ARRENDAMENTO HABITACIONAL
PRAZO
RENOVAÇÃO
Sumário

I - O prazo de renovação do contrato de arrendamento consignado no nº 1 do art.º 1096º, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, tem natureza imperativa.
II - Os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos.

Texto Integral

Apelação nº 12776/24.5T8PRT.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado

1. AA instaurou ação contra BB, peticionando:

a) deverá a Ré ser condenada a reconhecer que a Autora é proprietária e legítima possuidora da fração autónoma sita no 3º (terceiro) andar direito, com entrada pelo número ... da Rua ..., em ..., Porto, identificada no artigo 1º desta petição inicial;

b) deverá a Ré ser condenada a reconhecer que o contrato de arrendamento que existiu entre as partes cessou no dia 30 de Junho de 2024 - por oposição à renovação – caducidade.

c) deverá a Ré ser condenada, por força da oposição à renovação do contrato de arrendamento, a entregar à Autora, livre de pessoas e bens, a fração autónoma sita no 3º (terceiro) andar direito, com entrada pelo número ... da Rua ..., em ..., Porto, identificada no artigo 1º desta petição inicial;

d) deverá, também, a Ré ser condenada pela ocupação, posse ilegítima e pela demora na restituição da fração autónoma em causa, que vem fazendo desde 30 Junho de 2024, a pagar à Autora a quantia mensal da renda que anteriormente pagava – 400,00 € -, a partir dessa data, até à entrega da mesma à Autora, elevada ao dobro, face à mora, nos termos do artigo 1045º, nº 2, do Código Civil, a que acrescem juros legais vencidos e vincendos, até integral pagamento, desde a citação.

Como fundamento de tais pedidos alegou que, sendo proprietária do imóvel em causa, o deu de arrendamento à Ré para habitação própria, em 01/07/2020, com termo em 30/06/2023, prorrogável por um ano. Por carta registada com Ar, a Autora notificou a Ré não pretender a renovação, denunciando-o com efeitos a partir de 30/06/2024. A Ré não entregou o imóvel.

Em contestação, a Ré considerou que o prazo de renovação se deve considerar por 3 anos face ao disposto no art.º 1096º nº do Código Civil (CC), razão pela qual a denúncia não é eficaz.

A Autora ainda replicou. Após ouvidas as partes, o Mm.º Juiz entendeu reunirem os autos todos os elementos pelo que passou a conhecer do mérito.

