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LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - A livrança que contenha os requisitos essenciais referidos nos arts. 75.º e 76.º da LULL, constitui título cambiário autónomo e abstrato, que incorpora no título o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente, pelo que a mera colocação da assinatura numa letra/livrança confere ao portador de tal letra/livrança o exercício do respetivo direito cambiário, nada mais tendo de alegar ou provar. II - Nesse caso, cabe ao devedor cambiário o ónus de alegar e provar a falta de causa, se a livrança se encontrar no domínio das relações imediatas, podendo o subscritor defender-se por embargos de executado, alegando o preenchimento abusivo ou a inexistência de dívida.
Texto Integral
Apelação 11800/24.6T8PRT-A.P1
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
“Banco 1..., S.A.,” instaurou execução para pagamento de quantia certa, contra AA e BB, apresentando, como título executivo, duas livranças vencidas em 12.05.2024 e 27.05.2024 e peticionando a cobrança coerciva do capital das livranças, no valor global de € 66.990,96, acrescido de juros, à taxa de 4%, contados da data de vencimento das livranças, sendo os vencidos, por mero cálculo aritmético, de € 227,13.
Regularmente citados, vieram os executados deduzir embargos de executado, invocando, em síntese, a inexistência de causa de pedir, porque o exequente se limitou a juntar as livranças, sem alegar os factos essenciais subjacentes; a invalidade do requerimento executivo, quanto aos juros peticionados e porque desconhecem quais as operações bancárias subjacentes às livranças e aos valores em dívida, já que nunca foram interpelados para o pagamento; para além de impugnarem as assinaturas que constam das livranças, afirmando não conseguirem dizer se as assinaturas foram por si feitas.
Conclusos os autos, foi proferido despacho liminar com o seguinte teor: “I – Relatório. A exequente “Banco 1..., S.A.,” deduziu execução para pagamento de quantia certa, à qual foi atribuído o n.º 11800/24.6T8PRT, contra AA e BB, apresentando, como título executivo, duas livranças vencidas em 12.05.2024 e 27.05.2024 e peticionando a cobrança coerciva do capital das livranças, no valor global de € 66.990,96, acrescido de juros, à taxa de 4%, contados da data de vencimento das livranças, sendo os vencidos, por mero cálculo aritmético, de € 227,13.
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Os executados vieram, em 30.09.2024, deduzir embargos de executado, alegando, para o efeito e em síntese, o seguinte: 1º - A Inexistência de causa de pedir/ Ineptidão/Invalidade do requerimento executivo. Os embargantes alegam que o exequente se limitou a juntar as livranças, sem alegar os contratos subjacentes. Mais alegam os embargantes que o exequente, ao não fazer menção do pagamento de juros vencidos ou vincendos, não pode acrescer juros à quantia líquida. Alegam ainda os embargantes que desconhecem quais as operações bancárias subjacentes às livranças e os valores em dívida, sem que tenham sido interpelados para o pagamento. 2º - Impugnação. Os embargantes alegam que não conseguem afirmar se as assinaturas que constam das livranças como a si imputadas foram ou não por si assinadas, considerando-as, por isso, impugnadas.
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Os presentes embargos são extemporâneos quanto à executada/embargante BB, o que, só por si, determina o seu indeferimento liminar relativamente a tal embargante, nos termos do art. 732.º, n.º 1, al. a), do NCPC. Acresce que os presentes embargos são ainda manifestamente improcedentes, relativamente a ambos os embargantes, pelo que, também por si e quanto aos dois embargantes, devem ser indeferidos liminarmente, nos termos do art. 732.º, n.º 1, al. c), do NCPC.
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II – Fundamentação. A) Dos factos. Para apreciação dos embargos, importa ter presente os seguintes factos assentes por documento com força probatória plena ou por falta de impugnação, de forma absoluta ou eficaz: 1. A exequente apresentou à execução, como título executivo: a. a livrança cuja cópia foi junta como documento 1 do requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo inscrito, além do mais, em algarismos e por extenso, a importância de € 24.366,09; a referência a “...”, a data de emissão de “2020-02-28”; a data de vencimento de “2024-05-27”; no local do subscritor, assinaturas imputadas aos aqui embargantes; b. a livrança cuja cópia foi junta como documento 2 do requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo inscrito, além do mais, em algarismos e por extenso, a importância de € 42.624,87; a referência a “...”, a data de emissão de “2020-04-19”; a data de vencimento de “2024-05-12”; no local do subscritor, assinaturas imputadas aos aqui embargantes. 2. A exequente remeteu aos embargantes, por cartas registadas com avisos de receção, os escritos a si dirigidos constantes do rol dos documentos 2 do requerimento executivo, datados de 09.08.2022, com o teor que aqui se dá por reproduzido, contendo, entre o mais, o seguinte: 3. A exequente juntou os originais das livranças exequendas em 28.06.2024, conforme requerimento para esse efeito apresentado na execução. 4. Os executados foram citados para a execução, por contacto pessoal, em morada sita em Matosinhos, com data de 03.09.2024, 5. Sendo o executado AA sido citado em terceira pessoa, 6. E a executada BB citada na sua própria pessoa, conforme certidão de citação junta na execução em 06.09.2024. 7. Os executados deduziram os embargos em 30.09.2024. B) Dos factos e do Direito. Da extemporaneidade dos embargos quanto à embargante BB Como resulta dos autos, atentos os factos acima referidos, os ora embargantes foram citados para a execução contra si deduzida em 03.09.2024, por contacto pessoal em morada da comarca do Porto, sem que tenha sido arguida a falta ou nulidade da citação. Por conseguinte, sendo de 20 dias a contar da citação o prazo para a dedução de embargos de executado, nos termos do art. 728.