CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
ÂMBITO
Sumário

I - No domínio das cláusulas contratuais gerais não basta a sua aceitação por quem subscreva o contrato no qual as mesmas constem; exige-se ainda que ao aderente tenham sido efectivamente comunicadas as cláusulas a que deva ou tenha aderido, que haja uma efectiva informação sobre as mesmas.
II - A autonomia da vontade só poderá ser validamente exercida se a vontade da parte aderente ao contrato estiver devidamente formada, o que pressupõe, desde logo, um completo conhecimento do respectivo clausulado.
III - O dever de comunicação que recai sobre quem negoceia apresentando à outra parte um contrato com cláusulas gerais, pré-definidas, é uma obrigação de meios, não se exigindo para o seu cumprimento que o contratante, abrangido por tais cláusulas, delas tome conhecimento efectivo, mas que lhe sejam facultadas as condições para, em termos de razoabilidade e actuando com diligência, obter conhecimento sobre o seu conteúdo.
IV - Esse dever de comunicação é satisfeito quando as cláusulas contratuais gerais constem do documento assinado pelo aceitante, quando este saiba ler e escrever e o documento lhe seja facultado para leitura e análise antes de nele apor a sua assinatura.

Texto Integral

Processo n.º 22761/23.9YIPRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível da Maia – ...

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

Banco 1..., S.A. – Sucursal em Portugal, intentou acção declarativa para cumprimento de obrigações pecuniárias, subsequente a injunção, contra AA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 5.988,91 €, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 529,05 €, e vincendos até efectivo e integral pagamento, e taxa de justiça no montante de 153,00 €.

Alegou, para tanto em síntese, que celebrou com o Réu um contrato de crédito que o mesmo não cumpriu.

Regularmente notificado o Réu deduziu oposição alegando que nunca celebrou qualquer contrato com a Autora devendo a acção ser julgada improcedente e o mesmo absolvido do pedido.

Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial a que a Autora respondeu.

Notificado o Réu pronunciou-se alegando que assinou o contrato junto aos autos no pressuposto de que era uma mera proposta de financiamento, desconhecendo, por completo, o seu teor, encontrando-se a sua vontade viciada por falta de esclarecimento quanto ao seu conteúdo e cuja consequência é a nulidade do contrato.

Ademais, o contrato de compra e venda associado ao contrato de crédito nunca se concretizou, o Réu nunca recebeu qualquer montante da Autora, o que torna o contrato celebrado nulo por falta de objecto.

Concluiu, assim, pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

À matéria de excepção respondeu a Autora, pugnando pela sua improcedência porquanto o Réu celebrou o contrato, em discussão nos autos, com vista à aquisição de um veículo, tendo o dinheiro sido transferido para o vendedor identificado no contrato.

Acrescenta que, não obstante invocar a nulidade do contrato, o Réu cumpriu o mesmo entre Agosto de 2021 e Janeiro de 2022.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e em consequência condeno o Réu a pagar á Autora a quantia de 6.508,49 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde 4.3.2023, sobre a quantia de 5.998,91, á taxa dos juros comerciais, com limite de 11,50%, acrescida de 3%, até efectivo e integral pagamento.

Condeno Autora e Réu no pagamento das custas da acção, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao Réu (20.04.2023).

Notifique e Registe (electronicamente)”. Não se conformando o Autor com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“I – Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a acção procedente e condenou o Réu no pagamento das quantias que se achavam peticionadas na P.I.;

II – Não pode o Recorrente conformar-se com a Douta Sentença, entendendo existir erro na apreciação da prova, uma incorrecta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, e consequente erro de julgamento, devendo ser revogada.

III – Desde logo, não se pode dar como provado que o Réu recebeu um qualquer montante da Autora, atento a prova documental junta aos autos, nomeadamente, no requerimento apresentado em 09-10-2023, com a referencia 36880452, onde se alcança que o valor do empréstimo foi transferido da Autora para a sociedade A..., Lda.

IV – Ora, fazendo apelo às regras da experiência comum, a todo este circunstancialismo, e conjugada a prova documental e testemunhal, está mais do que provado que o Réu não adquiriu um qualquer veículo.

V – E não tendo havido contrato de compra e venda do veículo automóvel, bem como nenhum montante foi mutuado ao Réu, figurando este como consumidor, o contrato dos autos é nulo por falta de objecto negocial, o que desde já se invoca e se requer que seja declarado com todas as consequências legais.

VI – no contexto de um contrato de crédito ao consumo, como in casu, o ónus de provar a entrega do exemplar do contrato e o cumprimento do dever de informação cabe ao Autor, quando confrontado com a alegação de omissão desses deveres.

