DOAÇÃO DE BENS MÓVEIS
FORMA
DEPÓSITO BANCÁRIO
SOLIDARIEDADE
Sumário

I - Se a doação tem por objecto bens móveis, a lei exige a forma escrita, a menos que ocorra a tradição da coisa concomitantemente ao acto.
II - O regime da solidariedade estabelecido no domínio das relações externas entre os depositantes e o banco rege-se pelos acordos estabelecidos aquando da abertura de conta e não se confunde com a propriedade dos valores monetários depositados, que podem pertencer a todos os depositantes (em partes iguais ou em diversa proporção) ou apenas a um ou alguns dos depositantes.
III - No domínio das relações internas entre os depositantes só se não for apurada a propriedade dos valores monetários serão aplicáveis as regras constantes dos artºs 513º e 516º do C.C, presumindo-se que os saldos nela depositados ou aplicados pertencem em partes iguais aos seus titulares.

Texto Integral

Processo nº 10193/21.8T8PRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto - Juiz 4
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador: Dr(a). Isabel Peixoto Pereira
2º Adjunto Juiz Desembargador: Dr(a). Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira

*
Sumário
………………………………
………………………………
………………………………
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

Nestes autos de inventário que o interessado AA, requereu contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, para partilha de herança aberta por óbito de KK foi nomeado cabeça de casal BB,
O cabeça de casal, apresentou relação de bens integrantes do acervo hereditário da inventariada, na qual relacionou as seguintes verbas (para a parte relevante para a decisão do recurso):
“Verba nº 4
Deposito à ordem existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta à Ordem com o número ..., cujos titulares são KK, BB e CC, cujo saldo à data do óbito, apresenta para cada um dos três titulares, o valor de 27.394,80€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça-de-casal reconhece para a partilha a ter lugar neste processo de Inventário) e no concreto valor de 9.131,60€
Verba nº 5
Deposito a prazo, existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta Poupança com o número ..., cujos titulares são KK, BB e CC, cujo saldo à data do óbito apresenta o valor 69.201,81€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça de casal reconhece para partilha, a ter lugar neste processo de Inventário) e no valor de -- 23. 067,27€”.
No dia 15-03-2022, o recorrente apresentou reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, na qual requereu, quanto às contas bancárias identificadas sob as verbas n.ºs 4 e 5 da relação de bens, que as mesmas fossem relacionadas pela totalidade do saldo nelas existentes à data do óbito da inventariada.
Tendo apresentado em resumo reclamação os seguintes termos: «…Nos autos supra referenciados, vem o interessado AA, Apresentar, nos termos do disposto o artigo 1104.º do Código do Processo Civil, reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, o que faz nos seguintes termos:
I - Das verbas n.º 4 e 5 do activo da relação de bens:
O cabeça de casal, sob as verbas 4 e 5 do activo da relação de bens, identifica a existência de duas contas bancárias cujo saldo, alega, pertencerá, em parte, na proporção de 1/3, à herança da inventariada.
Entende, no entanto, o reclamante, e ao contrário do alegado pelo cabeça de casal, que pertence à referida herança não apenas 1/3 do saldo das aludidas contas mas antes a sua totalidade, como de seguida se demonstrará.
Identifica o cabeça de casal sob a verba n.º 4 e 5 do activo da relação de bens:
Verba nº 4
Deposito à ordem existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta à Ordem com o número ..., cujos titulares são KK, BB e CC, cujo saldo à data do óbito, apresenta para cada um dos três titulares, o valor de 27.394,80€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça-de-casal reconhece para a partilha a ter lugar neste processo de Inventário) e no concreto valor de ------9.131,60€.
Verba nº 5
Deposito a prazo, existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta Poupança com o
número ..., cujos titulares são KK,
BB e CC, cujo
saldo à data do óbito apresenta o valor 69.201,81€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça de casal reconhece para partilha, a ter lugar neste processo de Inventário) e no valor de ---------------------------------------------------23.067,27€.
Embora o cabeça de casal não o refira expressamente, admite o reclamante que a alegação de que o valor do saldo das aludidas contas bancárias apenas pertence à herança da inventariada na proporção de 1/3 daquele saldo, resultará do disposto no artigo 516.º do Código Civil, o qual estabelece que no domínio das relações internas entre os credores, presume-se que os credores solidários participam no crédito em partes iguais.
Esta presunção enunciada no referido normativo constitui, no entanto, uma presunção juris tantum que, como tal, pode ser afastada se, no caso, for provado que o saldo de cada uma das contas bancárias enunciadas na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal resulta, como defende o reclamante, de depósitos de dinheiro da exclusiva propriedade de um dos titulares da conta, neste caso da inventariada, e não de todos os seus titulares.
Na verdade, é do conhecimento do reclamante que todos os depósitos efectuados nas contas bancárias identificados sob as verbas n.º 4 e 5 do activo da relação de bens correspondem a dinheiro exclusivo da inventariada, porquanto:
a) os depósitos efectuados na conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 têm a sua origem exclusiva em pagamentos efectuados pela Segurança Social de quantias de que inventariada era beneficiária, bem como no pagamento efectuado pelos arrendatários das rendas que por eles eram devidas à inventariada relativas aos prédios a ela
tomados de arrendamento; e b) os depósitos efectuados na conta de depósitos a prazo identificada sob a aludida verba n.º 5 têm a sua origem exclusiva em transferências efectuadas a partir da conta de depósitos à ordem identificada na verba n.º 4.
Além do mais, todos os levantamentos e pagamentos efectuados a partir das contas bancárias enunciados nas verbas n.º 4 e 5 do activo da relação de bens foram realizados para fazer face a despesas da inventariada, nomeadamente, inicialmente para aquisição de produtos por ela utilizados no seu dia-a-dia, bem como para pagamento de serviços tais como electricidade, água ou telecomunicações, e mais tarde, após o ingresso da
inventariada no Lar ..., com a mensalidade suportada pela
inventariada, ou de outras despesas do inventariada, tais como com vestuário, calçado ou pagamentos de impostos.
Em resumo, todo o dinheiro que alguma vez entrou nas contas bancárias identificadas sob as verbas n.º 4 e 5 do activo da relação de bens pertencia, exclusivamente à inventariada, e todos os movimentos de retirada de dinheiro das mesmas contas bancárias sempre foram efectuado apenas para fazer face às despesas da inventariada.
Nessa medida, nunca os restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja o cabeça de casal, seja o seu irmão CC, alguma vez contribuíram para o saldo das aludidas contas bancárias, porque nunca nelas depositaram quaisquer quantias que lhes pertencessem.
Do mesmo modo, e até à morte da inventariada, nunca das referidas contas bancárias foi retirada qualquer quantia para fazer face a quaisquer despesas dos restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja do cabeça de casal, seja do seu irmão CC, sendo certo que após o falecimento da inventariada, e como resulta do documento junto aos autos como doc. n.º 6, do saldo da conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 subsistiria, na data da emissão do aludido documento, o saldo de 18,59€ e não restaria qualquer saldo da conta de depósito a prazo identificada sob a verba n.º 5 (cfr. doc. n.º 6 junto com a relação de bens).
Assim, e pelos motivos atrás aduzidos, deverão as referidas contas bancárias identificadas sobre as verbas nº 4 e 5 do activo da relação de bens ser relacionadas pela totalidade do saldo nelas existentes à data do óbito da inventariada, devendo as referidas verbas passar a ter a seguinte descrição:
Verba nº 4
Deposito à ordem existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta à Ordem com o número ..., no valor de 27.394,80€.
Verba nº 5
Deposito a prazo, existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta Poupança com o número ..., no valor de 69.201,81€.
O cabeça de casal respondeu á predita reclamação, em resumo nos seguintes termos: «…BB, cabeça-de-casal nos presentes autos de Inventário por óbito de KK, e CC e EE, interessados directos na partilha e melhor identificados nos autos em epígrafe, notificados da junção da oposição/impugnação/reclamação apresentada pelo interessado AA nos termos do prescrito no artigo 1104º do CPC e relativamente à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, vêm, muito respeitosamente, ao abrigo do disposto no artigo 1105º daquele mesmo normativo legal, deduzir oposição, dizendo e requerendo, para tanto, como segue:
A – DAS VERBAS Nº 4 E 5 DO ACTIVO DA RELAÇÃO DE BENS:
O reclamante e interessado, AA, na sua reclamação que deduz quanto à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, no que tange às verbas números 4 e 5 do activo da relação de bens, de forma gratuita e opinativa, sustenta que o cabeça-de-casal das duas contas bancárias que identificou referiu que só (apenas) 1/3 do saldo pertencerá à herança da inventariada por força do estipulado no artigo 516º do Código Civil, isto é, em virtude e por causa da presunção relativa (não absoluta, logo afastável mediante prova do contrário) que aquele preceito legal comporta.
Em jeito de síntese, o reclamante, depois de invocar um conjunto de factos ou situações de facto que identifica a fls. 3 e 4 (em parte), concluiu que “todo o dinheiro que alguma vez entrou nas contas bancárias identificadas sob as verbas nº 4 e 5 do activo da relação de bens pertencia, exclusivamente à inventariada, e todos os movimentos de retirada de dinheiro das mesmas contas bancárias sempre foram efectuado apenas para fazer face às despesas da inventariada.”
Acresce que o reclamante, para reforço da sua tese, argumenta, ainda, que quer o cabeça-de-casal quer o seu irmão, CC, também eles restantes titulares das contas bancárias em apreço, nunca depositaram nestas quaisquer importâncias/valores que fossem de sua pertença, nunca tendo contribuído para o saldo das mesmas, assim como nunca de tais contas bancárias e até à morte da inventariada foi retirada qualquer importância/valor para custear quaisquer gastos ou despesas quer do cabeça-do-casal quer do irmão, CC.
O reclamante termina a sua reclamação no que a esta matéria diz respeito, peticionando que as contas bancárias melhor referenciadas sob verbas nº 4 e 5 do activo da relação de bens sejam relacionadas pela totalidade do saldo nelas existentes à data do óbito da inventariada, propondo para tal efeito uma nova redacção das mesmas cujo teor aqui se dá por integrado.
Antes de nos pronunciarmos sob o mérito, ou não, da reclamação apresentado pelo interessado AA, de molde a podermos compreender de forma, séria, fundada, rigorosa e completa o fundo da questão e no que tange às verbas nº 4 e 5 da relação de bens, importa tecer, ainda que de forma sintética, um conjunto de considerações que permitirão dar resposta à reclamação em apreço e que desde já, com o devido respeito por juízo diverso, nos permitimos adiantar no sentido que a mesma dever ser, em nosso ver modesto, totalmente, indeferida, nos termos e pelos fundamentos abaixo melhor explicitados…
Ora dito isto e revertendo ao concreto caso em apreciação, cumpre afirmar que como melhor se extrai do teor do documento apresentado por KK e a irmã LL, na qualidade de titulares da conta ..., as mesmas solicitaram ao Senhor Gerente da Agência ... da Banco 1... que os seus sobrinhos e filhos BB (aqui cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado) fossem incluídos na conta como co-titulares e, consequentemente, que tal conta, a partir do deferimento do pedido formulado, pudesse vir a ser movimentada com a simples assinatura de qualquer dos titulares da conta solidária – vide doc. nº 1 que aqui se junta e cujo teor se dá por integrado, para os devidos e legais efeitos.
Sucede que a manifestação de vontade, diga-se clara e inquestionável, deduzida pelas Exmas. Senhoras KK e LL junto do Senhor Gerente da Agência ... da Banco 1... relativamente à pessoa dos sobrinhos e filhos não se limitou ou confinou apenas à inclusão do BB (cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado) na conta e, bem assim, à possibilidade/direito de movimentação das mesmas.
Com efeito, a vontade exteriorizada pelas Exmas. Senhoras KK e LL vai, como foi, mais além do mencionado em antecedente, ou seja, as mesmas produziram a seguinte declaração que aqui nos permitimos transcrever:
“ Declaramos ter conhecimento e aceitar que todo o património existente neste momento, não só desta conta à ordem, mas também com eventuais contas que quaisquer outros tipos de depósitos a ela associados (com o mesmo radical do número de conta) nomeadamente de depósitos a prazo, poupanças, planos de poupanças reforma e outras, passa a ser propriedade na mesma proporção, das quatro pessoas a partir do vosso deferimento deverão ser consideradas titulares com igual direito sobre as referidas contas.” – vide teor do doc. nº 1 acima junto.
Por seu turno, BB (aqui cabeça-de- casal) e CC (aqui interessado), declararam, acto subsequente, aceitar a inclusão como co-titulares da conta acima referida e também todos os benefícios supracitados, assim como as obrigações decorrentes e inerentes a essa condição – vide teor do doc. nº 1 acima junto.
Sucede que o pedido formulado pelas Exmas. Senhoras Dras. KK e LL, na qualidade de titulares da conta ..., ao Senhor Gerente da Agência ... da Banco 1... e acima melhor descrito veio a ser autorizado em 23/12/2009 – tudo como melhor resulta do teor do doc. nº 1 acima junto.
Em 12 de Agosto de 2011, a Exma. Senhora Dra. LL, irmã da inventariada, por não ter interesse em continuar na conta bancária supra mencionada, solicitou a sua desvinculação da mesma, tendo os demais co-titulares da conta (KK (inventariada), BB (cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado), declarado estarem de acordo plenamente com o pedido de desvinculação formulado pela co-titular LL e nada terem a opor ao mesmo, pedido esse que foi, tempestivamente, autorizado – vide doc. nº 2 que aqui se junta e cujo teor aqui se dá por integrado, para os devidos e legais efeitos.
Por isso e tendo em consideração o teor dos dois documentos acima mencionados é por demais evidente que o saldo das duas contas bancárias que pertence à herança da inventariada relativamente às verbas 4 e 5 do activo da relação de bens foi correctamente relacionado pelo cabeça-de- casal, o que o mesmo é dizer-se, à referida herança, nos termos dos dois documentos aqui juntos como docs. nºs 1 e 2, apenas pertence 1/3 do saldo das aludidas contas bancárias, sendo o BB (aqui cabeça-de-casal) proprietário/dono de 1/3 e o irmão CC (aqui interessado) igualmente proprietário/dono de 1/3.
Torna-se mister referir que nos termos do consignado no documento nº 1 acima junto, a manifestação de vontade formulada pelas Exmas. Senhoras Dras. KK e LL cobre e abrange (tem aplicação) não só a Verba nº 4 do activo da relação de bens mas também a Verba nº 5 (“ … mas também com eventuais contas que quaisquer outros tipos de depósitos a ela associados (com o mesmo radical do número de conta) nomeadamente de depósitos a prazo, poupanças, planos de poupanças reforma e outras, passa a ser propriedade na mesma proporção, das quatro pessoas a partir do vosso deferimento deverão ser consideradas titulares com igual direito sobre as referidas contas.” – vide doc. nº 1 acima junto.
Em jeito de conclusão importa, pois, referir que, ao contrário do que, erradamente, pugna o reclamante, à herança não pertence a totalidade dos saldos das aludidas contas bancárias, mas apenas e tão só, nos termos e pelas objectivas e claras razões supra assinaladas, 1/3 daqueles mesmos saldos.
Consequentemente e tendo em consideração tudo quanto acima se vem de expor, BB, cabeça-de-casal nos presentes autos de Inventário por óbito de KK, e CC e EE, interessados directos na partilha e melhor identificados nos autos em epígrafe, impugnam, nos termos e pelos fundamentos acima melhor descritos, tudo quanto o reclamante verte a fls. 1, 2, 3, 4 e 5 do seu articulado sob resposta (articulado de reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal) relativamente às verbas nº 4 e 5 do activo da relação de bens, por tal carecer de qualquer sério e rigoroso fundamento, por tal ser manifestamente impertinente, face ao cristalino teor dos dois documentos acima juntos como docs. nºs. 1 e 2.
Termos em que, sem prejuízo de melhor aviso, deve este Ilustre Tribunal indeferir o pedido do reclamante AA no sentido das duas referidas contas bancárias melhor identificadas sobre as verbas nºs 4 e 5 do activo da relação de bens serem relacionadas pela totalidade dos saldos nelas existentes à data do óbito da inventariada, ou seja, devem as verbas 4 e 5 do activo da relação de bens manter-se nos precisos termos descritos pelo cabeça-de casal, sem qualquer modificação ou alteração….».
O recorrente juntou a seguinte resposta ao requerimento que antecede: «… Nos autos supra referenciados, vem o interessado AA, notificado da resposta apresentada pelos interessados BB, CC e EE à reclamação de bens por si apresentada,
dizer e requerer o seguinte:
O requerente impugna desde já os documentos apresentados com a resposta à reclamação da bens na medida em que os mesmos não têm o sentido nem o significado que os aludidos interessados a eles pretendem atribuir, sendo o conteúdo dos mesmos contraditórios entre si, tornando ainda mais premente que possa ser ordenado que a Banco 1... venha prestar aos autos a informação requerida pelo aqui requerente na reclamação por si apresentada à relação de bens.
Na verdade, atento conteúdo dos documentos apresentados na resposta à reclamação da relação de bens, e atento o significado e alcance que os interessados BB, CC e EE pretendem atribuir a esses documentos, mais relevante se torna ainda obter nos autos a informação bancária requerida no articulado de reclamação porquanto importará perceber se, tratando-se a referida conta bancária de uma conta materialmente solidária, com a desvinculação da interessada LL da referida conta bancária, houve, ou não, aquando dessa desvinculação, a entrega a essa titular de ¼ do saldo da referida conta bancária, saldo esse ao qual essa titular sempre teria direito caso esta conta bancária se tratasse, como os interessados pretendem fazer crer através dos documentos juntos com a sua resposta, de uma conta bancária efectivamente materialmente solidária.
Quanto ao demais constante da resposta à reclamação à relação de bens não cabe articulado.
Termos em que se requer a V. Exa. que, tal como requerido no articulado de reclamação à relação de bens apresentado nos presentes autos, seja ordenado à Banco 1..., SA, que preste nos autos as informações requeridas nos termos constantes da aludida reclamação…».