º, n.º 1, do NCPC, sem que, quanto à executada BB, se aplique a dilação de 5 dias prevista no art. 245.º, n.º 1, al. a), do NCPC (quando a citação tenha sido concretizada em terceira pessoa), logo se conclui que, quando, em 30.09.2024, a referida embargante deduziu os presentes embargos, já havia precludido o prazo para o efeito, relativamente a si, sendo certo que os fundamentos da oposição à execução apresentados não são posteriores à citação. E, importa notar, o prazo do co-executado/embargante (que foi citado em 3ª pessoa e, por isso, beneficia da dilação de 5 dias, como acima referido) não aproveita à embargante BB, como resulta do art. 569.º, n.º 2, do NCPC (cfr. art. 728.º, n.º 3, do NCPC). Na verdade, o último dia do prazo em que a executada BB poderia ter apresentado os embargos corresponde ao dia 23.09.2024, sendo o 3º dia útil subsequente o dia 26.09.2024. Os embargos deduzidos pela executada BB são, pois, extemporâneos, devendo, por isso, ser indeferidos liminarmente, quanto a si, nos termos do art. 732.º, n.º 1, al. a), do NCPC. Do mérito dos embargos Os embargantes alegam que o exequente se limitou a juntar as livranças, sem alegar os contratos subjacentes. Mais alegam os embargantes que o exequente, ao não fazer menção do pagamento de juros vencidos ou vincendos, não pode acrescer juros à quantia líquida. Alegam ainda os embargantes que desconhecem quais as operações bancárias subjacentes às livranças e os valores em dívida, sem que tenham sido interpelados para o pagamento. Os embargantes, por fim, alegam que não conseguem afirmar se as assinaturas que constam das livranças como a si imputadas foram ou não por si assinadas, considerando-as, por isso, impugnadas. Vejamos: A título prévio, importa salientar que o alegado pelos embargantes não corresponde, manifestamente, a invocação de falta de certeza, de liquidez e de exigibilidade do título, pois a quantia exequenda resulta certa (quantia monetária), líquida (está quantificada na livrança) e exigível (consta da livrança a data de vencimento) das livranças exequendas. Acresce que os juros de mora são devidos desde a data de vencimento das livranças, nos termos do art. 48.º da LULLiv, de tal forma que é correta a liquidação dos juros, sendo os mesmos decorrentes de mero cálculo aritmético. Na verdade, o que os embargantes suscitam, em primeiro lugar, será antes a possível insuficiência da alegação do requerimento executivo, porventura na perspetiva da sua ineptidão. Sucede que é manifesta a improcedência desta pretensão. Concretizando, nos termos do art. 10.º, n.º 5, do NCPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva, sendo que, quanto à alegação do requerimento executivo, o que o art. 724.º, n.º 1, al. e), do NCPC exige é “apenas” a exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido executivo e, mesmo assim, somente quando tais factos não constem do próprio título. Ora, os títulos executivos dados à execução são duas livranças (e não um qualquer contrato subjacente), as quais, por força da abstração inerente ao título de crédito, valem por si como título executivo, sem necessidade, para este efeito, de invocação e prova da relação causal subjacente à emissão da livrança, contendo as mesmas todos os elementos exigíveis pelo disposto no art. 75.º da LULLiv – neste sentido se tem pronunciado unanimemente a jurisprudência, citando-se, a título exemplificativo, o Ac. RG de 09.10.2014, disponível em www.dgsi.pt. Daí que, contendo o título executivo, as livranças, todos os factos essenciais que fundamentam o pedido executivo e a obrigação cambiária que corporiza, e sendo, pois, irrelevante a falta de alegação da causa subjacente ou a junção de contrato/pacto associado, não se verifique ineptidão do requerimento executivo, nos termos do art. 186.º do NCPC, cumprindo a exequente o ónus de alegação exigido no processo executivo. Além disso, a livrança configura, por si só, título executivo, nos termos do art. 703.º, n.º 1, al. c), do NCPC, na qualidade de título de crédito (note-se, aliás, que, no caso, a livrança é apresentada como título cambiário e não como mero quirógrafo). Por outro lado, mas nesta mesma sequência, a alegação de desconhecimento de uma relação subjacente é inócua, sendo que, como já referido, a livrança vale, por si, como corporizando uma obrigação (cambiária) dos executados, independentemente da relação subjacente. Acresce que, mesmo estando em causa uma livrança emitida em branco, com possível abuso de preenchimento, a verdade é que tal alegação não foi apresentada pelos embargantes, limitando-se estes a imputar falta de alegação à exequente e desconhecimento sobre a relação subjacente. Ora, a emissão de livrança em branco mostra-se consentida pelo disposto no art. 10.º da LULLiv, estando, por natureza, subjacente à mesma uma autorização do seu preenchimento posterior, o qual, como vem sendo sustentado de forma tendencialmente unânime na doutrina e jurisprudência, não necessita de ser formal/expresso, podendo ser simplesmente consensual e resultar implícito, nomeadamente do próprio contrato subjacente. Por conseguinte, como referido no Ac. RP de 17.03.2016 (proc. 7133/12.9YYPRT, disponível em www.dgsi.pt), no caso da emissão de títulos cambiários em branco e seu subsequente preenchimento pelo credor, no quadro previsto pelo art. 10.º da LULLiv, “cabe ao subscritor em branco demonstrar o quid como qual o preenchimento é desconforme. Por conseguinte, se não lograr reconstruir em juízo os termos do acordo de preenchimento, o credor será admitido a exercer o seu direito cartular tal como o título o documenta.”