produção, mas sim porque o Sr. marroquino estava em Madrid, se deslocou cá para... [“(...) tinha vindo duas vezes à fábrica e uma terceira vez nessa reunião?] Isso mesmo. (...) Medi por amostragem, sim. [“E na amostragem já havia esses diferenciais?”] Sim, sim. Isto porquê? Porque as paletes estão na rua, em fila. E imaginemos, temos dez ou 15 paletes, não é? Portanto, tenho dez ou 15 paletes. Se cada palete tiver 20 peças, podíamos medi-las todas, mas, por uma questão da amostragem, se em cada palete houver uma peça ou duas que estão com defeito, que estão fora de cota, quer dizer que vai haver muitas mais que estarão assim. (...) [“(...) das paletes que tinham excesso de peso, tem ideia do número de peças que estavam na palete?”] Entre (...) 15, 10, 15 peças, seguramente. Mas (...) não precisávamos de ver, não precisávamos de ver a quantidade, basta ver o comportamento da palete em si. Temos um empilhador, agarramos na peça, agarramos na palete. A partir do momento em que há peso a mais, a madeira começa logo ou a quebrar, ou a fazer barulho, ou os calços... Portanto, isto era recorrente. Madeira que quebrava, os calços das paletes... Os calços saem. [“(...) quem é que fazia esse acondicionamento e depois o transporte?] É a C.... A C... com os seus funcionários. [“(...) sabe em concreto quem é que estava a fazer esse acondicionamento nas paletes?”] O Sr. HH, que supostamente seria uma das pessoas responsáveis. E outro Sr. KK, que seria o encarregado, por assim dizer, da C.... Portanto, eles é que depois definem quem é que vai carregar ou quem é que não vai carregar. (...)”
- FF (fls. 599):
Trabalhou para a Ré C... e, hoje, e desde abril/2018, trabalha “para a B...”. “(...) trabalho na fábrica de pedra de C.... Estava em B... destinado a C... como trabalhador da fábrica de C..., responsável. Em Vilar Formoso. (...) eu aí não estou informado para quem cortava a pedra. [“Em 2021, estava todos os dias na C...?”] Sim. Lembro-me de que material estávamos cortando. Um material azul, um material que se chama Granblue, em bordillos de 30 por 30 por um metro. (...) Estava presente e, normalmente, carregava. Sempre sobrava paletes, porque tínhamos pedra cortada, como cortávamos continuamente, não ia tudo dentro dos camiões que vinham a carregar, nesse momento. (...) Quando vinham outros camiões, carregávamos. (...) desde a nossa oficina de B..., deram-nos a ordem de parar de cortar material e deixámos de cortar material. (...) ficou muito material cortado. Haveria uns 150 paletes, mais ou menos. Não posso assegurá-lo, porque não o contabilizei eu, diretamente. (...) vi alguma vez umas pessoas de A... a revisar o material, mas não tenho nada de relação com essas pessoas. Sim, o material que estava cortado, paletizado. (...) Nunca nos apresentaram queixas de nada. (...) Porque se apresentaram como pessoas que vinham da parte de A.... (...) foram várias vezes. Sei que era um homem... Uma mulher, estando eu, não me lembro; (...) eu não tinha documentação para saber de quem era. (...) eu não assinava a documentação. (...) era o corte, o embalamento e metê-los no camião. E, depois, o resto era coisa (...) do escritório quem questionava isso. [“E então quem acondicionava a carga era o Sr. e os funcionários da C...?”] Sim. No 2021, estava-se carregando para...; (...) trabalhamos durante o ano inteiro, mas não me recordo quando se iniciaram as cargas, quando se começaram a carregar camiões. (...) Cortava-se o material, os camiões