Assim, em saneador-sentença, julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões:
A) Na douta sentença relativamente à interpretação do artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, é referido na douta sentença que, “Em nossa opinião, a melhor interpretação a dar a tal preceito legal e que se quadra com o sistema unitário jurídico do arrendamento, é o de que, sendo acordado contratualmente renovado do contrato de arrendamento, esta se efetuará pelo período mínimo de três anos, pelo que o contrato efectuado entre as partes, tendo sido renovado, ainda se encontra neste momento em vigor (por ter sido renovado por três anos).”
B) Alicerçando tal opinião na invocação de doutos Acórdãos e na impossibilidade do senhorio não poder deduzir oposição à renovação do contrato de arrendamento nos três primeiros anos de vigência do mesmo, nos termos do artigo 1097º, nº 3, do Código Civil.
C) “Concluindo, tendo o contrato de arrendamento aqui em causa nestes autos a duração inicial de três anos, com início em 01 de Julho de 2020 e com termo em 30 de Junho de 2023, tendo-se renovado ao fim daquele período de três anos, o prazo de renovação aplicável é o determinado pela nova redação do art. 1096º nº 1 do Código Civil, ou seja, por mais três anos, mantendo-se ainda em vigor, nesta data”, decidindo julgar a ação improcedente.
D) Tal decisão tem por base a interpretação do artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, com base que o contrato de arrendamento, findo o seu período inicial, é renovado por períodos obrigatórios de três anos, mesmo que as partes tenham estipulado em contrário prazo mais curto, embora aceite e cite que há quem defenda que o prazo de renovação pode ser inferior a três anos, refere outras opiniões em sentido contrário.
E) Salvo o devido respeito, a douta sentença que deliberou julgar improcedente a presente ação, absolvendo a Ré dos pedidos de caducidade do contrato de arrendamento e consequente entrega das frações em causa, decorre duma incorreta interpretação e aplicação do n°1 do artigo 1096° do Código Civil, é injusta e ilegal, porque o contrato de arrendamento foi celebrado livremente entre as partes e validamente, a prazo certo nos termos do artigo 1095° do Código Civil, pelo prazo de três anos renovado por períodos sucessivos de um ano enquanto não for denunciado por qualquer uma das partes.
F) A douta decisão recorrida assenta a absolvição da Ré exclusivamente na ideia de que a alteração do n° 1 do artigo 1096° pela Lei n° 13/2019, de 12 de Fevereiro, na vigência do período inicial de três anos do contrato, impede que as partes estejam vinculadas aos termos do contrato que subscreveram, isto é, impede que a sua renovação tenha ocorrido por apenas um ano, sufragando o raciocínio de uma parte da doutrina que entende que a supletividade da norma "se verifica apenas quanto as partes não tenham convencionado a exclusão da renovação", cuja interpretação de tal norma não se nos afigura correta.
G) Por carta datada de carta datada de 06 de Fevereiro de 2024, remetida pela Autora à Ré, foi-lhe comunicado que nos termos do artigo 1097° do Código Civil a oposição à renovação subsequente do contrato, não pretendendo a prorrogação do contrato de arrendamento em causa, com denúncia do mesmo para o dia 30 Junho de 2024.
H) A decisão recorrida não explica o salto lógico que seria necessário para fundamentar, sem qualquer apoio na letra da lei, nem no seu espírito, que uma norma que contém uma clara identificação da sua supletividade seria efetivamente supletiva na situação que conferiria menor proteção ao arrendatário (dando às partes a possibilidade de afastarem qualquer renovação) mas imperativa naquela que sempre lhe conferiria proteção, impedindo a renovação do contrato nos termos definidos pelas partes.
I) "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso." – artigo 9°, nº 2, do Código Civil.
J) O contrato esteve vigente por mais de três anos, estando, portanto, ultrapassado o período mínimo de vigência dos contratos de arrendamento urbano destinado à habitação passíveis de renovação, consagrado no nº 3 do artigo 1097° do Código Civil, pelo que a correta interpretação do regime legal vigente impõe considerar que a oposição à renovação do contrato por mais um ano produziu efetivamente efeitos.
K) Interpretando, da forma que nos impõe o artigo 9° do Código Civil, o n° 1 do artigo 1096° do mesmo diploma, ensina Jorge Pinto Furtado que "Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se renovações de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual. Cremos, portanto, e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender..." (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, página 579)
L) "Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes - e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise - cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas - um pacote de "pegar ou largar" (...)" (Jéssica Rodrigues Ferreira, Análise das principais alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-iessica-ferreira 1584.pdf)
M) Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano - Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente - Almedina - 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.° do Código Civil) entende que "...as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão (...)”
N) De igual modo, também Isabel Rocha e Paulo Estima, em “Novo Regime do arrendamento Urbano”, 5ª edição, da Porto Editora, em notas ao artigo 1096º do Código Civil, a páginas 285 e 286, refere que “o prazo de renovação automática prevista na falta de outro prazo supletivo, uma vez que a norma refere que tal prazo se aplica na falta de outro prazo contratualmente previsto, Assim, podem as partes celebrar, por exemplo, um contrato de arrendamento habitacional pelo prazo de 4 anos, mas renovável automaticamente por períodos de 1 ano”.
O) Na vigência da versão da norma em apreciação decorrente da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, onde se previa que "Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração...", também nada impedia que as partes previssem um período para a renovação diferente do período inicial do contrato, vincando a ideia de total supletividade da norma que lhe é dada pela expressão inicial, a qual não sofreu alteração, mantendo-se atualmente o mesmo regime, em que prevalece disposição contratual expressa sobre a matéria ali prevista.
P) Entre outros é o entendimento do Acórdão da Relação de Lisboa, referente ao processo nº 8851/21.6T8LRS.L1-6.
Q) "Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica." (Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 04 de Maio de 2011, processo n° 4319/07.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que nenhum destes elementos lógicos permitem que a correta interpretação da norma sub judice seja feita nos termos em que a faz o Tribunal a quo.
R) A interpretação feita pela decisão recorrida parece ter ignorado a dimensão literal da norma e os seus elementos histórico e sistemático, a pretexto de um alegado elemento teleológico que falece por vários motivos, entre os quais o facto de tal norma não constar sequer da proposta de lei (n° 129/XIM) quando foi enunciada a respetiva exposição de motivos, não podendo, portanto, justificar-se a existência daquela com a sua essencialidade para o cumprimento destes.
S) No douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, relativa ao processo nº 3223723.0T8VNG.P1, 2ª Secção, em que é relator o Desembargador Rui Moreira e adjuntos os Desembargadores Artur Dionísio dos Santos Oliveira e Anabela Dias da Silva, é referido em sumário:
“A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu.”
T) Em igual sentido no processo nº 19506/21.1T8PRT-A.P1 da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em que é relatora a Desembargadora Ana Paula Amorim e adjuntos os Desembargadores Manuel Fernandes e Miguel Baldaia de Morais, confirmado no Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 19506/21.1T8PRT-A.P1.S1, da 7ª Secção.
U) A decisão recorrida é ilegal, violando o artigo 9° e, consequentemente, os artigos 1080°, 1096° n°1 e 3, e 1097° n°3, todos do Código Civil.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando a douta sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação do contrato de arrendamento por parte da senhoria) e, consequentemente condene a Ré nos pedidos formulados, sendo assim feita JUSTIÇA.