VII – Entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de crédito ao consumo, no qual não houve um contacto directo entre o autor e o réu, tendo sido um terceiro quem colocou à consideração do autor a concessão de um crédito e transmitiu à ré os dados relevantes para a concessão do mesmo;

VIII – Estamos, assim, perante uma situação em que a proposta e a aceitação não são simultâneas, mas sim afastadas no tempo, ou seja, estamos perante um contrato celebrado entre ausentes.

IX – Pelo que, independentemente do Autor não ter logrado fazer uma qualquer prova da sua entrega, aliás, nem a alegou, resulta clarividente que tendo o Réu (consumidor) assinado o contrato em primeiro lugar, e tendo o representante do autor (credor) aposto a sua assinatura posteriormente, inviabilizou-se a entrega de um exemplar do contrato ao Ré no momento da assinatura.

X – Concluindo-se, assim, que não foi entregue um exemplar ou duplicado do contrato de financiamento ao Réu, e, não tendo a Autora ilidido a presunção estabelecida, importa concluir que lhe é imputável a apontada omissão de entrega, pelo que é nulo o contrato de crédito em causa, que se invoca e se requer que seja declarada, com todas as consequências legais.

XI – De igual forma, incumbia ao autor alegar e provar que deu cumprimento à obrigação de informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais.

XII – A imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adoção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível, sendo que esta “conduta é aferida segundo o critério abstrato da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa.

XIII – No caso dos autos, verifica-se que quem se pretende aproveitar do seu conteúdo é o Autor, de tal forma que é sobre este que incide o ónus de provar que cada uma das cláusulas dos contratos decorreu de negociação prévia havida entre as partes.

XIV – Resulta dos autos que nem sequer houve ocorrência de negociação prévia quanto às cláusulas do contrato, nem sequer, quanto ao contrato.

XV – Para além de que, dos factos provados não resulta que ao Réu lhe tenha comunicado as cláusulas.

XVI – havendo apenas prova que a assinatura foi aposta no fundo do rosto de um documento onde se faz referência às CCG constantes do verso do mesmo, num contexto inesperado e em letra praticamente ilegível, tal não pode equivaler à comunicação exigida por lei, nos precisos termos do art. 5 da LCCG.

XVII – Não se pode defender que o réu teve conhecimento das CCG apenas por ter assinado um documento que lhes faz referência se nem sequer se sabe as circunstâncias em que tal documento foi assinado.

XVIII – E quanto à inexistência de pedidos de esclarecimentos, é consabido que não é o aderente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal.

XIX – Não basta a mera comunicação para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular, é ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado”.

XX – Quanto ao alegado abuso de direito, com o fundamento no pagamento de 5 prestações, não há prova de nenhum facto que permita concluir que o pagamento dos valores, que foi sendo feito, implicasse que o réu tivesse conhecimento, durante esses 5 meses do contrato e das CCG.

XXI – Não será o simples não exercício do direito durante um lapso de tempo considerável que desencadeará a hipótese de abuso de direito.

XXII – O direito será legitimamente exercido, independentemente do tempo vivido desde a conclusão do contrato, sempre que ainda esteja em causa a protecção dos interesses que o legislador quis acautelar com a consagração do direito em causa: no caso, a não submissão do aderente a um conteúdo contratual que desconhece.

XXIII – Por outro lado, estando em causa a nulidade do contrato fundada na violação do regime das cláusulas contratuais gerais, logo, de conhecimento oficioso, não pode convocar-se o instituto do abuso de direito.

XXIV – Em suma, a exclusão das CCG, imposta pelo art. 8 da LCCG, é uma inexistência jurídica, que é um vício mais grave que a nulidade.

XXV – Sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286 CC), também a inexistência o deve ser.

XXVI – Consequentemente, sem outros considerandos que cremos desnecessários, também por esta via o contrato em crise é nulo, nulidade que expressamente se invoca e se requer que seja declarada com todas as consequências legais.

XXVII – Bastou-se o Tribunal a quo com a cópia das cartas juntas aos autos conjugado com a testemunha BB, que não foi quem as emitiu e/ou enviou, para chegar a tal conclusão, concluindo, sem qualquer outro suporte, que sendo declarações receptícias presume-se que foram recebidas.

XXVIII – Ora, se é verdade que existe um princípio de prova, não é menos verdade que tendo o Réu alegado que não recebeu os aludidos escritos e/ou cartas, competia à Autora o ónus de provar o efectivo envio e recebimento da correspondência.

XXIX – O que conforme os autos bem demonstram não o fez.

XXX – Pelo que o tribunal a quo nunca poderia dar como provado, quer o envio quer o recebimento das cartas em causa.