Procedeu-se à produção de prova arrolada, conforme acta junta aos autos principias, cujo teor resumidamente se traduz no seguinte: «…. ATA DE PRODUÇÃO DE PROVA Porto, 16 de fevereiro de 2024, pelas 14:00 horas…De seguida, a Mm. ª Juiz de imediato passou a ouvir em depoimento e declarações de parte o cabeça de casal e o interessado CC:
DEPOIMENTO E DECLARAÇÕES DE PARTE DO CABEÇA DE CASAL BB, divorciado, professor auxiliar convidado na faculdade de engenharia da Faculdade ..., residente na Rua ..., N.º ..., 4.º Esquerdo.
Durante o depoimento foi confrontado com o doc.1 e 2 do requerimento de 29/09/2024, ref. ª: 43410250, que foram exibidas no sistema disponível no tribunal.
Prestou Juramento.
Foi advertido do dever de responder com verdade às perguntas que lhe vão ser feitas sob pena de, não o fazendo, incorrer em responsabilidade criminal.
O depoimento foi gravado através do sistema de gravação digital, disponível
na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se que teve início pelas 14:14:32 e termo pelas 15:27:17.
*
Após uma vez que do depoimento de parte do cabeça de casal resultou a confissão de alguns factos, a Mm. ª Juiz ordenou que fosse lavrada a seguinte: ASSENTADA
1. Os factos constantes dos últimos 3 parágrafos da página 3 da reclamação contra a relação de bens.
2. Todos os levantamentos e pagamentos efetuados a partir das contas bancárias enunciados nas verbas 4 e 5 do ativo da relação de bens foram realizados para fazer face a despesas da inventariada, e a despesas do cabeça do casal com combustível, bem como para aquisição de produtos por ela utilizados no seu dia-a-dia, bem como para pagamento de serviços tais como eletricidade, água ou telecomunicações, e mais tarde, após o ingresso da inventariada no Lar ..., com a mensalidade suportada pela inventariada, ou de outras despesas do inventariada, tais como com vestuário, calçado ou pagamentos de impostos.
3. Nunca os restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja o cabeça de casal, seja o seu irmão CC, alguma vez contribuíram para o saldo das aludidas contas bancárias, porque nunca nelas depositaram quaisquer quantias que lhes pertencessem.
4. Após o falecimento da inventariada o cabeça de casal levantou quase todo o saldo existente nas contas identificadas sob as verbas 4 e 5 da relação de bens.
*
DEPOIMENTO E DECLARAÇÕES DE PARTE DO INTERESSADO CC, casado, médico, residente na Rua ..., N.º ..., 5º Da, ... Coimbra.
Foi confrontado com o email junto com a notificação de 22/01/2023 feita pelo tribunal.
Foi advertida do dever de responder com verdade às perguntas que lhe vão ser feitas sob pena de, não o fazendo, incorrer em responsabilidade criminal.
Prestou juramento legal.
O depoimento foi gravado através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, consignando-se que teve início pelas 15:29:01 e termo pelas 16:20:18.
*
Findas as declarações do depoente, considerando que das mesmas resultaram a confissão de factos, foi lavrada a seguinte:
ASSENTADA
1. O interessado confessa que nunca depositou qualquer quantia nas contas bancárias identificados com as verbas 4 e 5 da relação de bens.
2. O dinheiro existente na conta bancária identificadas na verba 4 é proveniente pelo menos de pagamentos efetuados pela Segurança social e rendas relativas aos prédios que o inventariado deu de arrendamento.
3. Nunca o interessado CC contribuiu para o saldo das aludidas contas bancárias, nem nunca depositou qualquer quantia que lhe pertence.
4. Nunca o interessado CC retirou qualquer quantia das referidas contas bancárias para fazer face às suas despesas.
*
Seguidamente, foram ouvidas as seguintes testemunhas do requerente:
……Finda a inquirição das testemunhas, nada havendo a requerer, foi dada a palavra aos ilustres mandatários para, em alegações orais, exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida.
Após a Sr.ª Juíza proferiu o seguinte: DESPACHO
Oportunamente, conclua para decidir a reclamação contra a relação de bens…».
*
Na sentença recorrida foi decidido: «…. IV.
Atento o exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação contra a relação de bens e, em consequência, determino que:
a)- se mantenham relacionados, na proporção de 1/3, os depósitos bancários que constituem as verbas n.ºs 4 e 5;
b)- sejam excluídas da relação de bens as verbas 12 a 34 do activo e as verbas n.ºs 50, 51, 52, 53, 54, 68, 69 e 70 do passivo da relação de bens;
c)- seja aditado à relação de bens o mobiliário que integrava o recheio da fracção autónoma “K, referida em 11) dos factos provados.
Custas do incidente na proporção 2/3 para o cabeça-de-casal e de 1/3 para o reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Notifique.
Notifique o cabeça de casal para, em 10 dias, apresentar nova relação de bens em conformidade com a decisão proferida.
Notifique todos os interessados para, no prazo de 20 dias, proporem a forma da partilha (art.º 1110.º, n.º 1, al. b), do Código Processo Civil.
Para a realização da conferência de interessados, desde já designo o dia 12/07/2024, pelas 14,00 horas..….»sic).

A sentença recorrida tem o seguinte teor: «… Notificado da relação de bens apresentada em 21/09/2021 pelo cabeça-de-casal BB, veio o Requerente AA em 15/03/2022 reclamar contra a relação de bens, alegando para tanto o seguinte:
1)- o depósito bancário existente na conta à ordem da Banco 1..., Agência ... Porto, com o n.º ... e o depósito bancário existente na conta Poupança da Banco 1..., Agência ... Porto, com o número ... devem ser relacionados na sua totalidade e não apenas na proporção de 1/3, já que os mesmos pertencem na totalidade à inventariada;
2)- os bens imóveis que constituem as verbas 12 a 34 do activo da relação de bens, não devem ser relacionados por terem sido objecto de legado, sendo que, caso assim não se entenda, então deverá o cabeça de casal proceder ao relacionamento da fracção autónoma identificada pela letra “K”, correspondente ao apartamento da inventariada na Rua ..., nº ..., 4º esquerdo, na freguesia ..., do concelho do Porto, e que foi igualmente legado ao cabeça de casal
3)- deve ser relacionado o mobiliário, que integrava o recheio da aludida fracção autónoma “K”, composto por mobílias de quartos, mobília de sala, mobília de cozinha, bem como por equipamentos, nomeadamente electrodomésticos, e por louças, lençóis e atoalhados;
4) As verbas n.ºs 50, 51, 52, 53, 54, 68, 69 e 70 do passivo da relação de bens referem- se a pagamentos relacionados com a titularidade, posterior ao óbito da inventariada, sobre os imóveis que foram objecto de legados, pelo que devem ser excluídas.
O cabeça de casal BB, e os interessados CC e EE responderam em 29/09/2022 à referida reclamação, dizendo que:
a) KK e a irmã LL, na qualidade de titulares da conta ..., solicitaram ao Gerente da Agência ... da Banco 1... que os seus sobrinhos e filhos BB (aqui cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado) fossem incluídos na conta como co-titulares e, consequentemente, que tal conta, a partir do deferimento do pedido formulado, pudesse vir a ser movimentada com a simples assinatura de qualquer dos titulares da conta solidária e, além disso, que o património nela existente, bem como outros tipos de depósitos a ela associada passasse a ser propriedade, na mesma proporção, das quatro pessoas titulares da conta, o que estes aceitaram e veio a ser deferido pela Banco 1.... Em 12 de Agosto de 2011, LL solicitou a sua desvinculação da conta, o que foi autorizado pela Banco 1.... Assim sendo, deve manter-se o relacionamento na proporção de 1/3 dos referidos depósitos;
b)- as verbas 12 a 34 do activo da relação de bens pertencem em compropriedade e sem determinação de parte ou direito aos filhos da irmã da inventariada, LL e aos filhos do irmão da inventariada, MM, na proporção de 50%. e, bem assim, às suas sobrinhas netas, menores de idade, filhas do sobrinho pré-falecido, MM que era filho do seu irmão pré-falecido MM. A única razão pela qual tais imóveis foram inventariados ficou a dever-se ao facto do cabeça-de-casal ter ficado com convicção de que nestes autos de inventário se procuraria, resolver toda as situações patrimoniais resultantes da sucessão em causa, pelo menos no que tange a cada uma das estirpes em presença, através da obtenção de uma solução consensual, em que ficasse claramente definido quais os imóveis que ficariam para cada uma das estirpes. Contudo, em bom rigor, as verbas 12 a 34 do activo da relação de bens devem ser excluídas daquela relação de bens;
c)- A partir de 2019, com a concordância da inventariada, o cabeça-de-casal passou a ter a sua residência permanente, ou seja, passou a habitar de forma permanente, na fracção autónoma “K”, correspondente ao apartamento da inventariada na Rua ..., nº ..., 4º esquerdo, Porto. Ainda em vida, a inventariada dispôs, por sua livre vontade de todo o mobiliário que integrava o recheio da referida fracção a favor do aqui cabeça-de-casal, recheio esse que passou a ser propriedade deste e que por isso não deve ser relacionado;
d)- as despesas que constituem as verbas n.ºs 50, 51, 52, 53, 54, 68, 69 e 70 foram relacionadas no mesmo pressuposto do relacionamento dos bens imóveis que foram objectos dos legados, pelo que tais despesas devem ser excluídas caso estes também sejam;
Procedeu-se à produção de prova requerida pelos interessados.
*
II.
Cumpre apreciar e decidir.
Com relevo para a boa decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1. No dia 12 de Maio de 2020, na freguesia ..., do concelho de Coimbra, faleceu KK, no estado de solteira, sem descentes nem ascendentes vivos;
2. A falecida tinha como última residência habitual a Rua ..., N.º ..., 4.º Esquerdo, na freguesia ..., do concelho do Porto;
3. A decessa outorgou testamento público lavrado em 25/07/2008, no livro de notas para testamentos públicos n.º ..., a folhas 34 a 35, do arquivo do Cartório Notarial do Notário de Coimbra, Dr. NN, no qual instituiu diversos legados;
4. O cabeça de casal relacionou sob as verbas n.ºs 4 e 5 os seguintes bens:
Verba nº 4
Deposito à ordem existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta à Ordem com o número ..., cujos titulares são KK, BB e CC, cujo saldo à data do óbito, apresenta para cada um dos três titulares, o valor de 27.394,80€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça-de-casal reconhece para a partilha a ter lugar neste processo de Inventário) e no concreto valor de -----9.131,60€
Verba nº 5
Deposito a prazo, existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta Poupança com o número ..., cujos titulares são KK, BB e CC, cujo saldo à data do óbito apresenta o valor 69.201,81€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça de casal reconhece para partilha, a ter lugar neste processo de Inventário) e no valor de 23.067,27€.
5. Os depósitos efectuados na conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 têm a sua origem exclusiva em pagamentos efectuados pela Segurança Social de quantias de que inventariada era beneficiária, bem como no pagamento efectuado pelos arrendatários das rendas que por eles eram devidas à inventariada relativas aos prédios a ela tomados de arrendamento;
6. Todos os levantamentos e pagamentos efectuados a partir das contas bancárias enunciados nas verbas n.º 4 e 5 do activo da relação de bens foram realizados para fazer face a despesas da inventariada e a despesas do cabeça do casal com combustível, bem como para aquisição de produtos por ela utilizados no seu dia-a-dia, bem como para pagamento de serviços tais como electricidade, água ou telecomunicações, e mais tarde, após o ingresso da inventariada no Lar ..., com a mensalidade suportada pela inventariada, ou de outras despesas do inventariada, tais como com vestuário calçado ou pagamentos de impostos;
7. Nunca os restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja o cabeça de casal, seja o seu irmão CC, alguma vez contribuíram para o saldo das aludidas contas bancárias, porque nunca nelas depositaram quaisquer quantias que lhes pertencessem.
8. Até à morte da inventariada, nunca das referidas contas bancárias foi retirada qualquer quantia para fazer face a quaisquer despesas dos restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja do cabeça de casal, seja do seu irmão CC, com excepção das despesas com o combustível referidas em 7);
9. Após o falecimento da inventariada, do saldo da conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 subsistiria, na data da emissão do aludido documento, o saldo de 18,59€ e não restaria qualquer saldo da conta de depósito a prazo identificada sob a verba n.º 5;
10. As verbas 12 a 34 do activo da relação de bens constituem um conjunto de bens imóveis que foram objecto de legados efectuados pela inventariada através do testamento por si outorgado em 25/07/2008, no Cartório Notarial do Notário NN;
11. Foi também objecto de legado ao cabeça de casal, efectuado pela inventariada através do testamento referido em 7), a fracção autónoma identificada pela letra “K” situada na Rua ..., nº ..., 4º esquerdo, na freguesia ..., do concelho do Porto;
12. A inventariada, residiu durante longos anos na fracção autónoma referida em 11), que se encontrava mobilada e que assim se manteve até à data do seu óbito;
13. Esse mobiliário é composto por mobílias de quartos, mobília de sala, mobília de cozinha, bem como por equipamentos, nomeadamente electrodomésticos, e por louças, lençóis e atoalhados;
14. As despesas enunciadas sob as verbas 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 68º, 69º e 70º referem-se a pagamentos relacionados com a titularidade dos imóveis que foram objecto de legados;
15. KK e a irmã LL, na qualidade de titulares da conta ..., solicitaram ao Gerente da Agência ... da Banco 1... que os seus sobrinhos e filhos BB (aqui cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado) fossem incluídos na conta como co-titulares e, consequentemente, que tal conta, a partir do deferimento do pedido formulado, pudesse vir a ser movimentada com a simples assinatura de qualquer dos titulares da conta solidária;
16. KK e LL produziram a seguinte declaração: “Declaramos ter conhecimento e aceitar que todo o património existente neste momento, não só desta conta à ordem, mas também com eventuais contas que quaisquer outros tipos de depósitos a ela associados (com o mesmo radical do número de conta) nomeadamente de depósitos a prazo, poupanças, planos de poupanças reforma e outras, passa a ser propriedade na mesma proporção, das quatro pessoas a partir do vosso deferimento deverão ser consideradas titulares com igual direito sobre as referidas contas.”;
17. Por seu turno, BB (aqui cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado), declararam, acto subsequente, aceitar a inclusão como co-titulares da conta acima referida e também todos os benefícios supracitados, assim como as obrigações decorrentes e inerentes a essa condição;
18. O pedido referido em 16) veio a ser autorizado em 23/12/2009;
19. Em 12 de Agosto de 2011, LL, irmã da inventariada, solicitou a sua desvinculação da mesma, tendo os demais co-titulares da conta (KK (inventariada), BB (cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado), declarado estarem de acordo plenamente com o pedido de desvinculação formulado pela co-titular LL e nada terem a opor ao mesmo, pedido esse que foi, tempestivamente, autorizado.
*
Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
a) Os depósitos efectuados na conta de depósitos a prazo identificada sob a aludida verba n.º 5 têm a sua origem exclusiva em transferências efectuadas a partir da conta de depósitos à ordem identificada na verba n.º 4;
b) Todos os bens móveis que integravam o recheio da referida fracção autónoma, por acto de livre vontade da inventariada, foram dados e entregues, verbal e pessoalmente, aquando da outorga do testamento, ao cabeça-de-casal;
c) Foi, sobremaneira, o cabeça-de-casal BB e, bem assim, o interessado CC, as pessoas que mais cuidaram, apoiaram e prestaram auxílio à inventariada KK, razão pela qual a inventariada entendeu, como expressão do reconhecimento e gratidão por tal atitude, dar o recheio da fracção autónoma em questão ao seu sobrinho e aqui cabeça-de-casal BB,
d) O reclamante sabia que a vontade da inventariada, sua tia, era que tais bens (recheio) ficassem a pertencer ao sobrinho (aqui cabeça-de-casal) a quem legou a fracção autónoma referida em 11) tendo sempre havido o entendimento das partes de que tal recheio integrava e acompanhava o legado.
*
Os factos vertidos em 1) a 4), 10) e 14) estão provados por documentos ou resultam do processado nos autos.
Os factos insertos em 5) a 8) foram confessados pelo cabeça de casal e pelo seu irmão CC na audiência de julgamento, sendo que os factos vertidos em 5) e 6) resultam também dos extractos bancário juntos em 19/01/2023 e o facto descrito em 6) também dos depoimentos das arrendatárias da inventariada, OO e PP.
O facto vertido em 12) está admitido por acordo nos termos do art.º 574.º, n.º 2 do Código Processo Civil.
O facto descrito em 9) resulta dos extractos bancários juntos em 19/01/2023 e do depoimento de parte do casal que confessou que, após o falecimento da inventariada, levantou quase todo o saldo existente nas contas identificadas sob as verbas 4 e 5 da relação de bens.
Os factos vertidos em 15) a 19) resultam dos documentos 1 e 2 juntos com a resposta de do cabeça de casal de 29/09/2022, cuja autenticidade e fidedignidade não foi posta em causa, conjugados com as declarações de parte do cabeça de casal e do seu irmão CC, que confirmaram que foram adicionados como co-titulares da conta e, com aqueles documentos foram elaborados porque a tia queria que ficassem proprietários da conta, versão que é verosímil atento o teor dos referidos documentos.
Os factos não provados assim foram considerados por ausência de prova [é o caso do facto vertido em a)] ou por não se ter feito prova convincente da sua verificação [é o caso dos factos vertidos nas als. b) a d)]. Com efeito, o cabeça de casal e o interessado CC prestaram declarações sobre a factualidade descrita nas als. b) a d) e confirmaram tal factualidade. Contudo, não foi produzida outra prova sobre os indicados factos, sendo certo que do testamento outorgado pela inventariada não consta que o legado da fracção autónoma referida em 2) inclui também o recheio da casa. Dada a fragilidade da prova produzida quanto a esta questão (apenas foi produzida a prova por declarações de parte, a qual, dadas as suas características, não pode ser qualificada como isenta e imparcial), o tribunal não ficou convencido de que a inventariada deu ao cabeça de casal o recheio da referida fracção autónoma.
*
III.