vinham, mandavam-nos vir, eu não sei quem os mandava vir, se... podiam vir cada semana, cada 15 dias, uma vez ao mês, não vinham seguidos. (...) eram medidas e quantidades. [“Medidas e quantidades. E ele não dizia para que cliente é que era?”] Não. [“Nem vinha identificado? Pergunto, é uma folha de serviço que lhe dão, não vinha identificado quem é o cliente?”] Então, não vem identificado. [“Então qualquer camião que lá chegue, vocês carregam, sem saber qual é o destino da pedra?”] A mim, desde B..., o Sr. LL é quem me ordena carregar esse material nesse camião. Depois, eu como não tenho outra documentação, porque ele enviava, não sei como enviava a documentação, só recebíamos um ... que leva o camioneiro para que possa levar o material. Não sei para quem vai... [“As suas funções limitavam-se a receber as instruções do seu patrão, digamos assim, o Sr. cortava, avisavam-no quando vinham os camiões, o Sr. carregava e não sabia mais nada?”] Nada mais. Nada mais. [“Quaisquer reclamações que fossem feitas, (...) não era consigo, era com o Sr. LL?] Sim. [“quem é que transportava os contentores, sabe?] Havia várias empresas que os transportavam. [“E quem é que lhe explicou como é que havia de acondicionar aquela carga?] Ninguém nos explicou como havíamos de acondicionar a carga. (...) [“(...) Ninguém vos explicou? O Sr. já tinha acondicionado carga para ir em barcos, em contentores de barcos? Ou foi a primeira vez?] (...) Já acondicionara algumas cargas, mas noutra fábrica, na fábrica de B..., já acondicionara algumas cargas para mandar em contentores. [“Mas o Sr. já tinha essa experiência? Já sabia como é que havia de fazer?”] (...) nunca tive uma explicação de como havia que carregá-las. O único que fazíamos era carregá-las da maneira que fossem seguros, repartidas por todo o contentor, para que não houvesse pesos descompensados. [“Mas no que diz respeito às paletes, quantidade de cargas por palete, aquilo lá dentro ir de maneira a que não oscilasse, alguém vos deu essas instruções ou não? Ninguém especificou, façam assim, façam assado?”] Não. [“E os sujeitos que lá foram, o tal Sr., que o Sr. se recorda, que consigo nunca falou sobre isso?”] Não, nunca, nunca nos informou. [“O Sr. recorda-se de terem já a carga pronta, e de a terem tirado porque teria algum tipo de problema, e terem retificado ou feito carga nova e voltado a pôr? Isso alguma vez sucedeu?”] Não. [“Não tem ideia nenhuma de terem dito, por exemplo, que havia uns rebordos com umas medidas que não batiam certo? Viu alguém medir ou tirar fotografias?”] Não me recordo.”
f) A prova documental [junta aos autos de forma repetida e sem a melhor ordenação e a devida interligação com o alegado nos articulados] foi adequadamente mencionada na descrita fundamentação de facto (sintetizada na alínea anterior, mas que se estendeu de fls. 663 a 682), assumindo particular importância a documentação que marca ou define o início e o términus da relação contratual e a relativa à inexecução da obrigação - na sua invocação e na concretização da pertinente factualidade/ocorrências - e subsequente e correlativa atuação da A. (cf., designadamente, fls. 182 e seguintes, 205 e seguintes, 291 e seguintes, 401 e seguintes e 403 verso e seguintes), suficientemente concretizada na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
6. Como se adiantou [cf. II. 5. e), ab initio, supra], a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pela Mm.º Juiz do Tribunal a quo, afigura-se correta.
