Se a parte estiver representada por advogado, ainda que nomeado no âmbito do apoio judiciário, a notificação mencionada no n.º 3 do artigo 821.º do Código de Processo Civil, para efeitos do executado se pronunciar sobre a venda do bem penhorado por valor inferior ao previsto no n.º 2 do artigo 816.º, é feita apenas na pessoa do advogado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,
1.º Juiz adjunto……………José da Fonte Ramos
2.º Juiz adjunto……………Luís Filipe Dias Cravo
Recorrida…………………A....
a) O presente recurso vem interposto do despacho de 21 de novembro de 2024, o qual indeferiu o requerimento da Executada/recorrente, datado de 18 de outubro de 2024, através do qual pediu a declaração de nulidade da venda do imóvel penhorado por não lhe terem sido feitas, a ela própria, as notificações relacionadas com a venda do bem imóvel penhorado, maxime da proposta de venda por valor inferior ao legalmente estipulado.
b) O despacho recorrido é o seguinte:
«Requerimento datado de 18.10.2024
A executada encontra-se representada por patrono nomeado no âmbito do apoio judiciário peticionado e deferido.
Nos termos e ao abrigo do artigo 247.º. n.º 1 do CPC, as notificações às partes nos processos pendentes são feitas nas pessoas dos seus mandatários judiciais.
Consequentemente, as notificações cuja falta a executada acusa foram feitas na pessoa do seu patrono, conforme legalmente estipulado.
Logo, inexiste qualquer omissão, irregularidade ou nulidade a assacar ao acto da venda realizado, indeferindo-se o requerido.
Notifique.»
c) É desta decisão, como se disse, que vem interposto recurso, cujas conclusões são as seguintes:
«1. O despacho ora recorrido, considerou que as notificações relacionadas com a venda do bem imóvel penhorado foram realizadas na pessoa do seu patrono, nos termos do artigo 247.º n.º 1 do CPC, não havendo, assim, qualquer nulidade a assacar.
2. O imóvel pertencente à executada, ora recorrente, é a casa de morada da mesma e foi adjudicado por um valor inferior a 85% do valor base definido na avaliação final;
3. A recorrente alegou não ter sido diretamente notificada da proposta de venda por valor inferior ao legalmente estipulado, nem dos atos subsequentes;
4. Apenas tomou conhecimento do ato da venda ao ser notificada para a entrega das chaves do imóvel, o que impossibilitou qualquer intervenção da sua parte.
5. A executada insurgiu-se contra tal venda, alegando não ter sido notificada diretamente na sua pessoa, o que acabou indeferido, decisão de que ora se recorre.
6. O artigo 821.º n.º 3, impõe que, no caso de proposta de aquisição por valor inferior a 85% do valor base, a mesma só pode ser aceite se a executada assim concordar, devendo para o efeito ser notificada pessoalmente para se pronunciar, dada a relevância do ato e as potenciais implicações para os seus direitos patrimoniais.
7. A notificação ao seu patrono, prevista no artigo 247.º n.º 1, do CPC, não substitui a exigência legal especifica de notificação direta à executada, ora recorrente;
8. A ausência de tal notificação direta constitui nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do CPC, por violação do contraditório e do seu direito de defesa.
9. Ao considerar válida a notificação efetuada apenas ao patrono da executada, o despacho recorrido incorreu em erro, desconsiderando a exigência de notificação pessoal para atos de especial relevância como a alienação de bens penhorados, especialmente quando realizados por valor inferior a 85% legalmente exigido e sobretudo quando se trata de casa de morada da executada.
Termos em que,
Deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, declarando-se a nulidade do ato de venda do imóvel e determinando-se a repetição dos atos processuais necessários, com observância da notificação direta à executada, ora recorrente, da proposta apresentada. JUSTIÇA!!»
d) Foram produzidas contra-alegações, nos seguintes termos:
«A. O presente recurso versa sobre o douto despacho de fls. (…), que indeferiu, em suma, o pedido de nulidade de omissão, irregularidade ou nulidade a assacar ao ato de venda realizado.
B. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Recorrida que não assiste razão à Recorrente, carecendo de qualquer fundamento legal a sua pretensão.
C. No âmbito dos presentes autos, foi penhorado o prédio urbano, em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, sito na ..., freguesia ..., concelho ..., correspondente a uma habitação de rés do chão e 1º andar, a confrontar do norte, sul, nascente e poente com BB. Inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o artigo nº ...69, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...22 da freguesia ....
D. No âmbito da negociação particular, a B..., S.A. apresentou a melhor proposta no valor de 40.000,00 € (quarenta mil euros), sendo o preço oferecido inferior ao valor mínimo fixado.
E. Após notificação das partes em 07/06/2024 da apresentação da proposta, a mesma foi expressamente aceita pela Recorrida em 17/06/2024, não tendo havido pronúncia da Recorrente quanto à mesma.
F. Uma vez que a proposta apresentada é inferior ao valor mínimo fixado, tal aceitação carece de despacho de tribunal a autorizar a venda, que sucedeu, em 11/09/2024, após Tribunal a quo ter proferido despacho de autorização de venda.