3. A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

4. OS FACTOS

Na douta decisão foi considerada a seguinte factualidade:

1. A autora, AA, é proprietária e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “R”, a que corresponde o 3º (terceiro) andar direito, com entrada pelo número ... da Rua ..., em ..., Porto, que faz parte do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., números ... a ..., em ..., Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ...-R, da freguesia ..., concelho do Porto, inscrita na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho do Porto, sob o artigo ...-R;

2. A autora, bem como os ante possuidores, há mais de 20, 30, 40 ou mesmo 50 anos, efectuam obras, celebram contratos de arrendamento, recebem rendas, pagam impostos, relativamente a esta fracção autónoma, de forma contínua, sem oposição de quem quer que seja, comportando-se a Autora como dona daquele imóvel e como tal sendo reconhecida;

3. Por documento particular de 01 de Julho de 2020, denominado de “contrato de arrendamento urbano habitacional com prazo certo”, a autora deu de arrendamento à ré, BB, a fração autónoma identificada (doc. junto aos autos);

4. O contrato de arrendamento foi celebrado para a habitação com prazo certo, nos termos dos artigos 1095º a 1098º do Código Civil, pelo prazo de 3 anos, com início em 01 de Julho de 2020 e com termo no dia 30 de Junho de 2023, considerando-se prorrogado por períodos de 1 ano, enquanto não fosse denunciado nos termos legais (mesmo doc.);

5. Foi acordada a renda anual de 4.200,00 € (quatro mil e duzentos euros), ser paga mensalmente em duodécimos de 350,00 € (trezentos e cinquenta euros), no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar, através de transferência ou depósito bancário para a conta cujo NIB consta do contrato de arrendamento;

6. O local arrendado destinava-se exclusivamente à habitação da inquilina (mesmo doc.);

7. Por documento particular de 01 de Julho de 2023, denominado de “aditamento ao contrato de arrendamento”, a autora e a ré acordaram que, relativamente ao contrato de arrendamento acima identificado, a renda mensal fosse actualizada para 400,00 € (quatrocentos euros), a partir da que se venceu em no dia 01 de Julho de 2023, mantendo inalterado o restante clausulado (doc. junto aos autos);

8. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 06 de Fevereiro de 2024, a autora comunicou à ré, que relativamente ao contrato de arrendamento acima referido, não pretendia a renovação do contrato de arrendamento em causa, nos termos do artigo 1097º, do Código Civil, pelo que o denunciava com efeitos para o dia 30 de Junho de 2024, data em que a mesma fracção autónoma arrendada deveria ser entregue livre de pessoas e bens (doc. junto aos autos);

9. Tal carta endereçada pela autora foi recepcionada pela ré;

10- A ré não entregou à autora a fracção autónoma em 30 de Junho 2024, continuando a ocupar a mesma, contra a vontade da Autora, recusando-se a entregá-la;

11. A autora interpelou a ré para que entregasse a habitação, sem sucesso.

5. Apreciando o mérito do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

No caso, trata-se de apurar da natureza, imperativa ou supletiva, do prazo de renovação contemplado no art.º 1096º nº 1 do Código Civil (CC), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02.