Na verdade, face à mencionada prova pessoal e documental, podemos dizer que a decisão de facto respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que o Mm.º Juiz observou as normas do direito probatório material e inexistem elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou - considerada, nomeadamente, a exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[17] -, porquanto não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida…[18]
Assim, salvo o devido respeito por entendimento contrário, dir-se-á, designadamente:
- A prova documental disponível conjugada com o depoimento da testemunha AA [ao contrário do que se diz na alegação de recurso, não se trata de um testemunho “inconsistente” e não foi contrariado pelo testemunho de FF - vejam-se, v. g., os excertos referidos em II. 5. e), supra] aponta, claramente, para a realidade dada como provada, nomeadamente, em 39), 40), 43), 44), 51), 57), 58), 60), 62), 110), 115) e 118);
- Esses mesmos elementos não deixam a menor dúvida quanto à resolução/rescisão do contrato celebrado entre as partes, pelo menos, através da comunicação datada de 12.10.2021;
- Quanto à factualidade dita em 112), o que o Mm.º Juiz do tribunal a quo veio a classificar/integrar como “caos” foi suficientemente explicitado/concretizado no texto imediatamente a seguir (conteúdo ou arrazoado por diversas vezes invocado/ “denunciado” pela A.);
- O incluído no facto 114) está interligado com a obrigação das Rés claramente expressa no facto 111) (não impugnado), constituindo um dos factos essenciais para a compreensão e desfecho do presente litígio, e é evidente, ressalvado o respeito sempre devido, que as Rés/recorrentes, na sua “análise crítica”, não lograram demonstrar a pretensa inconsistência e/ou irrelevância do depoimento da testemunha AA e, menos ainda, que tenha sido contrariado ou sequer esbatido com a perspetiva trazida a juízo pela testemunha FF.
O Mm.º Juiz analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, respeitando as normas/critérios dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).
Improcede, assim, a pretensão das Rés de verem modificada a decisão de facto.
7. Dizem as Rés/recorrentes que, “alterando-se a decisão da matéria de facto quanto aos pontos acima elencados, inexiste qualquer fundamento para a resolução contratual operada pela A., sendo, portanto, ilícita e, portanto, deverá pagar as faturas em dívida e não terá que restituir os € 80 000”; “inexiste qualquer fundamento para a resolução contratual operada pela Autora, sendo, portanto, ilícita, sujeito à regra Ex Works, os riscos e os danos das mercadorias são transferidos para o comprador” (cf. “conclusão 17ª”, ponto I., supra e ponto 64. da fundamentação da alegação de recurso).
Mantida a decisão de facto proferida em 1ª instância, poder-se-ia porventura concluir, desde já, pela necessária improcedência da apelação.
Contudo, atendendo ao demais invocado e que implica ou convoca a decisão de mérito, importa prosseguir...
8. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (art.º 405º, n.º 1 do CC).
O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1).
É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (art.º 432º, n.º 1). A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato (n.º 2).
A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte (art.º 436º, n.º 1).
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art.º 762º, n.º 1). No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (n.º 2).
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art.º 798º).
Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art.º 799º, n.º 1).
9. A resolução tem lugar em situações de variada natureza, resultando, não de um vício da formação do contrato, mas dum facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir ou frustrar a legítima expetativa duma parte contratante, muitas das vezes, um facto da contraparte que traduza o inadimplemento de uma obrigação.
Tal forma de cessação dos efeitos negociais tem normalmente por fundamento (embora nem sempre – cf. art.º 1140º do CC) uma perturbação na execução do contrato que afeta o interesse do credor.[19]
10. Pese embora a larga [e, salvo o devido respeito, excessiva] explanação da fundamentação da decisão de mérito proferida pelo Mm.º Juiz, vejamos os seus pontos essenciais, considerando, ainda, naturalmente, o que subsiste e integra o objeto desta apelação:
- Referiu-se que a lei aplicável ao contrato sub judice será a portuguesa, considerando o local da celebração e execução do contrato (cf. alínea a) do n.º 1 do art.º 4º do Regulamento (UE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.6.2008), matéria não controvertida.
- As partes celebraram um contrato (de compra e venda comercial) que visava o fornecimento/venda de granito pelas Rés, com as quantidades, medidas, características e acabamentos acordados (e respetivo acondicionamento para transporte), produto a “revender” pela A. a duas empresas marroquinas, “E...” e “D...”, negócio em que as Rés não eram parte, assegurando a A. o seu transporte e entrega desde as instalações das Rés até Casablanca/Marrocos (na pedreira, nos camiões contratados pela A. e sequente transporte marítimo desde o porto de Leixões, em diferentes carregamentos).
- Foi exigido sinal “no momento da assinatura do contrato”, que veio a ser pago (no montante de € 80 000).
- As partes acordaram numa cláusula “ex works” (do direito internacional), considerando que os bens objeto do contrato se consideravam entregues quando eram disponibilizados para serem carregados nos camiões e que nesse momento “culminava” a obrigação das vendedoras [cf. factos 1) a 15); 68) a 70); 72); 82); 84) a 88) e 111)].