. Para que a exceção de preenchimento abusivo possa proceder, tem o embargante de alegar factos reveladores de que o portador da livrança não estava legitimado a preencher a livrança nos termos em que o fez, nomeadamente por o valor aposto na livrança não corresponder àquele que se mostrava vencido e exigível na sequência do contrato subjacente, o que passa pela alegação dos termos do pacto de preenchimento (explícito ou, na sua falta, implícito) e pelo confronto com o seu efetivo preenchimento. Como se escreveu no Ac. RP de 09.04.2013 (proc. 199/12.3YYPRT-A, em www.dgsi.pt), “Ainda que a emissão da livrança exequenda tenha sido acompanhada da celebração de um pacto de preenchimento expresso e reduzido a escrito…, a livrança exequenda, constitui, por si só, título suficiente e bastante para fundamentar a execução. Com efeito, ainda que a mesma possa ter sido emitida e assinada pelo avalista/oponente em branco, como é comum no comércio bancário, quando a execução foi instaurada, a livrança encontrava-se devidamente preenchida, apresentando todos os requisitos definidos pelos arts. 75º e 76º da LULL, podendo servir de base à execução. Face à presunção de existência do direito contido num título executivo, o executado/oponente não se pode refugiar numa defesa conclusiva ou genérica … e ficando-se pela alegação de que não deve ou que desconhece se o valor aposto no título de crédito corresponde ou não ao valor em dívida ao exequente. Ou seja, e ainda que adoptássemos as teses mais favoráveis ao oponente relativamente a cada uma das questões por si suscitadas, os factos por este alegados mostram-se insuficientes e inócuos para afastar a responsabilidade do ora oponente quanto ao pagamento da livrança exequenda.”. Isto posto, importa atentar que, no fundo, os embargantes apresentam uma alegação genérica de impugnação, a qual, sem mais, nos termos em que a apresentam, é inócua, seja quanto à dívida propriamente dita, seja mesmo quanto às assinaturas imputadas aos embargantes que constam do título executivo. É que, como resulta do art. 574.º, n.º 3, do NCPC, equivale a confissão a mera alegação de desconhecimento de factos pessoais ou de que o impugnante deva ter conhecimento, onde se inclui necessariamente a celebração de contratos e a assinatura de documentos. Além disso, como resulta do art. 374.º do CC, a assinatura de um documento particular considera-se verdadeira, não só quando seja reconhecida ou não impugnada, mas também quando a parte a quem a assinatura é atribuída declare não saber se lhe pertence. A este propósito, apraz citar a seguinte parte da fundamentação do Ac. RC de 16.10.2007 (proc. 973/05.7TBPMS, em www.dgsi.pt): “Defende ainda o executado que, tendo impugnado as assinaturas constantes dos títulos executivos apresentados pela exequente, tratando-se de matéria de facto controvertida, o Tribunal "a quo" não poderia decidir, sem que houvesse lugar a uma prévia audiência de julgamento. Efectivamente, neste particular, o executado alega, na oposição à execução, que “…não se recorda de ter assinado qualquer documento, nomeadamente os títulos referidos nos presentes autos” (21º), “pelo que se impugna o teor dos documentos dados à execução pela exequente como títulos executivos, bem como a(s) assinatura(s) atribuída(s) como sendo do executado nos mesmos” (22º). Dispõe o artigo 376º, nº 1, do Código Civil (CC), que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”. Por seu turno, prescreve o artigo 374º, nº 1, do CC, que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou…”. Com efeito, a letra e a assinatura, ou a assinatura de um documento particular só se consideram como verdadeiras, se forem, expressa ou tacitamente, reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se, legal ou judicialmente, forem havidas como tais. Na verdade, muito embora não se trate de uma situação de reconhecimento expresso ou tácito da letra ou da assinatura da livrança e da proposta de crédito, que constituem inequívocos documentos particulares, como resulta do estipulado pelo artigo 363º, nºs 1, 2 e 3, atendendo à posição processual assumida pelo executado, devem as respectivas letra e assinatura ser havidas como verdadeiras, por força da lei, isto é, do preceituado pelo artigo 374º, nº 1, ambos do CC, porquanto, apesar de atribuídas ao executado, este declarou não saber se lhe pertencem.”. Importa notar que, no processo civil, cabe às partes alegar os factos que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as exceções invocadas, seja quanto a factos positivos, seja quanto a factos negativos, nos termos do art. 5.º do NCPC, o que não se cumpre com a mera alegação de impugnação. Nesta mesma linha de raciocínio e por força da previsão legal expressa no art. 374.º do CC, a parte que pretenda impugnar eficazmente uma assinatura que lhe seja imputável, de modo, nomeadamente, a justificar o prosseguimento da discussão/prova sobre tal matéria, tem de alegar, de forma afirmativa/concludente, que a assinatura não foi por si aposta, ou seja, que é falsa, não podendo bastar a mera impugnação conclusiva do documento e a alegação de mero desconhecimento quanto à veracidade da assinatura, sob pena de se ter a assinatura por verdadeira. No caso dos autos, interpretando devidamente a alegação dos embargantes, o que estes alegam é que desconhecem se as assinaturas foram por si apostas, o que, na sequência do acima exposto, implica que se tenham tais assinaturas por verdadeiras. É certo que, a dada altura, os executados acabam por aludir a impugnação das assinaturas, mas fazem-no, não como alegação afirmativa/concludente, mas apenas com o sentido de extraírem esse efeito de um facto que a tal não é adequado, ou seja, do alegado desconhecimento da veracidade das assinaturas. Destarte, considerando-se, face ao alegado, verdadeiras as assinaturas dos embargantes apostas nas livranças, improcede também qualquer relevância da mera impugnação conclusiva do documento e da alegação de desconhecimento da veracidade das assinaturas. Por fim, quanto à questão da interpelação dos embargantes, enquanto subscritores das livranças, como potencial facto determinante da exigibilidade da obrigação exequenda aos mesmos (o que, apesar de tudo, nem sequer vem suscitado nestes termos, litando-se os embargantes a afirmar a falta de interpelação), também os embargos são manifestamente improcedentes. Concretizando, no que respeita à exigibilidade da obrigação aos executados, na qualidade de subscritores, importa salientar que, sendo a dívida cambiária em si mesma uma obrigação com prazo certo, o vencimento e a exigibilidade ocorrem na data que consta como sendo a do vencimento da livrança (cfr. arts. 33.