Por outro lado,

XXXI – Quer a resolução do contrato quer a comunicação da integração no PERSI, bem como a extinção do mesmo, têm que obrigatoriamente que ser feitas em suporte duradouro, e tratando-se de declarações recepcias, constitui ónus da Autora demonstrar a sua existência, o seu envio e respectiva recepção das mesmas pelo Réu.

XXXII – A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que as mesmas foram enviadas ao Réu não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pelo Réu.

XXXIII – Face ao exposto, a factualidade vertida nos n.ºs 4, 5, 6, 7, 8, 9 dos factos provados deverá integrar os factos não provados.

XXXIV – E, em consequência, deverá ser conhecida e verificada a excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso, decorrente do desrespeito da válida demonstração do cumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situação de Incumprimento (PERSI), instituído pelo DL n.º 227/2012, de 25/01, com todas as consequências legais.

XXXVI – Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, o Tribunal “a quo” ao decidir nos termos em que o fez, violou, para além do mais, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 12 e 13 do DEC. Lei n.º 133/2009, de 02/06, art. 5, 6 e 7 do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, art. 282, 286, 334, 342, e 344 do código civil, art. 615, do Código de Processo Civil, DL 227/2012, de 25/01

XXXVII – Deverá, pois, a douta sentença ser revogada e substituída por Douto Acórdão que declare nulo o contrato em crise nos presentes autos, nos termos supra expostos, e em consequência, deverão os presentes embargos serem julgados procedentes por provados, com as demais consequências legais.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por Douto Acórdão que julgue a acção totalmente improcedente, com as demais consequências legais...”.

O recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- se existe erro na apreciação da prova;

- se alguma invalidade afecta o contrato celebrado entre as partes.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:

1. A Autora tem por objecto a actividade bancária em geral.

2. No âmbito da sua actividade, em 23.06.2021, entre o Réu e a Autora, foi celebrado um contrato de concessão de crédito, com o n.º ...02 através do qual a Autora financiou ao Réu o valor de 5.500,00 €.

3. Em contrapartida da concessão do crédito que a Autora lhe entregou por transferência bancária, o Réu comprometeu-se a restituir o capital, acrescido dos juros contratados à taxa de 11,5% e despesas e custo do seguro, em 60 prestações mensais, sendo as prestações no valor de 119,37 €.

4. A Autora remeteu a 20.11.2021, carta a solicitar o pagamento da prestação devida em 9.11.2021.

5. Em 12.02.2022, porque o Réu se encontrava em incumprimento no pagamento de duas prestações, a Autora, remeteu nova carta a interpelar o Réu para pagamento.

6. Em face do incumprimento do Réu, a Autora remeteu a 19.02.2022, carta a informar que o Réu havia sido incluído no Procedimento PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.

7. Em face da inação do Réu, a Autora remeteu a 01.03.2022 carta a comunicar a extinção do PERSI.

8. A Autora a 02.03.2022, remeteu nova comunicação ao Réu a interpelá-lo para o pagamento das prestações vencidas e não pagas.

9. A 21.04.2022 foi novamente o Réu informado que havia sido incluído no PERSI.

10. A 03.06.2022 e 03.07.2022, foi novamente o Réu interpelado para pagamento.

11. A 22.07.2022, foi o Réu notificado da extinção do PERSI.

12. Em 08.08.2022 foi comunicada ao Réu a resolução do contrato.

13. Nos termos da Cláusula 10.2 do referido contrato foi estipulada cláusula penal moratória de 3%, prevista, desde a data de resolução até efectivo e integral pagamento.

14. Em meados de Junho de 2021 o Réu pretendeu adquirir uma viatura automóvel tendo para o efeito visitado um Stand sito na Estrada ... em ..., na companhia de CC.

15. No local o Réu interessou-se por uma viatura de marca Toyota tendo negociado a sua aquisição por cerca de 5.000,00 €.

16. O Réu informou o vendedor que para pagamento necessitava de recurso a crédito bancário tendo fornecido os seus dados de identificação e assinado vários documentos que segundo o vendedor consistiam na proposta de financiamento a submeter à apreciação da instituição de crédito.

17. A compra do veículo ficou pendente da aprovação do crédito.

18. O Réu assinou uma declaração de reconhecimento de que lhe foram prestadas todas as informações relativas ao contrato.

19. O Réu procedeu ao pagamento das prestações devidas entre 1.08.2021 e Janeiro de 2022.

III.2. A mesma instância considerou não provados os seguintes factos:

1. Volvidos cerca de 8 dias o Réu foi contactado pelo vendedor a informar que o crédito não tinha sido aprovado.

2. Por sugestão do vendedor o Réu dirigiu-se novamente ao Stand, na companhia de CC, e assinou vários documentos com vista a submeter uma nova proposta de financiamento noutra instituição de crédito.