Vejamos então se a reclamação contra a relação de bens deve proceder.

No que concerne aos depósitos bancários existentes nas contas à ordem da Banco 1..., Agência ... Porto com os n.ºs ... e ..., o tribunal ficou convicto de que a inventariada, ao adicionar o cabeça de casal e o interessado CC como titulares das referidas contas e ao emitir, juntamente com a sua irmã LL, mãe daqueles, a declaração referida em 6) quis tornar estes seus sobrinhos proprietários, em igual proporção, do seu património aí referido, designadamente dos depósitos bancários existentes nessas contas bancárias.
Assim, os depósitos bancários existentes nas indicadas contas bancárias pertencem, em igual proporção, ou seja, na proporção de 1/3, à herança, ao cabeça de casal e ao interessado CC, pelo que os depósitos bancários estão correctamente relacionados.
No que concerne aos bens imóveis que constituem as verbas 12 a 34 do activo da relação de bens e às despesas que constituem as verbas n.ºs 50, 51, 52, 53, 54, 68, 69 e 70 do passivo da relação de bens, adiantamos, desde já, que assiste razão ao Requerente AA.
Com efeito, como resulta do testamento junto com o requerimento inicial, a inventariada legou ao cabeça de casal a fracção autónoma referida em 11) dos factos provados e os restantes bens imóveis (as verbas 12 a 34 do activo), na proporção de metade para cada estirpe, aos seus sobrinhos, filhos dos seus dois irmãos.
Ora, a inventariada faleceu no estado de solteira, sem ascendentes ou descendentes vivos, tendo deixado como únicos herdeiros os interessados nos presentes autos de inventário, que são seus sobrinhos e sobrinhos-netos, pelo que não se coloca a questão da inoficiosidade dos legados.
Tratando-se de legados comuns, os legatários, terão de recorrer à acção de divisão de coisa comum para pôr termo à indivisão, não sendo o processo de inventário o meio processual próprio para o indicado fim (neste sentido, vide Ac. do TRC de 03/11/2009, Rel. Jorge Arcanjo, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, devem as verbas do activo referidas ser excluídas da relação de bens.
Por seu turno, as verbas n.ºs 50, 51, 52, 53, 54, 68, 69 e 70 do passivo da relação de bens, porque se referem a pagamentos relacionados com a titularidade, posterior ao óbito da inventariada, sobre os imóveis que foram objecto de legados, devem também ser excluídas da relação de bens.
Finalmente, deve ser relacionado o mobiliário que integrava o recheio da aludida fracção autónoma “K”, composto por mobílias de quartos, mobília de sala, mobília de cozinha, bem como por equipamentos, nomeadamente electrodomésticos, e por louças, lençóis e atoalhados, uma vez que não ficou demonstrado que a inventariada legou tal recheio ao cabeça de casal.
*
IV.
Atento o exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação contra a relação de bens e, em consequência, determino que:
a)- se mantenham relacionados, na proporção de 1/3, os depósitos bancários que constituem as verbas n.ºs 4 e 5;
b)- sejam excluídas da relação de bens as verbas 12 a 34 do activo e as verbas n.ºs 50, 51, 52, 53, 54, 68, 69 e 70 do passivo da relação de bens;
c)- seja aditado à relação de bens o mobiliário que integrava o recheio da fracção autónoma “K, referida em 11) dos factos provados.
Custas do incidente na proporção 2/3 para o cabeça-de-casal e de 1/3 para o reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Notifique….».
*
Inconformado com a predita decisão, veio o interessado AA o interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e efeito suspensivo, referindo:«… não se conformando com a douta sentença proferida no transato dia 13-06-2024, no que às verbas n.ºs 4 e 5 da relação de bens concerne, da mesma interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.»
O apelante com o requerimento de interposição do recurso apresentou as seguintes conclusões: « … IV. CONCLUSÕES
1. Foi incorretamente julgado o facto vertido na alínea a) dos factos considerados não provados;
2. O facto inscrito na alínea a) dos factos não provados deveria ter sido dado como provado, uma vez que o cabeça de casal, no seu depoimento de parte, confessou que os depósitos efetuados na conta de depósitos a prazo tiveram a sua origem em transferências efetuadas a partir da conta de depósitos à ordem, visto que, quando confrontado pelo Tribunal a quo acerca da proveniência de tais quantias [[00:20:11] - Magistrada Judicial: E vinha de quê? Aqui diz-se que eram transferências que vinham da conta depósitos à ordem que referimos], este respondeu “Sim, seria isso” (veja-se o depoimento de parte de 00:13:49 a 00:22:07) do qual foi lavrada assentada;
3. Portanto, face ao vindo de referir, deveria o facto vindo de referir (alínea a) dos factos não provados) ter sido dado como provado;
ALÉM DO MAIS,
4. No que aos demais factos concerne, o Tribunal a quo deu como provados vários factos relacionados com as verbas n.ºs 4 e 5 da relação de bens – factos vertidos de 5) a 9) e de 15) a 19 da sentença recorrida;
5. Porém, o Tribunal a quo, na sentença recorrida, teve apenas em consideração os factos dados como provados de 15) a 19), relativos à declaração junta pelo cabeça de casal com a oposição à reclamação à relação de bens (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens), tendo ignorado, por completo, os restantes factos dados como provados, que em tudo podiam influenciar e alterar a sentença de que aqui se recorre, pelo que o Tribunal a quo dever-se-ia ter pronunciado sobre os mesmos;
6. Uma vez que não o fez, só se pode concluir que a sentença recorrida padece de uma manifesta falta de fundamentação, existindo, também, uma clara contradição entre a matéria de facto dada como provada e a decisão proferida;
7. Na declaração junta com o articulado de resposta à reclamação contra a relação de bens (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens), a inventariada e a sua irmã LL, solicitaram que o cabeça de casal e o Interessado CC passassem a poder movimentar a referida conta e outras a ela associada, e declararam que o património existente passava a ser propriedade na mesma proporção das quatro pessoas a partir do deferimento e que todos deveriam ser considerados titulares com igual direito sobre as referidas contas;
8. Sucede que, não obstante a existência de tal declaração, o cabeça de casal e o interessado CC, restantes titulares das contas bancárias em apreço confessaram factos – que, por sua vez, foram dados como provados –, que demonstram claramente que as quantias depositadas pertenciam à inventariada KK e que afastaram a presunção juris tantum do artigo 516.º do Código Civil;
9. O cabeça de casal e o interessado CC confessaram que:
a. Os depósitos efetuados na conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 tiveram a sua origem exclusiva em pagamentos efetuados pela Segurança Social, de quantias de que a inventariada era beneficiária, bem como no pagamento efetuado pelos arrendatários das rendas que por eles eram devidas à inventariada relativas aos prédios a ela tomados de arrendamento (veja-se o depoimento de parte do cabeça de casal de 00:02:34 a 00:04:36 e de 00:12:52 a 00:13:29 e do interessado CC de 00:07:43 a 00:09:38), facto que foi dado como provado na sentença recorrida;
b. Nunca depositaram qualquer quantia na referida conta bancária e nunca contribuíram para o saldo bancário das mesmas, facto que foi confessado por ambos (veja-se o depoimento de parte do cabeça de casal de 00:04:45 a 00:04:59, de 00:24:58 a 00:25:06, e do interessado CC de 00:07:23 a 00:07:37 e de 00:14:20 a 00:14:30) e dado como provado pelo Tribunal a quo;
c. Os levantamentos e pagamentos efetuados a partir das contas bancárias enunciados nas verbas n.ºs 4 e 5 foram realizados para fazer face a despesas da inventariada e a despesas do cabeça de casal com combustível, bem como para aquisição de produtos por ela utilizados no dia-a-dia, para pagamento de serviços tais como electricidade, água ou telecomunicações, para o pagamento da mensalidade do Lar, suportada pela inventariada, e outras despesas da inventariada, como vestuário, calçado ou pagamento de impostos (veja-se o depoimento de parte do cabeça de casal de 00:21:52 a 00:22:55, e do interessado CC de 00:10:50 a 00:12:11), o que foi dado como provado pelo Tribunal a quo;
d. Nunca retiraram qualquer quantia das referidas contas para fazer face a despesas pessoais, com exceção das despesas com o combustível do cabeça de casal (veja-se o depoimento de parte do cabeça de casal de 00:22:47 a 00:22:55, e do interessado CC de 00:49:34 a 00:00:50:08), tendo tal facto sido dado como provado pelo Tribunal a quo;
10. Portanto, não obstante a existência e o teor da declaração supra referida (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens) não tal não significa, de todo, que os restantes titulares têm, de facto, direito de propriedade sobre as quantias depositadas nas contas relacionadas como verbas n.ºs 4 e 5, pois, para se confirmar e criar o direito de propriedade sobre as quantias depositadas em tais contas, tem de ser feita prova da sua proveniência e, no caso sub judice, a prova realizada demonstrou claramente que tais quantias provinham única e exclusivamente de receitas da inventariada;
11. Tendo, de facto, ficado assente, tal como o próprio Tribunal a quo admitiu, que o cabeça de casal e o interessado CC, até à data do óbito da aqui inventariada, nunca contribuíram para o saldo bancário das aludidas contas e nunca retiraram das mesmas qualquer quantia para fazer face a quaisquer tipo de despesas pessoais;
12. Quer isto dizer que o cabeça de casal e o interessado CC consideraram, sempre, que as quantias depositadas em ambas as contas bancárias pertenciam à inventariada;
13. Até porque, na verdade não se podia entender de outro modo, visto que, como se provou, tais quantias provieram exclusivamente de pagamentos efetuados pela Segurança Social – pensão de reforma – e das rendas que recebia dos arrendatários que se encontravam a ocupar os prédios urbanos de que era dona e legitima proprietária;
14. Por sua vez, a concordar-se com o entendimento levado a cabo pelo Tribunal a quo, o que aqui por mera cautela se equaciona, significaria isto que o cabeça de casal e o interessado CC teriam direito a uma parte, nomeadamente a dois terços, da pensão de reforma da Segurança Social e das rendas recebidas pela aqui inventariada;
SEM PRESCINDIR,
15. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela se equaciona, como supra se referiu, a inclusão do cabeça de casal e do interessado CC foi solicitada, no ano de 2009, pela inventariada e pela sua irmã LL;
16. No ano de 2011, como se verifica pelo documento n.º 2 junto com a oposição à reclamação à relação de bens, a irmã da inventariada, requereu a desvinculação de tais contas bancárias, a qual foi concedida pelo Banco;
17. De acordo com a declaração supra referida (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens), LL seria proprietária das quantias depositadas, na mesma proporção, com os restantes titulares (um quarto);
18. No entanto, de acordo com o mencionado pelo cabeça de casal e pelo interessado CC, no decorrer dos seus depoimentos (veja-se o depoimento de parte do cabeça de casal de 00:54:20 a 00:56:17 e o depoimento de parte do interessado CC de 00:24:39 a 00:26:38), LL não terá levantado qualquer valor das referidas contas bancárias;
19. O que, no entender do recorrente, revela alguma estranheza, e contribuí, não só para frisar e demonstrar que esta declaração não tem a força jurídica e probatória que o cabeça de casal e o interessado CC lhe pretendem atribuir, como, também, para frisar e demonstrar que as quantias de ambas as contas bancárias pertenciam, apenas, à inventariada;
20. Pois, se assim não fosse, LL teria, sem qualquer sombra de dúvida, ao desvincular-se das contas, levantado as quantias que lhe pertenceriam.
ALÉM DO MAIS,
21. O cabeça de casal e o interessado CC, no decorrer do seu depoimento de parte, invocam que era vontade da inventariada que, no momento em que esta falecesse, ambos ficassem com uma parte das quantias depositadas (veja-se o depoimento de parte do cabeça de casal de 00:02:34 a 00:04:03, de 00:05:20 a 00:05:37, de 00:07:12 a 00:07:43 e o depoimento de parte do interessado CC de 00:02:00 a 00:02:44 e de 00:16:06 a 00:16:09);
22. Tanto mais, é perfeitamente notório que, tanto o cabeça de casal como o interessado CC, consideravam que as quantias depositadas pertenciam à inventariada, daí que nunca tenham movimentado nenhuma das contas, nem sequer para cumprir com as obrigações decorrentes e inerentes à condição de titular de conta bancária;
23. Ora, deve entender-se que, se de facto era vontade da inventariada beneficiar o cabeça de casal e o interessado CC com uma parte das quantias depositadas, o mesmo deveria ter sido declarado em testamento, o que não sucedeu;
24. Portanto, face a tudo aquilo que se vem de referir, dúvidas não podem haver de que a inventariada é a única proprietária de todas as quantias depositadas em ambas as contas bancárias, pelo que, salvo o devido respeito, esteve o Tribunal a quo mal ao decidir que apenas se deveria relacionar um terço das contas bancárias relacionadas como as verbas n.ºs 4 e 5;
SEM PRESCINDIR,
25. As contas bancárias relacionadas como verbas n.ºs 4 e 5 correspondem a contas solidárias, ou seja, contas bancárias que podem ser movimentadas por qualquer um dos respetivos titulares, indistinta ou isoladamente;
26. No entanto, o facto de uma conta solidária conferir a todos os titulares a faculdade de mobilizar os fundos depositados em tal conta, não pré-determina a propriedade dos fundos contidos na mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro;
27. Às contas solidárias aplica-se o disposto no artigo 516.º do Código Civil, que estabelece uma presunção juris tantum, ou seja, ilidível, que pode ser afastada mediante apresentação de prova em contrário (artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil);
28. Tendo em consideração o caso sub judice e a matéria de direito retirada dos acórdãos analisados nas alegações, infere-se que não basta a mera alegação de que as quantias depositadas pertencem aos titulares das contas bancárias, ou a existência de uma declaração na qual se estipule a quota-ideal de cada um dos titulares numa conta solidária, para que se conclua pela titularidade do direito de propriedade;
29. Como melhor se referiu nas alegações, podem existir três tipos de quotas entre os titulares de uma conta bancária: as quotas convencionadas entre os titulares, as quotas presumidas, nos termos do artigo 516.º do Código Civil e, por fim, as quotas provadas, isto é, relativamente às quais se logrou fazer prova quanto à proveniência das quantias depositadas;
30. De acordo com os acórdãos melhor identificados nas alegações, retiram-se as seguintes ilações:
a) O facto de se ser titular de uma conta bancária solidária nada prova sobre a titularidade das quantias depositadas vigorando, apenas, se as partes não convencionarem em contrário, a presunção juris tantum prevista no artigo 516.º do Código Civil, que pode ser ilidida;
b) Portanto, para que se prove e se conclua pelo direito de propriedade dos montantes depositados, haverá sempre a necessidade de se fazer prova da proveniência dessas quantias;
c) Caso se logre provar a proveniência das quantias depositadas, ilide-se a presunção, o que afastará, quer o regime legal, quer o regime convencionado pelas partes no que às relações internas concerne, surgindo, assim, a “quota provada”, identificando-se, deste modo, quem é, de facto, o titular do direito de propriedade das quantias depositadas;
31. No caso em apreço, logrou-se fazer prova da proveniência de tais quantias, visto que o cabeça de casal e o interessado CC, como supra se mencionou, confessaram inúmeros factos que ilidiram, sem qualquer sombra de dúvida, a presunção juris tantum derivada do artigo 516.º do Código Civil, o que afasta o regime convencionado entre os titulares resultante da declaração assinada no ano de 2009 (cfr. documento n.º 1 da oposição à reclamação à relação de bens), tendo-se, deste modo, chegado a uma simples conclusão: a de que a inventariada era a titular exclusiva do direito de propriedade sobre as quantias depositadas;
32. Assim, no caso sub judice estamos perante um claro erro de julgamento por parte do Tribunal a quo visto que, em virtude de ter apreciado erradamente os factos dados como provados (sendo, em consequência, a decisão proferida, não só manifestamente insuficiente no que à sua fundamentação concerne, como está claramente em contradição com a matéria de facto dada como provada), decidiu mal a questão que lhe foi submetida, pelo que deverá o facto da alínea a) supra impugnado ser dado como provado e, este facto, conjugado com os restantes factos 5) a 9) da sentença recorrida, deverá conduzir a que a decisão proferida seja alterada, de modo a que da mesma passe a constar que as contas bancárias identificadas sob as verbas n.ºs 4 e 5 deverão ser relacionadas pela totalidade dos saldos existentes à data do óbito da inventariada.
Termos em que deve o presente recurso ser julgamento procedente e, em consequência, ser alterada a decisão proferida em conformidade com as conclusões e o alegado supra, de modo a que as verbas n.ºs 4 e 5 da relação de bens passem a estar relacionadas pela totalidade do saldo existente à data do óbito da inventariada, por só assim se fazer a tão costumada JUSTIÇA!..»

