DESISTÊNCIA DO RECURSO
DECLARAÇÃO EXPRESSA/TÁCITA
NÃO LEVANTAMENTO DA CERTIDÃO INSTRUTÓRIA DO RECURSO
Sumário

I - A declaração é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade.
A declaração tácita é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – art. 217º nº 1 do Código Civil.
Os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere.
II - Conforme prescreve o artigo 632, nº 5, do Código de Processo Civil, o recorrente pode, por simples requerimento, desistir do recurso interposto.
III – Ainda que se admita uma declaração tácita de desistência do recurso, do não levantamento da certidão instrutória dele, sem que tenha havido uma especial advertência para a omissão, com efeitos declarativos, não se pode inferir a desistência do mesmo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Está em causa a seguinte decisão:

           “Não tendo o requerido recorrente procedido ao levantamento da certidão com as peças processuais que devem instruir o recurso em separado, deverá a sua inércia ser entendida como declaração tácita e ficta de desistência do recurso, do que foi expressamente advertido pelo anterior despacho.

Conforme prescreve o artigo 632º, nº5, do CPC, o recorrente pode, por simples requerimento, desistir do recurso interposto até à prolação de decisão.

Perante a desistência tácita e ficta apresentada, julga-se válida a desistência do recurso, a qual se homologa por sentença, declarando, em consequência, extinta a corresponde instância de recurso, por desistência (artigo 277º, alínea d), do CPC).” (Fim da citação.)


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Inconformado, o Requerido recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

(…)

3º - Na apelação com subida em separado, as partes indicam, após as conclusões das alegações, as peças do processo de que pretendem certidão para instruir o recurso, tal como resulta da leitura do disposto no artigo 646.º do Código de Processo Civil.

4º - Quando as partes não tenham feito essa indicação, deve o juiz (ou, se ele não o fizer, o relator, ao abrigo do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 652. do Código de Processo Civil, convidá-las a fazê-lo, sem prejuízo dele próprio poder ordenar oficiosamente que seja extraída certidão das peças que interessarem ao recurso.

5º - O Tribunal a quo notificou o recorrente para indicar as peças processuais que

deviam instruir as alegações de recurso.

6º - Notificação que o Recorrente respondeu indicando quais peças processuais que deviam instruir o recurso apresentado.

7º - Foi emitida a certidão, que apesar de ter feito o pagamento da mesma atempadamente não fez prova disso no processo.

8º - Confrontado com a não junção do comprovativo do pagamento da certidão, o

Tribunal a quo socorreu-se do disposto no n.º 5 do artigo 632. do Código de Processo Civil e homologou a desistência do recurso.

9º - Não estamos perante qualquer cenário de caducidade do direito de recorrer, de renúncia ao direito de recorrer, de aceitação expressa ou tácita da decisão e os autos não estão municiados com qualquer acto de desistência.

10º - Para além disso, não existe qualquer disposição legal cominar a falta de instrução dos autos com a referida medida nem, na ausência de disposição legal, foi feita a correspondente cominação.

11º - A vontade expressa de desistir não existe nem sobeja espaço para considerar que ocorre uma desistência ficta da interposição do recurso.

12º - Pelo contrário, o direito de acesso aos Tribunais é um direito processual fundamental que compreende um amplo espaço de garantias processuais e que não admite a restrição artificial da possibilidade de recurso a não ser em situações previamente delineadas no quadro legal.

13º - Aliás, estamos num domínio o legislador privilegia o duplo grau de jurisdição e, desde que verificados determinados pressupostos e condicionalismos, pretende diminuir os obstáculos à apreciação das questões aos Tribunais Superiores, a que se associa a ideia fundamental da prevalência do mérito sobre as decisões de forma.

14º - E, nessa lógica, à luz de poderes de gestão processual depositados no artigo 6.º do Código de Processo Civil, o julgador está vinculado a promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção ou do próprio recurso.

15º - A aliança entre o princípio da gestão processual e o princípio da adequação formal no sentido de ajustar a tramitação, a forma e o conteúdo dos actos processuais impunha assim que, na ausência de cominação legal vinculativa com outro sentido, fosse o juiz da causa a adotar mecanismos de simplificação e agilização processual e selecionar as peças mínimas que deveriam integrar a certidão.

16º - Para além disto, surgem problemas atinentes à eficácia do caso julgado material intraprocessual quanto aos precedentes despachos de admissão de recurso, os quais gozam tendencialmente da garantia de imutabilidade ou indiscutibilidade e apenas podem ser objecto de alteração pela Primeira Instância no âmbito da existência de lapso

manifesto ou de razões de superveniência, que não se verificam.

17º - Neste capítulo, é entendimento unânime que, em última análise, compete ao relator a decisão de quaisquer questões prévias e incidentais que se suscitem, bem como a instrução do recurso e o próprio julgamento do seu objecto, quando se trate de questões simples ou de recursos manifestamente infundados.

