EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE FACTO INFUNGÍVEL
PRAZO
INTERPELAÇÃO PARA CUMPRIR
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário

I - O art. 868.º, nº 1 do CPC permite que o exequente opte por requerer a execução de apenas uma parte da sentença dada à execução, nomeadamente, da parte que condena ao cumprimento de uma obrigação pecuniária, ainda que não tenha sido executada a prestação de facto imposta, a título principal, na sentença.
II - Sendo a sanção pecuniária compulsória judicial, prevista no nº 1, do art. 829.º-A do CC, destinada a pressionar o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível, afigura-se natural que possa ser executada separadamente para garantir, precisamente, o cumprimento da sentença.
III - Contudo, no caso de, no título executivo, não ter sido fixado prazo para o cumprimento da obrigação de prestação de facto infungível, tem, antes, aplicação o disposto no art. 874.º do CPC, e não tendo sido fixado qualquer prazo, nem tendo havido interpelação para o cumprimento, a obrigação exequenda, de prestação de facto infungível, e não de pagamento em quantia certa, não se mostra vencida, não estando os executados obrigados ao pagamento da sanção pecuniária fixada na sentença, porque ainda não se verifica o atraso no cumprimento da prestação principal, que é pressuposto da aplicação da sanção em que os mesmos foram condenados.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 4070/23.5T8VLG.P1




Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:



RELATÓRIO:


AA deduziu contra BB e outros, execução para pagamento de quantia certa, requerendo o pagamento da quantia de €45.451,00, correspondente ao valor da sanção pecuniária compulsória fixada na sentença dada à execução, calculada desde a data do trânsito da mesma, acrescida do valor da taxa de justiça paga com a interposição da ação executiva.
Iniciadas as diligências que o Senhor Agente de Execução teve por convenientes, e conclusos os autos à Meritíssima Juíza do Juízo e Execução, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“AA deduziu contra BB e outros a presente execução para pagamento de quantia certa requerendo o pagamento da quantia de € 45.451,00 valor da cláusula final fixada na sentença dada à execução calculada desde a data do trânsito da mesma, acrescida do valor da taxa de justiça paga com a interposição da presente ação executiva.
As ações executivas, nos termos do nº 4 do artº. 10º. do CPC, são “aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida”, podendo ser para pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa ou para prestação de facto. Mais resulta do disposto no artº. 10º. nº. 5 do mesmo diploma legal que "Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e o limite da ação executiva".
Resulta, depois, do artº. 713º. do mesmo diploma legal que a obrigação exequenda tem que ser certa, líquida e exigível.
A obrigação é certa quando a prestação esteja qualitativamente determinada. É líquida quando esteja quantitativamente determinada. E é exigível quando se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação ao devedor. E não estará dependente de interpelação quando tenha prazo certo (artº. 779º. do C.C.), quando o prazo seja incerto e a fixar pelo tribunal (artº. 777º. nº. 2 C.C.), não sendo exigível quando esteja sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou (artº. 270º. C.C. e 715º. nº. 1 do CPC) e, nas relações sinalagmáticas, quando o credor ainda não tenha satisfeito a sua pretensão (artº. 428º. Do C.C.).
O título dado à execução é uma sentença que condena os executados a “Promover o destaque da parcela de terreno objeto do contrato promessa de compra e venda referido em Factos Provados 1;
Pagar ao A a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação atrás referida.”
Temos, assim, que a sentença dada à execução condenou os RR numa prestação de facere infungível, não tendo, porém, fixado prazo para a realização da mesma.
Ora, as obrigações de facere podem respeitar a uma prestação instantânea, mas também a uma prestação duradoura, sendo que, neste caso, o prazo a fixar não respeita ao prazo de vencimento da obrigação – exigibilidade em sentido estrito – mas antes ao prazo de conclusão da prestação.
Quando não se mostra fixado nem o prazo a partir do qual se considerava a obrigação vencida, nem o prazo que o executado dispõe para realizar a prestação – como ocorre no caso dos autos - em conformidade com o disposto no art.º. 713.º do CPC, bem como no artº. 777.º, n.º 2 do CC, a execução inicia-se com a indicação pelo exequente do prazo que reputa suficiente, sendo o devedor citado para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, devendo, se tiver fundamento para se opor à execução, deduzi-la logo e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo, após o que este é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias.
Como já referimos em cima, a sentença exequenda não fixou qualquer prazo, pelo que a obrigação exequenda, que não é de pagamento em quantia certa, não se mostra vencida.
E não se mostrando vencida não estão os executados obrigados ao pagamento da sanção pecuniária fixada na sentença, pois que não se verifica o atraso que é pressuposto da aplicação da sanção pecuniária compulsória em que os mesmos foram condenados.
Temos, assim, que a sentença dada à execução não goza, ainda, de exequibilidade relativamente às quantias peticionadas, tendo que ser rejeitada a presente execução – cfr. artº.s 726º. nº. 2 al. a) e 734º. nº. 1 do CPC.
Termos em que se indefere liminarmente a presente ação executiva.
Custas pelo exequente.
Notifique.”.