Os apelados, BB, cabeça de casal CC e EE, notificados das Alegações Recurso no que às verbas nº 4 e 5 da Relação de Bens concerne, deduziram contra-alegações, e formularam as seguints conclusões: «… CONCLUSÕES:
1 - O Recorrente/Apelante, AA, veio interpor o recurso de apelação em questão contra a douta sentença proferida pelo Tribunal recorrido, em 13 de Junho de 2024, no que às verbas nº 4 e 5 da Relação de Bens concerne, não porque e esta decisão em mérito apresente qualquer vício, erro ou deficiência, mas, apenas e tão só, porque discorda dela;
2 - No caso sub judice inexiste qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal recorrido, o qual apreciou, de acordo com a lei e em harmonia com os princípios gerais da prova, correctamente, de forma rigorosa, os factos dados como provados;
3 - A decisão censurada é, claramente, suficiente no que à sua fundamentação concerne, inexistindo, como inexiste, qualquer contradição com a matéria de facto dada como provada;
4 - Os factos dados como provados e não provados foram correctamente apreciados, analisados pelo Tribunal recorrido e estão, rigorosamente, posicionados nos respectivos segmentos da sentença posta injustamente sob censura;
5 - Como melhor se extrai quer do corpo da Motivação do Recurso, quer das próprias Conclusões, o Recorrente/Apelante não aponta qualquer norma jurídica, de direito substantivo ou material ou, até mesmo, de direito adjetivo ou processual, que o Tribunal recorrido tenha violado, desrespeitado ou omitido ao proferir a decisão censurada;
6 - O Recorrente não aponta ou assinala qualquer norma jurídica que ao caso vertente fosse ou se mostrasse aplicável e qual o sentido da mesma;
7 - O Tribunal recorrido fez uma correta e rigorosa apreciação e valoração dos meios de prova existentes nestes autos, não merecendo, consequentemente qualquer reparo ou censura.
8 - O Tribunal recorrido, após a realização da Audiência de Julgamento, considerou provado os seguintes factos considerados assentes nos pontos 1. a 19 inclusive, os quais aqui se dão por integrados e com relevância para a reponderação e reexame por parte de V. Exas., Distintos Desembargadores;
9 - O Tribunal recorrido, com relevância para a boa decisão a apreciar e decidir, no caso vertente, considerou, de entre outros, como não provado, o facto vertido na alínea a) dos factos não provados, cujo teor aqui se dá por integrado, para os legais e devidos efeitos;
10 - Os Apelados dão aqui por integrado os factos que resultaram da confissão do cabeça de casal BB e, bem assim, da confissão do interessado CC e que a Exma. Senhora juiz ordenou que fosse, respectivamente, lavrada a devida assentada que engloba quanto àquele cabeça de casal os pontos 1., 2., 3., 4. e 5. e quanto ao interessado supra referido os pontos 1., 2., 3. 4, tudo como melhor se encontra descrito e devidamente especificado na Ata de Produção de Prova, de 16/02/2024, pelas 14.00 horas, com a Referência 457113453, página 2 (quanto ao cabeça de casal) e página 3 (quanto ao interessado em questão);
11 - O Tribunal recorrido fez uma correcta e rigorosa interpretação e a apreciação dos meios de prova que os autos integram, concretamente no que concerne à prova documental ali existente e, bem assim, quanto à produção da prova realizada em sede de depoimento de parte e declarações de parte quer do cabeça de casal BB quer do irmão CC;
12 - O Tribunal recorrido observou de forma exemplar o princípio da legalidade da prova, tendo dado a devida atenção ao valor da prova documental, enquanto prova vinculada, assim como respeitou em absoluto os princípios da oralidade e da imediação e da livre apreciação da prova;
13 - A Distinta Magistrada Judicial que realizou o Julgamento fê-lo de uma forma muito interventiva e activa, procurando sempre esclarecer todas as questões que se mostravam relevantes para a decisão que veio ulteriormente a proferir, sendo que a condução dos trabalhos por parte daquela Ilustre Magistrada Judicial foi sempre pautada por uma actuação justa, imparcial, com respeito pelo principio da igualdade de armas entre as partes e sobremaneira muito cuidada, muita atenta, às declarações, aos depoimentos e aos testemunhos prestados por todos os que foram ouvidos em Tribunal;
14 - A decisão proferida pelo Tribunal recorrido está clara e transparentemente fundamentada, sendo perceptível a quem quer que seja;
15 - Os Apelados não podem deixar de chamar aqui a atenção deste Venerando Tribunal da Relação do Porto quer para o Depoimento e Declarações de Parte do Cabeça de Casal BB, Prof. Dr. Auxiliar convidado na Faculdade ..., o qual foi confrontado com os doc. nºs 1 e 2 do Requerimento com a Referência 43410250, de 29/09/2022, sendo que o seu depoimento foi gravado através do sistema de gravação digital disponível na aplicação informática disponível e em uso no Tribunal, com início pelas 14:14:32 e termo pelas 15:27:17 e mais concretamente para aquilo que se encontra registado a minutos 00:02:34, 00:03:41, 00:03:45, 00:04:03, 00:04:17, 00:04:24, 00:04:33, 00:04:35, 00:04:44, 00:04:58, 00:05:20, 00:05:37, 00:06:36, 00:06:43, 00:06:48, 00:06:52, 00:07:11, 00:07:30, 00:07:31, 00:07:38, 00:07:41, 00:07:42, 00:07:51, 00:08:23, 00:08:26, 00:09:58, 00:09:58, 00:11:44, 00:11:45, 00:11:56, 00:12:06, 00:12:52, 00:13:24, 00:13:26, 00:13:30, 00:13:48, 00:13:53, 00:13:53, 00:14:11, 00:16:06, 00:16:23, 00:16:25, 00:16:25, 00:16:26, 00:16:25, 00:16:33, 00:16:37, 00:16:41, 00:16:47, 00:17:07, 00:17:10, 00:17:13, 00:17:17, 00:17:18, 00:17:26, 00:17:28, 00:17:28, 00:17:29, 00:17:48, 00:17:50, 00:17:51, 00:17:56, 00:18:05, 00:19:25, 00:19:34, 00:19:42, 00:19:58, 00:20:10, 00:20:21, 00:20:23, 00:20:34, 00:21:52, 00:22:07, 00:22:08, 00:22:13, 00:22:23, 00:22:37, 00:22:46, 00:22:55, 00:24:57, 00:25:05, 00:25:42 00:25:48, 00:25:55, 00:26:01, 00:26:02, 00:26:04, 00:26:48, 00:26:52, 00:26:52, 00:26:53, 00:26:54, 00:26:55, 00:27:23, 00:27:57, 00:28:010, 00:28:02, 00:28:06, 00:28:38 e 00:28:39, quer o Depoimento e Declarações de Parte do Interessado CC, médico, cujo depoimento foi gravado através do sistema de gravação digital disponível na aplicação informática disponível e em uso no Tribunal, com início pelas 15:29:01 e termo pelas 16:20:18 e mais concretamente para aquilo que se encontra registado a minutos 00:00:00, 00:00:03, 00:00:07, 00:00:09, 00:00:13, 00:00:14, 00:00:15, 00:00:16, 00:00:18, 00:00:19, 00:00:20, 00:00:22, 00:00:23, 00:00:47, 00:00:53, 00:01:11, 00:01:12, 00:01:59, 00:02:38, 00:02:44, 00:03:10, 00:03:43, 00:04:17, 00:04:20, 00:05:22, 00:05:31, 00:06:00, 00:06:11, 00:06:26, 00:06:53, 00:06:54, 00:06:57, 00:06:58, 00:07:00, 00:07:23, 00:07:37, 00:07:39, 00:07:41, 00:07:42, 00:07:46, 00:07:49, 00:07:51, 00:08:11, 00:08:15, 00:08:28, 00:08:29, 00:09:07, 00:09:12, 00:09:35, 00:09:38, 00:10:00, 00:10:10, 00:10:25, 00:10:29, 00:10:49, 00:11:19, 00:11:27, 00:11:32, 00:12:00, 00:12:11, 00:12:24, 00:12:37, 00:14:19, 00:14:27, 00:14:48, 00:15:05, 00:15:16, 00:15:20, 00:15:45, 00:15:50, 00:15:51, 00:15:52, 00:15:57, 00:16:03, 00:16:06, 00:16:09, 00:17:38, 00:17:39, 00:18:12, 00:24:37, 00:24:41, 00:25:20, 00:25:22, 00:25:24, 00:25:30, 00:25:38, 00:25:45, 00:25:45, 00:25:50, 00:25:51, 00:26:09, 00:26:21, 00:26:31, 00:26:38, 00:26:52, 00:26:53, 00:26:58, 00:27:03. (Vide Acta de Produção de Prova, composta por 5 folhas, data de 16/02/2024, 14: horas, com a Referência 457113453 e assinada pela Distinta Magistrada Judicial em 21/02/2024);
16 - Os depoimentos e as declarações do cabeça de casal BB e do interessado CC, foram prestados de forma absolutamente honesta, integra e verdadeira, livre, coerente, espontânea e estão de acordo com a vontade da falecida e em total sintonia e harmonia com os dois documentos atrás assinalados;
17 - O teor dos documentos nº 1 e nº 2 juntos com a Resposta apresentada pelo cabeça de casal nestes autos, através do Requerimento com a Referência 43410250 de 29-09-2022, que aqui se dão por integrados, para os devidos e legais efeitos, não foram postos em causa na sua autenticidade e fidedignidade;
18 - As declarações de parte do cabeça de casal BB e do seu irmão, CC, que confirmam, de forma clara, coerente e verdadeira, que foram adicionados como co- titulares da conta e que os docs. nº. 1 e 2 foram elaborados porque a tia KK (inventariada) queria que, apenas, estes dois sobrinhos ficassem proprietários da conta;
19 - Conjugadas as declarações do cabeça de casal BB e do interessado CC com a clareza dos documentos em questão resulta por demais evidente que a versão ambos trouxeram ao Tribunal é uma versão honesta e verdadeira e verosímil, tendo consideração o teor dos supra assinalados documentos;
20 - Face ao teor dos doc. n.ºs 1 e 2 acima melhor assinalados e ainda face aos depoimentos de parte e das declarações de parte do cabeça de casal BB e do interessado CC, sempre os factos vertidos em 15) a 19) teriam, como foram, de ser considerados (assentes) por provados;
21 - No que concerne ao facto mencionado sob a alínea a) dos factos não provados, tal como o sustenta a decisão recorrida, o mesmo foi, correctamente, ali colocado em virtude de não ter sido feita prova (ausência de prova), de acordo com o prescrito nos termos das regras atinentes à distribuição do ónus da prova;
22 - No que se refere aos depósitos bancários existentes nas contas à ordem da Banco 1..., Agência ... Porto com os números ... e ..., a inventariada, KK, ao adicionar o cabeça de casal BB e o interessado CC, seus sobrinhos, como titulares das supra apontadas contas bancárias (como melhor consta do referido em 15) dos factos provados) e ao emitir, juntamente com a sua irmã LL, mãe daqueles, a declaração referida em 16) dos factos considerados provados, quis efectivamente, que estes seus sobrinhos ficassem, se tornassem donos, proprietários, em igual proporção do seu património ali referido, nomeadamente dos depósitos bancários existentes nessas contas bancárias.
23 - Salvo melhor aciso, o teor dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a Resposta apresentada pelo cabeça de casal nestes autos através do Requerimento com a Referência 43410250 de 29-09-2022, que aqui se dão por integrados, consubstanciam um contrato de doação de coisa móvel (dinheiro) celebrado por escrito – vide artigos 940º e 947º do Código Civil.
24 - Do cotejo do teor daqueles documentos (doc. nº 1 e doc. nº 2) resulta por demais evidente a “intenção donandi”, isto é, a vontade ou o propósito firme, claro e inequívoco da inventariada, KK, tornar proprietários dos depósitos bancários existentes nas contas bancárias supra melhor descritas quer o cabeça de casal BB quer o interessado CC na proporção, respectivamente, na proporção de 1/3 para cada um deles, ficando o remanescente de 1/3 na inventariada, e não que eles fossem meros ou simples detentores dos mesmos;
