CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO UNILATERAL
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Ao contrato de gestão de fundo de investimento imobiliário, enquadrado como uma prestação de serviços inominado, aplicam-se subsidiariamente as regras do contrato de mandato (artigo 1156.º, do C. C.)
II - Cessado antecipadamente o contrato por revogação unilateral, a vigorar por 10 anos, tem a gestora direito a receber indemnização pelo prejuízo advindo dessa cessação, nos termos do artigo 1172.º, c), do C. C..
III - Para se provar o prejuízo, o gestor tem de alegar não só os valores que deixou de auferir como também as despesas que não teve e os outros rendimentos que logrou obter em virtude de ter deixado de gerir aquele património.
IV - Não se demonstrando a diminuição de prejuízos ou obtenção de outros rendimentos, não se pode considerar que a gestora teve prejuízo com a cessação do contrato.

Texto Integral

Proc. n.º 18866/21.9T8PRT.P1

Sumário.

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João Venade.

Ana Márcia Vieira.

António Paulo Vasconcelos.


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1). Relatório.

A..., S. A., com sede na Praça ..., Porto, propôs contra

B... – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, representado por C..., S. A., com sede na Avenida ..., ..., Porto,

Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que o Réu seja condenado:

. a indemnizá-la no montante das comissões de gestão que deixou de auferir, em consequência da revogação da gestão, no valor de 328.965,47 EUR;

. subsidiariamente, a indemnizá-la no montante das comissões de gestão deixadas de auferir calculadas pelo valor mínimo mensal devido previsto no Regulamento de Gestão do Fundo – 2 500 EUR/mês, multiplicadas pelo número de meses que mediavam entre a data da substituição e o termo da duração inicial do Fundo se quantifica em 187 500 EUR;

.a pagar juros de mora sobre os montantes em que vier a ser condenado, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Em síntese, alega que:

. o Fundo Réu foi constituído por subscrição particular em 28/07/2017, com a duração inicial de 10 anos, iniciados naquela data e com fim previsto em 27/07/2027;

. em 30/04/2021, o Fundo Réu tinha um valor do ativo líquido de 10 537 288 EUR, e um valor líquido global de 8 361 072 EUR;

. em número variável ao longo do tempo, em 31/12/2020, o Fundo Réu tinha 15 participantes;

. pelo exercício das suas funções, a Autora tinha direito a cobrar ao Fundo Réu, comissão de gestão fixa, no montante equivalente a 0,500% anual do Valor do Ativo Total Mensal (equivalente ao conceito de Valor do Ativo Liquido do balanço acima referido) com o valor mínimo mensal de 2 500 EUR;

. a recebeu do Fundo Réu pelo exercício das suas funções, durante os seguintes anos:

2017 - 15.128,57 EUR;

2018 - 38.224,04 EUR

2019 - 48.876,70 EUR

2020 -51.973,93 EUR

2021 (até 30/04/2021) - 17.276,41 EUR;

. o participante Banco 1... dirigiu, em 23/11/2020, à Autora um pedido de convocatória de assembleia de participantes com a proposta deliberar sobre a sua substituição como sociedade gestora do Fundo, pela C... SA;

. nessa assembleia foi deliberada a substituição da Autora como entidade gestora do Fundo Réu;

. não foi invocada, alegada ou motivada por qualquer incumprimento dos deveres de boa administração do Fundo Réu;

. a última comissão de gestão que Autora recebeu do Fundo Réu foi a relativa ao mês de abril de 2021, paga em 12/05/2021, quando ainda faltavam 74 meses e 27 dias para o termo da duração do Fundo, tendo assim deixado de auferir a comissão de gestão relativa a 6 anos, 2 meses e 27 dias;

. o que originou um dano não inferior a 328 965,47 EUR e de que assim deve ser indemnizado ao abrigo dos artigos 1172.º, c), ex vi 1156.º, ambos do C. C..

. de qualquer modo, sempre seria devido o valor mínimo da comissão de gestão – 2 500 EUR/mês, multiplicada pelo número de meses restantes até ao termo do prazo de duração inicial do fundo (6 anos, 2 meses e 27 dias), no valor total de 187 500 EUR.


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Citado, contesta o Réu, negando a procedência da ação em suma por inexistir impedimento em o Autor ter sido substituído, ao mesmo não ter sido atribuída uma função com tempo determinado.

De qualquer modo, a existir indemnização, sempre teria de ser deduzida dos custos que a Autora deixou de ter e bem como com a possibilidade de a mesma Autora poder exercer funções em outros Fundos.

Conclui pela improcedência da ação e, caso assim não se entenda, deve a indemnização a pagar à Autora ser deduzida de custos com a atividade e dos impostos.


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Foi elaborado despacho saneador onde se fixou como:

. objeto de litígio:

. Apreciar a pretensão formulada pela Autora de ser indemnizada, no montante das comissões de gestão, que a mesma deixou de auferir, em consequência da revogação da gestão Fundo Réu.

e

. temas de prova:

1. Determinar a fórmula de cálculo da contrapartida pela gestão exercida pela Entidade Gestora (comissão de gestão);

2. Determinar, o Valor do Activo Liquidado e o Valor Líquido do Fundo Réu, à data de 30 de Abril de 2021;

Posteriormente, após reclamação, procedeu-se à seguinte alteração dos temas de prova:

Tema 1:

1. das prováveis comissões de gestão que seriam auferidas pela entidade gestora até ao termo da duração inicial do fundo, em 27.07.2027;

2. dos custos que a Autora teria de suportar com a gestão do Réu até 27.07.2027;

3.º Tema de prova:

Determinar o estabelecido pelas partes relativamente à substituição da entidade gestora.


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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar totalmente improcedente a ação, absolvendo-se o Réu do pedido.

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Inconformado, recorre a Autora, formulando as seguintes conclusões:

«I. Ao julgar improcedente o pedido de condenação do Fundo Recorrido no pagamento de indemnização à Recorrente no montante das comissões de gestão que a mesma deixou de auferir entre a data da substituição e o termo da duração inicial do Fundo, o Tribunal recorrido fez, com a merecida consideração e o devido respeito, errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito.

Quanto impugnação da Matéria de Facto:

II. Quanto à impugnação da Matéria de facto e atenta a sua relevância para a revelação da verdade material e a boa decisão da causa e ter sido feita prova dos mesmos, devem ser alterados/aditados e suprimidos os seguintes pontos da Matéria de Facto:

1. Alteração do ponto 23 dos Factos Provados – A Sentença recorrida, quanto ao mesmo, fundou-se erradamente no depoimento de parte do legal representante do Fundo Recorrido, Dr. AA que, simplesmente, é inapto para valer como prova pela indisputável circunstância de o depoente, à data das negociações tendentes à constituição do Fundo Recorrido, não exercer as funções que ora desempenha e, como o próprio reconheceu, não ter conhecido tais negociações senão por via indirecta e já no contexto da presente demanda judicial.

2. Não deveria, pois, a Sentença recorrida ter considerado o confronto de posições entre o depoimento de parte daquele e as declarações de parte do legal represente da Recorrente, Dr. BB, antes devendo ter valorado as deste.

3. Declarações de parte essas a ter em conta conjuntamente com as prestadas pelo outro legal representante da Recorrente, Dr. CC, que, incompreensivelmente, o Tribunal a quo omitiu in totum, apesar de, inclusive, ter existido acareação entre o mesmo e o antigo Presidente da Comissão Executiva, actual assessor do Conselho de Administração do Banco 1..., Dr. DD.

4. As declarações de parte dos legais representantes da Recorrente foram claras quanto à existência de um acordo no sentido de que a Recorrente ficaria encarregue da gestão do Fundo Recorrido, pelo menos, durante o prazo de duração inicial do mesmo, e que, inclusive, não aceitaria a respectiva gestão por prazo inferior.

5. Acordo esse que, igualmente, se provou pela conjugação dos Doc. nº 1 junto ao Requerimento Probatório da Recorrente de 06/06/2022 (Refª Citius 32485195) com o Doc. nº 1 junto com o Requerimento do Recorrido de 21/06/2022 (Refª Citius 32609703) que evidenciam as negociações quanto à duração da gestão e a conformação do promotor do Fundo Recorrido quanto a essa duração, por ter aceite, não o negando, a proposta e pressuposto enunciados pela Recorrente, prosseguindo, após aquela correspondência, para a constituição do Fundo Recorrido.

6. Tais documentos têm a virtualidade de, mais que uma expectativa, traduzirem a demonstração paradigmática da base negocial da Recorrente e o seu conhecimento pelo Fundo Recorrido.

7. Ao não o fazer, o Tribunal recorrido, na interpretação dos factos (declarações negociais), violou o art. 234º do Código Civil.

8. Aquelas declarações de parte foram, além disso, coincidentes com o depoimento do antigo Presidente da Comissão Executiva, actual assessor do Conselho de Administração do Banco 1..., Dr. DD, quanto à fundada expectativa da Recorrente de administrar o Fundo Recorrido, pelo menos, durante o prazo inicial de duração do mesmo, que este confirmou.

9. Por recurso à prova documental, às declarações de parte e testemunhos resulta dever afirmar-se a existência de acordo entre as partes de que a Recorrente teria a gestão do Fundo Recorrido, pelo menos, durante o prazo de duração inicial do mesmo, ou seja, até 27 de Julho de 2027 com o que se reclama a alteração do ponto 23 dos Factos Provados para sentido inverso ao constante da Sentença ou, no menos, alteração daquele ponto por forma a que do mesmo passe a constar o seguinte enunciado fáctico: “Quer aquando da respectiva constituição quer durante o tempo em que exerceu a gestão do Fundo Réu, a Autora tinha a expectativa de gerir o mesmo, pelo menos, durante o prazo de duração inicial daquele, o que era do conhecimento do Banco 1... que, tendo promovido a respectiva constituição e subscrito unidades de participação para a sua carteira e para as de clientes seus, não contrariou aquela expectativa, antes a alimentou.

10. Na fundamentação da Sentença recorrida quanto a tal ponto da Matéria de Facto, o Tribunal considerou ainda relevante “A ré, no depoimento prestado pelo seu legal representante, sustenta a sua posição, na necessidade dos participantes titulares de UP (unidades de participação) conhecerem na integra todos os encargos e custos a suportar pelo Fundo (através dos documentos com a informação fundamental), bem com a proibição da CMVM, à data, de fixação de indemnização por cessação antecipada de funções de administração por contraponto com a liquidação antecipada do Fundo”.