Decidindo:

§ 1º - A situação remete-nos para o domínio da teoria da interpretação das leis — “interpretar uma lei é definir-lhe o conteúdo normativo, quer no seu núcleo essencial, quer nos seus desenvolvimentos marginais. É desvendar-lhe a significação e alcance, para o efeito da sua aplicação” [[1]] — pelo que há que nos socorrermos das regras da interpretação da lei, por recurso aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico: art.º 9º do CC.

De acordo com a técnica hermenêutica, o primeiro elemento a considerar deve ser o lógico-gramatical: não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra e no espírito da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso e, como refere Baptista Machado [[2]], «(…) o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento».

O nº 1 do art.º 1096º, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, dispõe assim:

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

Em termos de perceção da significação pelo destinatário, que é o objetivo da linguagem, como regra, a conjunção “ou” indica alternativa (uma coisa ao invés de outra).

É certo que essa conjunção pode ter o significado de coordenativa, tal como o “e”; mas tal só acontece quando se ligam dois termos ou duas orações de idêntica função. Não nos parece ser aqui o caso, pois a expressão afigura-se-nos excludente: “ou de três anos se esta for inferior”. Faz-se apelo a duas realidades diversas em termos temporais, de igual ou inferior.

Ainda em termos lógico-gramaticais, é de entender que quando o legislador altera uma qualquer lei ou preceito é porque pretende a sua alteração, introduzindo-lhe uma qualquer novidade.

Ora, olhando à redação do art.º 1096º imediatamente anterior — 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. — constata-se que a alteração residiu na introdução da expressão “ou de três anos se esta for inferior”, pelo que o sentido lógico e útil dessa alteração só pode ser o de se ter pretendido que o período de renovação seja por um mínimo de 3 anos.

Doutra forma, oferece-se-nos que a introdução dessa expressão seria absolutamente inócua, posto que o período da renovação já teria sido considerado pelas partes. A considerar-se a natureza supletiva, então já estava pré-determinado pelas partes (um ano, dois, seis meses… de duração do contrato), bastando-lhes referir a possibilidade de renovação. Não havia qualquer necessidade de referir os 3 anos.

E não se diga que o referente da expressão “ou de três anos se esta for inferior” se reporta ao início do preceito (“salvo estipulação em contrário”), no sentido de as partes nada terem estipulado sobre a renovação.

Na verdade, atendendo ao elemento sistemático [[3]] e da unidade e coerência do sistema jurídico [[4]], terá de se ter em atenção que em matéria de arrendamento para habitação, é sabido que a lei nunca concedeu total autonomia de vontade às partes, mesmo depois de abandonado o regime vinculístico.

Daí que não possamos concordar com a tese que considera que o art.º 1096º “estabelece apenas uma regra para o caso de nada ter sido previsto quanto à renovação, dizendo que esta ocorre pelo período estabelecido no contrato para a duração inicial, ou por 3 anos, se aquela duração for inferior” [[5]].

Desde logo há que contar com a “Divisão II”, em que temos um único preceito, o art.º 1094º, regulando sobre a duração do contrato, permitindo às partes que optem por um prazo certo ou por duração indeterminada (nº 1) [[6]]; que no caso de prazo certo se possa convencionar que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada (nº 2) e, por fim, prevenindo o “silêncio das partes”, situação em que o contrato se considerará, não por tempo indeterminado, mas como um contrato com “prazo certo, pelo período de cinco anos” (nº 3).

Ou seja, mesmo quando as partes nada referem sobre a duração do contrato, ele não passa a duração indeterminada, antes se considera um prazo certo de 5 anos.

Depois, na sistemática, aparece a “Subdivisão I, Contrato com prazo certo”, regulando exclusivamente para os contratos em que as partes estipularam um prazo.

E é aqui que se insere o art.º 1096º.

E, mais uma vez, a lei impõe limites ou balizas. Desde logo, o art.º 1095º, determinando que, querendo as partes estipular um “prazo certo”, terão de o fazer entre um mínimo de um ano e um máximo de 30 anos.