25 - Com a associação do cabeça de casal e do interessado supra melhor identificados, a inventariada, KK não quis que estes tivessem apenas e tão só a possibilidade, a faculdade, de igualmente, (juntamente com ela) procederem à movimentação ou gestão das contas bancárias supra melhor individualizadas e dos respectivos fundos constantes dos depósitos que estão associados;
26 - O facto de o cabeça de casal, BB, e do interessado, CC, não terem procedido ao levantamento de quaisquer valores ou importâncias em vida da inventariada tal não descaracteriza o facto da inventariada, KK, os ter querido tornar proprietários dos depósitos bancários em causa;
27 - O cabeça de casal, BB, e o interessado, CC, por vontade escrita, expressa, válida e eficaz, livre e esclarecida da inventaria, sua tia, passaram a poder dispor dos fundos ali provisionados como verdadeiros e efectivos co-titulares dos mesmos, tudo isto de acordo com a vontade expressamente manifestada, declarada, pela inventariada;
28 - A relação de proximidade afectiva existente entre a inventariada, o cabeça de casal e o interessado em mérito permite a clara compreensão da vontade da inventariada, o que tudo resulta dos depoimentos de parte e das declarações de parte de ambos;
29 - A não contribuição para o saldo das contas bancárias e a não movimentação das mesmas por parte do cabeça de casal e do inventariado (sobrinhos) em questão em vida da inventariada (tia) e, bem assim, o não levantamento de qualquer quantia em vida da inventariada (para fazer face a despesas pessoais) fica a dever-se a razões de decoro, de pudor e de respeito pela inventariada, decidindo não as movimentar em vida desta;
30 - A não movimentação das contas bancárias da inventariada por parte do cabeça de casal e do interessado em apreço não retira nem afasta a faculdade destes serem, como são, legítimos donos e proprietários dos valores ali existentes;
31 - Só por absoluta falta de pudor e de decoro, por gritante e inaceitável má fé, pode o Apelante dizer/concluir que “… o cabeça de casal e o interessado CC consideraram, sempre, que as quantias depositadas em ambas as contas bancárias pertenciam à inventariada.”;
32 - Qualquer pessoa de bem, com bons e sãos princípios e valores, honesta e integra, e suma, de boa índole – sendo que, no caso vertente, quer o cabeça de casal BB, quer o interessado CC, reúnem as qualidades que sem vêm de assinalar – não deixariam de se sentirem contraídos/inibidos se tivessem de retirar dinheiro daquelas contas bancárias;
33 - Como melhor resulta dos depoimentos de parte e das declarações de parte quer do cabeça de casal, BB, quer do interessado, CC, qualquer um deles, não tinha a mínima necessidade para executar o acto mencionado na conclusão antecedente, dado que, por força das profissões que desenvolvem no seu quotidiano de vida, ambos têm uma situação, sob o ponto de vista económico e financeira, claramente, desafogada;
34 - Do teor dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a Resposta apresentada pelo cabeça de casal nestes autos através do Requerimento com a Referência 43410250 de 29-09-2022 não resulta nem se extrai que a inventariada teve o propósito que o cabeça de casal, BB, e o interessado, CC, fossem adicionados às contas bancárias supra melhor referenciadas para serem auxiliares ou mandatários da inventariada;
35 - Do teor dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a Resposta apresentada pelo cabeça de casal nestes autos através do Requerimento com a Referência 43410250 de 29-09-2022 não resulta nem se extrai que a inventariada teve o propósito ou a vontade que o cabeça de casal, BB, e o interessado, CC, ficassem a ter apenas a função de auxiliares da inventariada na movimentação e gestão das contas e dos respetivos fundos, montantes, nelas existentes.
36 - Do cotejo dos docs. n.ºs 1 e 2, face à relação de proximidade afetiva existente quer com o cabeça de casal quer com o interessado em questão, e ainda por terem sido estes quem desde sempre lhes prestou maior conforto, maior ajuda e carinho, resulta, inequivocamente, que a inventariada (falecida) em vida teve o firme propósito, lucido e claro, de beneficiar economicamente aquele cabeça de casal e o interessado em mérito, ao associa-los (adicioná-los) ás contas bancárias como titulares nessas mesmas contas bancárias;
37 - Da factualidade (das declarações) que está subjacente ao conteúdo dos docs. nºs 1 e 2 extrai-se claramente uma liberalidade por parte da inventariada e visou uma atribuição patrimonial, as quais (liberalidade e atribuição patrimonial) foram, como estão aceites, quer pelo cabeça de casal, BB, quer pelo interessado, CC;
38 - Os depósitos bancários existentes nas indicadas contas bancárias, por força do que se vem de mencionar, são propriedade legítima, ou seja, pertencem, em proporção igual, o que o mesmo é dizer-se, 1/3 ao cabeça de casal, BB, 1/3 ao interessado, CC, e, o remanescente, 1/3 cabe à inventariada.
39 - Os depósitos bancários foram, como estão, correctamente relacionados;
40 - Bem andou o Tribunal recorrido ao ter determinado na decisão recorrida, injustamente censurada, que se mantenham relacionados na proporção de 1/3, os depósitos bancários que constituem as verbas nºs 4 e 5 da Relação e Bens – como melhor resulta do teor do Ponto IV da Decisão recorrida alínea a), cujo teor aqui se dá por integrado, para os devidos e legais efeitos;
41 - Face ao teor dos docs. nºs 1 e 2 supra melhor especificados e, bem assim, aos depoimentos de parte e declarações de parte quer do cabeça de casal BB quer do interessado CC, é por demais evidente que a sentença recorrida teve em consideração todos os factos dados como provados e não apenas os factos considerados por provados de 15) a 19) inclusive da sentença recorrida;
42 - Os factos provados sob os pontos 5) a 9) da sentença recorrida, para a boa decisão a proferir nos presentes autos, salvo melhor aviso, são manifestamente irrelevantes ou insignificantes, não possuindo qualquer idoneidade ou mérito para poderem influenciar ou alterar ou modificar a douta sentença recorrida;
43 - No momento em que o Tribunal recorrido proferiu a decisão injustamente impugnada este tomou em devida consideração os factos provados sob os pontos 5) a 9) inclusive;
44 - Pese embora o cabeça de casal, BB, e o interessado, CC, tenham confessado os factos que foram dados por provados na sentença recorrida, só por gritante e inaceitável má-fé se pode afirmar que as quantias depositadas pertenciam apenas à inventariada KK;
45 - Ao caso vertente, contrariamente ao que invoca o Apelante, nem sequer se mostra aplicável o invocado artigo 516º do Código Civil (Participações nas dívidas e nos créditos);
46 - E, ainda que o fosse, que o não é, face ao teor dos docs. nºs 1 e 2 supra melhor especificados e, bem assim, aos depoimentos de parte e declarações de parte quer do cabeça de casal BB quer do interessado CC, a presunção ali consignada, que é relativa, não só não se mostra afastada como nem sequer foi contrariada;
47 - Do teor dos docs. nºs 1 e 2 supra melhor especificados e, bem assim, dos depoimentos de parte e declarações de parte quer do cabeça de casal BB quer do interessado CC extrai-se, claramente, que os mesmos têm, de facto e de direito, a propriedade sobre as quantias depositadas nas contas relacionadas como verbas nºs 4 e 5;
48 - Ao invés do que o Apelante pretende fazer crer, no caso de que curam os presentes autos, a prova da proveniência sobre as quantias depositadas nas contas bancárias em questão é, absolutamente, irrelevante e destituída de qualquer interesse para efeitos de se “ confirmar e criar o direito de propriedade sobre as quantias depositadas em tais contas”, ainda que se demonstrasse que as quantias provinham de receitas de inventariada;
49 - Quanto ao vertido pelo Apelante nos pontos 14. 19. e 20 das Conclusões cumpre apenas dizer que tudo quanto ali se mostra alegado é, manifestamente, impertinente, irrelevante, sem qualquer interesse para a boa decisão a proferir, e corresponde a juízos, entendimentos, opiniões e considerações, a estados de alma, que não a factos, não merecendo, pois, por razões de pura economia processual, qualquer outro comentário.
50 - Do teor dos docs. nºs 1 e 2 supra melhor especificados e, bem assim, dos depoimentos de parte e declarações de parte quer do cabeça de casal BB quer do interessado CC, do cotejo destes meios de prova, extrai-se, claramente, a vontade livre, inequívoca e esclarecida da inventariada de os tornar proprietários, a para dela, das quantias existentes depositadas nas contas bancárias acima melhor identificadas;
51 - Contrariamente ao que o Apelante falsamente invoca nas suas Conclusões de recurso de Apelação, o beneficio a que se refere (vontade da inventariada em torna-los proprietários dos depósitos bancários das indicadas contas bancárias supra melhor descritas) não tinha de ser declarado em testamento, sendo que aqueles dois documentos são perfeitamente idóneos e válidos para a obtenção de tal desiderato ou finalidade;
52 - A inventariada, KK, o cabeça de casal BB, e o interessado, CC, são os legítimos e únicos proprietários, na proporção de 1/3 para cada um deles, de todas as quantias depositadas em ambas as contas bancárias;
53 - Aquilo que o Apelante verte nos pontos 25. a 30. inclusive das suas Conclusões é irrelevante, impertinente e sem qualquer interesse para o caso vertente;
54 - A Jurisprudência invocada pelo Apelante na Motivação e Conclusões do seu Recurso não se mostra aplicável ao caso sub judicie, que assenta numa realidade, totalmente, diversa, como melhor se extrai destes autos;
55 - Bem andou o Tribunal recorrido ao considerar bem relacionadas, nos termos e pelos preclaros fundamentos constantes da douta decisão injusta, gratuita e imerecidamente censurada, as Verbas nº 4 e 5 da Relação de Bens, ordenando, como ordenou que se mantenha relacionados, na proporção de 1/3, os depósitos bancários que constituem as Verbas nºs 4 e 5, o que o mesmo é dizer-se julgar-se improcedente, por não provada, a reclamação apresentada pelo interessado AA no que tange àquelas Verbas.
56 - A sentença do Tribunal recorrido respeita, de entre outros, o prescrito no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa (CRP), observa o prescrito nos artigos 9º, 224º, 342º, 364º, 940º, 945º e 947º, todos do Código Civil (CC) e, ainda, o consignado nos artigos 413º, 414º e 607, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Termos em que deve o presente recurso de Apelação interposto pelo Recorrente/Apelante ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, ser mantida, na integra, a douta decisão proferida e imerecida, infundada e gratuitamente, censurada, em conformidade com o acima alegado e, ainda, com o vertido nas presentes Conclusões, o que o mesmo é dizer-se, ver o Apelante negado o direito à alteração da sentença recorrida no que tange às verbas nºs 4 e 5 da relação de bens no sentido de que passem a estar relacionadas pela totalidade do saldo existente à data do óbito da inventariada, só assim se fazendo a inteira, a costumada, devida e Sã JUSTIÇA!».