Não se conformando com tal decisão, veio a exequente interpor o presente recurso, o qual foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O recorrente formulou as seguintes conclusões das suas alegações de recurso:
“I – A sentença ora recorrida proferida nos autos acima identificados, indeferiu liminarmente a presente ação executiva, com os seguintes fundamentos:
- a sentença exequenda não fixou qualquer prazo, pelo que a obrigação exequenda, que não é de pagamento em quantia certa, não se mostra vencida.
- E não se mostrando vencida não estão os executados obrigados ao pagamento da sanção pecuniária fixada na sentença, pois que não se verifica o atraso que é pressuposto da sanção pecuniária compulsória em que os mesmos foram condenados.
- Temos, assim, que a sentença dada à execução não goza, ainda, de exequibilidade relativamente às quantias peticionadas, tendo que ser rejeitada a presente execução - cfr. artº.s 726º. nº. 2 al. a) e 734º., nº. 1 do CPC.
II – O título dado à execução é uma sentença que condena os executados a:
- Promover o destaque de uma parcela de terreno objeto do contrato promessa de compra e venda referido em Factos Provados - 1;
- Pagar ao A. a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação atrás referida.
III – Tal sentença condenou, portanto, os executados no cumprimento imediato de uma obrigação de prestação de facto infungível positivo.
IV - Cumprimento imediato que se retira dos termos da própria condenação, mas que também é induzida pela natureza do objeto da obrigação - o destaque de uma parcela de terreno. Com efeito, trata-se dum processo administrativo cuja duração e prazo nem o tribunal nem os executados têm como controlar. Na disponibilidade dos executados à partida está apenas a promoção, o requerimento de tal processo.
Foi nisto que os executados foram condenados.
IV - E foi precisamente para assegurar o cumprimento imediato de tal obrigação, compelindo os Executados, resistentes a fazê-lo ao longo de todo o processo, a cumpri-la, que foram condenados na sanção pecuniária compulsória - Pagar ao A. a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação atrás referida.
V - Assim, nos precisos termos da sentença exequenda, a partir da data do respetivo trânsito em julgado, os executados estavam obrigados a promover o destaque da parcela de terreno em que foram condenados. E a pagar ao Exequente a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação atrás referida. Isto é, por cada dia de atraso na promoção do destaque.
VI - A sentença exequenda transitou em julgado em 16-09-2022 e em 14-11-2023 os executados ainda não tinham promovido o destaque, estando, portanto, em incumprimento desde 16-09-2022.
VII - Pelo que, à data de 14-11-2023, a sanção pecuniária em que os Executados foram condenados já se liquidava em €45.400,00 (quarenta e cinco mil e quatrocentos euros) - 454 dias x € 100,00.
VIII - O recorrente, enquanto exequente, tem o direito judicialmente reconhecido a uma prestação de facto positivo infungível e a uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento de tal prestação, sendo que, nos termos do disposto pelo Art.º 868.º, n.º 1, do CPC, tanto pode executar uma delas como as duas em conjunto.
VIII - In casu, o Recorrente optou por executar a sanção pecuniária compulsória.
IX - Ao executá-la, o exequente está a exercer o direito e a concretizar o fim para o qual a mesma foi decretada - compelir os executados a prestar o facto que na sentença exequenda lhes foi imposto.
X - Sendo a obrigação exequenda escolhida pelo Recorrente de pagamento em quantia certa e mostrando-se a mesma vencida, o processo adequado e próprio para a respetiva execução é o utilizado pelo Recorrente - a execução para pagamento de quantia certa.
XI - Ao decidir de forma diversa, o douto Tribunal a quo, violou o disposto no Artigo 868-º, n.º 2, do CPC.
XII - Pelo que, deve ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que decrete o prosseguimento da execução e os respetivos trâmites.
Termos em que, com o douto suprimento do Venerando Tribunal, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, revogada a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e substituída por outra que decrete o prosseguimento da execução e os seus ulteriores termos.”.