- A cláusula Ex Works (EXW) é um dos termos do Incoterms, usados no comércio internacional para definir as responsabilidades do vendedor e do comprador, que consiste no vendedor disponibilizar a mercadoria nas suas instalações (fábrica ou armazém) e o comprador assumir todas as responsabilidades e custos a partir desse ponto. São responsabilidades do vendedor: disponibilizar a mercadoria no local acordado (fábrica, armazém, etc.); embalar e etiquetar a mercadoria adequadamente; fornecer a documentação necessária para a exportação. São responsabilidades do comprador: organizar e pagar pelo transporte da mercadoria; lidar com todos os custos e riscos a partir do momento em que a mercadoria é disponibilizada pelo vendedor; cuidar do desembaraço aduaneiro de exportação e importação.[20]
- Assim, cabia às Rés, entre o mais, disponibilizar a mercadoria no local acordado e embalar e etiquetar a mesma adequadamente (no sentido de chegar íntegra ao destino que era do conhecimento das Rés).
- Atendendo à factualidade descrita, nomeadamente, em 39) a 41), 44) a 47), 51) a 53), 55) a 58), 64), 67), 71), 79), 80), 90), 110), 112) a 115) e 122), ficaram demonstrados “defeitos na prestação” das Rés, desde logo porque as pedras entregues apresentavam, concretamente, pelo menos entre 10 a 15 por carregamento, múltiplas ruturas devido a más condições de acondicionamento, falta de equipamento e sobrecarga das paletes, constatando-se cantos partidos, fendas abertas, manchas negras de grande dimensão e, em geral, desconformidades de acabamento superficial.
- Demonstra-se, pois, tal cumprimento defeituoso da obrigação assumida pelas Rés, nomeadamente ao nível do acondicionamento da carga (e acabamento geral das peças), o qual inclusive provocou os estragos na mercadoria.
- Ocorreu incumprimento contratual/cumprimento defeituoso da obrigação, porquanto «a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objeto da obrigação a que ele estava adstrito» [Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), Parecer publicado na CJ, XII, 4, 30].
- As Rés não lograram provar que tais defeitos na sua prestação não provinham de culpa sua.
- Não se vislumbra que a cláusula Ex Works (EXW) tenha a virtualidade de excluir a responsabilidade daquelas, antes pelo contrário (sendo clara a relação direta entre o mau acondicionamento da mercadoria e o estado em que esta chega aos clientes da A.) - de acordo com o referido Incoterm, são responsabilidades do vendedor disponibilizar a mercadoria no local acordado e proceder à sua embalagem e etiquetagem adequada.
- Tal foi manifesta e reiteradamente descurado pelas Rés, donde a circunstância da responsabilidade destas terminar com a entrega da mercadoria à A. (ou a outrem por esta mandatado para o efeito) não a exime das obrigações que reiteradamente incumpriu.
- Invocando, designadamente, os acórdãos da RC de 25.6.2013-processo 92/11.7T2SVV.C1 e 19.12.2018-processo 2142/15.9T8CTB.C1 (publicados no “site” da dgsi) e o preceituado nos art.ºs 916º e 917º do CC, considerou-se que a pretensão da A. assente no pretenso prejuízo patrimonial sofrido com o pagamento de mercadoria não conforme, integrada no segmento a) do pedido (no montante de € 44 230,76), tal como as despesas de transporte que reclama ter despendido, integradas no mesmo segmento do pedido (no montante de € 26 910) estão prejudicadas pela caducidade (do direito de ação), improcedendo a ação nestes montantes [o assim expendido e consequente decisão não mereceu qualquer reparo], enquanto os direitos decorrentes da resolução estão sujeitos ao prazo de prescrição ordinária [in casu, assentes na perda do negócio com as clientes marroquinas, na devolução dos € 80 000 entregues a título de sinal à Ré C..., e danos reputacionais].