G. Tal comunicação não foi levantada no respetivo posto dos CTT e, por essa razão, o Sr. Administrador de Insolvência procedeu ao reenvio da mesma.
H. Nos presentes autos, a Recorrente encontra-se devidamente representada por defensor oficioso.
I. Compulsado os autos, verifica-se que a Recorrente foi devidamente notificada, na pessoa do Dr. CC, pela Sra. Agente de Execução, nomeadamente:
- Em 07/06/2024 a Sra. Agente de Execução notificou a Recorrente, na pessoa do seu defensor oficioso, da proposta apresentada para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 (dez) dias;
- Em 12/09/2024, a Sra. Agente de Execução notificou a Recorrente, na pessoa do seu defensor oficioso, do despacho de autorização de venda; - Em 20/09/2024 a Sra. Agente de Execução notificou a Recorrente, na pessoa do seu defensor oficioso, da decisão de adjudicação.
J. Conforme artigos 812.º, n.ºs 1, 2, 3, 6 e 7, 832.º, alínea d), 833.º e 837.º do CPC, em caso de venda por negociação particular de imóvel, havendo discordância entre as partes quanto ao valor base da respetiva venda, feitas as diligências tidas por convenientes e ouvidas as partes, cabe ao juiz decidir quanto àquele valor, sendo que as partes devem disso ser notificadas.
K. Não obstante, ao contrário do que a Recorrente alega, o artigo 821.º, n.º 3 do CPC não exige que a aceitação da venda pela Executada, mas, tão só, que a mesma seja devidamente notificada para se pronunciar.
L. Neste sentido, veja-se para o efeito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. 942/05.7TBAGD-D.P1, Relator Eugénia Cunha (disponível em www.dgsi.pt): e, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. 6461/13.0TBBRG.C.G1, Relator Eugénia Cunha (disponível em www.dgsi.pt).
M. Como tal, não é exigida a aceitação da proposta apresentada pela Recorrente, ainda que tal proposta seja inferior ao valor mínimo fixado.
N. Pelo que, esteve bem o Tribunal a quo quando decidiu aceitar a proposta apresentada, ainda que a Recorrente, apesar de devidamente notificada, não se tenha pronunciado.
O. Não obstante, a Recorrente alega igualmente que, ainda que esteja representada por defensor oficioso, deve ser notificada diretamente da proposta apresentada, pelo que, não tendo sido notificada pessoalmente para se pronunciar, existiu omissão de notificação e, consequentemente, tal omissão acarreta a nulidade processual.
P. Ora, nos termos e ao abrigo do artigo 247.º n.º 1 do CPC, as notificações às partes nos processos pendentes são feitas nas pessoas dos seus mandatários judicias.
Q. No caso em apreço, a Recorrente está representada por mandatário e, por isso, torna-se pacífico que as notificações à mesma na pessoa do seu mandatário, não tinha de ser feita pessoalmente à Recorrente.
R. Aliás, o n.º 2 do artigo 247.º do CPC, apenas exige a notificação da própria parte quando se visa a comparência desta para a prática de ato processual a praticar pessoalmente, o que, manifestamente, não ocorre no caso dos autos.
S. Nestes termos, ao contrário do que alega a Recorrente, inexiste “omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva”, conforme artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
T. Ora, por tudo supra exposto, não tem cabimento legal os fundamentos invocados pela Recorrente para que seja declarada a nulidade processual por parte da Recorrente.
U. Considerando o acima exposto, deverá manter-se na íntegra o despacho proferido pelo Tribunal a quo, que indeferiu o pedido da aqui Recorrente de nulidade processual.
Em face do supra exposto, bem decidiu o Tribunal a quo no douto despacho recorrido devendo o mesmo manter-se nos precisos termos em que foi proferido, com todas as consequências legais, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!»
II. Objeto do recurso.
O recurso coloca apenas a questão de saber se a notificação mencionada no artigo 821.º, n.º 3, do Código de processo Civil, é uma notificação pessoal na pessoa do próprio executado/a ou se a mesma pode ser validamente feita na pessoa do seu advogado nomeado no âmbito do apoio judiciário.
III. Fundamentação
a) Matéria a considerar no recurso.
1 - O imóvel pertencente à executada recorrente e é a sua casa de morada.
2 - Foi adjudicado na venda executiva por um valor inferior a 85% do valor base definido na avaliação final.
3 - A recorrente não foi notificada na sua própria pessoa da proposta de venda por valor inferior aos indicados 85%, nem dos atos subsequentes.
4 - Apenas tomou conhecimento do ato da venda ao ser notificada para a entrega das chaves do imóvel.
b) Apreciação da questão objeto do recurso
Vejamos então se a notificação mencionada no artigo 821.º, n.º 3, do Código de processo Civil, é uma notificação pessoal na pessoa do próprio executado ou se a mesma pode ser validamente feita na pessoa do seu advogado, incluindo o nomeado no âmbito do apoio judiciário.