11. Ao afirmá-lo, o Tribunal a quo laborou em dois equívocos: (i) é natural e juridicamente impossível que o Regulamento de Gestão preveja todos os custos que o Fundo possa ser chamada a suportar e (ii) a proibição da CMVM versava sobre comissões não sendo, evidentemente, a CMVM competente para permitir ou proibir que o Fundo seja chamado a pagar indemnizações.

12. E, se por um lado, valha a verdade, o legal representante da Recorrida, Dr. AA bem como a “travestida” testemunha, representante do maior accionista da actual entidade gestora do mesmo, Dr. DD, apenas se referiram à inexistência de comissões quanto à substituição da entidade gestora e nunca, à inexistência ou impossibilidade de o Fundo ser obrigado ao pagamento de indemnizações.

13. Por outro lado, clarifique-se que a prova que assim é, sempre resultaria do disposto na alínea r) do ponto 4.3.3. do Capítulo II do Regulamento de Gestão do Fundo Recorrido (Cfr. Doc. nº 5 junto à PI) em que expressamente se prevê, em redacção necessariamente aberta e que, aliás, reproduz a alínea f) do nº 1 do art. 139º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo na redacção em vigor à data da substituição, que o Fundo suportará “Outras despesas e encargos devidamente documentados e que decorram de obrigações legais”

14. É apodíctico que o pagamento de uma indemnização determinada por um Tribunal está devidamente documentada e corresponde a condenação judicial que declara o cumprimento de uma obrigação legal.

15. E nem poderia ser de outra forma pois, a autonomia patrimonial do Fundo Recorrido e a necessidade de os participantes conhecerem os custos do mesmo, não o coloca como um ente que paire fora da ordem jurídica, imune a qualquer obrigação indemnizatória ou que se diferencie dos demais sujeitos com direitos e obrigações.

16. Não se compreende como pôde o Tribunal a quo considerar que a comissão de gestão do Fundo auferida pela Recorrente correspondia “a uma remuneração superior à administração de outros Fundos” (cfr. pp. 12 da Sentença em crise) pois analisados todos os documentos, ouvidas todas as gravações e percorridas as respectivas transcrições o mais que existe a tal respeito são afirmações, não de nenhum depoente ou testemunha, mas ….. do Ilustre Mandatário da Recorrida!

17. Igualmente resulta incompreensível na interpretação do quadro negocial como um todo e na conclusão pela inexistência da obrigação de indemnizar, que não se dê relevância ao facto de o Regulamento de Gestão do Fundo Recorrido prever o pagamento à Recorrente de uma comissão de liquidação antecipada daquele fundo, sinal inequívoco que a cessação antecipada da gestão do Fundo pela Recorrente deve ser compensada, sendo que, aliás, pelos danos reputacionais que encerra e foram demonstrados, a situação de substituição da entidade gestora justifica, mais do que aquela da liquidação antecipada, a compensação da entidade gestora.

18. Inclusão de dois novos pontos nos Factos Provados – acréscimo de matéria factual com relevância para a boa decisão da causa no sentido de que, aquando da constituição do Fundo Recorrido, já o Banco 1..., seu participante e promotor para si e para os seus clientes, e seu banco depositário, tinha a intenção de constituir uma sociedade gestora de organismos de investimento colectivo, cujo pedido junto do Banco de Portugal foi apresentado em Agosto de 2018 e que escondeu essa intenção e pedido da Recorrente tratando-a de forma descartável e nunca lhe tendo dito que iria gerir o Fundo Recorrido por período inferior ao da duração inicial do mesmo, como a boa fé lhe impunha.

19. Foi feita prova documental, por depoimentos, declarações e testemunhos que, desde antes da constituição do Fundo Recorrido, já o Banco 1..., interlocutor com a Recorrente quanto à constituição do mesmo, seu promotor e subscritor das respectivas unidades de participação para si e para os seus clientes, e seu banco depositário, tinha a intenção de constituir uma sociedade gestora de organismos de investimento colectivo, cujo pedido junto do Banco de Portugal foi apresentado em Agosto de 2018, com o propósito confessado de vir a administrar o Fundo Recorrido.

20. Igualmente foi feita prova que o Banco 1... manteve consciente e dolosamente a Recorrente na ignorância de tal facto, quer aquando da constituição do Fundo Recorrido, quer durante todo o tempo em que esta teve a gestão do mesmo, quer mesmo, quando, posteriormente à apresentação do pedido de autorização junto do Banco de Portugal, promoveu que esta administrasse um outro fundo de investimento imobiliário (D... – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado), cuja gestão igualmente transitou para a C....

21. O Banco 1... tinha, quanto ao Fundo Recorrido, múltiplas vestes: (i) a de seu promotor, (i) a de seu participante, (iii) a de financiador do mesmo, (iv) a de Banco Depositário do Fundo e, por fim, (v) a de sociedade dominante a 96% da C..., entidade gestora criada com o propósito confessado de furtar à gestão da Recorrente este e outros fundos de investimento imobiliário que esta administrava.

22. Este específico contexto e com excepção do ponto (v) supra (desconhecido da Recorrente até Novembro de 2020) cimentaram uma especial relação de confiança entre a Recorrente e o Banco 1... que permitia reforçar a convicção da mesma que o Fundo Recorrido seria por si gerido durante, pelo menos, o respectivo período de duração inicial.

23. O que por ser essencial à revelação da verdade material e a boa decisão da causa e ter sido feita prova dos mesmos, reclama a inserção de dois novos pontos nos Factos Provados que se sugerem sejam colocados após o ponto 5º com os seguintes enunciados fácticos:

5º-A – A constituição do Fundo Réu foi promovida pelo Banco 1..., S.A. que subscreveu para si e para os seus clientes unidades de participação do mesmo e que, à semelhança do ocorrido com outros Fundos administrados pela Autora e comercializados junto de clientes daquele, assumiu as funções de Banco Depositário do Fundo.

5º-B – Omitindo consciente e dolosamente tal facto da Autora, o Banco 1..., deu corpo à intenção que tinha já, pelo menos desde 2015, e pouco tempo após a constituição do Fundo, em 10 de Agosto de 2018, submeteu pedido de autorização junto do Banco de Portugal (tendo o processo de autorização, mais tarde, por imperativo legal transitado para a CMVM) para a constituição da actual entidade gestora do Fundo Réu, a C..., com o objectivo confessado de, para esta, transferir a gestão do mesmo e de outros fundos de investimento.

24. Inclusão de quatro novos pontos nos Factos Provados – adição de matéria factual com relevância para a boa decisão da causa relativas à estabilidade (acrescento até) do Valor do Activo Líquido Total, base de cálculo das comissões de gestão deixadas de auferir pela Recorrente com a sua substituição na gestão do Fundo Recorrido.

25. Por ter sido alegado, ter resultado de prova documental e testemunhal e ser essencial para a fixação da verdade material e a boa decisão da causa, na medida em que permite calcular o dano sofrido e reclamado pela Recorrente - quer se atenda ao pedido principal, quer, por maioria de razão ao pedido subsidiário (quer, ainda, do que seria a comissão de liquidação antecipada acima mencionada) -, demanda-se a inclusão de quatro novos pontos nos Factos Provados que se sugere sejam colocados após o ponto 14º com os seguintes enunciados fácticos:

14º-A - O imóvel referido em 14º que à data da substituição da Autora na gestão estava valorizado em € 9.555.450, representava mais de 90% do Valor do Activo Líquido Total do Fundo e, em 2023, após a aquisição de um outro imóvel, representava mais de 60% do mesmo.

14º-B – O imóvel referido em 14º encontrava-se arrendado a uma única entidade por uma renda fixa actualizável, por contrato iniciado em 2018 e sem possibilidade de denúncia pela Arrendatária, tendo esta prestado garantia bancária quanto ao pagamento de 12 meses de renda e sendo a mesma responsável por todas as obras de conservação e manutenção do mesmo.

14º-C - Para que fosse aplicado o valor mínimo mensal previsto na parte final de 10, o valor do imóvel referido em 14º teria de diminuir cerca de 40%.

14º-D - Nem o imóvel referido em 14º sofreu desvalorizações, antes se valorizou entre a data em que a Autora foi substituída (Maio de 2021) e 2023, nem é expectável que assim suceda até ao termo do prazo de duração inicial do Fundo.

26. Eliminação do ponto 1 dos Factos não Provados e levada do mesmo aos Factos Provados - Como decorrência das alterações à Matéria de Facto Provada antes reclamadas, e porque incompatível com as mesmas e ainda por a perda das comissões de gestão constituir um facto objectivo, deve ser eliminado o ponto 1 dos Factos não Provados e levado o mesmo aos Factos Provados, sugerindo-se a sua inclusão após o ponto 22 destes, propondo-se a seguinte redacção: “Por via da sua substituição como entidade gestora do Fundo Réu quando ainda faltavam 74 meses e 27 dias para o termo da duração do Fundo, a Autora deixou de auferir a comissão de gestão relativa a 6 anos, 2 meses e 27 dias, ou seja, no montante de 328.965,47 € (10.537.288 € x 0,500% x 6,2438356 anos)”

Quanto ao Recurso em matéria de Direito

III. A Recorrente subscreve inteiramente o decidido pelo Tribunal a quo acerca da qualificação jurídica do contrato entre a Autora e o Fundo Réu e da decisão da Assembleia de Participantes do Fundo Réu de pôr termo à relação contratual entre a Autora e o Fundo Réu, ou seja, que aquele contrato constitui um contrato de prestação de serviços inominado e que aquela decisão se reconduz à figura da revogação, a que é aplicável o regime legal constante, entre outros, dos artigos 1170º e 1172º do Código Civil.

IV. Aquilo em que a Recorrente não acompanha a Douta Sentença recorrida prende-se com a conclusão desta última acerca do não preenchimento, no caso em apreço, da previsão da alínea c) do artigo 1172º do Código Civil.

V. Como antes reclamado em sede de impugnação da Matéria de Facto, se devidamente apreciada a prova produzida em audiência, é forçoso concluir-se que existiu acordo quanto ao prazo em que a Recorrente teria a gestão do Fundo Recorrido ou, sem prescindir, no menos, que a Recorrente tinha a firme expectativa de gerir o mesmo, pelo menos, durante o prazo de duração inicial daquele, o que era do conhecimento do Banco 1..., banco que, tendo promovido a constituição do Fundo Recorrido e subscrito unidades de participação do mesmo para a sua carteira e para as de clientes seus, nunca contrariou aquela expectativa, antes a alimentou

VI. Ao interpretar diferentemente as declarações negociais, o Tribunal Recorrido violou o art. 234º do Código Civil.

VII. Independentemente da alteração da Matéria de Facto, a Sentença em crise errou ao apreciar a situação jurídica emergente do contrato celebrado entre a Recorrente e o Fundo Recorrido, no que respeita à existência ou inexistência de uma expectativa juridicamente relevante por parte daquela de manutenção da gestão até ao termo do prazo de duração inicial do Fundo.