II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, resulta que são os seguintes os pontos a analisar:

A- Incorreção do julgamento da decisão proferida quanto à matéria factual.
B- Alteração da decisão de mérito. Nulidade da sentença e (propriedade dos valores depositados - verbas nº 4 e 5 da Relação de Bens).
*
III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença recorrida foi proferida quanto á matéria de facto e motivação e decisão de mérito quanto á parte recorrida, nos seguintes termos: «… Com relevo para a boa decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1. No dia 12 de Maio de 2020, na freguesia ..., do concelho de Coimbra, faleceu KK, no estado de solteira, sem descentes nem ascendentes vivos;
2. A falecida tinha como última residência habitual a Rua ..., N.º ..., 4.º Esquerdo, na freguesia ..., do concelho do Porto;
3. A decessa outorgou testamento público lavrado em 25/07/2008, no livro de notas para testamentos públicos n.º ..., a folhas 34 a 35, do arquivo do Cartório Notarial do Notário de Coimbra, Dr. NN, no qual instituiu diversos legados;
4. O cabeça de casal relacionou sob as verbas n.ºs 4 e 5 os seguintes bens:
Verba nº 4
Deposito à ordem existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta à Ordem com o número ..., cujos titulares são KK, BB e CC, cujo saldo à data do óbito, apresenta para cada um dos três titulares, o valor de 27.394,80€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça-de-casal reconhece para a partilha a ter lugar neste processo de Inventário) e no concreto valor de -----9.131,60€
Verba nº 5
Deposito a prazo, existente na Banco 1..., Agência ... Porto, na conta Poupança com o número ..., cujos titulares são KK, BB e CC, cujo saldo à data do óbito apresenta o valor 69.201,81€, sendo que o montante que é devido para efeitos de partilha da herança aberta por óbito da falecida é apenas 1/3 do valor do montante supra assinalado (sendo este o valor que o cabeça de casal reconhece para partilha, a ter lugar neste processo de Inventário) e no valor de 23. 067,27€.
5. Os depósitos efectuados na conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 têm a sua origem exclusiva em pagamentos efectuados pela Segurança Social de quantias de que inventariada era beneficiária, bem como no pagamento efectuado pelos arrendatários das rendas que por eles eram devidas à inventariada relativas aos prédios a ela tomados de arrendamento;
6. Todos os levantamentos e pagamentos efectuados a partir das contas bancárias enunciados nas verbas n.º 4 e 5 do activo da relação de bens foram realizados para fazer face a despesas da inventariada e a despesas do cabeça do casal com combustível, bem como para aquisição de produtos por ela utilizados no seu dia-a-dia, bem como para pagamento de serviços tais como electricidade, água ou telecomunicações, e mais tarde, após o ingresso da inventariada no Lar ..., com a mensalidade suportada pela inventariada, ou de outras despesas do inventariada, tais como com vestuário calçado ou pagamentos de impostos;
7. Nunca os restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja o cabeça de casal, seja o seu irmão CC, alguma vez contribuíram para o saldo das aludidas contas bancárias, porque nunca nelas depositaram quaisquer quantias que lhes pertencessem.
8. Até à morte da inventariada, nunca das referidas contas bancárias foi retirada qualquer quantia para fazer face a quaisquer despesas dos restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja do cabeça de casal, seja do seu irmão CC, com excepção das despesas com o combustível referidas em 7);
9. Após o falecimento da inventariada, do saldo da conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 subsistiria, na data da emissão do aludido documento, o saldo de 18,59€ e não restaria qualquer saldo da conta de depósito a prazo identificada sob a verba n.º 5;
10. As verbas 12 a 34 do activo da relação de bens constituem um conjunto de bens imóveis que foram objecto de legados efectuados pela inventariada através do testamento por si outorgado em 25/07/2008, no Cartório Notarial do Notário NN;
11. Foi também objecto de legado ao cabeça de casal, efectuado pela inventariada através do testamento referido em 7), a fracção autónoma identificada pela letra “K” situada na Rua ..., nº ..., 4º esquerdo, na freguesia ..., do concelho do Porto;
12. A inventariada, residiu durante longos anos na fracção autónoma referida em 11), que se encontrava mobilada e que assim se manteve até à data do seu óbito;
13. Esse mobiliário é composto por mobílias de quartos, mobília de sala, mobília de cozinha, bem como por equipamentos, nomeadamente electrodomésticos, e por louças, lençóis e atoalhados;
14. As despesas enunciadas sob as verbas 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 68º, 69º e 70º referem-se a pagamentos relacionados com a titularidade dos imóveis que foram objecto de legados;
15. KK e a irmã LL, na qualidade de titulares da conta ..., solicitaram ao Gerente da Agência ... da Banco 1... que os seus sobrinhos e filhos BB (aqui cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado) fossem incluídos na conta como co-titulares e, consequentemente, que tal conta, a partir do deferimento do pedido formulado, pudesse vir a ser movimentada com a simples assinatura de qualquer dos titulares da conta solidária;
16. KK e LL produziram a seguinte declaração: “Declaramos ter conhecimento e aceitar que todo o património existente neste momento, não só desta conta à ordem, mas também com eventuais contas que quaisquer outros tipos de depósitos a ela associados (com o mesmo radical do número de conta) nomeadamente de depósitos a prazo, poupanças, planos de poupanças reforma e outras, passa a ser propriedade na mesma proporção, das quatro pessoas a partir do vosso deferimento deverão ser consideradas titulares com igual direito sobre as referidas contas.”;
17. Por seu turno, BB (aqui cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado), declararam, acto subsequente, aceitar a inclusão como co-titulares da conta acima referida e também todos os benefícios supracitados, assim como as obrigações decorrentes e inerentes a essa condição;
18. O pedido referido em 16) veio a ser autorizado em 23/12/2009;
19. Em 12 de Agosto de 2011, LL, irmã da inventariada, solicitou a sua desvinculação da mesma, tendo os demais co-titulares da conta (KK (inventariada), BB (cabeça-de-casal) e CC (aqui interessado), declarado estarem de acordo plenamente com o pedido de desvinculação formulado pela co-titular LL e nada terem a opor ao mesmo, pedido esse que foi, tempestivamente, autorizado.
*
Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
a) Os depósitos efectuados na conta de depósitos a prazo identificada sob a aludida verba n.º 5 têm a sua origem exclusiva em transferências efectuadas a partir da conta de depósitos à ordem identificada na verba n.º 4;
b) Todos os bens móveis que integravam o recheio da referida fracção autónoma, por acto de livre vontade da inventariada, foram dados e entregues, verbal e pessoalmente, aquando da outorga do testamento, ao cabeça-de-casal;
c) Foi, sobremaneira, o cabeça-de-casal BB e, bem assim, o interessado CC, as pessoas que mais cuidaram, apoiaram e prestaram auxílio à inventariada KK, razão pela qual a inventariada entendeu, como expressão do reconhecimento e gratidão por tal atitude, dar o recheio da fracção autónoma em questão ao seu sobrinho e aqui cabeça-de-casal BB,
d) O reclamante sabia que a vontade da inventariada, sua tia, era que tais bens (recheio) ficassem a pertencer ao sobrinho (aqui cabeça-de-casal) a quem legou a fracção autónoma referida em 11) tendo sempre havido o entendimento das partes de que tal recheio integrava e acompanhava o legado.
*
Os factos vertidos em 1) a 4), 10) e 14) estão provados por documentos ou resultam do processado nos autos.
Os factos insertos em 5) a 8) foram confessados pelo cabeça de casal e pelo seu irmão CC na audiência de julgamento, sendo que os factos vertidos em 5) e 6) resultam também dos extractos bancário juntos em 19/01/2023 e o facto descrito em 6) também dos depoimentos das arrendatárias da inventariada, OO e PP.
O facto vertido em 12) está admitido por acordo nos termos do art.º 574.º, n.º 2 do Código Processo Civil.
O facto descrito em 9) resulta dos extractos bancários juntos em 19/01/2023 e do depoimento de parte do casal que confessou que, após o falecimento da inventariada, levantou quase todo o saldo existente nas contas identificadas sob as verbas 4 e 5 da relação de bens.
Os factos vertidos em 15) a 19) resultam dos documentos 1 e 2 juntos com a resposta de do cabeça de casal de 29/09/2022, cuja autenticidade e fidedignidade não foi posta em causa, conjugados com as declarações de parte do cabeça de casal e do seu irmão CC, que confirmaram que foram adicionados como co-titulares da conta e, com aqueles documentos foram elaborados porque a a tia queria que ficassem proprietários da conta, versão que é verosímil atento o teor dos referidos documentos.
Os factos não provados assim foram considerados por ausência de prova [é o caso do facto vertido em a)] ou por não se ter feito prova convincente da sua verificação [é o caso dos factos vertidos nas als. b) a d)]. Com efeito, o cabeça de casal e o interessado CC prestaram declarações sobre a factualidade descrita nas als. b) a d) e confirmaram tal factualidade. Contudo, não foi produzida outra prova sobre os indicados factos, sendo certo que do testamento outorgado pela inventariada não consta que o legado da fracção autónoma referida em 2) inclui também o recheio da casa. Dada a fragilidade da prova produzida quanto a esta questão (apenas foi produzida a prova por declarações de parte, a qual, dadas as suas características, não pode ser qualificada como isenta e imparcial), o tribunal não ficou convencido de que a inventariada deu ao cabeça de casal o recheio da referida fracção autónoma….»
***
IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
*
- Modificabilidade da decisão de facto.

O apelante considera que a sentença recorrida não poderia ter dado como não provado o facto da alínea a) dos factos dados como não provados (“a) Os depósitos efectuados na conta de depósitos a prazo identificada sob a aludida verba n.º 5 têm a sua origem exclusiva em transferências efectuadas a partir da conta de depósitos à ordem identificada na verba n.º4”), entendendo, assim, que este deveria ter sido dado como “provado”.
Considera que o tribunal apenas por lapso deu este facto como não provado atento o teor do depoimento de pare do cabeça de casal, resulta o seguinte (veja-se o depoimento de minutos 00:13:49 a 00:22:07):
[00:13:49] - Magistrada Judicial: Depois havia uma outra conta que era, que está relacionada como, exatamente, que era uma conta a prazo, também na Banco 1..., que tinha na altura do óbito 69.281,00 € e que também foi relacionada com uma terça parte. [00:14:11] - BB: Também era, estávamos na mesma situação, co-titulares, uma conta, já não me lembro qual a designação de conta, não é conjunta, é outra designação que tem, mas isso está também lá, também lá inscrito na relação, entre os documentos que eu entreguei. Eu gostava de acrescentar uma coisa se for possível. É assim, esses elementos eu quis discuti-los na reunião, que fui eu que convoquei, que na altura uma pessoa de família conseguiu arranjar uma sala para termos essa, essa reunião, eu quis apresentar esses.
…. [00:16:06] - Magistrada Judicial: Outra questão que eu lhe queria colocar. Nesta conta de depósito a prazo, a sua tia abriu já a conta com o senhor e com o seu irmão, ou adicionou-os?
[00:16:23] - BB: Adicionou-nos.
[00:16:24] - Magistrada Judicial: Como co-titulares.
[00:16:26] - BB: Sim.
[00:16:27] - Magistrada Judicial: E quando, e quando é que sucedeu isso?
[00:16:29] - BB: Eu penso, senhora doutora, estou a dizer de cor, mas talvez 2009, mas eu não. [00:16:34] - Magistrada Judicial: Ah foi na mesma altura da outra?
[00:16:36] - BB: Sim, sim.
[00:16:42] - Magistrada Judicial: Então foi estas duas contas que adicionou-os?
[00:16:48] - BB: Sim, sim, sim.
[00:17:07] - Magistrada Judicial: E também com a mesma indicação?
[00:17:10] - BB: Sim, Sra. Dra.
[00:17:13] - Magistrada Judicial: Ou seja, que quando ela falecesse?
[00:17:16] - BB: Ah sim, claramente, claramente.
[00:17:19] - Magistrada Judicial: Mas o que eu queria saber, porque eu ainda, ainda não percebi é se logo naquela altura, se logo naquela altura.
[00:17:26] - BB: Se era intenção dela?
[00:17:28] - Magistrada Judicial: Deixe-me terminar.
[00:17:29] - BB: Peço imensa desculpa.
[00:17:31] - Magistrada Judicial: Se naquela altura, quando ela os colocou, a si e ao seu irmão como co-titulares, se houve nessa altura, se foi nessa altura, que lhes deu o dinheiro ou se ela só pretendia que quando falecesse ficasse com o dinheiro?
[00:17:48] - BB: Ela entendia que o dinheiro era nosso, logo nessa altura.
[00:17:51] - Magistrada Judicial: Logo em vida?
[00:17:52] - BB: Logo em vida, e em morte penso também que ficássemos.
[00:17:56] - Magistrada Judicial: Então, o senhor o que está a dizer é que a sua tia deu a si e ao seu irmão um terço do dinheiro que tinha?
[00:18:04] - BB: Aliás figura, penso que nesses documentos da Caixa figura, deve figurar aí que teremos direito a um terço, eu acho que vi em algum sítio. Um terço cada um. Penso que isso figura num dos documentos da Caixa. Há uma tendência para achar que as pessoas de idade são senis, a minha tia era uma pessoa inteligente e acompanhava as coisas, tinha as suas coisas, como seja ir fazer compras com ela era um bocado complicado, em particular junto às férias, porque era preciso andar a discutir o preço, não da caixa de bombom, mas dos bombons individuais que ela depois ia querer repartir por sacos, portanto era um bocadinho, tínhamos as nossas discussões. Ela tinha, peço desculpa, tinha a caderneta com ela e tinha dinheiro com ela no quarto.
[00:19:26] - Magistrada Judicial: Outra questão: sabe a proveniência deste dinheiro?
[00:19:34] - BB: Sra. Dra., o mesmo de há bocado, penso que foi a resposta. A Sra. Dra. não sei se está a fazer a pergunta.
[00:19:42] - Magistrada Judicial: Não, é a mesma questão, ou seja, a questão é saber se o dinheiro desta conta era só proveniente de rendimentos ou receitas da sua tia ou se havia dinheiro neste, algum dinheiro que fosse proveniente do senhor ou do seu irmão?
[00:19:58] - BB: Não.
[00:20:00] - BB: Não, é a mesma resposta, Sra. Dra.
[00:20:11] - Magistrada Judicial: E vinha de quê? Aqui diz-se que eram transferências que vinham da conta depósitos à ordem que referimos.
[00:20:21] - BB: Sim, seria isso.
[00:20:23] - Magistrada Judicial: É?..».
O apelante considera que do teor desse depoimento de parte, conclui-se que o cabeça de casal confessou que os depósitos efetuados na conta de depósitos a prazo (identificada na relação de bens sob a verba n.º 5) tiveram a sua origem exclusiva em transferências efetuadas a partir da conta depósitos à ordem (identificada na verba n.º 4), visto que, quando confrontado pelo Tribunal a quo acerca da proveniência de tais quantias, na qual foi questionado se as mesmas viriam de transferências que vinham da conta de depósitos à ordem [[00:20:11] - Magistrada Judicial: E vinha de quê? Aqui diz-se que eram transferências que vinham da conta depósitos à ordem que referimos], este respondeu “Sim, seria isso” (negrito e sublinhado nosso).
Conclui, que dúvidas não podem haver de que o cabeça de casal confessou tal facto, pelo que o mesmo deverá ser dado como provado em virtude de ter sido incorretamente julgado.
No que diz respeito a este segmento do recurso atinente á impugnação da matéria de facto quanto ao ponto a) dado como não provado, ter-se-á de considerar improcedente a mesma porque não resultou a confissão desse facto da alínea a) do depoimento de parte invocado. Nem resultou do outro depoimento onde igualmente o depoente defere não saber a origem desse valor.
Aliás, da assentada não resulta admitida essa factualidade. Sendo que o depoente cabeça de casal ao referir que as quantias da conta a prazo poderiam vir da conta á ordem « Sim, seria disso» não está a afirmar com certeza essa proveniência ou origem e nessa medida tal factualidade não poderia ser dada como provada (confirmando-se o teor da sentença recorrida quanto á referida factualidade dado que não foi feita nenhuma prova quanto ao facto da alínea a).
Em conclusão, a factualidade a atender no âmbito da apelação em julgamento é a fixada pelo tribunal a quo.
A prova produzida não impõe nos termos do artigo 662 do CP Civil decisão diversa quanto á matéria de facto.
*
- Alteração da decisão de mérito