º e 48.º da LULLiv), contando-se os juros desde essa data. Por sua vez, mesmo que as livranças não tenham sido antes apresentadas a pagamento, o certo é que essa omissão, a ter existido, não implicaria a perda do direito de ação contra os embargantes, enquanto subscritores das livranças. De facto, como resulta do art. 53.º da LULLiv, aplicável diretamente ao regime das letras de câmbio, mesmo que a apresentação a pagamento não seja efetuada, tal não implica a perda do direito de ação contra o aceitante da letra, sendo clara neste sentido a formulação do texto legal (“O portador perdeu os direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante” – sublinhado nosso). Ora, quanto ao subscritor da livrança, sendo o mesmo responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (cfr. art. 78.º da LULLiv), a falta de protesto/apresentação a pagamento da livrança não extingue o direito de ação contra o mesmo, como decorre expressamente do art. 53.º da LULLiv. E, aliás, nem sequer tal sucederia se os embargantes fossem meros avalistas, pois entende o tribunal, em consonância com pelo menos a maioria da doutrina e jurisprudência, que, conjugando o previsto nos arts. 32.º e 53.º da LULLiv (aplicáveis às livranças por remissão do art. 77.º da LULLiv), sendo aquela norma especial em relação a este preceito genérico, e sendo o subscritor da livrança responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78.º da LULLiv), o direito de ação contra o avalista do subscritor da livrança não depende do protesto e da apresentação a pagamento – neste sentido, e para cujos argumentos se remete, entre outros, Ac. RP de 09.04.2013, proc 199/12.3YYPRT, em www.dgsi.pt. Assim sendo, no caso, reitera-se que seria irrelevante que não tivesse sido efetuada a apresentação a pagamento das livranças exequendas, pois dessa omissão não seria suscetível de decorrer a perda do direito de ação da exequente contra os embargantes, na qualidade de subscritores das livranças. Acresce que, quanto a comunicações prévias ao preenchimento das livranças, tal omissão também não implicaria o abuso de preenchimento das livranças e/ou a inexigibilidade da dívida exequenda titulada pelas mesmas. Na verdade, no que respeita à exigibilidade de comunicação/interpelação dos executados, na qualidade de subscritores das livranças exequendas, como facto determinante da exigibilidade/vencimento da obrigação subjacente à emissão das livranças, tal apenas poderia decorrer dos termos contratuais acordados e/ou da lei. No entanto, atento o ónus da alegação/prova, incumbia aos executados alegar factos dos quais se pudesse extrair a existência da obrigação contratual ou legal da exequente em proceder a essa comunicação/interpelação prévia, alegação essa que não foi feita. Além disso, não se vislumbra que seja exigível, seja por norma expressa, seja em decorrência do princípio da boa-fé, que o portador do título, independentemente dos termos do contrato, interpele os subscritores previamente ao preenchimento do título, concedendo um prazo alargado para que os mesmos cumpram o que decorre da sua obrigação contratual/legal. Importa salientar que, se, no caso de avalistas, há quem questione esta lógica argumentativa, dando-se ênfase à perspetiva de evitar uma situação de surpresa para os avalistas, tal já não encontra razão de ser quando se trata de devedores/subscritores da livrança, relativamente aos quais não se coloca a possibilidade de desconhecerem o incumprimento contratual subjacente e a inerente consequência de a livrança ser preenchida. Ora, os embargantes são subscritores das livranças e não avalistas. De qualquer modo, no entender do tribunal, a orientação jurídica seguida quanto ao subscritor da livrança vale, de igual modo, para o avalista. Nos termos expostos, decidiu o Acórdão do STJ de 25.05.2017 (proc. 9197/13.9YYLSB, em www.dgsi.pt), onde se sustentou o seguinte: “No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, antes de o portador do título o completar, não é condição de exequibilidade do mesmo que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, de que o primeiro não foi parte. VI - A lei cambiária não impõe ao portador do título que antes de accionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou. VII - A certeza, a liquidez e a exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art. 10.º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título que, assim, se mostra revestido de força executiva.” E, como se escreveu no Ac. RC de 06.10.2015 (proc. 990/12.0TBLSA, em www.dgsi.pt), a cujos argumentos se adere, “...uma tal interpelação prévia do avalista não é reclamada, ao menos expressamente, pela lei cambiária, o que explica que quem sustente uma tal exigência...não indique o texto legal em que ela, directa ou indirectamente, se contém. De outro aspecto, se a letra foi emitida em branco designadamente quanto à época do pagamento e se o portador, de harmonia com a convenção de preenchimento, lhe insere essa indicação, a obrigação pecuniária que incorpora considera-se vencida – e como tal exigível - nessa data (artº 805 nº 2, a), do Código Civil). De resto, a indicação da época do pagamento nem sequer constitui um elemento essencial da letra, no sentido de que não é necessária fazer-lhe, na letra, uma referência expressa: na falta dessa indicação, funciona a presunção – que só é absoluta nas relações mediatas – de que foi sacada à vista (artº 2, II, da LUsLL). Se, portanto, o portador preencher a data do vencimento, a obrigação cartular considera-se vencida no prazo indicado na letra; se deixar em branco a menção relativa a época do pagamento, a letra considera-se, presuntivamente, sacada à vista, vencendo-se, portanto, na data da respectiva apresentação (artº 34 da LUsLL). Em qualquer dos casos, a dívida considera-se vencida e é perfeitamente exigível, não estando aquele vencimento e esta exigibilidade dependentes de qualquer interpelação prévia. Com a entrega da letra em branco, atribui-se ao portador, entre outros, o