SEGURO RAMO VIDA
QUESTIONÁRIO
RESPOSTAS DO SEGURADO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Sumário

I - No âmbito do seguro do ramo vida releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham a proposta, sendo estes um instrumento para a seguradora alicerçar a decisão de contratar e proceder à avaliação concreta do risco que assume.
II - Assim, o elemento decisivo para a celebração do contrato é o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que não são aí feitas perguntas inúteis ou vagas e, através deste, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar. É através deste questionário que a seguradora faz saber ao candidato as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco – são aquelas que determinam a celebração do contrato e as suas condições.
III - Com a entrada em vigor do RJCS (DL 72/2008, de 16.04), no que toca à situação de declaração inicial de risco, a obrigação do segurado não se reduz à sua obrigação de informação aos termos do questionário fornecido pelo Segurador.
IV - As respostas devem reproduzir com inteira fidelidade a situação clínica que é do conhecimento do segurado e essas respostas são da exclusiva responsabilidade do segurado, ao assinar a proposta de adesão e o questionário médico.
V - No caso vertente, logrou a Ré, A... - Companhia de Seguros de Vida, S.A., fazer prova de que o marido da Autora, aquando da formalização da proposta de seguro, omitiu, voluntariamente, alguns pontos relevantes do seu estado de saúde e que tal omissão teve influência na aceitação do risco por parte da companhia de seguros, assistindo-lhe, por isso, o direito de anular o contrato e de negar a assunção de cobertura do risco.”

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção

ECLI:PT:TRP:2025:3067/23.0T8GDM.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

AA, residente na Travessa ..., ..., ..., ... ..., ... instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra A... - Companhia de Seguros de Vida, S.A., com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, onde concluiu pedindo seja:

a) declarado de nenhum efeito a comunicação de anulabilidade do contrato de seguro efectuada pela ré;

b) declarado válido e eficaz tal contrato de seguro à data de 20/12/2011;

c) condenada a ré ao respectivo reconhecimento, bem como ao cumprimento de todas as obrigações daí decorrentes;

d) declarado nula qualquer (quaisquer) cláusula(s) geral(ais) ou particular(es) do referido contrato de seguro ou declaração de saúde, eventualmente subscrita(s) pelo dito marido da autora, se interpretada(s) no sentido de que era exigido a este, no momento da celebração do contrato de seguro, o fornecimento de qualquer outro elemento informativo ou documental, para além dos que forneceu, para fazer operar de forma válida, eficaz e bastante as obrigações, e respectivo cumprimento, reclamados da ré;

e) declarado verificado, na pessoa do marido da autora, desde 19/10/2022, a situação de óbito prevista no clausulado daquele seguro, condenando-se a ré no respectivo reconhecimento;

f) condenada a Ré a substituir-se ao marido da autora e a esta na obrigação de pagamento de todas as importâncias líquidas e liquidáveis ao abrigo das obrigações para estes decorrentes do empréstimo identificado na petição inicial, de 19/10/2022 em diante, acrescidas dos juros de mora à taxa legal;

g) condenada a ré a pagar à autora, reembolsando-a, as quantias monetárias que esta, entretanto e posteriormente a 19/10/2022, entregou à identificada entidade mutuante por conta do empréstimo bancário em referência, a título de prestações mensais de capital e juros, portes e de prémios de seguro, num total que, à data da entrada em julgado da acção, perfazia o montante de € 4.133,58;

h) condenada a ré a pagar à autora, reembolsando-a, as quantias monetárias que esta, desde o dia 19/10/2022 até à prolação de sentença definitiva, entregou ao identificado banco por conta do empréstimo em referência, a título de prestações mensais de capital e juros, a liquidar em incidente próprio;

i) condenada a ré a pagar ao Banco 1..., o montante total remanescente do que, aquando da prolação de sentença, ainda estiver por restituir à mesma entidade mutuante, referente ao mencionado empréstimo, cujas prestações se venceriam daí em diante, com os juros convencionais e todos os demais acréscimos contratuais previstos, designadamente, para a amortização antecipada, a liquidar em incidente próprio.

Alegou, em síntese, que a autora e o seu falecido marido, BB, celebraram com a ré, no contexto da concomitante celebração de dois empréstimos bancários com o Banco 1..., um seguro de vida, com início de vigência em 20/12/2011, com vista a assegurar o pagamento dos referidos empréstimos em caso de morte e invalidez total e permanente de 75%, titulado pela apólice ...51.

Acrescentou que tendo o seu marido vindo a falecer por doença em 19/10/2022 e tendo a autora participado o sinistro à ré, esta última recusou o seu pagamento e anulou o contrato de seguro com fundamento de que o segurado não havia prestado toda a informação necessária aquando da contratação do seguro.


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Citada, a ré “A... - Companhia de Seguros de Vida, S.A.” contestou.

Alegou, em síntese, que a doença que causou a morte do marido da autora era anterior à celebração do contrato de seguro, resultando do certificado de óbito como co-causas de morte “doença renal crónica estádio 5” e “cetoacidose diabética”, sendo certo que o falecido marido da autora já sofria de diabetes mellitus desde 2008, estava medicado com insulina desde 2010 e era seguido em consulta de endocrinologia desde 2010, apresentando retinopatia diabética com lesões microvasculares.