Neste segmento o recorrente refere que o Tribunal a quo deu como provados vários factos relacionados com as verbas n.ºs 4 e 5 da relação de bens, relativamente aos quais nada tem a apontar, uma vez que face à prova produzida, não poderia, de facto, ter sido outra a interpretação do Tribunal.
Os factos vertidos de 5) a 9) foram confessados, como melhor se demonstrará infra, pelo cabeça de casal e pelo interessado CC, na audiência de julgamento realizada no dia 16- 02-2024, coadjuvado com os extratos bancários juntos em 19-01-2023 e com os depoimentos das arrendatárias OO e PP.
Por seu turno, os factos descritos de 15) a 19) resultam da declaração junta aos presentes autos pelo cabeça de casal e pelos Interessados CC e EE com a oposição à reclamação contra a relação de bens (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens), – na qual a inventariada KK e sua irmã LL, na qualidade de titulares da conta bancária ..., em 2009, solicitaram que o cabeça de casal e o interessado CC passassem a poder movimentar a referida conta – conjugada com as declarações de parte de ambos.
No entanto, tendo em consideração a factualidade dada como provada, é incompreensível para o recorrente que o Tribunal a quo, na sua fundamentação, se tenha limitado a referir o seguinte:
“No que concerne aos depósitos bancários existentes nas contas à ordem da Banco 1..., Agência ... Porto com os n.ºs ... e ..., o tribunal ficou convicto de que a inventariada, ao adicionar o cabeça de casal e o interessado CC como titulares das referidas contas e ao emitir, juntamente com a sua irmã LL, mãe daqueles, a declaração referida em 6) quis tornar estes seus sobrinhos proprietários, em igual proporção, do seu património aí referido, designadamente dos depósitos bancários existentes nessas contas bancárias.
Assim, os depósitos bancários existentes nas indicadas contas bancárias pertencem, em igual proporção, ou seja, na proporção de 1/3, à herança, ao cabeça de casal e ao interessado CC, pelo que os depósitos bancários estão correctamente relacionados” (sublinhado nosso).
Portanto, o Tribunal a quo teve apenas em consideração os factos dados como provados referentes a tal declaração – factos 15) a 19) – (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens), tendo ignorado, por completo, os restantes factos dados como provados, que, como infra se demonstrará, em tudo podiam influenciar e alterar a sentença de que aqui se recorre,
Pelo que sobre o Tribunal a quo recaía o dever e a obrigação de se ter pronunciado sobre os mesmos.
Uma vez que não o fez, só se pode concluir que a sentença recorrida padece de uma manifesta falta de fundamentação.
Por outro lado refere que na sentença recorrida, existe, ainda, uma clara contradição entre a matéria de facto dada como provada e a decisão proferida, o que, uma vez mais, não se pode conceber.
Neste ponto refere que, o cabeça de casal, no articulado de resposta à reclamação contra a relação de bens, juntou um documento aos autos, no qual a inventariada KK e sua irmã LL, na qualidade de titulares da conta bancária ..., solicitaram que o cabeça de casal BB e o Interessado CC passassem a poder movimentar a referida conta (cfr. doc n.º 1 junto com a oposição à reclamação à relação de bens).
No documento vindo de mencionar, a inventariada KK e sua irmã LL declararam, ainda, “ter conhecimento e aceitar que todo o património existente neste momento, não só desta conta à ordem, mas também com eventuais contas que quaisquer outros tipos de depósito a ela associadas (com o mesmo radical da conta) nomeadamente de depósitos a prazo, poupança, planos de poupança, reforma e outras, passa a ser propriedade na mesma proporção, das quatro pessoas a partir do vosso deferimento deverão ser consideradas titulares com igual direito sobre as referidas contas”.
Por sua vez, o cabeça de casal e o Interessado CC declararam “aceitar a nossa inclusão com co- titulares da conta acima referida e também todos os benefícios supra-citados, bem como as obrigações decorrentes e inerentes a essa condição.
Entende o apelante que, não obstante a existência de tal declaração, os restantes titulares das contas bancárias em apreço confessaram factos – que, por sua vez, foram dados como provados –, que demonstram claramente que as quantias depositadas pertenciam à inventariada KK. E que esses factos afastaram a presunção juris tantum resultante do artigo 516.º do Código Civil, pelo que, não obstante o teor de tal documento escrito, não poderia Tribunal a quo descartar, ignorar e decidir de modo contrário à matéria de facto dada como provada.
Alega o apelante, neste segmento que o cabeça de casal, no seu depoimento de parte, e o interessado CC confessaram vários factos que lhe eram desfavoráveis e vários factos que em tudo evidenciam quem é, de facto, o titular do direito de propriedade das quantias depositadas, tendo, em virtude de tal confissão, o Tribunal a quo, dado como provado que “Os depósitos efetuados na conta de depósitos à ordem identificada sob a aludida verba n.º 4 têm a sua origem exclusiva em pagamentos efetuados pela Segurança Social, de quantias de que a inventariada era beneficiária, bem como no pagamento efetuado pelos arrendatários das rendas que por eles eram devidas à inventariada relativas aos prédios a ela tomados de arrendamento”. Assim, alega que resulta que facilmente se depreende que o cabeça de casal e o interessado CC nunca depositaram qualquer quantia na referida conta bancária, facto que foi dado como provado pelo Tribunal a quo. Por sua vez, foi, de igual modo, dado como provado que “Todos os levantamentos e pagamentos efectuados a partir das contas bancárias enunciados nas verbas n.º 4 e 5 do activo da relação de bens foram realizados para fazer face a despesas da inventariada e a despesas do cabeça de casal com combustível, bem como para aquisição de produtos por ela utilizados no dia-a-dia, bem como para pagamento de serviços tais como electricidade, água ou telecomunicações, e mais tarde, após o ingresso da inventariada no Lar ..., com a mensalidade suportada pela inventariada, ou de outras despesas da inventariada, tais como vestuário, calçado ou pagamento de impostos”.
Entende o apelante que o tribunal a quo ter dado como provado que o cabeça de casal e o Interessado CC nunca depositaram qualquer quantia que lhes pertencesse – tal como resulta expressamente do transcrito supra – deu, também, como provado que todos os pagamentos e levantamentos efetuados a partir de tais contas bancárias sempre tiveram como destino a satisfação das despesas e gastos da aqui inventariada, nunca tendo o cabeça de casal e o interessado CC se servido de tais quantias para fazer face a despesas pessoais, como ficou, de igual forma, provado: “Até à morte da inventariada, nunca das referidas contas bancárias foi retirada qualquer quantia para fazer face a quaisquer despesas dos restantes titulares das aludidas contas bancárias, seja do cabeça de casal, seja do seu irmão CC, com excepção das despesas com o combustível referidas em 7)”. Que tal factualidade toda como provada, não obstante a existência de uma declaração, assinada em 2009, (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens) na qual a inventariada e a sua irmã LL declaram que aceitam “(…) que todo o património existente neste momento (…) passa a ser propriedade na mesma proporção das quatro pessoas a partir do vosso deferimento deverão ser consideradas titulares com igual direito sobre as referidas contas”, como melhor se explicará infra, não quer isto dizer, de todo, que os restantes titulares têm, de facto, direito de propriedade sobre as quantias depositadas nas contas relacionadas como verbas n.ºs 4 e 5.
Entende o apelante que para se confirmar e criar o direito de propriedade sobre as quantias depositadas em tais contas, tem de ser feita prova da sua proveniência e, no caso sub judice, a prova realizada demonstrou claramente que tais quantias provinham única e exclusivamente de receitas da inventariada. Tendo, de facto, ficado assente, tal como o próprio Tribunal a quo admitiu, que o cabeça de casal e o interessado CC, até à data do óbito da aqui inventariada, nunca contribuíram para o saldo bancário das aludidas contas e nunca retiraram das mesmas qualquer quantia para fazer face a quaisquer tipo de despesas pessoais.
Concluí que o cabeça de casal e o interessado CC consideraram, sempre, que as quantias depositadas em ambas as contas bancárias pertenciam à inventariada.
Até porque, na verdade não se podia entender de outro modo, visto que, como se provou, tais quantias provieram exclusivamente de pagamentos efetuados pela Segurança Social – pensão de reforma – e das rendas que recebia dos arrendatários que se encontravam a ocupar os prédios urbanos de que era dona e legitima proprietária.
Entende o apelante que, dúvidas não podem haver de que tais quantias pertenciam única e exclusivamente à inventariada (sendo que ao se concordar com o entendimento levado a cabo pelo Tribunal a quo, significaria isto que o cabeça de casal e o interessado CC teriam direito a uma parte, nomeadamente a dois terços, da pensão de reforma da Segurança Social e das rendas recebidas pela aqui inventariada).
Por fim, alega ainda que a inclusão do cabeça de casal e do interessado CC foi solicitada, no ano de 2009, pela inventariada e pela sua irmã LL, mãe do cabeça de casal e do interessado CC.
Ora, de acordo com a declaração supra referida (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação contra a relação de bens), LL seria proprietária das quantias depositadas, na mesma proporção, com os restantes titulares (1/4 para cada um).
Contudo, sucede que, no ano de 2011, como se verifica pelo documento n.º 2 junto com a oposição à reclamação à relação de bens, LL, requereu a desvinculação de tais contas bancárias, a qual foi concedida pelo Banco. E de acordo com o mencionado pelo cabeça de casal e pelo interessado CC, no decorrer dos seus depoimentos LL não terá levantado qualquer valor das referidas contas bancárias.
Entende que desta forma, a declaração não tem a força jurídica e probatória que o cabeça de casal e o interessado CC lhe pretendem atribuir, e nessa medida se tem de concluir que as quantias de ambas as contas bancárias pertenciam, apenas, à inventariada, (se assim não fosse, LL teria, sem qualquer sombra de dúvida, ao desvincular-se das contas, levantado as quantias que lhe pertenceriam).
Por fim, invoca que o cabeça de casal e o Interessado CC, no decorrer do seu depoimento de parte, invocam que era vontade da aqui inventariada que, no momento em que esta falecesse, ambos ficassem com uma parte das quantias depositadas, que era intenção da inventariada que estes ficassem com uma parte das quantias, de modo a beneficiá-los por todos os cuidados prestados. E assim, considera que é notório que tanto o cabeça de casal como o interessado CC, consideravam que as quantias depositadas pertenciam à inventariada, daí que nunca tenham movimentado nenhuma das contas, nem sequer para cumprir com as obrigações decorrentes e inerentes à condição de titular de conta bancária.
Conclui, assim o apelante que se de facto era vontade da inventariada beneficiar o cabeça de casal e o interessado CC com uma parte das quantias depositadas, o mesmo deveria ter sido declarado em testamento, o que não sucedeu não tendo feito nenhuma referência a estas contas bancárias e, não obstante o facto de ambos só terem sido adicionados em 2009 às mesmas, as referidas contas já existiam antes da outorga do testamento vindo de referir, pelo que a inventariada podia, se assim o pretendesse, ter legado tais contas ou apenas uma parte das mesmas ao cabeça de casal e ao interessado CC.
Pelo exposto, considera o apelante que dúvidas não podem haver de que a inventariada é a única proprietária de todas as quantias depositadas em ambas as contas bancárias, pelo que, salvo o devido respeito, esteve o Tribunal a quo mal ao decidir que apenas se deveria relacionar um terço das contas bancárias relacionadas como as verbas n.ºs 4 e 5. E que as contas bancárias relacionadas como verbas n.ºs 4 e 5 correspondem a contas solidárias. Mas o facto de uma conta solidária conferir a todos os titulares a faculdade de mobilizar os fundos depositados em tal conta, não pré-determina a propriedade dos fundos contidos na mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-11-2017, proc. n.º 879/14.9TBSSB.E1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
De acordo com o artigo 516.º do Código Civil “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.
Portanto, o citado artigo estabelece a presunção de que, existindo vários titulares de uma conta bancária solidária, cada um deles será titular, em igual proporção, das quantias depositadas. No entanto, sucede que estamos perante uma presunção juris tantum, isto é, uma presunção legal ilidível, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil, poderá ser afastada mediante apresentação de prova que demonstre o contrário.
Entende que no caso sub judice, sucede que foi feita prova a contrario, tendo o cabeça de casal e o interessado CC provado e demonstrado que as quantias depositadas não lhes pertenciam e entende que não basta a mera alegação de que as quantias depositadas pertencem aos titulares das contas bancárias, ou a existência de uma declaração (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição à reclamação à relação de bens) na qual se estipule a quota-ideal de cada um dos titulares numa conta solidária, para que se conclua pela titularidade do direito de propriedade
Entende existir um claro erro de julgamento, porque logrou-se fazer prova da proveniência de tais quantias, visto que o cabeça de casal e o interessado CC, confessaram inúmeros factos, que ilidiram a presunção juris tantum derivada do artigo 516.º do Código Civil, o que afasta o regime convencionado entre os titulares resultante da declaração assinada no ano de 2009.
Tendo-se, deste modo, chegado a uma simples conclusão: a de que a inventariada era a titular exclusiva do direito de propriedade sobre as quantias depositadas.
Assim,, não podia o Tribunal a quo ter formado a sua convicção e, consequentemente, ter tomado a sua decisão, com base nos factos dados como provados de 15) a 19), isto porque, não obstante terem sido dados como provados com base num documento (doc. n.º 1 da oposição à reclamação à relação de bens), a sua relevância e caráter probatório foi afastado pela restante prova e matéria dada como provada, porque é claro que as contas bancárias pertenciam única e exclusivamente à inventariada, tal como resulta dos factos dados como provados 5) a 9) e de tudo aquilo confessado pelo cabeça de casal e pelo interessado CC e que afasta, consequentemente, a presunção ilidível do artigo 516.º do Código Civil e o regime convencional resultante da declaração (doc. n.º 1 da oposição à reclamação à relação de bens).
Pelo que as quantias das referidas contas bancárias sempre teriam de ter sido relacionadas na relação de bens na sua totalidade.
*
Cumpre em primeiro lugar analisar a invocação do apelante de que a decisão proferida, não só é manifestamente insuficiente no que à sua fundamentação concerne, como está claramente em contradição com a matéria de facto dada como provada, sendo que tal se traduz na invocação de nulidades.
O apelante invoca a nulidade da sentença por omissão de pronuncia, e por contradição.
Nos termos do artigo 615 do CPcivil, a sentença é nula, quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC de 06-11-2012, disponível ma base de dados da DGSI:« Sumário: I – Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia)..”.
No caso o apelante invocou a nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia dado que o Tribunal a quo teve apenas em consideração os factos dados como provados referentes a tal declaração – factos 15) a 19), tendo ignorado, por completo, os restantes factos dados como provados e confessados pelos depoentes e acima referidos, que tudo podiam influenciar e alterar a sentença.
Pelo que sobre o Tribunal a quo recaía o dever e a obrigação de se ter pronunciado sobre os mesmos.
E invocou a contradição porque não obstante existir a declaração escrita os restantes titulares das contas bancárias em apreço confessaram factos – que, por sua vez, foram dados como provados –, que demonstram claramente que as quantias depositadas pertenciam à inventariada KK. E que esses factos afastaram a presunção juris tantum resultante do artigo 516.º do Código Civil, pelo que, não obstante o teor de tal documento escrito, não poderia Tribunal a quo descartar, ignorar e decidir de modo contrário à matéria de facto dada como provada.
Todavia, fazendo uma leitura da sentença verifica-se que a mesma não padece que qualquer omissão de pronuncia quanto ao decidido quanto aos saldos já que considerou que o documento fazia prova da titularidade dos valores independentemente da proveniência dos valores. E igualmente não padece de qualquer contradição porque foi considerado que esse documento demonstrou a titularidade dos depósitos.
Não é incompatível o tribunal considerar que essa declaração contida no documento demonstra a propriedade ou titularidade dos depósitos, com a prova de que a proveniência dos fundos eram de valores recebidos pela inventariada e que eram usados pela mesma.
Portanto não existe nenhuma contradição na sentença recorrida ao se considerar provada a titularidade dos depósitos tendo em conta a declaração escrita, pese embora tenha dado provada a matéria confessada pelos depoentes sobre a proveniência dos depósitos da conta á ordem.