3. Decorridos cerca de 15 dias o Réu contactou o vendedor que o informou que o crédito não tinha sido aprovado.

4. A compra do veículo não se concretizou e o Réu não recebeu qualquer montante por parte da Autora.

5. O Réu assinou o contrato junto aos autos convencido de que era uma proposta de financiamento.

6. O Réu desconhece o teor dos documentos que assinou porquanto não lhe foi entregue uma cópia nem explicadas as condições.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Reapreciação da matéria de facto.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Insurge-se o Réu com a decisão relativa a matéria de facto que considerou provada a matéria aí elencada nos pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 9, por entender que a mesma deve ser julgada não provada, alegando, para o efeito que a “simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que as mesmas foram enviadas ao Réu não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pelo Réu” – conclusão XXXII.
A decisão relativa à matéria objecto de impugnação mostra-se assim fundamentada na decisão sob recurso: “Alegou a Autora o envio das cartas juntas aos autos em 12.05.2023 sob documentos nº 2 a 11 não resultando das mesmas que o tenham sido sob registo ou com aviso de recepção.
Resulta da cláusula 22ª do contrato celebrado entre as partes que foi convencionado que o cliente autoriza a instituição de crédito a comunicar via postal, telefone, extracto de conta, e-mail ou SMS/MMS ou mensagem pessoal remetida através da área reservada ao cliente no sitio eletrónico da IC, na área do cliente, qualquer assunto relativo ao contrato. Já a cláusula 17.2 exige para a resolução a notificação do cliente em suporte duradouro.
Nos termos do artigo 223º, do Código Civil, estipulando as partes uma forma convencional para a declaração presume-se que não quiseram vincular-se senão pela forma convencionada.
Resulta do exposto que foi estipulada a comunicação escrita não se exigindo que as cartas tenham de ser enviadas sob registo ou sob aviso de recepção. Como tal bastando o envio de carta simples resulta dos documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada o princípio de prova de que as cartas juntas aos autos foram enviadas ao Réu o que conjugado com o depoimento da testemunha BB permite concluir que as cartas foram efectivamente enviadas e dirigidas à morada do Réu contante do contrato pelo que sendo declarações receptícias presume-se que foram recebidas. Com efeito, pela referida testemunha foi dito que consta registado no sistema informático da Autora o envio das cartas, entre outros contactos com o Réu, e que relativamente à carta de resolução foi inclusivamente o próprio que a redigiu.
Naturalmente que não foi a testemunha quem colocou as cartas no correio já que a Autora dispõe de serviço próprio para o efeito tal como a título de exemplo, no Tribunal, não é o funcionário da secção que coloca a carta no correio, já que existe serviço próprio para recolha da correspondência. Daqui não pode concluir-se de que não foi efectuada prova do envio das cartas.
Em face do exposto resultam provados os factos 4 a 12 ((alegados nos artigos 4ºa 14º da petição inicial aperfeiçoada)”.
Da audição do depoimento prestado pela testemunha BB, funcionário da Autora, resulta haver o mesmo confirmado terem as cartas sido enviadas ao Réu para a morada constante do contrato, facto retirado do sistema informático do Autor, referindo o depoente ter sido ele próprio quem redigiu a carta com a comunicação da resolução do contrato.
Tal depoimento conjugado com os documentos juntos com a petição aperfeiçoada atestam com suficiência que as referidas cartas foram remetidas para a morada do Réu constante do contrato, e por ele indicada, presumindo-se, por isso, que o mesmo as haja recebido, presunção que não se mostra ilidida.
Tal como dá conta a mesma decisão, tendo as partes convencionado que o cliente autoriza a instituição de crédito a comunicar por via postal, telefone, extracto de conta, e-mail ou SMS/MMS ou mensagem pessoal remetida através da área reservada ao cliente no sitio electrónico da IC, na área do cliente, qualquer assunto relativo ao contrato, devendo, todavia, a notificação ao cliente da resolução do contrato ser efectuada em suporte duradouro, não era exigível outro meio de comunicação, ou que este se revestisse de outras formalidades, designadamente, através de correio registado ou com aviso de recepção, para que essas comunicações pudessem operar, de forma válida de eficaz, prevalecendo, assim, o convencionado pelas partes a esse respeito.
Desta forma, nenhum reparo merece a decisão que considerou provada a matéria elencada nos pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 9, que, assim, se mantém inalterada, improcedendo, nesta parte, o recurso do apelante.