VIII. A Douta Sentença recorrida encerra em si contradição insanável quando, de um lado, afirma que “não ficou demonstrado que a duração do contrato de gestão seria igual ao período de duração do Fundo” e, por outro lado, quando reconhece que “A indemnização prevista no artigo 1172.º do CC, ressalvando o caso específico previsto na al. a) deste artigo, visa compensar a contraparte pelos prejuízos que a livre revogabilidade do contrato lhe possa causar, sempre que esta, apesar de lícita, contrarie o que havia sido acordado entre as partes ou quando frustre as expectativas, assentes na boa fé contratual e na tutela da confiança, que o legislador considerou dignas de protecção mesmo perante a cessação lícita do contrato: a expectativa do mandatário/prestador dos serviços a auferir a retribuição que acordou para um determinado período de tempo ou para um determinado assunto e, nos casos de contratos celebrados por tempo indeterminado, (...)”.

IX. A reprodução do art. 77º do RGOIC no Regulamento de Gestão quanto à possibilidade de substituição da entidade gestora, não contende com a existência de uma expectativa da Recorrente à manutenção da gestão pelo prazo inicial do Fundo Recorrido, ou seja, não afasta a possibilidade legítima da Recorrente ter confiado legitimamente na subsistência da sua gestão pelo referido prazo, como era mister que o Tribunal houvesse reconhecido.

X. O regime do RGOIC e do Regulamento de Gestão não contém uma disciplina sobre a questão de saber se a revogação do mandato da entidade gestora do Fundo Réu gera obrigação de indemnizar.

XI. O regime em apreço, na parte relativa aos fundos fechados (como é o caso do Fundo Recorrido) está alinhado e mimetiza a regra geral do art. 1170º do Código Civil sobre a livre revogabilidade do mandato ou, se se quiser enfatizar o ângulo da relação de administração, mimetiza e está alinhado com o regime da livre destituição dos administradores das sociedades anónimas (art. 403º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).

XII. Todos se consubstanciam na afirmação da possibilidade de a relação de administração entre, de um lado, a entidade gestora, o mandatário ou o administrador e, do outro lado, o fundo de investimento, o mandante ou a sociedade, poder cessar por iniciativa destes últimos, independentemente de previsão nesse sentido no Regulamento de Gestão, no contrato de mandato ou na designação.

XIII. Dito de outro modo, o regime do RGOIC e do Regulamento de Gestão em causa, de forma paralela ao que é feito no nº 1 do artigo 1170º do Código Civil, limitam-se a afirmar a possibilidade de revogação do mandato de gestão da entidade gestora, independentemente de previsão no respectivo contrato (i.e. do Regulamento de Gestão). Mormente quando a cessação da relação não é fundada, como não foi, em justa causa.

XIV. Mas nada dizem sobre as consequências da cessação da relação contratual entre a entidade gestora de um fundo de investimento e este último e, em particular, sobre a questão de saber se a revogação do mandato da entidade gestora do Fundo Recorrido gera obrigação de indemnizar.

XV. Matéria que, assim, é deixada para a disciplina das regras gerais da disciplina do mandato.

XVI. A livre revogabilidade do mandato e a sua licitude não significam que a revogação não possa obrigar a indemnizar o mandatário, conforme decorre do referido art. 1172º do Código Civil, regime com paralelo na disciplina da destituição sem justa causa de um administrador de uma sociedade anónima (art. 403º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais).

XVII. Estando fora de dúvidas que a relação de gestão entre a Autora e o Fundo Recorrido era uma relação contratual onerosa, o que o Tribunal a quo haveria de ter determinado era se o mandato que a mesma consubstancia deve ser considerado um “mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto”.

XVIII. A Sentença recorrida, erradamente, ignorou que a relação de gestão de um fundo de investimento com duração determinada é uma relação que, em termos temporais, é moldada pelo período de duração do Fundo.

XIX. Quando inicia a gestão, e salvo disposição expressa em contrário, que no caso inexiste, a entidade gestora assume a obrigação e tem de preparar-se para gerir o Fundo por todo o prazo do mesmo;

XX. Assim sendo, nenhuma dúvida pode existir que, do ponto de vista da entidade gestora, o mandato de que é encarregue o é “por certo tempo”, no sentido, precisamente, de que a mesma tem não só a legítima expectativa de o exercer por esse tempo, como, até, a obrigação de o fazer (como, de resto, a Sentença reconhece no ponto 3º dos Factos Provados).

XXI. No mesmo sentido aponta “a normalidade das coisas”: o que é normal ou a regra é que a entidade gestora gira o fundo de investimento de cuja gestão foi encarregue pelo prazo de duração inicial do mesmo, sendo os casos de substituição manifestamente excepcionais, como, além dos representantes da Recorrente, reconheceu o antigo Presidente da Comissão Executiva do Banco 1..., promotor e participante do Fundo Recorrido.

XXII. O ponto central para fundar um direito de indemnização ao abrigo da alínea c) do artigo 1172º do Código Civil não é, ou não é só, o de saber se o contrato de gestão estabeleceu um prazo de duração igual ao da duração do Fundo, mas antes o de saber se o respectivo mandato foi “conferido por certo tempo”, o que, à luz do acima referido, é indisputável ter sucedido.

XXIII. Ainda que a Recorrente tenha de saber, tendo em conta o regime do art. 77º do RGOIC e o Regulamento de Gestão, que podia haver lugar à revogação do mandato de gestão do Fundo Recorrido, não é menos verdade que tal eventualidade não só não corresponde à situação da “normalidade das coisas”, como, sobretudo, não afasta o facto de o seu mandato ser por certo tempo (e de ter de se preparar para tal).

XXIV. Se a existência da possibilidade de revogação de um mandato (ou, no caso em apreço, a existência das disposições do art. 77º nº 2 do RGOIC e do ponto 2 e) do Capítulo I do Regulamento de Gestão) bastasse para desqualificar o mandato como “por certo tempo”, então a disposição do art. 1172º c) do Código Civil nunca teria aplicação.

XXV. Dito de outro modo, o mandato não deixa de ser “por certo tempo”, pelo facto de existir uma disposição como a do art. 1170 nº 1 do Código Civil (ou a paralela do art. 77º nº 2 do RGOIC e do ponto 2 e) do Capítulo I do Regulamento de Gestão).

XXVI. Na base da alínea c) do art. 1172º do Código Civil e da admissão da livre revogação do mandato com compensação do mandatário manifesta-se uma solução de balanço e equilíbrio entre (i) a necessidade de proteger o interesse do mandante, a quem pode já não convir o mandato, e (ii) o interesse do mandatário, cujas expectativas de gestão e o investimento de confiança devem ser protegidos.

XXVII. É precisamente isso que está em causa nestes autos: a substituição da Recorrente, mesmo admitindo que foi lícita, não assentou em justa causa e frustrou as suas legítimas expectativas de gestão do Fundo Recorrido até ao fim do seu prazo inicial.

XXVIII. Não reconhecer em casos de substituição da entidade gestora de um fundo, feita quebrando fundadas expectativas existentes, um direito de indemnização, equivaleria a reconhecer que existe, nesta matéria, uma ilha ou uma brecha no nosso sistema jurídico, onde não vigora o princípio geral que o regime da alínea c) do art. 1172º do Código Civil consagra.

XXIX. Se dúvidas houvera quanto à relevância das expectativas, tratando-se de contrato oneroso, necessário seria fazer operar o comando do art. 237º do Código Civil que ordena que se atenha ao sentido da declaração que conduza ao maior equilíbrio das prestações.

XXX. Comandos e regras de que não cuidou o Tribunal a quo, em preterição dos arts. 236º e ss. do Código Civil.

XXXI. No percurso interpretativo das declarações das partes, haveria o Tribunal recorrido de ter percepcionado a vontade real dos declarantes e, tal como decorre do email de 03 de Maio de 2017, a Recorrente, na ausência de comissão de montagem e com a comissão de gestão referida nesse email, apenas aceitou gerir o Fundo Recorrido se o fizesse, pelo menos, pelo prazo de duração inicial, circunstância que o promotor do Fundo conhecia e a que aquiesceu.

XXXII. A própria declaração negocial, no apelo à prestação típica, ao objecto do negócio, produz um acto significante que convoca no declaratário esse mesmo sentido que seria o considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o destinatário concreto da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer.

XXXIII. Ou seja, perante o email de resposta de 03 de Maio de 2017, se não fosse vontade que a Recorrente gerisse o Fundo Recorrido pelo menos pelo prazo de duração inicial, forçoso era que tal lhe tivesse sido transmitido e objecto de previsão específica contratual em contrário (não sendo bastante, para tal, a repetição da regra legal da possibilidade de substituição da entidade gestora/revogação do mandato).

XXXIV. Sendo certo que, como provado, a Banco 1..., enquanto promotor do Fundo Recorrido (para a sua própria carteira e a dos seus clientes), conhecia a vontade da Recorrente e, ao avançar com a constituição do Fundo e a subscrição das suas unidades de participação sem nada dizer em contrário, actuou em conformidade com tal vontade.

XXXV. Carece de sentido a afirmação de que a integralidade dos custos de um Fundo de Investimento tem de estar plasmada no Regulamento de Gestão, porquanto a lei não consente que a sujeição a uma obrigação de indemnizar dependa de um instrumento contratual e a nossa ordem jurídica não admite a existência de sujeitos irresponsáveis ou de espaços de desresponsabilidade.

XXXVI. Igualmente carece de sentido a afirmação que a sujeição à obrigação de indemnizar esvaziaria de conteúdo a faculdade de os participantes substituírem a entidade gestora pela inexorável certeza de que, se fosse válida, equivaleria a dizer que a previsão da obrigação de indemnizar contida no art. 1172º do Código Civil (tal como no art. 403º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais) esvazia de conteúdo o princípio da livre revogabilidade do mandato/da livre destituição de administradores, previstos no art. 1170º do Código Civil e no nº 1 do art. 403º do Código das Sociedades Comerciais, respectivamente.

XXXVII. Tão pouco procede a chamada dos entendimentos da CMVM ao discutido nestes autos, desde logo, porque sendo o regulador incompetente em matéria de indemnizações, o entendimento vertido respeitava tão só á inadmissibilidade de comissões de substituição, foi-o ainda no regime anterior ao RGOIC (o do RJFII) e foi, aliás, já substituído pela admissão de tais comissões.