- Relativamente à pretensão decorrente da perda do negócio com as clientes marroquinas da A. - máxime, pedidos de devolução dos € 80 000 entregues a título de “sinal” e fundado nos invocados danos reputacionais -, face à factualidade apurada, improcede a pretensão indemnizatória por alegados danos reputacionais [quanto a esta parte nada se suscita em sede de recurso] e procede quanto à requerida devolução do valor do “sinal”.
- Além da factualidade indicada em 40), 51) a 53), 56) e 58), decorre dos autos que as Rés não manifestaram qualquer disponibilidade ou vontade em recolher as pedras com os problemas comunicados pela A., assim como nunca questionaram o local exato onde a pedra se encontrava para ser recolhida; também se demonstra que não foram pagas as faturas relativas à mercadoria produzida pelas Rés após a A. lhes ter comunicado que não tinha mais interesse nas suas prestações, o que ocorreu logo em 22.9.2021, quando manifestou “desistir” dos dois projetos objeto do contrato, tendo ainda solicitado, em consequência da denúncia dos defeitos e resolução contratual, a emissão de “notas de crédito” relativas a faturas emitidas num total de € 19 062,52, o que nunca veio a suceder - cf. factos 116) a 120).
- Quanto ao incumprimento/cumprimento defeituoso da obrigação que impendia sobre a Rés/Reconvintes, invocado pela A., consubstanciando exceptio non adimpleti contractus, a mesma seria de proceder pois que as Rés cumpriram defeituosamente a obrigação a que estavam adstritas, não tendo reparado a mesma (ou sequer respondido de forma consequente às múltiplas e sucessivas denúncias da A.); porém, atenta a resolução operada, prejudicada fica a exceção de não cumprimento invocada pela A..
- Atento o disposto nos art.ºs 289º, 432º a 436º e 762º, n.º 2, do CC e, nomeadamente, a factualidade descrita em 40), 43) a 47), 51) a 53), 56) a 58), 64) a 67) e 116) a 120), nenhuma dúvida se suscita quanto à licitude da aludida resolução contratual operada pela A., pois resolve o contrato atenta a mora das Rés (que nunca cessou) em reparar e evitar os defeitos da sua prestação, num contexto em que é evidente ter perdido o interesse objetivo que tinha na prestação daquelas [porquanto deixou de ter (poder ter) a menor confiança nas capacidades técnicas das Rés, com a consequente perda do interesse na prestação - art.º 808º, n.º 2, do CC].[21]
- Pesem embora as circunstâncias de a A. não se encontrar em condições de restituir totalmente os bens prestados pelas Rés, a resolução contratual não deixa de produzir os seus efeitos, na justa medida em que se demonstrou e/ou vemos alegado/admitido pelas próprias Rés: a) a pedra correspondente foi destruída ou integrada na respetiva obra em Marrocos; b) a A. comunicou a resolução e declarou às Rés que a pedra estava disponível para recolha “no local” (sem precisar o local/endereço); c) as Rés não manifestaram qualquer disponibilidade ou vontade em recolher as pedras com os problemas comunicados pela A., assim como nunca questionaram o local exato onde a pedra se encontrava pronta a ser recolhida [cf. II. 1. 116), supra]; d) afirmam/admitem as Rés, sobre a “pedra produzida para a A. até à rutura do contrato e não recolhida”, que “foi produzida à medida e com as características específicas contratadas com a A. e não pode ser vendida a outro cliente. / Também não pode ser cortada em peças mais pequenas, pois o custo de tal corte, somado ao custo primitivo da sua produção, torna a pedra mais cara do que o preço pelo qual as rés a poderiam vender” (cf. art.ºs 98º e 99º da contestação/reconvenção - fls. 237).
- Se são as próprias Rés quem reconhece “não terem tais pedras qualquer valia para si” e, assim, dada a impossibilidade e/ou a inutilidade e desinteresse na sua restituição [sem considerar, obviamente, a parte “não recolhida” pela A. e que permaneceu nas instalações das Rés], não se justifica ponderar qualquer restituição em numerário, nem poderá advir consequência alguma para a A. em razão do estatuído no art.º 436º, n.º 2, do CC.