2. Do direito.
O Réu, que admite expressamente haver celebrado com o Autor um contrato de crédito ao consumo – cfr. conclusão VII das suas alegações de recurso -, invoca a nulidade do contrato em causa por falta de objecto negocial.
Afirma, para tanto, que o valor do empréstimo que “o valor do empréstimo foi transferido da Autora para a sociedade A..., Lda”, acrescentando que “está mais do que provado que o Réu não adquiriu um qualquer veículo”.
Porém, ao contrário do afirmado pelo recorrente, não se acha demonstrado que não houve contrato de compra e venda.
De facto, tendo sido matéria por ele alegada, não resultou provado que o negócio não se concretizou, como ressalta do n.º 4 dos factos não provados, segmento decisório que o recorrente não impugnou, limitando-se a argumentar que não adquiriu o veículo para sustentar a invocada nulidade do contrato.
Tal como se extrai do acervo factual apurado nos autos, o Réu, depois de visitar um stand de automóveis, interessou-se por uma viatura, negociando a sua aquisição pelo preço de cerca de € 5.000,00, informando o vendedor que teria de recorrer a crédito bancário para pagar o preço.
Na altura a concretização da compra do veículo ficou pendente da aprovação do crédito, tendo então o Réu fornecido os seus dados de identificação e assinado vários documentos a submeter a instituição de crédito.
Também resulta comprovado que, em 23.06.2021, entre o Réu e o Autor foi celebrado um contrato de concessão de crédito, com o n.º ...02, através do qual este lhe concedeu um financiamento no valor de € 5.500,00, tendo o Réu se comprometido a restituir o capital, acrescido dos juros contratados à taxa de 11,5% e despesas e custo do seguro, em 60 prestações mensais, sendo as prestações no valor de € 119,37 .
O Réu procedeu ao pagamento das prestações devidas entre 1.08.2021 e Janeiro de 2022, omitindo o pagamento das demais, apesar de interpelado para proceder ao pagamento das prestações vencidas e não pagas.
O quadro factual descrito permite, sem esforço, concluir que o financiamento concedido ao Réu pelo Autor, por solicitação daquele, se destinou ao pagamento do preço de um veículo automóvel. Nestas circunstâncias, o valor do financiamento concedido não é entregue a quem o solicita, mas à entidade com a qual celebra o contrato de compra e venda, como forma de pagamento do respectivo preço, tendo o contrato de crédito[1] ao consumo sido celebrado com esse fim.
Nada nos autos permite concluir que o contrato de compra e venda do veículo automóvel, para cujo pagamento foi solicitado e concedido o financiamento, não tenha sido celebrado, existindo, pelo contrário, prova abundante de que o negócio em causa se concretizou.
A ausência de celebração do contrato não se confunde, naturalmente, com uma hipotética situação de incumprimento por parte do vendedor, situação que, a existir, teria de ser solucionada nos exactos termos apontados pela sentença recorrida, nunca podendo esse eventual incumprimento determinar a invalidade do contrato como alvitra o recorrente.
Imputa ainda o recorrente ao contrato que celebrou com o Autor vício de nulidade por não lhe ter sido entregue um exemplar ou duplicado do contrato e por este não ter cumprido a obrigação de informação e comunicação das cláusulas contratuais que o integram.
De acordo com o n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, no contrato de crédito “todos os contraentes, incluindo os garantes, devem receber um exemplar do contrato de crédito, sendo que, no caso de contratos de crédito celebrados presencialmente, o exemplar deve ser entregue no momento da assinatura do contrato de crédito”, sancionando o artigo 13.º, n.º 1 do mesmo diploma legal com a nulidade do contrato a falta daquele requisito.
No caso em apreço não se mostra comprovada a falta do requisito em causa, resultando indemonstrado que ao Réu não foi entregue um exemplar do contrato, não tendo a impugnação da decisão da matéria de facto incidido sobre o ponto 6.º dos factos não provados que, assim, se tem como definitivamente assente.
Afirma-se no Acórdão da Relação do Porto de 24.04.2008[2], “como é sabido, uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo é ele um número significativo de contratos - dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna - ser celebrado em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão, fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré formuladas por outrem.
Nesta noção, avultam três características essenciais: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez. São elas, as características que definem os contratos de adesão em sentido estrito.
Trata-se de contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou "condições gerais" previamente redigidas. Assim, a aludida pré-disposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, “ hoc sensu”, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas”.