Foram citados os executados, tanto para os termos do recurso como para os da causa – art. 641.º, nº 7 do CPC.
Foram apresentadas contra-alegações por quatro dos executados, nas quais concluem pela improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida.

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FUNDAMENTOS DE FACTO:

A matéria de facto com interesse para a decisão é a que resulta do relatório que antecede.
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MOTIVAÇÃO DE DIREITO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a única questão a decidir é saber se deve, ou não, ser revogado o despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo e substituído por outro que o admita.

O presente recurso versa sobre o despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo, ao abrigo do disposto nos arts. 726.º, nº 2, al. a) e 734.º, nº 1, ambos do CPC, por o tribunal a quo ter entendido que a sentença dada à execução condenou os Réus numa prestação de facere infungível, não tendo, porém, fixado prazo para a realização da mesma, pelo que, se impõe a fixação de tal prazo nos termos do art. 777.º, nº 2 do Código Civil.
Contrapõe o recorrente que tendo o direito judicialmente reconhecido a uma prestação de facto positivo infungível e a uma prestação pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento de tal prestação, nos termos do disposto no art. 868.º, nº 1 do CPC, pode executar qualquer uma delas, como as duas em conjunto.
Vejamos.
O art. 868.º, nº 1 do CPC dispõe que “Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo”.
Por sua vez, sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, prescreve o nº 1, do art. 829.º-A do Código Civil que “Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”.
Posto isto, entendemos que o citado art. 868.º, nº 1 do CPC permite que o exequente opte por requerer a execução de apenas uma parte da sentença dada à execução, nomeadamente, da parte que condena ao cumprimento de uma obrigação pecuniária, ainda que não tenha sido executada a prestação de facto imposta na sentença.
É que, sendo a sanção pecuniária compulsória judicial, prevista no nº 1, do art. 829.º-A do CC, destinada a pressionar o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível, afigura-se natural que possa ser executada separadamente para garantir, precisamente, o cumprimento da sentença.
A questão que se coloca no caso a decidir está, contudo, relacionada com o facto de o Tribunal a quo entender que a obrigação de prestação de facto positivo infungível não se mostra vencida e, consequentemente, não existe qualquer atraso no cumprimento, não estando os executados obrigados ao pagamento da sanção pecuniária compulsória.
Ora, o que é certo é que a sentença em causa não faz qualquer referência a um prazo para a prestação de facto positivo infungível (promoção do destaque junto da entidade administrativa competente) em que os réus foram condenados a título principal.
E não se mostrando fixado o prazo para cumprimento da prestação, a execução não segue os termos do citado art. 868.º do CPC, mas antes os termos do art. 874.º do mesmo diploma lega, segundo o qual, a execução se inicia com a indicação pelo exequente do prazo que reputa suficiente para a prestação do facto, sendo o devedor citado para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, devendo, se tiver fundamento para se opor à execução, deduzi-la logo e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo, após o que este é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias.
Assim, não podemos deixar de concordar, quando na decisão recorrida se diz que resulta do art. 713.º do CPC, que a obrigação exequenda tem que ser certa, líquida e exigível, e que a obrigação é certa quando a prestação esteja qualitativamente determinada, é líquida quando esteja quantitativamente determinada, e é exigível quando se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação ao devedor.
No caso em apreciação, a sentença dada à execução condenou os réus numa prestação de facere infungível, não tendo, porém, fixado prazo para a realização dessa prestação, e também nunca houve interpelação para cumprimento da respetiva obrigação.
E assim, não tendo na sentença exequenda sido fixado qualquer prazo, nem tendo havido interpelação para o cumprimento, a obrigação exequenda, de prestação de facto infungível e não de pagamento em quantia certa, não se mostra vencida.
E não se mostrando vencida não estão os executados obrigados ao pagamento da sanção pecuniária fixada na sentença, porque ainda não se verifica o atraso no cumprimento da prestação principal, que é pressuposto da aplicação da sanção pecuniária compulsória em que os mesmos foram condenados.
Deste modo, bem andou a decisão recorrida quando decidiu que a sentença dada à execução não goza, ainda, de exequibilidade relativamente às quantias peticionadas, e rejeitou a execução, indeferindo-a liminarmente, ao abrigo do disposto nos arts. 726.º, nº 2, al. a) e 734.º, nº 1 do CPC.

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DECISÃO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos.

Custas pelo recorrente.




Porto, 2025-04-10

Manuela Machado
Álvaro Monteiro
Ana Vieira