Ou seja, “no momento” do art.º 1096º já está ultrapassada a fase da decisão dos contratantes por um prazo certo ou por um indeterminado.

Quanto à previsão (ou não) da renovação, a nosso ver, o nº 1 do art.º 1096º tem de ser lido em articulação com o nº 2 do art.º 1094º que preceitua que, mesmo no caso dum contrato com prazo certo, “pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada”.

E teríamos então que “salvo estipulação em contrário” — ou seja, ressalvada a hipótese dum contrato com prazo certo em que se convencionou que, após a primeira renovação, o arrendamento passava a duração indeterminada (art.º 1094º nº 2), caso em que já não estaríamos nas hipóteses de renovação —, então “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior” (nº 2 do art.º 1096º).

Donde, estamos em crer que a expressão “salvo estipulação em contrário” não pode estar a referir-se ao caso dos contratos por prazo indeterminado ou sem prazo pois que o art.º 1096º está do ponto de vista sistemático inserido na Subdivisão I, que só regula para os contratos com prazo certo.

Em termos teleológicos, trata-se de fazer apelo ao fim visado pelo legislador, ao bem jurídico protegido e aos valores que se pretendem defender.

Ora, se atendermos aos projetos de lei que antecederam a Lei nº 13/2019, vemos ter existido sempre a preocupação de estabilidade e alguma proteção do inquilino na questão da habitação: “combate à precariedade no arrendamento habitacional” (Projeto de Lei nº 847/XIII/3, do BE); “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio na posição dos arrendatários e dos senhorios, a reforçar a segurança e estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade” (Proposta de Lei nº 129/XIII/3, do Governo); “aperfeiçoamento do balcão nacional do arrendamento e atribuição de novas soluções sociais” (Projeto de Lei nº 1043/XIII/4, do PSD).

E essas preocupações mostram-se refletidas ao estipular-se um prazo mínimo imperativo de 3 anos.

§ 2º - Em abono da interpretação da redação atual deste nº 1 do art.º 1096º do CC, refere Maria Olinda Garcia:

«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.

Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9.». (negritos nossos) [[7]] [[8]]

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça: «O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.» [[9]]

§ 3º - Por fim, rebatendo a argumentação expendida no acórdão da Relação de Lisboa de 10/01/2023, processo 1278/22.4YLPRT.L1-7, citamos aqui o que se escreveu no acórdão desta Relação do Porto de 15/06/2023, processo nº 944/22.9T8VCD.P1, em que fomos 2ª Adjunta:

«O argumento a maiori ad minus não vale aqui porque uma coisa é o arrendatário saber à partida que o contrato não se renova e, portanto, saber antecipadamente de que vai ter necessidade de encontrar nova habitação para o final do prazo estipulado no contrato (i.e., sabe logo quando vai ter essa necessidade) e, outra coisa é ele saber que o contrato se renova mas estar nas mãos do senhorio decidir unilateralmente se a renovação ocorrerá realmente (por efeito da oposição à renovação), caso em que o arrendatário não só não tem a estabilidade de saber com o que conta, como pode, se a renovação for por curto período, encontrar-se perante a necessidade de arranjar nova habitação num curto espaço de tempo, o que pode ser difícil (como presentemente é público).

Sendo assim justifica-se que a lei deixe na disposição das partes acordar a renovação do contratou ou afastá-la, mas também se justifica que tendo havido acordo sobre a renovação a lei limite de algum modo o período de duração da renovação para impedir a instabilidade que advém para o arrendatário e os riscos que ele corre de se encontrar, por força do exercício do direito potestativo do senhorio de oposição à renovação, confrontado com a necessidade de num curto espaço de tempo arranjar nova habitação (e se ele é arrendatário, o normal será que necessite novamente de recorrer a esse mercado para arranjar habitação). O facto de se poder o mais não significa nessas circunstâncias que se possa o menos porque a situação criada não é afinal um menos, pode bem ser um mais de instabilidade.