XXXVIII. Por fim, o Tribunal recorrido ignorou que a substituição da Recorrente, no quadro em que foi levada a efeito, representou uma actuação de clara má fé, porque assente num engano provocado à mesma por quem, de forma escondida, tinha já prevista a sua substituição, actuação essa que é incompatível com a boa fé no exercício de direitos e no cumprimento das obrigações, em desrespeito pois dos arts. 334º e 762º, nº 2 do Código Civil

XXXIX. A substituição orquestrada e conseguida, no quadro circunstancial relatado, corresponde a um exercício inamissível de uma posição jurídica, por violadora dos seus limites e fins, nos termos do art. 334º do Código Civil, que, por ilícito concluiria, também, pela sujeição do Fundo Recorrido na obrigação de indemnizar a Recorrente.

XL. Decidindo como decidiu, a Sentença em crise violou os arts. 9º, 234º, 1170º e a alínea c) do art. 1172º do Código Civil e os art. 77º e 159º, nº 2, alínea b) do RGOIC.

Termos em que julgando o presente Recurso procedente, revogando a Douta Sentença recorrida e substituindo-a por Acórdão que condene o Fundo Recorrido a indemnizar a Recorrente nos termos peticionados, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, farão recta e sã Justiça!».


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A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

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As questões a decidir são:

. apreciação da impugnação da matéria de facto (e eventual desnecessidade de parcial análise da mesma), incidente, na essência, sobre o prazo do contrato celebrado entre Autora e Réu e rendimentos não obtidos com a cessação contratual;

. classificação do contrato e sua duração;

. (prova dos) prejuízos advindos para a Autora pela cessação antecipada do mesmo acordo.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Resultaram provados os seguintes factos:

«1º A Autora foi constituída em 10 de Outubro de 2005, tendo como objecto social a administração, em representação dos participantes, de um ou mais fundos de investimento imobiliário, na prestação de serviços de consultoria para investimento imobiliário, incluindo a realização de estudos e análises relativos ao mercado imobiliário e na prestação de modo profissional de serviços de gestão individual de patrimónios imobiliários, numa base discricionária e individualizada e no âmbito de mandatos conferidos pelos investidores.

2º. A Autora foi autorizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a gerir Organismos de Investimento Alternativo, espécie em que se inserem os fundos de investimento imobiliário.

3º. A Autora adequa os seus recursos termos humanos, técnicos e a sua forma de organização tendo em conta os Fundos que gere.

4º. A constituição do Fundo Réu foi autorizada em 19 de Julho de 2017 pela CMVM, a pedido da Autora, a quem competia a sua gestão.

5º. O Fundo Réu foi constituído por subscrição particular em 28 de Julho de 2017.

6º. A duração inicial do Fundo Réu era de 10 (dez) anos iniciados em 28 de Julho de 2017 e com término previsto em 27 de Julho de 2027.

7º. O Fundo Réu tinha a política de investimento definida no ponto 1.1.1. do Capítulo II do Regulamento de Gestão da seguinte forma:

“1.1.1 Tipo de fundo, objectivo e estratégia de investimento

1.1.1.1 O objectivo do Fundo consiste em alcançar, numa perspectiva de médio e longo prazo, uma valorização crescente do capital e a obtenção de um rendimento contínuo, através da constituição e gestão de uma carteira de valores predominantemente imobiliários baseada em critérios de selectividade e rentabilidade, de forma a valorizar os interesses dos participantes.

1.1.1.2 O Fundo terá como principais áreas de actuação:

a) o arrendamento, a cessão de exploração ou qualquer outra forma de exploração onerosa de imóveis destinados a escritórios, habitação, turismo, comércio e serviços, com vista a potenciar a geração de rendimentos por parte dos activos em carteira;

b) a compra para revenda de imóveis destinados a escritórios, habitação, turismo, comércio e serviços, com vista à realização de mais-valias;

c) a compra e venda de prédios urbanos, rústicos e mistos com vista à realização de mais-valias;

d) a compra e venda de participações em sociedades imobiliárias e de unidades de participação em OII.

1.1.1.3 De entre as principais áreas de actuação e no que se refere ao arrendamento, à cessão de exploração ou a qualquer outra forma de exploração onerosa, à compra para revenda de imóveis o Fundo investirá:

a) predominantemente em imóveis destinados a escritórios e comércio;

b) de forma mais residual em imóveis destinados a habitação, turismo e serviços.

1.1.2 Tipo de imóveis e instrumentos financeiros que compõem a carteira e respectivos limites

1.1.2.1 Limites legais à política de investimento:

a) A carteira de valores do Fundo poderá, ainda que residualmente, ser constituída por numerário, depósitos bancários, certificados de depósito, unidades de participação de organismos de investimento do mercado monetário ou do mercado monetário de curto prazo e instrumentos financeiros emitidos ou garantidos por um Estado-Membro da União Europeia, com prazo de vencimento residual inferior a 12 meses.

b) O valor dos imóveis arrendados, ou objecto de outras formas de exploração onerosa, não pode representar menos de 10% do activo global do Fundo.

c) A entidade responsável pela gestão não pode, relativamente ao conjunto de organismos que administre, investir em mais do que 25% das unidades de participação de um OII.

d) Podem integrar o património do Fundo unidades de participação em outros OII.

e) Não podem integrar o património dos organismos de investimento imobiliário os activos com ónus ou encargos que dificultem excessivamente a sua alienação, nomeadamente os activos objeto de garantias reais, penhoras ou procedimentos cautelares.

f) Apenas são elegíveis para integrar o património do Fundo as participações em sociedades imobiliárias que cumpram com o disposto no nº 1 do Art.º 205 do RGOIC.

1.1.2.2 Autolimites à política de investimento:

a) O Fundo apenas pode deter activos imobiliários localizados em Portugal.

b) O Fundo apenas pode deter activos denominados em euros.

c) O valor dos imóveis do Fundo e de outros activos equiparáveis não poderá representar menos de 70% do activo total do Fundo.

d) O Fundo pode investir em prédios rústicos sem qualquer limite.

e) O Fundo pode investir em sociedades imobiliárias até ao limite de 40% do seu activo total.

f) O arrendamento dos imóveis integrantes da carteira do Fundo não está sujeito a qualquer limite máximo por entidade arrendatária.

g) O Fundo não está sujeito a qualquer limite mínimo de diversificação ou dispersão, seja por número de imóveis, seja pela sua localização geográfica ou qualquer outro critério.

h) O Fundo não pode investir em projectos de promoção urbana, ou seja, não pode proceder à aquisição de prédio, rústicos, urbanos ou mistos, tendo como objectivo promover a posterior edificação de construções na sua esfera.

i) O Fundo não pode deter imóveis em regime de compropriedade.

j) As unidades de participação em fundos de investimento imobiliário não poderão representar mais de 15% do activo total do Fundo.

k) O Fundo poderá contrair empréstimos, quando tal se revele necessário à execução da política de investimento, sem qualquer limite.”.

8º. Em 30 de Abril de 2021, o Fundo Réu tinha um Valor do Activo Líquido de 10.537.288 € e um Valor Líquido Global de 8.361.072 €.

9º. Em número variável ao longo do tempo em 31 de Dezembro de 2020, o Fundo Réu tinha 15 (quinze) participantes, cada um deles subscritor de um número variável de unidades de participação.

10º. Pelo exercício das suas funções, a Autora tinha direito a cobrar, e cobrava ao Fundo Réu, comissão de gestão fixa, no montante equivalente a 0,500% anual do Valor do Activo Total Mensal (equivalente ao conceito de Valor do Activo Liquido do balanço acima referido) com o valor mínimo mensal de € 2.500.

11º. A comissão de gestão incidia sobre o Valor do Activo Total Mensal reportado a próprio cada mês, e era calculada pela Autora e cobrada ao Fundo Réu mensalmente até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que respeita.

12º. Constituído que foi o fundo em 28 de Julho de 2017, a Autora cobrou e recebeu do Fundo Réu pelo exercício das suas funções, durante os seguintes anos:

Ano Comissão de Gestão

2017 (desde 28/07/2017) 15.128,57 €

2018 38.224,04 € 2019 48.876,70 €

2020 51.973,93 €

2021 (até 30/04/2021) 17.276,41 €

13º. Durante o tempo em que esteve sob a administração da Autora, o Fundo Réu, teve as seguintes rendibilidades anuais:

Ano Taxa Interna de Rentabilidade (no exercício) - Taxa Interna de Rentabilidade (desde a constituição)

Desde 28/07/2017 -1,04% -1,04%

2018 -0,68% -0,79%

2019 30,53% 11,08%

2020 5,66% 9,47%

2021 (até 30/04/2021) 6,77% 9,23%

14º. De acordo com a política de investimento do Fundo Réu, o mesmo investiu em activos imobiliários destinados a serviços, sendo a sua carteira aquando da cessação da gestão pela Autora composto por um imóvel.

15º. O participante Banco 1... dirigiu, em 23 de Novembro de 2020, à Autora um pedido de convocatória de assembleia de participantes com a seguinte proposta da ordem do dia:

1º. Deliberar sobre a Substituição da A... SA como sociedade gestora do Fundo, pela C... SA;

2º. Deliberar sobre as alterações consequentes do Regulamento de Gestão do Fundo.

16º. é indicado como motivo para o pedido de substituição da Autora como entidade gestora do Fundo Réu: “A convocação da assembleia de participantes ora requerida, com a finalidade proposta, fundamenta-se na intenção do participante requerente de consolidar em entidades do grupo Banco 1..., S.A, as funções de entidade gestora e entidade depositária do Fundo, tendo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários sido já informada desta intenção no contexto de autorização para o exercício de funções da C..., S.A., já concluído, não tendo expressado qualquer objecção à mesma”.

17º. Vontade essa a concretizar na transferência da gestão do Fundo Réu para a C..., S.A., entidade detida a 96% pelo Banco 1..., S.A., banco depositário do Fundo Réu.

18º. Procedendo com a sua obrigação, a Autora convocou a assembleia de participantes do Fundo Réu para o dia 6 de Janeiro de 2021.

19º. Realizou-se a assembleia de participantes na data aprazada e, sem nenhuma outra fundamentação que não o motivo adiantado para a convocatória, foi deliberada a substituição da Autora como entidade gestora do Fundo Réu.