18º - Assim, após a admissão de qualquer recurso, fora dos casos acima referidos, fica reservado ao Tribunal Superior a possibilidade de sindicar a aceitação da impugnação recursal no desenvolvimento da tarefa de verificação da existência de alguma circunstância que obste ao conhecimento do recurso.

19º - E, como tal, no presente cenário, julga-se assim que deve proceder o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que ordene a subida separada do recurso em apreço, com a prática pelo Julgador a quo dos actos de gestão processual que munam os procedimentos das peças processuais necessárias à justa composição do litígio.

20º - A sentença ora em crise viola os princípios da celeridade e economia processuais, da gestão e adequação formal do processo, da justa composição do litígio e o disposto nos artigos 6º, 632 nºs 5 e 6 todos do Código Processo Civil.


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           Contra-alegou a Requerente, defendendo a solução encontrada pelo tribunal recorrido.

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            As questões a decidir são as seguintes:

Não tendo o recorrente procedido ao levantamento da certidão, com as peças processuais para instruir o recurso em separado, a sua inércia deverá ser entendida como declaração tácita de desistência do recurso?

O recorrente foi expressamente advertido desse entendimento?


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            Os factos a considerar são os seguintes (documentados):

            O requerido recorreu da não admissão da reconvenção.

Em 20.12.2025, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando que a apelação interposta pelo requerido sobe em separado e não nos próprios autos, conforme resulta do artigo 645º, nº2 e nº1 a contrario, do Código de Processo Civil, notifique o requerido recorrente para dar cumprimento ao disposto no artigo 646º, nº1, do mesmo diploma legal,

indicando as peças do processo de que pretende certidão para instruir o recurso.”

Em 24.1.2025, porque o Recorrente nada fez, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Insista junto do requerido recorrente nos termos e para os efeitos determinados no anterior despacho, com a advertência de que, caso persista na omissão, não indicando as peças processuais que devem instruir o recurso, a sua inércia será entendida como declaração tácita e ficta de desistência do recurso (artigo 632º, nº5, do CPC), com as legais consequências.”

Em 5.2.2025, o Recorrente veio indicar peças processuais para instruir o recurso.

De imediato, foi passada a certidão e notificado o Recorrente do seguinte modo: “Fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, que a certidão que requereu se encontra passada e à sua disposição na Secção Central deste Tribunal, importando o seu custo em € 387,60.”

De seguida, em 3.3.2025, foi proferida a decisão em crise (inserida no início).


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            Está em causa uma desistência do recurso, em declaração tácita que se deduzirá do facto do Recorrente não ter procedido ao levantamento da certidão, das peças que indicou para instruir o seu recurso.

O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 02.03.2006, no processo n.º 05B4111, já entendeu que “a desistência do recurso tem de ser no mínimo expressa em requerimento para o efeito, ou seja, a lei não comporta na espécie a desistência por via de declaração tácita (na altura, o artigo 681, n.º 5, do Código de Processo Civil, hoje o art.632, nº 5).

Mas, contra, esteve o STJ, no acórdão de 2-02-2010, no processo n.º 3128/07 (ambos publicados em www.dgsi.pt).

Em área (processo civil) em que se exige maior segurança nas declarações, a referida norma do art.632, nº 5, deverá ser entendida como o fez o acórdão de 2.3.2006.

Ainda que se admita uma desistência por declaração tácita, consideremos:

Esta declaração é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – art. 217º nº 1 do Código Civil.

Os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere.

Ora, o não levantamento da certidão instrutória não é facto concludente da declaração de desistência do recurso.

O ónus de instrução do recurso, previsto no art.646 do Código de Processo Civil (CPC), não tem sanção específica para o seu não cumprimento, cabendo ele ao recorrente, ao recorrido e até aos Tribunais recorrido e superior, tarefa hoje facilitada pelo acesso ao processo eletrónico. (A. Geraldes, Recursos, 6ª edição, página 268.)

Depois, no caso, com a especial advertência de 24.1.2025, o Recorrente indicou as peças processuais que entendia adequadas. Mas, com a notificação da passagem da certidão, o Recorrente não foi especialmente notificado de qualquer cominação para a inércia decorrente do não levantamento da certidão.

            Assim, a decisão em crise retira um sentido que não tem suporte nos factos documentados.

           Pode admitir-se que o Recorrente mantinha o recurso e não queria custear a certidão instrutória.

           Devendo ser revogada a decisão em crise, o Tribunal recorrido deverá proferir o despacho previsto no art.641 do CPC.


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Decisão.

Julga-se o recurso procedente e revoga-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrida, vencida.

Notifique.

2025-04-29


(Fernando Monteiro)

(Vítor Amaral)

(Alberto Ruço)