- Assim se conclui pela licitude da resolução contratual operada em 22.9.2021 pela A., donde fica prejudicada qualquer responsabilização desta a esse título, conforme pretendiam as Rés, improcedendo o peticionado, na reconvenção, a título de pagamento do preço em falta e indemnização pela invocada (mas não demonstrada) rutura ilícita do contrato.
- Daí, a obrigação de devolução, pelas Rés (pois que ambas se vincularam contratualmente naqueles termos, como resulta da factualidade provada), dos € 80 000 entregues a título de “sinal”, garantia ou “adiantamento” [factos 28) e 84)], e respetivos juros, procedendo a ação nessa parte, e improcedendo o pedido reconvencional.
11. Na situação em análise, ocorreu uma resolução do contrato, baseada no não cumprimento da obrigação por parte das Rés e que veio iludir a legítima expetativa da A. [cf., nomeadamente, II. 1. 10), 19), 40), 43), 44), 51), 54), 57), 68), 85), 110), 114) e 115), supra].[22]
Naturalmente, o contrato em causa esteve em execução, tendo havido encomendas, fornecimentos e pagamentos [cf., nomeadamente, II. 1. 32), 33) e 98) a 102), supra].
A par da problemática da licitude da resolução contratual, subsiste, em sede de recurso, por um lado, o destino a dar à quantia de € 80 000 entregue pela A. às Rés a título de “sinal” [cf., nomeadamente, II. 1. 28), 84) e 91), supra] e, por outro lado, o pagamento (de fornecimentos faturados) reclamado pelas Rés e demais aspetos relativos à liquidação decorrente da cessação do contrato.
Neste contexto, enquanto a atribuição daquela quantia depende da atendibilidade da resolução, já os demais valores, bens ou produtos - demonstrada a licitude da resolução - ficam necessariamente submetidos à previsão do n.º 2 do art.º 432º do CC, máxime, se e em que medida deverá ser atuada a restrição aí prevista (aplicável tanto em relação à resolução legal, como à resolução contratual), mas sendo de concluir que a mesma não funciona se a impossibilidade de restituição for imputável à parte contrária, funcionando, contudo, ainda que a parte interessada na resolução invoque para o efeito o não cumprimento do contrato por causa imputável ao outro contraente.[23]
12. Considerando-se «justa causa» ou «fundamento importante» qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja ´exigível` a uma das partes a continuação da relação contratual ou a verificação de violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual[24], afigura-se que a factualidade que corporizou o inadimplemento fundamentava o direito de resolução dada a manifesta gravidade (importância) do incumprimento - cf., designadamente, II. 1. 16) a 20), 37) a 44), 50), 51), 54), 56) a 58), 60) a 63), 67), 110) a 115), 122) e 123), supra.
13. A resolução por incumprimento não faz desaparecer a relação contratual, antes a converte numa relação de liquidação, podendo-se definir «liquidação» “em oposição a cumprimento, como o conjunto e a articulação de todos e cada um dos meios necessários e possíveis para a equilibrada composição entre os interesses das partes de um contrato cujo programa de execução foi por qualquer modo malogrado”.[25]
A resolução dum contrato não extingue a relação contratual como um todo; extingue apenas os deveres de prestação ainda não cumpridos, bem como os deveres secundários de indemnização dirigidos à reparação do interesse na prestação, i. é, à cobertura dum dano ligado ao inadimplemento definitivo ou à mora.
A finalidade da resolução é reintegrar um ´statu quo ante` ou obstar à execução de certas prestações, esgotando-se, assim, a sua função no domínio dos deveres de prestação.[26]
14. Quanto às consequências da resolução descrita em II. 1. 44), supra, e, principalmente, às circunstâncias da relação de liquidação, cremos que a situação dos autos, não sendo isenta de dificuldades, obteve da parte do Tribunal a quo uma resposta razoável e suficientemente acolhida na factualidade provada conjugada com o apontado regime jurídico.
Prosseguindo.
Concretizada a resolução contratual, as Rés nada disseram até março de 2022.