20º. Na substituição da Autora como entidade gestora não foi invocada, alegada ou motivada por qualquer incumprimento dos deveres de boa administração do Fundo Réu, nem qualquer outra razão concebível como constituindo justa causa.

21º. Obtida a autorização da CMVM, a transferência da gestão do Fundo Réu da Autora para a C..., S.A. ocorreu no dia 1 de Maio de 2021.

22º. A última comissão de gestão que Autora cobrou e recebeu do Fundo Réu foi a relativa ao mês de Abril de 2021, paga em 12 de Maio de 2021.

23º Não há, nem nunca houve, qualquer acordo entre as partes relativamente ao tempo em que o Réu seria gerido pela Autora.

24º Desde a constituição do Réu aquela registou as seguintes Despesas Administrativas:

Ano --Despesas Administrativas Fundos sob gestão

2017 - € 237.241,15 6

2018 - € 292.833,36 6

2019 - € 259.932,91 7

25º A Autora também tem publicado no seu site a demonstração de resultados do primeiro trimestre de 2020, no qual constam Despesas Administrativas no valor de € 62.793,24.

26º No ano de 2020 a Autora registou na rubrica “custos com pessoal” o montante de € 221.519,50, na rubrica “gastos gerais administrativos” o valor de € 37.291,92.


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E resultou não provado:

1. Por via da sua substituição como entidade gestora do Fundo Réu quando ainda faltavam 74 meses e 27 dias para o termo da duração do Fundo, a Autora deixou de auferir a comissão de gestão relativa a 6 anos, 2 meses e 27 dias.».


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2.2). Do recurso.

A). Impugnação da matéria de facto.

Facto provado 23.

Não há, nem nunca houve, qualquer acordo entre as partes relativamente ao tempo em que o Réu seria gerido pela Autora.

O Autor/recorrente pretende que resulte provado o contrário ou pelo menos:

Quer aquando da respetiva constituição quer durante o tempo em que exerceu a gestão do Fundo Réu, a Autora tinha a expectativa de gerir o mesmo, pelo menos, durante o prazo de duração inicial daquele, o que era do conhecimento do Banco 1... que, tendo promovido a respetiva constituição e subscrito unidades de participação para a sua carteira e para as de clientes seus, não contrariou aquela expectativa, antes a alimentou.

Pensamos que a recorrente como que pretende, por um lado, a defesa de uma tese maximalista - houve acordo sobre o tempo efetivo de gestão do Fundo em causa – e, por outro, a defesa de uma tese minimalista, em que pretende a prova de que tinha a expectativa, reconhecida e alimentada, de gerir por 10 anos o Fundo de Investimento -.

A Autora, na petição inicial ou no requerimento de pronúncia sobre o alegado na contestação, apresentado em 21/02/2022, não alega que o Réu lhe garantiu que iria gerir o Fundo por 10 anos pelo que, à partida, surge estranha aos autos a inserção da segunda parte da hipótese de facto provado – se não alegou a garantia de duração de 10 anos, não há que dar como provada essa factualidade -.

O que a Autora alega é que o contrato tinha uma duração determinada e que cessou antes dessa duração – artigos 38.º e 78.º, a título de exemplo -.

Aquela matéria relativa a saber se tinha havido a garantia de que a gestão duraria efetivamente 10 anos acabou por dar azo a um incidente de acareação entre DD e CC sobre o uso de palavra de honra do primeiro acerca da existência desse acordo, acareação que, diga-se, não teve efeito prático pois o primeiro negou que a tivesse usado neste assunto (ou noutro qualquer, mesmo que de maior gravidade) e o segundo manteve que assim foi usada.

Não se tratando de matéria alegada e sendo essencial para uma nova configuração da ação – em vez de se pedir apenas que se indemnize a Autora porque teve danos com a cessação antecipada da sua gestão, esperada por 10 anos, pretender-se-ia alegar um incumprimento contratual atenta a existência de um acordo entre as partes de que a gestão se manteria por 10 anos -, sempre não poderia ser dado como provada a tese minimalista do Réu (face ao disposto no artigo 5.º, n.º 1, do C. P. C. que dispõe que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas).

Mas, na nossa visão, o facto deve ser eliminado porque, desde logo, não se pode garantir que nunca foi aceite, expressa ou tacitamente, entre as partes que, na base da celebração do acordo, aquele período de 10 anos seria o prazo de vigência do contrato.

As partes, ouvidas em depoimentos/declarações, começaram por se debruçar, no essencial, sobre a situação de, não estando previsto qualquer pagamento pela cessação antecipada da gestão, se havia ou não direito a receber esse tipo de pagamento/compensação e se a C. M. V. M. permitiria o seu pagamento não estando previsto no competente regulamento de gestão (AA). Durante a sua inquirição começou então a questionar-se se, por um lado, o Réu já não estaria a preparar a substituição da Autora quando a gestão desta se iniciou e, por outro lado, se tal não iria contra o que estaria acordado, pelo menos num acordo de cavalheiros.

Para sustentar este suposto acordo, faz-se menção a um mail de 03/05/2017, junto em 21/06/2022, mail enviado por CC (Autora) a DD (relacionado com o Réu) em que há afirmações que todos consideram relevantes:

. quanto à inclusão no regulamento da expressão inexistência de «indemnização» e/ou demais condições de custo por transferência do fundo para outra sociedade gestora. CC menciona que não pretende que seja consignada no regulamento pois considera que tal é absolutamente desnecessário já que a C. M. V. M. não o permite, decorrendo da lei que não se podem cobrar comissões ou outras despesas não previstas em regulamento; e ainda por ser um mau exemplo (desacordo dos participantes na prossecução da gestão pela Autora) do que seria expresso no regulamento até porque no mercado consultam os regulamentos. E também o considera desnecessário pois além de não permitida, a gestora/Autora) não a aplicaria.

. por outro lado, a comissão de gestão proposta, é aceite no pressuposto de o Fundo se manter sob gestão da Autora pelo prazo da respetiva duração inicial.

Ora, pela leitura deste mail, pensamos que não é possível a este tribunal de recurso concluir, com um grau de certeza necessariamente elevado, que a questão da duração efetiva da gestão da Autora não foi algo que, tendo sido falada, não foi, pelo menos tacitamente, aceite que iria durar 10 anos. Na verdade, se no mail se refere que é pressuposto do valor da comissão de gestão e da ausência de outros valores ter a gestão o prazo da duração inicial do Fundo, e não havendo prova de qualquer outra comunicação, escrita ou verbal (DD alegou não se recordar de ter dito alguma coisa sobre esta matéria depois do mail) que procurasse esclarecer que afinal esse pressuposto não existia ou então que a expressão pressuposto não tinha esse significado, há que tomar como possível que tenha sido estabelecida uma base negocial com a duração do contrato por 10 anos.

É certo que nem consta do regulamento que a gestão da Autora tem de ter a duração mínima de 10 anos, nem que não a tendo, teria de ser ressarcida pela violação desse acordo, o que também poderia colocar dúvidas sobre se afinal essa questão era ou não pressuposto – sendo-o, seria natural que ficasse refletido no acordo escrito, afastada que está a prova de ter havido a mencionada palavra de honra – (mas também poderia não ficar inscrito no regulamento pois seria a situação natural – gestão pelo prazo de duração do Fundo -).

E aqui entronca outra questão, aquela relativa à inscrição de indemnização a favor da Autora por transferência de gestão para outra pessoa que, para nós, é claro que é o que está mencionado no mail, em conjugação com um outro, imediatamente anterior, de 02/05/2017 (junto em 06/06/2022), em que DD (relacionado com o Réu) sugere que se acrescente ao regulamento quanto a Comissões - inexistência de “indemnização” e/ou demais condições de custo por transferência do fundo para outra sociedade gestora -, tendo CC dado então a resposta acima referida (negando essa inclusão).

Se CC recusa que seja incluída qualquer referência a indemnização por transferência para outra sociedade gestora, literalmente é isso que menciona: não pretende que se inclua esse item de indemnização.

Depois, em julgamento, podendo apelar-se a ser-se (ou não) jurista, a ser-se gestor ou conhecer-se ou não o mercado ou as regras da C. M. V. M., querendo significar-se que indemnização era uma comissão; o certo (para nós) é que a Autora, através de CC, não quis que ficasse expresso no regulamento de gestão a inclusão de não poder receber indemnização por transferência de gestão, como o Réu pretendia. E assim entende, não por não querer essa indemnização mas por mencionar que tal não é permitido por lei e que poderia prejudicar a imagem do Fundo perante o público, além de que não iria acionar a indemnização.

Assim, se não se quis fixar essa indemnização no regulamento, então essa questão foi discutida e tinha então de estar em cima da mesa a possibilidade de poder a gestão cessar antecipadamente (se se coloca a possibilidade de uma previsão de pagamento de indemnização por cessação antecipada, é um duplo circunstancialismo que foi mencionado).

Assim, se o prazo de duração efetiva esteve em cima da mesa, o facto provado 23 não deveria desde logo manter-se pois este refere que não havia um prazo de duração do contrato – apesar de não expresso no contrato, a questão dos 10 anos foi ponderado e discutida e não foi exarada qualquer redação com a menção a outro prazo -.

E aqui, na nossa opinião, pensamos que se deve refletir que, se o Fundo tinha a duração prevista de 10 anos e se não se estabeleceu qualquer outro tipo de prazo de duração do contrato celebrado entre Autora e Réu, então deve concluir-se que foi celebrado um contrato de gestão por esse mesmo período de tempo.

O atual regime dos Organismos de Investimento Coletivo (O. I. C.), constante do Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28/04 - Regime da gestão de ativos -, ainda que não aplicável nos autos como infra se referirá, contém no preâmbulo informação que pensamos que auxilia na análise deste facto. Assim ali refere-se que:

«A sociedade gestora tem uma função central no desenvolvimento da atividade dos OIC, encontrando-se, por isso, sujeita a um exigente quadro de deveres fiduciários de atuação no interesse exclusivo dos participantes. A sociedade gestora procede à gestão do investimento e do risco do OIC, bem como à comercialização e administração do mesmo, prestando um conjunto de serviços administrativos.(…).

«(…). A relação de gestão é, por natureza, duradoura, mantendo-se, em regra, durante a duração do OIC. Em determinadas situações, a sociedade gestora pode ser substituída nas suas funções, desde que os documentos constitutivos prevejam essa possibilidade. Essa previsão é um requisito essencial da substituição, na medida em que esta circunstância representa uma alteração significativa dos pressupostos subjacentes ao investimento nesse OIC.