direito de decidir, designadamente quanto ao momento da inserção na letra das estipulações cambiárias que determinam o conteúdo do direito cartular, deixadas em branco no momento da sua emissão e entrega. E a este propósito é útil recordar que – ao contrário de outros ordenamentos – entre nós a lei não fixa qualquer prazo para o exercício do poder de preenchimento, aspecto cuja regulação pode, por isso, ser deixada para o acordo de preenchimento – embora essa convenção raramente preveja a data do vencimento que deve ser aposta no título. Portanto, ao portador é lícito proceder a esse preenchimento no momento da instauração da execução que tenha por objecto a satisfação coactiva da prestação pecuniária incorporada na letra. Neste condicionalismo não se vê como é que o portador pode interpelar previamente o avalista ou outro subscritor da letra, sendo certo que tanto um como o outro tomarão, necessariamente, conhecimento do facto e dos termos do preenchimento com o acto da sua citação para a execução, em que lhes será lícito discutir – excepto se se tratar de portador mediato e de boa fé – a observância do pacto de preenchimento, tanto no tocante à justificação desse preenchimento como relativamente aos seus termos.”. Por conseguinte, mesmo que não tenha existido a referida interpelação prévia a avisar do preenchimento das livranças, não se verifica abuso de preenchimento das mesmas, verificando-se sempre a exigibilidade da dívida cambiária em si mesma, por ser uma obrigação com prazo certo, em que o vencimento e a exigibilidade ocorrem na data que consta como sendo a do vencimento da livrança (cfr. art. 48.º da LULLiv). Acresce que, mesmo que se entendesse necessária a informação/comunicação prévia para que a dívida fosse exigível, tal apenas teria a virtualidade de relegar o início da contagem dos juros de mora para o momento da citação para a execução e nunca a extinção do crédito exequendo e da execução. Destarte, é improcedente toda a alegação dos embargantes.
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Em suma, reitera-se que os embargos são manifestamente improcedentes, para além de extemporâneos quanto à embargante BB.
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III - Decisão. Nestes termos, vistas as indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, indefere-se liminarmente os presentes embargos de executado. Custas pelos embargantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem. Notifique.”
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Não se conformando com o assim decidido, vieram os executados/embargantes interpor o presente recurso, tendo sido julgado sem efeito, o recurso interposto em nome da embargante BB, sendo que o recurso interposto pelo embargante AA foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos de embargos e com efeito suspensivo.
Formulou o recorrente as seguintes conclusões das suas alegações: “I. O recorrente alegou nos seus embargos de executado em síntese que Inexistia causa de pedir e a ineptidão do requerimento executivo, com os fundamentos seguintes: II. A exequente apenas refere no seu requerimento executivo não efetua qualquer exposição factual, ainda que sucinta no seu requerimento executivo; III. Ora, a ausência de matéria de facto alegada não permite uma concreta individualização do núcleo essencial dos factos que estão na génese da obrigação dos executados; IV. Não dá sequer para perceber que tipo de contrato bancário deu origem ao preenchimento das livranças; V. A omissão dos factos essenciais obsta à prossecução da presente acção; VI. Neste sentido vejamos o disposto no Acórdão do STJ de 11.11.2021, proferido no âmbito do processo nº 27384/13.8T2SNT-B.L2.S1; VII. Em face do exposto, entende o recorrente inexistir causa de pedir no requerimento executivo, devendo portanto, ser decretada a sua ineptidão e consequente absolvição da instância; VIII. Vejamos, dispõe o artigo 724º, nº 1, alínea e), do CPC, 1 - No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente: (...) e) Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges; (negrito nosso) IX. Ao contrário do referido no despacho recorrido este preceito legal obriga a uma exposição, ainda que sucinta, dos factos que fundamentam o pedido quando não constem do título executivo; X. Neste sentido, vejamos o disposto no Acórdão do STJ de 30.05.2023, proferido no âmbito do processo nº 22108/18.6T8LSB-AL1.S1; XI. Ora, do título executivo, bem como do requerimento executivo não consta qualquer menção à origem da dívida e ao que a mesma se refere, não existindo a alegação de qualquer facto que sustente a execução; XII. Sendo, por esse motivo, impossível ao recorrente saber se os valores que se encontram preenchidos nas livranças são corretos ou não; XIII. Por outro lado, como pode o recorrente alegar factos relevadores de que o portador da livrança não estava legitimado a preencher a livrança, se nem sequer sabe a que contratos as livranças dizem respeito; XIV. E não sabe porque em momento algum o exequente os refere no seu requerimento executivo, motivo pelo qual torna a defesa dos embargantes impossível; XV. Como se refere no Acórdão do STJ supracitado a natureza e função da oposição por embargos de executado, tem vindo a qualificar-se como uma acção declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, com vista ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão, pelo que no plano formal a petição dos embargos de executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da acção declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reacção à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação; (negrito nosso) XVI. É por este motivo que o recorrente considera o requerimento executivo inepto; XVII. Por outro lado, o despacho recorrido refere que equivale a confissão a mera alegação de desconhecimento de factos pessoais ou de que o impugnante deva ter conhecimento, onde se inclui necessariamente a celebração de contratos e a assinatura de documentos; XVIII. Com o devido respeito, o aqui recorrente não fez uma mera alegação de desconhecimento