E do Acórdão da mesma Relação de 17.02.2009[3] extrai-se: “as cláusulas contratuais gerais consubstanciam-se como estipulações predispostas ou predefinidas, em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco - sem negociação individualizada capaz de influir na modelação do respectivo conteúdo - ou possibilidade de alterações singulares. Pré-formulação, generalidade e imodificabilidade são, pois, as suas características essenciais. O que está em consonância com os propósitos de racionalização, certificação e uniformização que marcam a essência do fenómeno económico hodierno, no quadro da lógica, tipicamente empresarial, que recorre a este particular modo de contratação”.
A despeito dos aspectos críticos que possam apontar-se às cláusulas contratuais gerais, é indiscutível a sua crescente necessidade: a exigência de realização efectiva de negociações pré-contratuais - individualizadas - para a concretização de todos os contratos acarretaria um significativo retrocesso na actividade jurídico-económica, em que as necessidades de rapidez e de normalização ligadas às modernas sociedades técnicas impõem o recurso àquele tipo de cláusulas.
O Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro constitui a expressão de uma intervenção legislativa necessária à regulamentação, tão cuidada quanto possível, da questão das cláusulas contratuais gerais.
Em plena vigência deste diploma, emanou do Conselho Europeu a Directiva n.º 93/13/CEE, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, definindo o seu artigo 3º/1 como cláusula abusiva a que, não tendo sido objecto de negociação individual, e a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações decorrentes do contrato.
Segundo o n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com a redacção introduzida, entretanto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho, “As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.
Por sua vez, o n.º 2 do citado dispositivo determina que “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.
Do artigo 2.º do mencionado diploma retira-se que todas estas cláusulas ficam abrangidas por ele independentemente da sua forma de comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as enforme, e de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.
No domínio das cláusulas contratuais gerais não basta a sua aceitação. Como prescrevem os artigos 5.º, 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, exige-se que ao aderente tenham sido efectivamente comunicadas as cláusulas a que deva ou tenha aderido, que uma efectiva informação sobre as mesmas e a inexistência de cláusulas prevalentes.
Estabelece o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro:

1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

De acordo com o artigo 6.º do mesmo diploma:

1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

E dispõe o seu artigo 8.º:

Consideram-se excluídas dos contratos singulares:

a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;

b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;

[...].

No artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro surpreendem-se duas fases distintas: a primeira, a que se refere o n.º 1 do normativo em causa, respeita à emissão da proposta contratual, obrigando o emitente da mesma à comunicação integral das suas cláusulas; a segunda, reportada à recepção de tal proposta, e a que se refere o n.º 2, a determinar que a proposta seja apresentada de tal forma que “se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo” pelo aderente.

Desta forma, o critério a relevar para efeitos de cumprimento do dever de comunicação exigido pelo mencionado artigo 5.º afere-se pela adequação a um conhecimento, completo e efectivo, da proposta contratual pelo destinatário que use de comum diligência: “a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte”[4].

Todavia, como precisam Almeida Costa e Menezes Cordeiro[5], “o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável”.

Importa, porém, reter que “o recurso a cláusulas contratuais gerais não deve fazer esquecer que elas questionam, na prática, apenas a liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração.

Assim, elas incluem-se nos diversos contratos que as utilizem - os contratos singulares - apenas na conclusão destes, mediante a sua aceitação - artigo 4.º da LCCG: não são, pois, efectivamente incluídas nos contratos as cláusulas sobre que não tenha havido acordo de vontades.

As cláusulas contratuais gerais inserem-se no negócio jurídico, através dos mecanismos negociais típicos. Por isso, os negócios originados podem ser valorados, como os restantes, à luz das regras sobre a perfeição das declarações negociais: há que lidar com figuras tais como o erro, a falta de consciência da declaração ou a incapacidade acidental”[6].

Ainda segundo o mesmo autor, “o ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das cláusulas contratuais gerais residiu na condenação de situações em que, ao aderente, nem sequer haviam sido comunicadas as cláusulas a que era suposto ter aderido. Foi também a partir daqui que a doutrina iniciou uma elaboração autónoma sobre as cláusulas contratuais gerais. Temos, então, aqui em questão a análise dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação das cláusulas a inserir no negócio e de prestação dos esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada -o que já resultava do citado artº 227º, n.º 1 do CC."[7].

A autonomia da vontade só poderá ser validamente exercida se a vontade da parte aderente ao contrato estiver devidamente formada, o que pressupõe, desde logo, um completo conhecimento do respectivo clausulado.

Neste contexto, “os deveres de informação e de esclarecimento designadamente os relativos ao conteúdo contratual, sua composição e seu significado, assumem particular relevância quando se esteja perante dois sujeitos cujo poder negocial se apresente desequilibrado, revestindo então essas obrigações maior amplitude para aquela das partes que detenha uma posição negocial susceptível de lhe permitir impor à contraparte cláusulas, que esta, em consequência da sua debilidade contratual, não aperceba no seu integral significado ou de que, mais simplesmente, nem sequer tome conhecimento"[8].