Na verdade, afigura-se-nos que a gestão do Réu Fundo foi atribuída à sociedade de gestão-Autora por 10 anos, ou seja, pelo tempo de duração do Fundo. É o que resulta de se criar um Fundo e se nomear uma entidade para o gerir – vai fazê-lo pelo tempo que durar o Fundo -. Se assim não fosse, mencionar-se-ia um período concreto mais curto, o que não sucedeu. Tal é referido naquele excerto do mencionado preâmbulo: A relação de gestão é, por natureza, duradoura, mantendo-se, em regra, durante a duração do OIC.

Só se ocorrer algum circunstancialismo excecional (no sentido de não ser um acontecimento corrente, no âmbito de uma gestão corrente), é que a sociedade gestora, não havendo menção a outro prazo, não irá iniciar e findar a gestão em momentos contemporâneos ao início e fim do Fundo em causa. E foi o que sucedeu: ocorreu a sua substituição por um modo que, ainda que previsto no regulamento - deliberação dos participantes -, não é algo que se possa classificar como natural ou corrente. Obviamente (não sendo esse o motivo que justifica a interposição da ação) que, só porque os participantes entenderam que era necessário mudar de gestor é que assim o deliberaram (ao contrário de uma hipotética deliberação que estivesse prevista no regulamento suceder num momento concreto).

Por isso, para nós, o contrato celebrado entre Autora e Réu tinha um prazo certo: 10 anos, só assim não ocorrendo se algo de extraordinário sucedesse, que foi o que efetivamente veio a acontecer.

Deste modo, consideramos que resultou provado que o acordo celebrado entre Autora e Réu tinha como prazo de duração 10 anos.

Pelo exposto, decide-se:

. Alterar a redação do facto provado 23 para:

. Ao celebrarem o acordo de gestão referido em 4.º, Autora e Réu acordaram que o prazo previsto de duração dessa mesma gestão correspondia ao início e fim previsto do Fundo Réu, ou seja, 10 anos, conforme facto provado 6.º.


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Aditamento de dois novos factos provados.

5º-A – A constituição do Fundo Réu foi promovida pelo Banco 1..., S.A. que subscreveu para si e para os seus clientes unidades de participação do mesmo e que, à semelhança do ocorrido com outros Fundos administrados pela Autora e comercializados junto de clientes daquele, assumiu as funções de Banco Depositário do Fundo.

5º-B – Omitindo consciente e dolosamente tal facto da Autora, o Banco 1..., deu corpo à intenção que tinha já, pelo menos desde 2015, e pouco tempo após a constituição do Fundo, em 10 de Agosto de 2018, submeteu pedido de autorização junto do Banco de Portugal (tendo o processo de autorização, mais tarde, por imperativo legal transitado para a CMVM) para a constituição da actual entidade gestora do Fundo Réu, a C..., com o objectivo confessado de, para esta, transferir a gestão do mesmo e de outros fundos de investimento.

O facto 5.º-A é desde logo irrelevante para a decisão pois não está em causa nem como foi formado o Fundo, como é constituído ou como outros podem ser constituídos, nem sequer está em causa nos autos a apreciação do motivo porque a Autora deixou de ser a gestora do mesmo Fundo.

Quanto ao facto 5.º-B, como já adiantámos, não está em causa nos autos a apreciação da Ré, mormente a nível doloso, de pretender que a gestão da Autora fosse, ab initio (já antes da celebração do acordo em análise no processo), substituída por outra entidade; a Autora, naturalmente por sua iniciativa (e certamente ponderando que, em sede administrativa, questiona a validade da sua substituição), entendeu que nestes autos apenas pedia o valor da indemnização a que tinha direito com base numa cessação, mesmo que lícita.

Ou seja, se foi decidido cessar a sua gestão, para a Autora o que releva é que tem direito a uma indemnização face a tal cessação antecipada e não porque o Réu já a contratou sabendo que ia terminar antecipadamente a sua gestão, omitindo essa sua intenção aquando da mesma celebração do contrato. Sendo essa a intenção do Réu ou não, para a Autora tal foi irrelevante já que aceita essa mesma cessação e pede a competente indemnização dos alegados danos.

Por isso, em relação a estes dois pontos, conclui-se que os mesmos são irrelevantes para a economia deste recurso e dos próprios autos na sua integralidade.

Não procede assim esta argumentação.


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Aditamento de novos quatro factos, a saber:

14º-A - O imóvel referido em 14º que à data da substituição da Autora na gestão estava valorizado em € 9.555.450, representava mais de 90% do Valor do Activo Líquido Total do Fundo e, em 2023, após a aquisição de um outro imóvel, representava mais de 60% do mesmo.

14º-B – O imóvel referido em 14º encontrava-se arrendado a uma única entidade por uma renda fixa actualizável, por contrato iniciado em 2018 e sem possibilidade de denúncia pela Arrendatária, tendo esta prestado garantia bancária quanto ao pagamento de 12 meses de renda e sendo a mesma responsável por todas as obras de conservação e manutenção do mesmo.

14º-C - Para que fosse aplicado o valor mínimo mensal previsto na parte final de 10, o valor do imóvel referido em 14º teria de diminuir cerca de 40%.

14º-D - Nem o imóvel referido em 14º sofreu desvalorizações, antes se valorizou entre a data em que a Autora foi substituída (Maio de 2021) e 2023, nem é expectável que assim suceda até ao termo do prazo de duração inicial do Fundo.».

Este visado acrescento, em parte e por um lado, tem por base o teor do documento n.º 6 junto com a petição inicial (Balanço do Fundo) e, por outro, o que resulta do documento junto em 10/07/2024, pela Autora, sobre o qual o Réu não deduziu qualquer impugnação.

Está em causa o valor dos imóveis que compõem a carteira do Fundo de Investimento, um inicial que era o fazia parte da gestão exercida pela Autora e um outro imóvel que foi adquirido já depois da sua saída da mesma gestão.

A alegação da Autora nos autos foi no sentido de que, se se mantivesse a gerir o Fundo, obteria rendimentos iguais aos que vinha obtendo (o cálculo que efetuou foi o de multiplicar pelos anos em falta o que tinha recebido – artigo 24.º, da petição inicial - … tendo por base o Valor do Ativo Líquido do Fundo Réu à data da substituição, mesmo desconsiderando a natural valorização do fundo ao longo do tempo conforme decorre do histórico de performance atrás referida, a saber, 10.537.288 € originou à Autora um dano equivalente à soma das comissões de gestão, no valor não inferior a 328.965,47 € (= 10.537.288 € x 0,500% x 6,2438356 anos) -valor que é o do pedido principal.

Subsidiariamente, pede a remuneração mínima mensal garantida de 2 500 EUR no total de 187 500 EUR (2 500 EUR x 75 meses).

Daí que a valorização do Fundo, para mais ocorrendo quando já não exercia a gestão não se nos afigura um circunstancialismo muito relevante; no entanto, poderia ter algum relevo para que se pudesse analisar (se fosse caso disso) que não seria caso de aplicação da remuneração mínima pois o Fundo sempre iria produzir maior rendimento do que esse valor mínimo.

Porém, numa perspetiva, o que relevaria era saber qual era o Valor do Ativo Total Mensal (equivalente ao conceito de Valor do Ativo Liquido) para depois se aplicar os 0,500%, conforme já está provado nos pontos 10 e 11.

Ora, nos novos factos não consta esse valor que seria o único que poderia ter algum relevo.

Noutra perspetiva, foi opção da Autora considerar que era irrelevante saber se o Fundo se valorizou, pois os valores que lhe interessam para a sua pretensão nos autos, são aqueles que já existiam quando cessou a sua gestão (face ao cálculo que realiza acima reproduzido); não há assim que acrescentar novos valores que, posteriormente, não iriam ter utilidade.

Assim, também não se defere esta argumentação.


*

Facto não provado.

Por via da sua substituição como entidade gestora do Fundo Réu quando ainda faltavam 74 meses e 27 dias para o termo da duração do Fundo, a Autora deixou de auferir a comissão de gestão relativa a 6 anos, 2 meses e 27 dias.

A recorrente pretende que resulte provado, acrescentando-se o valor de comissões perdidas – 328 965,47 EUR -.

Literalmente, o facto em causa resultou provado: uma vez que a Autora foi substituída na gestão do Fundo Réu, deixou de auferir a comissão que receberia até ao final da duração inicial do mesmo. Se alguém aufere uma comissão por gerir um Fundo e depois cessa essa função, deixa de auferir o valor, para mais quando se sabe que sempre receberia um valor mínimo.

Este facto está contextualizado como correspondendo à situação em que esse deixar de auferir é um dano indemnizável, ou seja, por ter sido substituída, a Autora deixou de auferir uma quantia a que tinha direito porque tinha igualmente direito a permanecer na gestão por 10 anos. Mas essa é uma análise a efetuar sobre se, a circunstância de ter deixado receber comissões foi um dano ou somente algo que decorre da sua substituição.

Quanto ao valor, não resulta minimamente demonstrado qual o valor que poderia receber ao longo do período em falta, não só por não ter sido junto aos autos os valores referência acima referidos ao longo desse tempo como ocorreram modificações no Fundo após a saída da Autora como gestora – aumento de capital, aquisição de um outro imóvel -, que alteram a base de cálculo sustentada pela Autora, repete-se, apoiada na total replicação para o futuro das verbas que recebeu antes de ser substituída.

Assim, pode ser dado como provado que a Autora deixou de auferir comissões após a sua saída mas não o valor que deixou de auferir.

Assim, elimina-se o facto não provado que passa a provado com a seguinte redação:

27). Por via da sua substituição como entidade gestora do Fundo Réu quando ainda faltavam 74 meses e 27 dias para o termo da duração do Fundo, a Autora deixou de auferir a comissão de gestão relativa a esse período.


*


B). Da apreciação jurídica.

A Autora, como sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário, pode ser definida como sendo uma sociedade cuja atividade habitual consista na gestão de organismos de investimento imobiliário – artigo 199.º-A, 7.º, da Lei n.º 16/2015, de 24/02 - Regime geral dos organismos de investimento coletivo -, em vigor aquando da aprovação do Fundo Réu (regime este entretanto revogado pelo artigo 9.º, a), do Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28/04 - Regime da gestão de ativos -).

A questão central destes autos radica em saber se a Autora, enquanto sociedade gestora de um organismo de investimento imobiliário, ao ter sido destituída do seu cargo, pode almejar a receber as comissões a que teria direito como se se mantivesse em funções, classificando-se tal recebimento como ressarcimento de prejuízos/danos.