de factos pessoais, mas sim uma verdadeira impugnação das assinaturas; XIX. Ora, é certo, que os embargantes devem reconhecer e ter conhecimento dos contratos que celebrados e das assinaturas neles apostas, no entanto, não podem os recorrentes, adivinhar a que contratos se devem as livranças, na medida em que ninguém lhes comunicou e em lado nenhum deste processo conseguimos verificar a que contratos se devem estes títulos; XX. Obviamente não pode o recorrente dizer categoricamente que não assinou estas livranças, se não sabe a que contratos as mesmas respeitam, não sabe se se referem a um crédito pessoal, ou da sua empresa, não faz a mínima ideia, e obviamente esta indefinição causada pela ausência de exposição factual do requerimento executivo tem impacto na elaboração dos embargos apresentados; XXI. Note-se o referido no requerimento inicial dos embargos quanto à validade das assinaturas Atendendo à ineptidão do requerimento inicial, os executados não conseguem saber se de facto assinaram estas livranças, pelo desde já impugnam as assinaturas nelas constantes; XXII. Com o devido respeito, não se entende a decisão do tribunal a quo, que considera que o desconhecimento da existência de uma assinatura num contrato desconhecido se considera como verdadeira; XXIII. Ora, obviamente o espírito do artigo 374º do CC, não é esse, aliás vejamos o disposto no nº 2 do mesmo artigo que dispõe o seguinte: Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade; XXIV. Em face do exposto, e com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo ao proferir despacho liminar de indeferimento dos embargos de executado; XXV. Por outro lado, no que respeita à falta de comunicabilidade da dívida, entende o tribunal a quo que, mais uma vez, competia aos executados a alegação da existência da obrigação contratual ou legal de proceder à comunicação da dívida, no entanto voltamos; XXVI. Ora, como já se disse supra, os embargos de executado materialmente, consistem numa reação à execução, ou seja, uma contestação, e o Recorrente não se pode defender, se não sabe sequer, a que contratos as livranças respeitam; TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Se requer muito respeitosamente a V/ Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, que assegurem o cumprimento das normas do nosso ordenamento jurídico e, nessa medida, deve ao presente recurso ser dado provimento total, revogando-se o despacho liminar recorrido e serem os embargos de executados devidamente admitidos; FAZENDO ASSIM, VOSSAS EXCELÊNCIAS, A INTEIRA E HABITUAL, JUSTIÇA!!!!”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede.
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III – OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão a apreciar é apenas de direito e prende-se com decidir se deve ser revogado o despacho recorrido que indeferiu liminarmente os embargos de executado e substituído por outro que receba a oposição à execução mediante embargos.
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IV – MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Nos termos do disposto no art. 10.º, nº 5 do CPC, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”.
Por sua vez, resulta do art. 703.º do mesmo diploma legal, quais as espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução, entre os quais se contam os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
As livranças em causa inserem-se precisamente na categoria dos títulos executivos do art. 703.º, nº 1, al. c) do CPC, tratando-se de títulos de crédito.
O apelante veio interpor o presente recurso, do despacho que indeferiu liminarmente os embargos à execução em que é executado.
Os títulos que serviram de base à execução são, como referido, duas livranças.
Dispõe o art. 731.º do CPC, quanto aos fundamentos de oposição à execução baseada noutro título que não a sentença ou o requerimento de injunção, que além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
O art. 729.º do CPC, por sua vez, prevê:
“Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”.
Para além destas disposições legais, cabe ter em conta que resulta do teor do art. 732.º do CPC, que ao proferir despacho liminar, o juiz apenas terá que apreciar em abstrato se ocorre alguma das situações referidas no nº 1 do preceito referido, exceto quando considere que os embargos são manifestamente improcedentes, caso em que terá que haver uma apreciação dos fundamentos respetivos.
Ora, no caso em apreciação, como consta da própria decisão recorrida, o recorrente invocou como fundamentos dos embargos:
- A Inexistência de causa de pedir/Ineptidão/Invalidade do requerimento executivo.
- Que não conseguem afirmar se as assinaturas que constam das livranças como a si imputadas foram ou não por si assinadas, considerando-as, por isso, impugnadas.
O tribunal recorrido, considerando os embargos da executada/embargante BB extemporâneos (o que não é objeto do presente recurso), entendeu que os embargos são, ainda, manifestamente improcedentes, o que constitui um dos fundamentos para o indeferimento liminar, concretamente o previsto na al. c), do nº 1, do art. 732.º do CPC.
Vejamos.
Tendo em conta os títulos dados à execução, e como já referido, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
Face à alegação do recorrente, o mesmo invoca a inexistência de causa de pedir e a ineptidão do requerimento executivo, dado que o exequente não alega os factos essenciais que fundamentem a sua pretensão, não permitindo perceber que tipo de contrato bancário deu origem ao preenchimento das livranças.
Ora, nos termos do disposto no art. 724.º, nº 1, al. e) do CPC, o exequente deve, efetivamente, no requerimento executivo, expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
Sucede que, o recorrente parece esquecer que os títulos que servem de fundamento à execução, são duas livranças, e que a livrança que contenha os requisitos essenciais referidos nos arts. 75.º e 76.º da LULL, constitui título cambiário autónomo e abstrato, que incorpora no título o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente.