Todas as normas que se ocupam dos períodos de duração do contrato e/ou das suas renovações, do direito de oposição à renovação, dos prazos para o exercício desse direito e dos prazos em que o contrato se extingue são normas que visam proteger a posição do inquilino e a estabilidade do arrendamento, conforme pretendia a Lei nº 13/2019, recordando-se que não é por acaso que ela é de 2019, momento em que no mercado imobiliário em Portugal se observava já uma preocupante falta de acesso ao comum dos cidadãos, face ao montante que atingiram os valores das rendas e os preços de aquisição. Nessa medida, não é por essa preocupação ter conduzido também à alteração do n.º 3 do artigo 1097.º que a alteração do n.º 1 do artigo 1096.º deixa de visar a mesma finalidade do legislador e de a tornar viável.

É verdade que a soma das duas normas faz com que o n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil seja aparentemente pouco útil, uma vez que se as partes estipularem a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (período mínimo inicial imperativo de um ano, mais a renovação imperativa de três anos). Todavia, se bem vimos, o que há aqui é uma falta de utilidade da norma, não uma contradição

§ 4º - O contrato aqui em causa foi outorgado em 01/07/2020, portanto, já em plena vigência do nº 1 do art.º 1096º, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02. Foi-o pelo prazo certo de 3 anos, prorrogável por períodos de um ano.

Assim, face ao entendimento que acabamos de referir, o contrato perdurou até 30/06/2023. Nada tendo sido dito, a 1ª renovação iniciou-se em 01/07/2023, por a 1ª renovação ser imperativamente de 3 anos.

Assim, a oposição à renovação efetuada em 06/02/2024 foi inválida e ineficaz, dado que o contrato se mantém em vigor até 30/06/2026.

E, daí, a improcedência da apelação.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)

………………………………

………………………………

………………………………

III. DECISÃO

7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da Apelante, face ao decaimento.


Porto, 08 de maio de 2025
Isabel Silva
Isoleta de Almeida Costa
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho [com o seguinte voto de vencido:
«Conforme decidido no acórdão proferido no Processo nº1064/24.7YLPRT.P1, do qual fui adjunto (publicado em www.dgsi.pt), e pelas razões aí exaradas, perfilhamos o entendimento de que a norma constante do art. 1096º, nº 1, do Código Civil, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva, mesmo na sua redacção actual, introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12/02.»]
_______________
[[1]] Manuel de Andrade, “Sentido e Valor da Jurisprudência”, separata do Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLVIII, 1973, pág. 20.
[[2]] “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 13ª reimpressão, pág. 182.
[[3]] Postulando que os preceitos legais não podem ser encarados isoladamente, quer desgarrados do contexto da lei em que se inserem, quer dos diplomas ou institutos que dispõem sobre a mesma ou idêntica realidade social.
[[4]] Como refere Baptista Machado, obra citada, pág. 197: ««Quer isto dizer que toda a ordem jurídica assenta num transfundo de princípios ordenadores ou decisões fundamentantes e se legitima pela referência (expressa ou implícita) a valores jurídicos fundamentais que lhe conferem a unidade e coerência de um “sistema intrínseco” do qual são eliciáveis critérios orientadores que tornam possível a adaptação do ordenamento a novos problemas e situações.»
[[5]] Acórdão do TRL de 18/04/2024, processo nº 2197/23.2YLPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[[6]] Donde resulta que o regime vinculístico pode persistir, agora por vontade das partes e não por imposição legal.
[[7]] Artigo intitulado “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in revista Julgar online, março de 2019, pág. 11-12, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf
[[8]] Em sentido contrário, Jessica Rodrigues Ferreira, artigo “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Eletrónica de Direito (RED), fevereiro de 2020, nº 1 (VOL. 21), pág. 82 e seguintes, bem como os Autores aí referidos, em nota (13), disponível em https://cij.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf.
[[9]] Acórdão de 17/01/2023, processo nº 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro de Lima Gonçalves. No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 20/09/2023, processo nº 3966/21.3T8GDM.P1.S1, relator Jorge Leal, bem como acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2023, processo nº 3934/21.5T8STB.E1, relatora Maria Adelaide Domingos e acórdão da Relação de Guimarães, de 08/04/2021, processo nº 795/20.5T8VNF.G1, relatora Rosália Cunha.
Em sentido contrário, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/01/2023, processo nº 1278/22.4YLPRT.L1-7, relator Luís Filipe Sousa e de 17/03/2022, processo 8851/21.6T8LRS.L1-6, relator Nuno Lopes Ribeiro.