Atentemos, de novo, em parte do preâmbulo daquele citado Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28/04 que, recorde-se, não sendo aqui aplicável, contém uma explanação do próprio legislador que, além de deter essa qualidade, para nós, é acertada no que se menciona e pode servir de referência à nossa decisão, sendo da nossa responsabilidade o sublinhado de alguns trechos.

Assim, ali refere-se que:

«A sociedade gestora tem uma função central no desenvolvimento da atividade dos OIC, encontrando-se, por isso, sujeita a um exigente quadro de deveres fiduciários de atuação no interesse exclusivo dos participantes. A sociedade gestora procede à gestão do investimento e do risco do OIC, bem como à comercialização e administração do mesmo, prestando um conjunto de serviços administrativos.(…).

A sociedade gestora atua no interesse exclusivo dos participantes, desempenhando as suas funções de acordo com padrões reforçados de conduta, nomeadamente de honestidade, equidade, cuidado, diligência e competência, estando sujeita ainda a dever de segredo. (…). A sociedade gestora está obrigada a dar prevalência aos interesses dos participantes relativamente a quaisquer outros interesses, próprios ou de entidades relacionadas, tendo igualmente de assegurar um tratamento equitativo dos participantes.

A atividade de gestão de OIC é remunerada através de uma comissão de gestão. A fórmula de cálculo é previamente definida nos documentos constitutivos do OIC, podendo incluir uma componente variável decorrente do desempenho desse OIC. Para além da comissão de gestão, os demais custos e encargos imputáveis ao OIC estão sujeitos a critérios de adequação tendo em conta o princípio de gestão sã e prudente. A sociedade gestora não pode cobrar ou imputar, ao OIC ou aos participantes, quaisquer custos que não sejam devidos e não se encontrem previstos nos documentos constitutivos.

Nesta transcrição, em especial nas partes sublinhadas, estão todos os vetores que permitem decidir este litígio, a saber:

. a Autora, enquanto sociedade gestora do Fundo Réu, desenvolve a sua atividade no exclusivo interesse dos participantes; assim, estando previsto no regulamento de gestão do Fundo Réu que os participantes podem deliberar pela sua substituição, sendo assim decidido pelos participantes, à Autora nada mais resta do que aceitar essa possibilidade de deliberação (o que, diga-se, a Autora, fez neste processo, não questionando que já não é a sociedade gestora).

Pode naturalmente encontrar meios de invalidar a deliberação mas, nos autos, como já afirmamos, não foi esse o foco, central ou mesmo lateral, da sua pretensão mas unicamente que, aceitando a sua substituição, pugna pelo ressarcimento de danos que alegadamente lhe acarretou a mesma;

. aceitando a deliberação, a Autora tomou como base uma comissão de gestão que era a sua remuneração pelos serviços que prestava e, como atua no exclusivo interesse dos participantes, não só a sua remuneração tem de constar no competente regulamento como todo e qualquer outro custo que advenha para os mesmos tem de estar prevista para que aqueles possam, quando subscrevem uma participação, estar devidamente informados sobre o que pode ser deduzido aos seus rendimentos.

No regime aplicável in casu (Lei n.º 16/2015, de 24/02), não existe uma norma expressa a referir que todos os custos da sociedade gestora têm de estar incluídos no regulamento (como existe no artigo 69.º, n.º 1, do mencionado Decreto-Lei n.º 27/2023 - Custos e encargos do organismo de investimento coletivo:

1 - A sociedade gestora não cobra ou imputa ao organismo de investimento coletivo, nem aos seus participantes, custos indevidos e que não se encontrem previstos nos respetivos documentos constitutivos.).

Mas do ponto 5, Parte I (Regulamento de gestão do OIC), Capítulo II (Política de investimento do património do organismo de investimento coletivo/política de rendimentos), do Regulamento da CMVM n.º 2/2015, de 17/07[1], menciona-se que relativamente a esta matéria, a informação a prestar deve ser elaborada de forma pormenorizada, temos que se exige que seja prestada informação sobre

. 5 - Comissões e encargos a suportar pelo organismo de investimento coletivo.

Devem ser mencionados todos os encargos a suportar pelo organismo de investimento coletivo, através da inclusão de uma tabela de encargos (na qual se distinguem os encargos de subscrição, de resgate, correntes e a componente variável da comissão de gestão, caso aplicável).

5.1 - Comissão de gestão.

a) Valor da comissão: quando o valor da comissão não corresponda a uma taxa fixa, indicação do valor percentual máximo que tal comissão pode atingir;

b) Modo de cálculo da comissão: indicação pormenorizada dos critérios de que depende o cálculo da comissão;

c) Condições de cobrança da comissão: identificação da periodicidade de cobrança;

d) Para a componente variável da comissão de gestão, descrição sucinta das características do parâmetro de referência utilizado (ex. índice, taxa, etc.).

5.3 - Outros encargos.

a) Indicação de outros encargos cobrados diretamente ao organismo de investimento coletivo, como sejam despesas com a compra e venda de valores do organismo de investimento coletivo e outras inerentes à sua gestão (ex. comissões de mercados regulamentados ou outras plataformas de negociação, comissões de corretagem, custos de auditoria, encargos legais e fiscais e despesas relacionadas com a utilização de instrumentos financeiros a prazo e a realização de operações de empréstimo e reporte);

b) Menção da existência de encargos que estão necessariamente excluídos (ex. remuneração de consultores ou subdepositários).

Daí também entendermos que, para que o participante fique o mais esclarecido possível sobre possíveis custos que poderão diminuir a rentabilidade da sua unidade de participação, todos os custos de gestão devem estar previstos.

No caso concreto, não está prevista a possibilidade de ser paga uma indemnização à Autora por ser substituída no seu cargo; no entanto tal não significa, para nós, que não possa vir a ser exigido ao Réu o seu pagamento nem que essa eventual indemnização tivesse de estar aí prevista para poder ser exigida.

O que se visa naquelas informações é que o participante fique esclarecido que, no decurso da sua atuação, a sociedade gestora não pode cobrar valores que não estejam previstos; mas, desde logo, finda a sua colaboração, a Autora não fica diminuída, ab initio, nos seus direitos. Ou seja, se considerar que ficou lesada no seu património com a sua substituição e pretende ser ressarcida, não estará impedida de o fazer.

Nesta situação, já não está em causa a cobrança de custos pelo exercício da sua gestão que poderiam, se não previstos, surpreender os participantes mas antes o exercício de um direito de poder reclamar, no caso, judicialmente, um valor indemnizatório.

Aos participantes não assiste o poder de cercearem o direito de se reclamar, extra ou judicialmente, o pagamento de uma indemnização nem, naturalmente, o de impedirem o pagamento de uma quantia que fosse estipulada judicialmente.

Qualquer deliberação pode estar sujeita a uma impugnação e a vir a ser alterada (por ser ilícita, por exemplo) e não é por o regulamento não prever a possibilidade de os danos serem ressarcíveis, que as consequências da ilicitude não poderiam ser apostas ao organismo de investimento coletivo; nem será essa a função do regulamento nem da entidade supervisora, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (C. M. V. M.), ou seja, não lhe cabe exigir que se fixe em regulamento de gestão todos os valores que possam vir a ser cobrados depois de cessar a sua atividade. O que preocupa a entidade é o exercício da atividade de gestão, sendo que as vicissitudes que surjam depois do exercício da gestão poderão entrar noutro foro (o judicial, por exemplo) no qual já os interesses dos participantes serão protegidos de outro modo – pela atual gestora, negando o pagamento, aceitando-o ou conduzindo a questão para os tribunais).

Temos ainda que uma indemnização a pagar por danos causados por uma antecipada cessação de uma gestão não são custos a cobrar pela entidade gestora; é antes um valor indemnizatório que, preenchidos os respetivos pressupostos e sendo procedente a pretensão, terá de ser paga.

Note-se que, se estivesse previsto que, em caso de cessação das funções antes do fim do prazo inicial de duração do Fundo[2], a sociedade gestora nada receberia, teríamos uma cláusula que poderia resolver a questão sub judice; mas não existindo e não tendo de existir para poder ser exigida (mesmo atualmente, na nossa visão), a Autora pode exigir esse pagamento não estando a violar o regulamento de gestão.

Antes de se analisar do regime jurídico a aplicar ao caso em análise, importa não esquecer que, para nós, a gestão do Réu Fundo foi atribuída à sociedade de gestão-Autora por 10 anos, ou seja, pelo tempo de duração do Fundo.

A Autora pretende então uma indemnização por não lhe ter sido permitido continuar a gerir o Fundo/Réu.

Ora, como se refere na decisão recorrida, a atividade da Autora, ao gerir bens alheios, acaba por estar a prestar um serviço de gestão que, não se podendo configurar uma prestação de serviços nominada (face à complexidade de atuação, nomeadamente a nível de investimentos ou de zelar pelo património que incorpora o Fundo, não se pode conduzir a um contrato de mandato que visa unicamente a prática de atos jurídicos – artigo 1157.º, do C. C. – que será aquele mais semelhante).

Apesar de o artigo 16.º, do Decreto-Lei n.º 246/85, de 12/07, já revogado, conter a menção ao contrato de mandato, ao referir: a subscrição da proposta de participação num fundo implica a aceitação do respetivo regulamento de gestão e confere mandato à sociedade gestora para que realize as operações inerentes à gestão e à boa administração do fundo, bem como à sua dissolução ou transformação, quando as circunstâncias e os interesses dos participantes o aconselhem, está a mencionar que os participantes aceitam que a gestora pratique, em seu nome, operações materiais a administrar o Fundo, o que não compreende somente a prática de atos jurídicos. Mas confere força a que é o contrato de mandato o mais semelhante com a situação em causa pelo que não fere o sentimento jurídico que se apliquem as regras desse contrato se não houver previsão das partes, em determinada matéria.

E, assim sendo, temos que serão aplicadas as regras próprias desse contrato inominado de prestação de serviços e, na ausência de regulamentação, as regras do contrato de mandato, nos termos do artigo 1156.º, do C. C..

Não será âmbito da Autora a prática de atos de comércio (conforme artigo 2.º, do C. Comercial) pois apenas gere investimentos de outras pessoas, reunidos num Fundo de Investimento, não praticando atos de comércio nominados ou de natureza não exclusivamente civil; nem a empresa Autora pratica qualquer dos atos previstos no artigo 230.º, do C. Comercial que a possam definir como uma empresa comercial).