Na última missiva remetida pela A. às Rés, datada de 07.3.2022, a A. reiterou os motivos que a levaram à resolução contratual, requereu a emissão de notas de crédito relativas a 21 faturas por si emitidas e concedeu um prazo de 10 dias para recolha das pedras defeituosamente produzidas.
As Rés não repararam nem substituíram as mercadorias defeituosas em tempo útil e a A. não pode vender as peças de granito estragadas.
A denúncia de (determinados) defeitos em momento posterior à resolução contratual sucedeu porque entre o momento em que a mercadoria é expedida e a altura em que o cliente a receciona, ocorreu um hiato temporal de duas a três semanas que podia sofrer atrasos. A receção da última encomenda ocorreu após 22.9.2021, mas só depois de 14.10.2021 as Rés pararam de produzir a pedra objeto do contrato.
A A. não está em condições de restituir totalmente os bens prestados pelas Rés, pois essa pedra ou foi destruída ou foi integrada na respetiva obra em Marrocos.
A A. comunicou a resolução e declarou às Rés que a pedra estava disponível para recolha “no local”, mas nunca precisou qual fosse esse local, nem indicou qualquer endereço. Contudo, as Rés não manifestaram qualquer disponibilidade ou vontade em recolher as pedras com os problemas comunicados pela A., assim como nunca questionaram o local exato onde a pedra se encontrava pronta a ser recolhida [cf., principalmente, II. 1. 45), 47), 52), 53), 64), 66), 77) a 79), 105), 116) e 117), supra].
15. Ficou demonstrado, designadamente, que a Ré C... terá recebido a importância de € 44 320,76 [cf. II. 1. 46), supra] e, atentos os dois montantes mencionados em II. 1. 75), 81) e 107), supra, verifica-se que a fatura no valor de € 69 379,20 foi emitida em 27.12.2021 (cf. documento reproduzido a fls. 269), dizendo respeito, muito provavelmente, a pedra que terá permanecido nas instalações das Rés.
E havendo pedra que terá sido destruída/inutilizada (também compreendida nos fornecimentos pagos), merece especial destaque a circunstância de haver pedra que nem sequer foi levantada das instalações das Rés - certamente, em percentagem bem superior àquela -, e cuja recolha e/ou utilização por parte das Rés, como foi admitido nos autos, não lhes traria qualquer incremento patrimonial: a “pedra produzida para a A. até à rutura do contrato e não recolhida (...) não pode ser vendida a outro cliente”, nem “pode ser cortada em peças mais pequenas, pois o custo de tal corte, somado ao custo primitivo da sua produção, torna a pedra mais cara do que o preço pelo qual as rés a poderiam vender” (cf. art.ºs 98º e 99º da contestação/reconvenção - fls. 237).
Por conseguinte, afigura-se que a descrita, e possível, relação de liquidação não deverá impedir ou restringir a efetivada resolução contratual.
16. No que concerne a valores faturados e seu pagamento (máxime, atento o reclamado em sede de reconvenção), acrescenta-se:
- Não foram pagas as faturas relativas a mercadoria produzida pelas Rés após a A. lhes ter comunicado que não tinha mais interesse nas suas prestações, o que ocorreu logo em 22.9.2021, quando esta manifestou desistir dos dois projetos objeto do contrato; a decisão de continuar a produzir as peças de granito depois dessa data foi da exclusiva responsabilidade das Rés.
- A A. pagou algumas faturas.
- Em 06.10.2021, estavam vencidas e em dívida seis faturas, no valor total de € 19 062,52 - duas emitidas pela Ré B..., uma em 09.9 e outra em 15.9, e quatro emitidas pela Ré C... em 27.9.2021; relativamente a estas faturas e em consequência da denúncia dos defeitos e resolução contratual, a A. solicitou a emissão da correspondente nota de crédito, o que nunca veio a suceder.
- Em resposta à comunicação da A. de 14.10.2021, as Rés reclamaram o pagamento e recolha da pedra, nessa data, e nisto insistiram muitas vezes, até que emitiram (em 27.12.2021) a fatura FT2021/67, no valor de € 69 379,20 [cf., principalmente, II. 1. 47), 75), 81), 107), 108) e 118) a 120), supra].