Neste sentido, cfr., entre outros, todos disponíveis em gdsi.pt:
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021, Processo 2550/20.3T8SRE-A.C1, Relatora: Cristina Neves, onde se diz: “I- A livrança que contenha os requisitos essenciais referidos nos artºs 75º e 76º da LULL, constitui título cambiário autónomo e abstracto, integrado no elenco dos títulos executivos por via do disposto no artº 703º, nº 1, c) do C.P.C., incorporando no título o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente. (…) III- Dado o carácter autónomo e abstracto do título de crédito e a função de garantia do aval, só podem os avalistas opor-se à execução desta obrigação, se estiverem nas relações imediatas com o portador da livrança (artº 17º da LULL e 731º do C.P.C.), cabendo-lhes, nesse caso, o ónus de alegar e provar os factos referentes ao preenchimento abusivo do pacto de preenchimento e os meios de defesa oponíveis à relação causal, porque constituindo exceções de direito material (artº 342º, nº 2 do C.C.). IV- Não constando da petição de embargos os factos relativos ao pacto de preenchimento e à relação causal, nem que o avalista se encontre nas relações imediatas com o portador da livrança, não é esta omissão suprível, quer por via de contestação aos embargos, quer por despacho de aperfeiçoamento, impondo-se a rejeição liminar dos embargos, com fundamento na manifesta improcedência das exceções invocadas (artº 732º, nº 2, c) do C.P.C.).”.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-02-2019, Processo 3309/16.8T8VIS A.C2, Relator: BARATEIRO MARTINS, no qual se decidiu que: “1 - Da mera colocação da assinatura numa letra/livrança decorre, segundo a LU, um significado jurídico-negocial (um efeito de direito) preciso, o qual confere ao portador de tal letra/livrança o exercício do respectivo direito cambiário (o direito de exigir o pagamento de uma quantia em dinheiro com a simples apresentação da letra/livrança), nada mais tendo de alegar ou provar. 2 – Sendo a partir daqui, desta significativa vantagem (uma vez que há como que uma “inversão do ónus da prova”), que ao devedor cambiário cabe o ónus de alegar e provar aquilo que genericamente se designa como a “falta de causa”.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-09-2021, Processo 2449/18.3T8OER-A.L1.S1, Relator: FERREIRA LOPES, onde se diz: “I - Numa execução cambiária, isto é, baseada numa letra ou livrança que reúna os requisitos previstos na Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, o exequente não carece de alegar no requerimento executivo a relação fundamental subjacente à emissão do título, porque a obrigação do executado é formal e abstrata, decorre de ter aposto a sua assinatura no título; II – Encontrando-se a livrança no domínio das relações imediatas, pode o subscritor defender-se por embargos de executado, alegando o preenchimento abusivo ou a inexistência de dívida, cabendo-lhe a prova dos pertinentes factos.”.
E, finalmente, por refletir o nosso entendimento, passamos a transcrever o que se decidiu no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 07-11-2024, Processo 6213/24.2T8PRT-A.P1, Relatora: ISABEL PEIXOTO PEREIRA (e em que a, agora, relatora foi 1.ª Adjunta), onde se diz:
“I - Mesmo que no plano das relações imediatas, imprestável uma mera defesa pelo obrigado cambiário através de Embargos de Executado por simples impugnação ou mediante uma alegação abstracta, conclusiva, hipotética, dubitativa, interrogativa, sem qualquer concreta referência ao real e efectivo teor do contrato e ao efectivo e real teor do pacto de preenchimento, isto é, não basta alegar que o título não devia ter sido preenchido ou que foi preenchido de forma errada. É necessário que se alegue, por referência concreto e real teor do pacto de preenchimento e ao negócio que constitui a relação fundamental causal extracambiária, qual o motivo pelo qual o título não devia ter sido preenchido ou quais são os exactos termos e os correctos montantes que deveriam constar do título em obediência ao pacto de preenchimento.
II - É sobre o Executado/Embargante Avalista que recai o ónus de alegação e de prova de que se trata de uma Livrança que foi avalizada em branco, que o Avalista teve intervenção no pacto de preenchimento da Livrança, e a concreta forma e medida em que foi violado o pacto de preenchimento [factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito – art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil], sob pena de permanecer incólume a obrigação cambiária que resulta da literalidade do título de crédito.
III - Incumprindo este ónus de alegação de factos concretos, impõe-se o indeferimento liminar dos embargos, com fundamento na improcedência manifesta da excepção de preenchimento abusivo.
IV - Na relação cambiária, não há direito nem dever de informação do ato de preenchimento da letra ou livrança em branco. Esse direito de ser informado e esse dever de informar, a existirem, inserem-se na relação subjacente.
V - Não existe no direito cambiário um direito à informação sobre o preenchimento do título emergente de um dever de boa fé. A boa fé pode modelar o modo de prestar a informação, clara, completa e tempestiva, quando esse direito-dever exista com outra fonte, mas não pode fundar, não pode constituir a fonte daquele direito e daquele dever.
VI - Tal fonte terá de sê-lo o pacto de preenchimento ou, excepcionalmente, ainda, no plano das relações imediatas uma configuração particular da relação com o credor que possa reconduzir-se a uma fonte obrigacional do dever de informar do preenchimento do título.
VII - Sempre necessária a alegação das circunstâncias reais das quais resultaria, segundo a boa fé, a obrigação de comunicação. Na ausência desta, manifestamente improcedente a excepção.