Deve ser dada efectividade a esse dever de informação de molde a que o aderente tenha pleno conhecimento e compreenda o alcance das cláusulas pré-definidas pela outra parte antes de subscrever o contrato que a mesma lhe apresenta. Como afirma o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.02.2009[9], “o dever de comunicação a que alude o artigo 5.º do DL nº 445/85, de 25/10, consiste em ser disponibilizado ao aderente o texto do contrato, previamente à assinatura do mesmo, pelo período que ao caso se mostre mais adequado. O objectivo é o de possibilitar ao aderente uma análise de todas as cláusulas contratuais que não haja negociado directamente. Não se provando que determinadas cláusulas contratuais, apesar de inseridas numa rubrica intitulada “condições específicas”, tenham sido objecto de negociação prévia – e o respectivo ónus incumbe à parte que pretende prevalecer-se do seu conteúdo – ficarão as mesmas abrangidas pelo regime aplicável às cláusulas contratuais gerais, nos termos do artigo 1º, nº 3 do DL nº 446/85[10].

Os deveres de comunicação e de informação exigidos, respectivamente, pelo artigo 5.º e pelo artigo 6.º do aludido diploma complementam-se num escopo comum: a eficaz apreensão da proposta contratual pela parte aderente. As referidas obrigações complementam-se, revelando pontos de contacto comum.

Defende Menezes Cordeiro[11], a propósito do dever de informação, que “o cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias. Assim perante actos correntes e em face de aderentes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam; caberá, então, a estes demonstrar quais os óbices. Já perante um analfabeto, impõe-se um atendimento mais demorado e personalizado”.

O contrato que nos autos se discute acha-se devidamente assinado pelo recorrente.

Como elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2011[12], “a presença dos contratos assinados pressupõe que a recorrente os entendeu e, em conformidade com o disposto no artigo 6º, a exequente apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse e prestar os esclarecimentos solicitados. (…) o cumprimento do dever de comunicação a que se reporta o artigo 5º, basta-se com a entrega da minuta do contrato, contendo todas as cláusulas (incluindo as gerais), com a antecedência que seja necessária, em função da extensão e complexidade das mesmas, na medida em que, com a entrega dessa minuta, uma pessoa normalmente diligente tem a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exacta compreensão”.

É do senso comum que antes de se apor a assinatura num acordo escrito se deve proceder à sua leitura. É o mais elementar dever de diligência que assim o exige, sobretudo quando dele constem obrigações para quem a elas se vincula com uma assinatura que traduza a sua aceitação.

Observando esse dever de diligência, devia o Réu, para conscienciosamente decidir sobre a aceitação ou rejeição da proposta contratual do Autor traduzida no clausulado que o mesmo lhe apresentou, proceder à integral leitura do texto que o corporiza inteirando-se, assim, do seu conteúdo.

E se, não obstante essa leitura, subsistissem quaisquer dúvidas quanto ao real sentido de uma ou mais cláusulas da proposta negocial emitida pela entidade mutuante, podia/devia solicitar a esta os esclarecimentos necessários à dissolução de tais dúvidas, a qual teria de os prestar, por a tal onerada pelo dever de informação.

Não resulta minimamente demonstrado nos autos, nem o Réu sequer o invoca, que haja solicitado qualquer informação ou esclarecimento ao Autor acerca do conteúdo do contrato e que este se haja negado a fornecê-los.

De acordo com o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2011, “se o dever de comunicação de cláusulas contratuais gerais se destina a proteger o outorgante mais fraco dos abusos da parte mais forte e com maior poder económico, combatendo o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato que vai ser celebrado, certo é também que o risco de desconhecimento de algumas cláusulas do contrato não decorre apenas do incumprimento do dever de comunicação, o qual também pode decorrer da falta de diligência da parte que vai aderir às referidas cláusulas, como sucede no caso da parte que assina um contrato contendo essas cláusulas sem ter qualquer preocupação sobre o conteúdo do documento que está a assinar.

E se, na primeira situação, se justifica plenamente a protecção da parte mais fraca, o mesmo não acontece na segunda situação, já que o objectivo do legislador foi apenas o de proteger a parte mais fraca de eventuais abusos da parte mais forte e não o de proteger a parte mais fraca da sua falta de diligência.

Embora considerando que o aderente está numa situação de maior fragilidade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas, (por isso lhe concedendo protecção), o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas.

Daí que o contratante não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência, como acontece nas situações em que o contraente foi colocado em posição de conhecer essas cláusulas e assina sem ler o que estava a assinar e sem ter qualquer preocupação de se assegurar do respectivo teor”.