Assim, improcede neste segmento o recurso, dado que a sentença não é nula, não existindo nenhuma das nulidades invocadas.
*
Cumpre agora analisar a decisão de mérito quanto aos saldos bancários.
As contas bancárias em causa nos autos, tinham como titulares a inventariada, o cabeça de casal e o interessado acima referido, podendo qualquer deles, sem concorrência do outro, movimentar as contas a crédito e a débito.
Estamos assim em presença de contas solidárias, ou seja, com mais de um titular, e que têm como característica o puderem ser movimentadas a débito ou crédito por qualquer dos titulares. Essa possibilidade de movimentação por qualquer dos titulares nada prova sobre a titularidade das quantias que, em cada momento, constituem o saldo. Pode de facto provar-se que as quantias pertencem só a um dos titulares, pertencem a todos, pertencem a alguns, em partes iguais ou não.
Não há, assim, que confundir a titularidade das contas com a propriedade dos valores nelas depositadas.
Os titulares das contas são credores do banco onde a conta foi aberta tendo aqui aplicação o regime das obrigações solidárias previsto nos artigos 512.º e segs do Código Civil.
Tem, nomeadamente aplicação o que dispõe o art. 516.º do CC: “Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na divida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da divida ou obter o beneficio do crédito”. Quer dizer que, no caso de contas com vários titulares, não sendo ilidida a referida presunção presume-se que cada um desses titulares comparticipou em partes iguais no depósito.
Nas relações internas, sendo omisso a esse respeito o acordo ou a relação jurídica de que resultou a abertura das contas, o art.º516.º do Código Civil, por força do recurso ao regime geral das obrigações solidárias, previsto no art.º512.º, faz presumir que os credores solidários participam no crédito em partes iguais. Trata-se de uma presunção iuris tantum, a ilidir mediante prova em contrário (cfr. art.º 350.º, n.º2, do Código Civil).
E assim sendo, aquele que pretender afirmar a propriedade exclusiva dos valores monetários depositados em conta bancária colectiva solidária, tem de ilidir a presunção constante do art.º 516.º do C.Civil, (presunção juris tantum, a ilidir mediante prova em contrário, cfr. art.º 350.º, n.º 2 do C.Civil – de que esses valores pertencem em partes iguais aos co-titulares) ou seja, tem de alegar e provar que os valores pecuniários não pertencem em partes iguais aos ditos co-titulares, que pertencem tão só a um deles, na totalidade ou a ambos mas em proporções diversas.
Conforme referem Pires de Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. I, pág. 532: “Nada resultando da relação jurídica existente entre os credores ou os devedores solidários sobre a medida da comparticipação de cada um no crédito ou na dívida, funciona a presunção estabelecida neste preceito. Se, por exemplo, duas pessoas fizerem um depósito bancário em regime de solidariedade activa presume-se, enquanto se não fizer prova noutro sentido, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta (…)”.
Estamos perante contas bancárias que já existiam, em que a inventariada era titular singular, e pratica um acto (escrito) jurídico espontâneo de inscrição do cabeça de casal e o interessado CC fossem incluídos na conta como co-titulares e, consequentemente, que tal conta, a partir do deferimento do pedido formulado, pudesse vir a ser movimentada com a simples assinatura de qualquer dos titulares da conta solidária.
Por outro lado, a inventariada e LL produziram a seguinte declaração: “Declaramos ter conhecimento e aceitar que todo o património existente neste momento, não só desta conta à ordem, mas também com eventuais contas que quaisquer outros tipos de depósitos a ela associados (com o mesmo radical do número de conta) nomeadamente de depósitos a prazo, poupanças, planos de poupanças reforma e outras, passa a ser propriedade na mesma proporção, das quatro pessoas a partir do vosso deferimento deverão ser consideradas titulares com igual direito sobre as referidas contas.”.
Entendemos ser manifesto que essa declaração escrita tem de ser interpretada como uma vontade translativa e que corporiza a liberalidade a que a inventariada quis proceder, e nessa medida dever-se-á considerar existir uma doação da inventariada ao cabeça de casal e ao interessado referido.
À interpretação dos actos das partes são aplicáveis os critérios de interpretação dispostos na lei substantiva para a declaração negocial (art.º 236.º, aplicável aos actos não negociais, ex-vi art.º 295.º, do Código Civil), aquele acto deve ser interpretado de acordo com o sentido que um destinatário normal, colocado na posição do real declaratório possa deduzir do comportamento da parte.
Do teor dessa declaração resulta manifesto que houve uma declaração de doação por parte da inventariada e aceite pelos destinatários e realizada em vida da inventariada.
O artigo 940º do Código Civil define doação como o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente, não considerando como tal a renúncia a direitos, o repúdio de herança ou legado, nem tão-pouco nos donativos conformes aos usos sociais.
O respetivo objeto pode consistir numa coisa móvel ou imóvel ou em direitos; o artigo 942º nº 1 proíbe a doação de bens futuros, todavia se a doação incidir sobre uma universalidade de facto que continue no uso e fruição do doador consideram-se doadas, salvo declaração em contrário, as coisas singulares que de futuro venham a integrar a universalidade.
O artigo 945º exige a aceitação do donatário, sem a qual existe uma mera proposta de doação, caducando se não ocorrer em vida do doador.
Tratando-se de doação de coisa móvel, a sua tradição material para o donatário ou do seu título representativo, em qualquer momento, é havida como aceitação, mas quando não ocorre a aceitação no ato nem a tradição, a aceitação está sujeita à respetiva formalização por escrito, à semelhança do que sucede também com a própria doação sem tradição, nos termos do artigo 947º.
À luz destas normas, a jurisprudência tem seguido diversas orientações no que diz respeito à doação de saldos de contas bancárias de um titular a favor do outro.
Com efeito, importa referir, antes de mais, que a mera autorização para movimentar as contas constituídas num banco, coloca, à partida, dúvidas quanto ao animus donandi ou à idoneidade do meio para uma entrega simbólica, na medida em que, contrariamente à contitularidade de conta solidária, a mera autorização chama à colação a concessão de poderes para agir em representação da proprietária dos valores e assim produzir os efeitos na esfera jurídica desta e não da representante.
Com efeito, importa referir, antes de mais, que se provou que foi declarado por escrito no momento em que o cabeça ade casal e o interessados foram constituídos contitulares das contas que, daí em diante, os montantes depositados nas contas passariam a pertencer-lhe.
A contitularidade das contas permitia a tradição simbólica, o que conjugado com o animus donandi, torna a doação válida; porém, a tradição exige que ocorram atos que traduzam o empossamento por parte daquele que adquiriu a posse, mormente, a realização de operações a débito que traduzam o exercício do poder de facto com animus de proprietário relativamente aos montantes depositados ou sejam praticados actos de aceitação d a doação.
Por outro lado, a declaração escrita demonstra que a intenção de doar, ia no sentido de beneficiar o cabeça de casal e interessado não apenas após a sua morte (o que se atenta a previsão do artigo 946º do Código Civil, apenas seria permitido se tivessem sido observadas as formalidades dos testamentos, o que não se verifica), mas sim beneficiar logo na data dessa declaração e aceitação pelo banco.
A circunstância de a irmã da inventariada se ter desvinculado das contas ou de ter ou não recebido algum valor não contende com a interpretação da declaração no sentido de se ter de considerar ter sido realizada essa doação por parte da inventariada.
Assim, impõe-se concluir que, parte dos valores desses saldos bancários já não se mantinham no património da inventariada no momento do óbito, e por isso não integram a herança.
Neste sentido e para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC, Processo: 1504/09.5TBFIG.C1, Relator: SÍLVIA PIRES, 29-01-2013, disponível na pág. da DGSI Sumário: I – O facto de na data do óbito existirem contas de depósitos bancários em nome do falecido não permite que se conclua que o saldo dessas contas pertencia necessariamente ao seu titular, integrando por isso o acervo da herança aberta pela sua morte.
II - A titularidade de uma conta de depósito bancário pode nada ter a haver com a propriedade das quantias nela existentes.
III – É válida a doação verbal do saldo de uma conta bancária desde que acompanhada da subscrição e entrega à donatária dos documentos para esta proceder à transferência ou levantamento da respectiva importância.
E o Ac da RG Processo: 94/21.5T8EPS-A.G1 Relator: PEDRO MAURÍCIO, 07-06-2023, Sumário: ..III - A titularidade da conta (depósito) distingue-se do direito de propriedade sobre o dinheiro nela depositado, pelo que importa distinguir sempre o aspecto bancário do aspecto real: nas relações com o banco, o titular da conta solidária pode fazer o levantamento da totalidade do depósito, mas tal não significa que a quantia depositada lhe pertença e muito menos que lhe pertença por inteiro. Apesar de qualquer dos depositantes poder exigir do banco a restituição integral do dinheiro depositado, ficando o banco libertado para com os demais credores, a verdade é que na esfera patrimonial do depositante que procede ao levantamento só se inscreve um direito real sobre o numerário se, efectivamente, lhe couber qualquer parte no saldo do depósito e apenas dentro dos limites dessa parte. Portanto, a importância do depósito pode pertencer a todos os titulares, a um só ou a alguns deles ou mesmo a um terceiro.
IV - Sendo os titulares da conta, não proprietários do dinheiro depositado, mas sim meros credores do Banco, então é inteiramente aplicável o enquadramento normativo das obrigações solidárias, regulado nos arts. 512º e ss. do C.Civil, nomeadamente o disposto no art. 516º relativamente à participação no crédito dos credores solidários.
V - Como decorre do disposto no art. 350º/2 do C.Civil, a forma de ilidir tal presunção prevista no referido art. 516º, será a demonstração de que o dinheiro depositado (ou até utilizado) pertence originariamente a um deles ou aos dois mas em diferente proporção..
Conforme se refere neste acórdão:«.Neste enquadramento, podemos assentar que:
- nas contas solidárias, há sempre que distinguir entre a titularidade da conta e a propriedade dos fundos, uma vez que a designação «solidária» exprime apenas e exclusivamente a disponibilidade dos valores depositados na conta, independentemente de quem seja de facto e juridicamente o proprietário desses valores;
- suscitando-se dúvidas sobre quem é o verdadeiro proprietário dos fundos de uma conta solidária, impõe-se apurar se tais fundos são pertença de apenas um dos titulares ou se são pertença de todos os titulares da conta;
- caso não se consiga apurar a qual dos titulares pertence o dinheiro, impõe presumir-se, à luz do disposto no art. 516º do C.Civil, que tal dinheiro pertence em partes iguais a cada um dos titulares da conta;
- caso se apure que o dinheiro da conta é pertença de todos os titulares (e não apenas de um deles), mas não se conseguia apurar qual a fracção correspondente a cada um deles, mantém-se a presunção no art. 516º do C.Civil (tal dinheiro pertence em partes iguais a cada um dos titulares da conta);
- e caso se apure que é pertença de apenas um dos titulares, ou, sendo pertença de pertença de todos eles, se apure que tal propriedade respeita a fracções (valores) distintas/diferentes, fica afastada a presunção do art. 516º do C.Civil…».
Igualmente, vide o Acórdãos STJ 304/17.3T8PVZ.P1.S1, Relator: MARIA OLINDA GARCIA, 02-11-2023 Sumário: A existência de valores pecuniários depositados numa conta bancária titulada por duas pessoas, não sendo essa conta movimentada por uma delas em vida da outra, não significa, por si só, que não tenha existido doação (total ou parcial) dos valores depositados. A conclusão sobre a existência, ou não, de alguma atribuição patrimonial terá de ser casuística, baseada na factualidade que revela a vontade das partes.».
E vide o Ac a RG Processo: 356/17.6T8BGC.G1, ALEXANDRA ROLIM MENDES 11-03-2021 Sumário: I- A doação de coisas móveis não depende de qualquer formalidade desde que haja tradição da coisa doada.
II- A mera constituição de um depósito bancário em nome conjunto do doador e de outra pessoa não representa necessariamente uma doação, enquanto não se conhecer a intenção do dono do dinheiro depositado.
III- Provando-se que foi intenção do titular que depositou o dinheiro que este passasse a ser propriedade do outro cotitular conclui-se que neste caso estamos face a uma doação acompanhada de “tradição” do bem doado pois a conta conjunta funciona como meio idóneo para tornar efetivo o apossamento das quantias depositadas.

Sendo o efeito principal de um contrato de doação a transmissão do direito de propriedade sobre os bens doados – art.º 954º, a) do C. Civil –, face à demonstração que inventariada, em vida, doou parte dos saldos das suas contas bancárias ao cabeça de casal e ao interessado referido, conclui-se que a propriedade de parte desses saldos já não pertencia ao titular dessas contas, à data da sua morte, mas sim daquela para cuja esfera jurídica haviam sido entretanto transferidos por efeito da liberalidade efectuada, pelo que não integram o acervo da herança.
O facto de o cabeça de casal ou o interessado não terem movimentado as contas em vida da doadora, ou de não terem feito depósitos nessas contas, não lhes retira a qualidade de donatários, dado que ficou demonstrada essa doação, e a aceitação da mesma, e movimentar, ou não, uma conta bancária não é necessariamente uma condição de aceitação de uma doação ou de tradição dos valores doados.
***
V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 8/5/2025
Ana Vieira
Isabel Peixoto Pereira
Francisca Mota Vieira