VIII - A data em que ocorre o facto relevante para a exigibilidade da obrigação subjacente (tipicamente, o incumprimento definitivo) apenas marca o momento em que o portador fica constituído no dever de preencher a livrança em branco quando isso resulte do que foi acordado entre os intervenientes (do sentido que era possível deduzir tendo em conta as regras de interpretação previstas nos artigos 236.º a 238.º do CC), do que seria previsivelmente acordado se eles não tivessem omitido aquele ponto ou do que seria imposto pela boa fé, nos termos do artigo 239.º do CC.
IX - A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal vai no sentido de que, não se apurando que a vontade dos intervenientes tenha ou tivesse sido a de estabelecer condicionamentos à data de vencimento e, não sendo estes impostos pela boa fé (cfr. artigo 762.º, n.º 2, do CC), o portador da livrança em branco é livre de a preencher com a data que considerar conveniente.
X - Novamente carecida de alegação ou integração a imposição pela boa fé de tais limites, sendo a consequência, na falta desta, a improcedência da excepção do preenchimento abusivo.
XI - Admitindo que os avalistas possam invocar a prescrição da obrigação da devedora resultante dos contratos garantidos pelas livranças, o certo é que o ónus de alegação dos factos integradores da prescrição cabe aos embargantes.”.
Ou seja, perante uma obrigação cambiária em que o exequente, como ocorre no caso em apreciação, é portador de duas livranças, o exequente não carece de alegar no requerimento executivo a relação fundamental subjacente à emissão do título, porque a obrigação do executado é formal e abstrata, decorrendo de ter aposto a sua assinatura no título.
E assim sendo, o requerimento executivo não padece de falta de causa de pedir, nem se verifica a alegada ineptidão.
Cabia, antes, ao recorrente/embargante o ónus da alegação e prova das exceções que invoca nos embargos, o que não logrou fazer, como na decisão recorrida se concluiu.
Diz o recorrente que do título executivo, bem como do requerimento executivo não consta qualquer menção à origem da dívida e ao que a mesma se refere, não existindo a alegação de qualquer facto que sustente a execução; sendo, por esse motivo, impossível ao recorrente saber se os valores que se encontram preenchidos nas livranças são corretos ou não; como pode o recorrente alegar factos relevadores de que o portador da livrança não estava legitimado a preencher a livrança, se nem sequer sabe a que contratos as livranças dizem respeito; e não sabe porque em momento algum o exequente os refere no seu requerimento executivo, motivo pelo qual torna a defesa dos embargantes impossível.
Sucede que, como se refere na decisão recorrida, o alegado pelos embargantes não corresponde, manifestamente, a invocação de falta de certeza, de liquidez e de exigibilidade do título, pois a quantia exequenda resulta certa (quantia monetária), líquida (está quantificada na livrança) e exigível (consta da livrança a data de vencimento) das livranças exequendas. Ao que acresce que os juros de mora são devidos desde a data de vencimento das livranças, nos termos do art. 48.º da LULL, de tal forma que é correta a liquidação dos juros, sendo os mesmos decorrentes de mero cálculo aritmético.
Deste modo, temos de concordar que a alegação de desconhecimento de uma relação subjacente é inócua, dado a livrança valer por si, como corporizando uma obrigação (cambiária) dos executados, independentemente da relação subjacente.
Desde logo, porque a lei permite a emissão de livrança em branco, como resulta do disposto no art. 10.º da LULL, estando subjacente à mesma uma autorização de preenchimento posterior, a qual não necessita de ser formal/expressa, podendo ser simplesmente consensual e resultar implícita.
A exceção de preenchimento abusivo do título tem de ser comprovada por aquele de quem é exigido o cumprimento, demonstrando factualmente onde foram desrespeitadas as condições acordadas aquando da emissão e comprovando como o portador delas se afastou (cfr. Ac. Tribunal da Relação do Porto de 05-06-2017, Processo 1108/14.0T2OVR-A.P1, Relator: Manuel Fernandes).
Assim, para que a exceção de preenchimento abusivo possa proceder, tem o embargante de alegar factos reveladores de que o portador da livrança não estava legitimado a preencher a livrança nos termos em que o fez, não se afigurando suficiente a impugnação genérica feita pelo embargante/recorrente, quer quanto à dívida em si, quer quanto à assinatura que consta dos títulos executivos, por se tratar de mera alegação de desconhecimento de factos pessoais ou de que o impugnante deva ter conhecimento, nos termos do disposto no art. 574.º, nº 3 do CPC.
E não colhe a alegação do recorrente no sentido de que não pode saber se os valores que se encontram preenchidos nas livranças são corretos ou não, ou que não sabe a que contratos dizem respeito (a não ser que tenha celebrado tantos contratos bancários e tenha assinado tantas livranças em branco que não lhe seja possível recordar), como não colhe a alegação de que impugnou efetivamente a assinatura, até porque, nas próprias conclusões do seu recurso refere que “os executados não conseguem saber se de facto assinaram estas livranças”.
Ao contrário do que o recorrente refere, quando no art. 374.º do Código Civil, se dispõe, no que para o caso interessa, que a assinatura de um documento particular se considera verdadeira quando a parte contra quem o documento é apresentado declare não saber se lhe pertence, apesar de lhe ser atribuída; e que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade, este preceito deve ser interpretado, aliás, à letra, no sentido de que a assinatura se considera verdadeira quando é atribuída à pessoa que declara não saber se lhe pertence, apenas cabendo à parte que apresentar o documento, a prova da sua veracidade, quando a assinatura não é imputada a quem declara não saber se é ou não verdadeira.
Improcedem, pois, os fundamentos do recurso, o qual, assim, deve ser julgado totalmente improcedente.
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III. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo do recorrente.
Porto, 2025-05-08
Manuela Machado
Francisca Mota Vieira
Ana Vieira