Sendo estes os factos, será de concluir que não ficou demonstrada a existência de quantia faturada e efetivamente devida, ou contida no valor reclamado em sede reconvencional.
De resto, (também) para as Rés/recorrentes, só a ilicitude da resolução contratual por parte da A. a obrigaria a pagar-lhes o valor das faturas reclamadas na Reconvenção e permitiria dar como perdido, a seu favor, o montante de € 80 000 - cf. II. 7. supra.
17. A respeito da acordada cláusula “EXW (Ex Works)” - nos termos da qual «o exportador encerra a sua participação no negócio quando acondiciona a mercadoria na embalagem de transporte (v. g., contentor)» -, provou-se que as partes acordaram que os bens objeto do contrato se consideravam entregues quando eram disponibilizados para serem carregados nos camiões e que nesse momento culminava a obrigação das vendedoras/Rés, que consistia no fornecimento de peças em granito que necessitavam de ser cortadas em dimensões específicas dos blocos de granito e no seu posterior acondicionamento para transporte [cf. II. 1. 9), 69) e 111), supra].
As Rés não cumpriram aquilo a que se obrigaram, atuação que fundamentou a resolução contratual e a devolução/restituição da dita quantia que havia sido entregue como “sinal”.
18. Soçobram, desta forma, as (demais) “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas as regras do comércio internacional (estabelecidas e adotadas pela ordem jurídica portuguesa, em especial, a cláusula “Ex Works”) ou quaisquer outras disposições legais.
Custas pelas Rés/apelantes.
29.4.2025
[11] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[12] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[13] Retificou-se.
[14] Retificou-se.
[15] Haverá lapso, pois, aparentemente, seria “antecedem” ...
[16] Retificou-se.
[17] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277 - ensinamento que o Mm.º Juiz não deixou de invocar... (cf., v. g., fls. 660).
[18] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e A. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[19] Vide, nomeadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição (2ª Reimpressão), por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2012, págs. 627 e seguintes e J. Baptista Machado, RLJ, 118º, 278, nota (9).
Em idêntico sentido - vide I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, págs. 432 e seguintes e nota (1) da pág. 440 -, com o entendimento de que a palavra «resolução» parece ter no Código Civil um significado que abrange quer a revogação, mas só quando unilateral, quer a rescisão, consistindo, esta, na destruição dos efeitos de um ato jurídico por vontade ou iniciativa de uma das partes com base num fundamento objetivo (justa causa), como nos contratos bilaterais o não cumprimento pela outra parte.
Explicita o mesmo Autor (ob. cit., págs. 430 e 440) que a rescisão, “sendo obra do credor e não do juiz, opera por efeito da vontade do primeiro. Mas é necessário, obviamente, que este leve essa sua vontade ao conhecimento da outra parte, i. é, que lhe ´comunique` a sua decisão de rescindir o contrato.”
[20] Sobre tal problemática, cf. acórdão do STJ de 23.10.2007-processo 07A3119, publicado no “site” da dgsi.
[21] Aplicando-se à situação dos autos o expendido (e sumariado) no acórdão da RC de 27.02.2018-processo 1350/14.4TBLRA-D.C1 (publicado no “site” da dgsi) sobre a gravidade da inexecução ou inexatidão do cumprimento contratual, citado na alegação de recurso: “(...) toda aquela inexecução ou inexatidão do cumprimento que torne inviável um certo emprego do objeto da prestação ou que impossibilite o credor de a aplicar ao uso especial que tinha em vista.”
[22] Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 628.
[23] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 384.
[24] Vide J. Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I., Scientia Iuridica, Braga, 1991 / “Pressupostos da resolução por incumprimento”, págs. 143 e 144.
[25] Vide J. Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I., cit. / “A resolução por incumprimento e a indemnização”, págs. 210 e seguinte (citando-se, a propósito da referida definição, em nota, Hans Georg Leser, Der Rücktritt vom Vertrag., Tübingen, 1975, pág. 101).
[26] Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual (reimpressão), Almedina, 2003, págs. 412 e 419.