Ao recorrente foi facultado, antes da assinatura que nele veio a apor, o impresso com o texto das cláusulas contratuais a que aderiu, subscrevendo-as.
No decurso do processo formativo do contrato não lhe foi negada a possibilidade de se poder inteirar de todo o seu conteúdo, o que facilmente poderia alcançar por meio da leitura atenta das suas cláusulas e da obtenção de esclarecimentos adicionais que permitissem desvanecer eventuais dúvidas que o pudessem assaltar,
De resto, o recorrente não se limitou a subscrever o contrato de crédito que celebrou com o Autor, apondo igualmente a sua assinatura no documento intitulado “Declaração”, junto pelo Autor como documento 13, do qual consta, designadamente, que “Os Clientes e os Garantes declaram para os devidos efeitos que lhes foram prestadas todos os esclarecimentos relativos à realização da operação de crédito.
O Cliente declara ainda que lhe foi entregue, previamente à celebração do contrato, a FIN – Ficha de Informação Normalizada em Matéria de Crédito a Consumidores, da qual constam [...] todas as informações relativas à proposta de crédito, que leu e assinou antes de assinar qualquer outra documentação.
Os Clientes e Garantes declaram, ainda, que lhes foi entregue um exemplar do contrato, cujas condições lhes foram esclarecidas, e que estes leram e conhecem”.
Tendo o Réu assinado tal declaração, assim como o contrato que veio a celebrar com o Autor, assinando ainda documento relativo a autorização de débito directo para pagamento das prestações devidas, assim como a livrança em branco que entrega como garantia da dívida e o documento em que anexa o referido título de crédito, não é aceitável, porque contrário às regras da normalidade, que lhe tivesse sido sonegada informação acerca das cláusulas contratuais gerais a que aderiu.
Como se retira da sentença sob recurso, “analisado o referido contrato verifica-se que as cláusulas específicas e gerais do mesmo constantes, mormente a menção à TAEG, o montante mutuado, o valor da prestação mensal a pagar, o valor total das prestações, a duração do contrato, a taxa de juro aplicável, a data de vencimento de cada uma das prestações são inequívocas para qualquer pessoa minimamente diligente não resultando dos factos alegados que o Réu o não seja”.
Não deixa, também a propósito, de se mostrar reveladora a circunstância de o Réu haver cumprido pontualmente o contrato até Janeiro de 2022, e só após incorrer em incumprimento e ao ser demandado judicialmente para solver o valor da dívida haver constatado falta de informação e/ou comunicação das cláusulas contratuais gerais que antes aceitara sem quaisquer reservas.
Assim se conclui não ter o Autor violado qualquer dever de informação e/ou de comunicação que tinha para com o Réu, não padecendo o contrato, com esse fundamento, de qualquer vício de nulidade.
Finalmente, não colhe a argumentação constante da conclusão XXXIV, face à factualidade vertida nos pontos 4.º a 12.º da matéria elencada como provada na sentença recorrida.
Como precisa a mesma sentença, “Conforme resultou provado o Réu foi integrado em PERSI, tendo o procedimento sido extinto por falta de resposta. Ademais, por iniciativa da Autora, o contrato foi resolvido por incumprimento definitivo do Réu tendo-lhe concedido, previamente, um prazo suplementar para proceder ao pagamento das prestações em atraso, com expressa advertência dos efeitos da resolução do contrato. Nestes termos, operada a resolução do contrato impõe-se ao Réu a restituição do capital mutuado, acrescido dos juros remuneratórios vencidos até ao incumprimento definitivo do contrato. Note-se que a carta de resolução foi enviada para morada do Réu pelo que, ainda que não tenha sido recepcionada, a resolução não deixa de operar os seus efeitos, conforme resulta do artigo 224º, do Código Civil.
À data da resolução encontrava-se em divida: o capital e juros remuneratórios calculados até à data do incumprimento definitivo no montante de 5.998,91 €”.
Conclui-se, assim, não merecer reparo a sentença recorrida, sendo, por isso de manter, improcedendo, consequentemente, a apelação.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam as juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso do apelante AA, confirmando a sentença recorrida.

Custas – pelo apelante: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 8.05.2025

Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.

Judite Pires

Isabel Peixoto Pereira

Isabel Silva



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[1] Na definição legal do artigo 4.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho trata-se do “contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante
[2] Processo nº 0832041, www.dgsi.pt.
[3] Processo nº 0827638, www.dgsi.pt.
[4] Almeno de Sá, “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, pág. 60.
[5] “Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 25.
[6] Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 1998, págs. 427 e 428.
[7] "Tratado de Direito Civil Português", vol. I, pág. 370.
[8] Ana Prata, "Notas sobre responsabilidade pré-contratual", Almedina, pág. 51.
[9] Processo nº 10941/08, www.dgsi.pt.
[10]Cf. ainda Acórdão da Relação do Porto, 22.06.2009, www.trp.pt/jurisprudenciacivel, e da mesma Relação, de 24.04.2008, www.dgsi.pt.
[11] “Manual de Direito Bancário”, pág. 429.
[12] Processo nº 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, www.dgsi.pt.