Deste modo, estando em causa uma prestação de serviços que foi acordada durar dez anos, tendo sido cessada previamente, sem invocação de justa causa, pode encontrar aplicação o disposto no artigo 1172.º, c), do C. Civil (C. C.)., que estatui que:

. A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:

c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;

O Réu fez cessar unilateralmente o contrato de gestão que tinha celebrado com a Autora, o qual era notoriamente oneroso e que iria vigorar por dez anos; assim, com essa cessação antecipada, a Autora vê protegido o seu interesse que existia ao celebrar o acordo: durante dez anos podia contar com a retribuição pelo exercício da sua atividade que agora viu cessar.

Está em causa a proteção do dano confiança, ou seja, cumpre indemnizar a prestadora de serviços pelos valores que receberia se não tivesse cessado a mesma prestação, o que abrange desde logo o valor das retribuições que deixou de auferir.

Porém, e previamente a aferir-se qual poderia ser esse valor, pensamos que a Autora tem direito a ser ressarcida do prejuízo que sofreu em virtude da revogação do contrato mas tem que apurar-se que efetivamente sofreu esse dano.

Na realidade, pretendendo a Autora demonstrar que é titular desse direito a ser ressarcida pelo Réu, tem de alegar e demonstrar que sofreu um prejuízo por ser essa matéria factual constitutiva do seu direito (artigo 342.º, n.º 1, do C. C.). E, para o assim demonstrar, não basta que alegue que deixou de receber as retribuições devidas pelo tempo que ainda restava para exercer a atividade de gestão; tem de alegar e demonstrar que sofreu um real prejuízo no sentido de que não recebeu aqueles valores mas também que, no que será a ocorrência mais plausível, não teve despesas por causa da execução do contrato, assim tendo diminuído os seus custos.

Se a empresa Autora não tem de exercer a gestão, certamente deixará de ter despesas com a sua execução pelo que, nessa parte, não sofre prejuízo; por isso, para este ser devidamente provado, tem de alegar que despesas é que diminuiu ou, se não diminuíram, por que motivo tal sucedeu para o tribunal poder perceber se afinal não há que deduzir à retribuição perdida qualquer valor aforrado a título de despesas.

Mas não é unicamente a poupança em despesas que tem de ser alegada (ou a falta de poupança) mas também têm de ser alegados os rendimentos que a Autora teve a partir da cessação do contrato e que não teria se tivesse sido cessado antecipadamente a sua prestação de serviços ao Réu. Se a Autora vê cessada a sua obrigação de prestar esse serviço, se porventura logra obter outros contratos que não poderia obter se estivesse ocupada com a gestão ao serviço do Réu e com os mesmos obtém rendimentos, não se pode considerar que tenha tido um prejuízo igual à perda de retribuição pois acabou por ter lucros que não teria se tivesse de executar o contrato com o Réu.

Ou então, também aqui, teria de alegar que ou não celebrou outros contratos ou que teve rendimentos que, mesmos que deduzidos ao valor que deixou de receber do Réu, ainda permitem concluir que sofreu prejuízos.

A Autora não alegou nem as despesas que economizou nem os proventos que obteve até ao momento da interposição da ação e os que eventualmente continuasse a auferir e que pudessem ter minorado o seu prejuízo. Ora, repete-se, competindo-lhe alegar essa factualidade, nos termos acima referidos, não é possível concluir que, pela simples perda de retribuição do tempo ainda em falta dos indicados dez anos, tenha sofrido um prejuízo efetivo totalmente correspondente à retribuição que deixou de auferir.

Mas, apesar de não ter alegado a inexistência de despesas, sabemos que a Autora teve despesas enquanto gestora (tendo por origem a alegação do Réu nesse sentido) – factos provados 24 a 26, numeração antiga e prévia à eliminação do facto 23 -, factualidade que não foi de qualquer modo impugnada neste recurso. Os valores anuais são:

. 2017 - 237.241,15 EUR;

. 2018 – 292 833,36 EUR;

. 2019 – 259 932,91 EUR.

. 2020 - primeiro trimestre de 2020 - despesas administrativas no valor de 62 793,24 EUR e nesse mesmo ano, com custos com pessoal – 221 519,50 EUR e em gastos gerais administrativos – 37 291,92 EUR -.

Mas estes valores são retirados dos artigos 21 a 23 e também do artigo 57, todos da contestação, neste último se referindo que estão em causa a gestão pela Autora de sete fundos (o que não foi vertido nos factos).

Daí que, seja porque a alegação, de onde resulta a prova dos factos 24 a 26, também inclui que os valores se reportam a mais seis fundos que o Fundo Réu, seja ainda porque, como dos factos não consta o número de Fundos que representam tais despesas, não se pode concluir que estão demonstradas as despesas que a Autora não teve e que, ainda assim, lhe permitem concluir (e depois ao tribunal) que sofreu um prejuízo, a Autora não provou as despesas em questão e que acima referimos serem constitutivas do seu direito.

Quanto aos rendimentos que conseguiu obter devido a ter menos um Fundo para gerir (ou que afinal não teve apesar de, à partida, com mais disponibilidade, oportunidade de gerir), não há qualquer alegação nem qualquer prova.

Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se a ação deve ser julgada improcedente porque a Autora não provou que sofreu um prejuízo ou se, sabendo-se que o Fundo prosseguiu a sua atividade e estando sempre prevista uma comissão mínima, se se deve relegar para incidente de liquidação o apuramento do valor de despesas que não se efetuaram e de rendimentos que se obtiveram, nos termos acima referidos.[3][4]

E, sem prejuízo do natural e diverso entendimento que se possa ter, pensamos que a ação deve improceder. Na realidade, neste momento, não está em causa unicamente determinar o valor do prejuízo sofrido pela Autora mas antes saber se teve ou não prejuízo; repare-se que, se se relegasse a situação para ulterior liquidação, poderia suceder que se iria apurar um valor de despesas poupadas e de rendimentos obtidos que faria concluir que afinal não tinha havido prejuízo, o que redundaria numa impossibilidade pois na liquidação teria de se obter um valor liquidado de prejuízo, nem que se tivesse de recorrer à equidade (a qual tinha de ter como pressuposto que havia prejuízo).

A liquidação não pode ser uma nova possibilidade de se provar o dano: Veja-se o Ac. da R. P. de 24/09/2020, processo n.º 844/06.0TBGDM.P2, www.dgsi.pt que, em nota de rodapé n.º 12 cita Ac. do S. T. J., de 09/07/1998, que refere que: Não pode relegar-se para a execução de sentença a prova da existência do próprio dano, nem do nexo causal. O relegar a liquidação para momento posterior à sentença postula que na acção declarativa seja feita prova da existência dos danos, não se dispondo, porém, de elementos que os permitam quantificar, mesmo com o recurso à equidade; ou seja, a fase preliminar de liquidação, em execução de sentença, apenas pode servir para quantificar danos quando, na acção declarativa, tenha ficado demonstrada a sua existência, embora ilíquida, jamais podendo destinar-se a renovar o apuramento ou averiguação sobre a existência de danos.

Também Miguel Teixeira de Sousa, no C. P. C. online, no Blog do IPPC, em anotação ao artigo 359.º, nota 6, refere que: Pode suceder que os factos não provados moldem o direito do autor. P. ex.: o tribunal deu como provado que o autor sofreu danos e como não provados quaisquer lucros cessantes; a falta de prova destes lucros é vinculativa no incidente de liquidação. Generalizando: a falta de prova de factos que conformam o direito do autor não pode ser suprida no incidente de liquidação – nosso sublinhado -.

Por isso, o que sucede é que a Autora, não alegando nem demonstrando as despesas que não teve com o Fundo Réu por ter sido cessado antecipadamente o contrato em alegando os rendimentos que logrou obter por estar mais disponível para gerir outro Fundo (ou que afinal não teve), não consegue igualmente demonstrar que revê um efetivo prejuízo com a revogação da sua gestão.

Tal conduz assim à improcedência da ação, não sendo necessária a apreciação de qualquer outra questão.


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3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente.

Registe e notifique.

Porto, 2025/05/08.

João Venade.

Ana Márcia Vieira.

António Paulo Vasconcelos.

______________________________
[1] D. R. n.º 138/2015, II, de 17/07/2015, páginas 19268-19314.
[2]Como, atento o que já referimos, o Réu terá procurado exarar, o que acabou por não suceder.
[3]Sobre este tipo de apreciação, veja-se o Ac. da R. L. de 12/10/2023, processo n.º 1491/22.4T8TVD.L1-2, www.dgsi.pt, em que se menciona que:
III - A responsabilidade civil, seja contratual, seja extracontratual (delitual, pelo risco ou até por facto lícito), não dispensa nunca o pressuposto da existência de dano (recaindo sobre o autor o ónus da prova a esse respeito - cf. art.º 342.º, n.º 1, do CC), sem o qual não haverá obrigação de indemnizar, aplicando-se neste âmbito as disposições dos artigos 562.º e ss. do CC. Assim, sendo indispensável que dos factos provados resulte a existência de um dano efetivo, não há dúvida que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo tais “benefícios” ou vantagens patrimoniais serem danos futuros, desde que previsíveis (cf. art.º 564.º do CC).
IV - No caso dos autos, não há lugar a obrigação de indemnizar, uma vez que, ante os factos alegados e provados, não se pode considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se verificou uma situação danosa para o Autor, sofrendo um efetivo prejuízo, por não ter podido (ou muito provavelmente não vir a poder) auferir um nível rendimentos que atingisse o patamar expetável, isto é, o nível da remuneração que, em termos globais (descontando também as suas despesas) iria obter se o contrato tivesse vigorado pelo prazo previsto.
V - Efetivamente, ainda que o Autor tenha deixado de auferir as quantias mensais que a Ré lhe iria pagar se o contrato tivesse vigorado até ao fim do prazo estipulado, não podemos assumir que o Autor não auferiu durante esse período de tempo quantia igual ou superior, até porque este não provou que o contrato celebrado com a Ré fosse em regime de exclusividade e que tenha ficado impedido de celebrar outros contratos com outras entidades, sendo certo que, ao não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, o Autor ficou disponível para realizar outras atividades, por conta própria ou de outrem.
[4]Este Ac. foi alvo de recurso para o S. T. J., não admitido pela Relação e depois pelo juiz Conselheiro relator em decisão singular mas, após reclamação, foi admitido, por Acórdão de 14/01/2025(www.dgsi.pt) o recurso, unicamente para apreciação da seguinte questão: saber se, não tendo alegado o seu rendimento real a partir da revogação do contrato, o autor tem, ainda assim, direito a indemnização por lucros cessantes, eventualmente a fixada por equidade. E, nesta data, ainda se desconhece a decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta concreta questão.