O artigo 821.º (Deliberação sobre as propostas) tem a seguinte redação:
«1 - Imediatamente após a abertura ou depois de efetuada a licitação ou o sorteio a que houver lugar, são as propostas apreciadas pelo executado, exequente e credores que hajam comparecido; se nenhum estiver presente, considera-se aceite a proposta de maior preço, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - Se os interessados não estiverem de acordo, prevalece o voto dos credores que, entre os presentes, tenham maioria de créditos sobre os bens a que a proposta se refere.
3 - Não são aceites as propostas de valor inferior ao previsto no n.º 2 do artigo 816.º, salvo se o exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender acordarem na sua aceitação.»
Vejamos então.
Como é sabido e resulta do disposto no n.º 2 do artigo 219.º do CPC, «A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.»
O artigo 247.º do Código de Processo Civil, nos seus n.os 1 e 2, os aqui aplicáveis, sobre as notificações às partes em processo pendentes, determina o seguinte:
«1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte, pela via prevista para as notificações às partes que não constituíram mandatário, da data, do local e do fim da comparência.»
Resulta destas normas que quando a parte está representada por advogado as notificações são efetuadas, em regra, apenas ao advogado.
Tal ocorre, porque, como referiu Anselmo de Castro, o advogado «…funciona então como parte formal no processo, uma vez que os actos são praticados perante ele» - Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III. Coimbra, Almedina, 1982, pág. 85.
Com efeito, o advogado, munido de mandato judicial, representa a parte no processo, como resulta do disposto no artigo 44.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, onde se dispõe que «O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante.»
Esta norma constitui uma concretização particular da norma mais geral sobre representação, constante do artigo 258.º do Código Civil, onde se dispõe que «O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.»
Ou seja, na representação, ocorre uma substituição física de pessoas para efeitos de participação e constituição de um certo ato; uma pessoa faz-se substituir num dado ato por outra pessoa, mas tudo se passa como se a primeira pessoa estivesse presente e, sendo assim, como diz a lei, os efeitos que resultarem desse ato projetam-se na esfera jurídica da pessoa representada no ato por outrem.
Como referiu Mota Pinto «Os poderes de representação podem ser atribuídos, por um acto voluntário, pelo representado ao representante: fala-se, então, de representação voluntária e o acto voluntário atribuidor de poderes representativos chama-se procuração. Podem resultar dos estatutos de uma pessoa colectiva (representação orgânica ou estatutária) ou, verificadas certas situações, ser concedidos pela lei a representantes legais (pais, tutor, administrador de bens e, em certas hipóteses, o curador).» - Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição. Coimbra Editora, pág. 536.
O que vale para o advogado constituído pela parte vale para o patrono nomeado no sistema do apoio judiciário.
Ainda nas palavras de Anselmo de Castro «Em face da exigência de constituição de advogado para certas causas, compreende-se que a lei tenha tomado na devida conta as situações em que as partes não gozam de disponibilidades económicas que lhes permitam dar satisfação àquele imperativo. Daí a assistência judiciária (…) – Lições de Processo Civil, Vol. II. Almedina, 1966, pág. 611.
Hoje a assistência judiciária tem o nome de acesso ao direito e aos tribunais. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais - Lei n.º 34/2004, de 29 de julho – «O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos» e uma das modalidades do apoio conferido por esta lei é a «Nomeação e pagamento da compensação de patrono» - artigo 16.º, n.º1. al. b).
Estamos aqui perante um caso de representação conferida pela lei face à necessidade da parte ser representada em juízo por advogado.
Face a estas normas, em especial ao disposto no artigo 247.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a parte só é notificada na sua própria pessoa em casos excecionais, como dia a lei, «quando é chamada à pratica de um ato pessoal».
O que é, neste caso, um ato pessoal?
Por contraposição ao que fica referido, é pessoal o ato que não pode ser levado a cabo por um representante, aquele em que se exige a presença física da pessoa.
Tal ocorre, por exemplo, quando a parte é chamada a prestar depoimento ou algum esclarecimento em juízo.
Neste caso, a parte não pode ser, por impossibilidade natural, representada por outrem, por advogado.
Não é este o caso das notificações relativas à preparação e venda do imóvel penhorado.
Por outro lado, a lei não determina a notificação pessoal, com o sentido indicado, quando dispõe no n.º 3 do artigo 821.º do Código de Processo Civil que «Não são aceites as propostas de valor inferior ao previsto no n.º 2 do artigo 816.º, salvo se o exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens a vender acordarem na sua aceitação.»
Como refere o recorrido, em caso de venda por negociação particular de imóvel, havendo discordância entre as partes quanto ao valor base da respetiva venda, feitas as diligências tidas por convenientes e ouvidas as partes, cabe ao juiz decidir quanto àquele valor, sendo as partes notificadas disso.
Por conseguinte, como se referiu acima, dado que o advogado funciona como parte formal no processo, uma vez que os atos são praticados perante ele, é ele que é notificado das diligências relativas à preparação da venda e sendo ele notificado, dado o mecanismo da representação, tudo se passa como se a parte tivesse sido notificada na sua própria pessoa.
Não asiste, por isso, razão à recorrente.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente.
Coimbra, …