Mais alegou, que, nos termos do contrato, estão excluídas as indemnizações decorrentes de doenças ou acidentes que resultem do consumo de bebidas alcoólicas, sendo certo que na documentação clínica do falecido marido da autora são mencionados “hábitos etílicos de risco no passado”, bem como “défice cognitivo de etiologia vascular com contributo de etilismo crónico”.

Alegou, ainda, que, não cobrindo o contrato de seguro o pagamento de importâncias seguras no caso de o sinistro ser resultado de situações pré-existentes à data da celebração do contrato ou do consumo de bebidas alcoólicas, não está a ré obrigada ao pagamento da importância segura.

Alegou, também, que, aquando da celebração do contrato de seguro, o falecido marido da autora preencheu um questionário clínico respondendo negativamente a todas as questões que ali lhe foram colocadas, estando ciente dos problemas de saúde de que já padecia e não os declarando, tendo nessa medida, viciado a vontade de formação do contrato de seguro por parte da ré, que não teria celebrado o contrato se conhecesse a condição de saúde do marido da autora pelo que, nessa medida, o contrato de seguro é anulável e a ré nada deve à autora.

Mais alegou, que cumpriu com a autora e o seu falecido marido todos os deveres de informação a que estava obrigada, o que aqueles declararam e assinaram aquando da respectiva celebração.


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Notificada, a Autora respondeu às excepções invocadas pela ré.

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Foi proferido despacho saneador.

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Em 7/03/2024 o Banco 1..., S.A. prestou os esclarecimentos solicitados pelo tribunal e juntou documentos.

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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, com observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença que absolveu a Ré dos pedidos formulados pela A..

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Não se conformando com a decisão proferida, veio a autora AA interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:

I.A Recorrente e o falecido marido celebraram com a Recorrida um contrato de seguro de vida, em 20/12/2011,

II. O falecido marido padecia de Diabetes desde 2008, estando medicado e levando uma vida perfeitamente normal,

III. De forma inconsciente, orientado pela funcionária da Ré, omitiu esta informação no questionário de saúde que lhes foi apresentado,

IV. Em 2021, o falecido marido da Recorrente ficou doente, tendo-lhe sido diagnosticada demência, pelo Centro Hospitalar do Porto.

V. Veio a falecer em 19 de Outubro de 2022, no Centro Hospitalar do Porto.

VI. No Certificado de Óbito é atribuída a causa da morte a falência multiorgânica e não a diabetes.

VII. Esclarece a Testemunha Dr. CC que a demência é que condicionou a estratégia. A diabetes é tratável e que se não tivesse outras doenças, não teria falecido. Referiu que a cetoacidose diabética não foi a causa da morte e que nem deveria constar no certificado de óbito.

VIII. A testemunha Dra. DD, médica que elaborou e assinou a Declaração de óbito, informou que a causa direta da morte constante do certificado de óbito é apenas a colocada da primeira alínea, ou seja, falência multiorgânica. As restantes alíneas mencionam outras doenças. Refere ainda que a diabetes tem anos de evolução e é controlada com medicação.

IX. Não existe nexo causal entre a omissão e a causa morte.

X. Fez o tribunal a quo uma errada apreciação da prova na interpretação da mesma, e das conclusões extraídas;


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Foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

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2. Factos

2.1 Factos provados

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

Da petição inicial

1. A autora e o seu marido BB subscreveram o seguro através da celebração de um contrato de seguro do ramo vida entre o falecido marido da autora, a autora e a ré, com cobertura de morte e invalidez total e permanente de 75%, titulado pela apólice ...51.

2. Tendo como pessoas seguras a autora e o seu cônjuge falecido, por capital seguro igual ao valor do empréstimo.

3. A autora e o marido preencheram a proposta de seguro e uma declaração de saúde.

4. O Banco 1..., deu o seu consentimento para a celebração deste seguro de vida.

5. Ficou estabelecido o pagamento dos prémios de seguro com uma periodicidade mensal, através de débito direto na conta bancária da pessoa segura, passando assim a liquidar os prémios do seguro.

6. A adesão foi aceite pela ré, à tarifa normal, sem qualquer exclusão e/ou agravamento, tendo por base os elementos e as declarações prestadas pelos proponentes na referida proposta de adesão, e o contrato de seguro iniciou a produção dos seus efeitos em 20 de Dezembro de 2011.

7. A ré aceitou a contratação da cobertura do risco com base na proposta de adesão subscrita pelos interessados, não tendo sido necessário exames médicos adicionais, de acordo com os critérios internos de conjugação de idade e capital em risco.

8. O falecido marido da autora padecia de Diabetes desde 2008.

9. Em 2021 foi diagnosticada demência, nomeadamente nas consultas de 22 de julho de 2021 e em 17 de fevereiro de 2022, onde foi detetado défice cognitivo de etiologia vascular com contributo de etilismo crónico, conforme declaração emitida pelo Centro Hospitalar do Porto em 9 de janeiro de 2023.

10. Até 2014, o falecido tinha função renal, conforme consta na Informação clínica de 10 de Janeiro de 2023, o que se verificou na realidade até 2021.

11. Só em Fevereiro de 2022, foi avaliado pelo Serviço de Urgência e médico de família tendo sido verificado um agravamento da função renal.

12. Fez ecografia renal sem alterações relevantes, observando-se os rins de dimensões normais.

13. Em inícios de Agosto de 2022, o falecido, viu-se obrigado a recorrer ao serviço de urgência do Centro Hospitalar do Porto, devido à demência, uma vez que ficou sem sentidos e sem reação e apresentava as tensões muito altas.

14. Nesta data, foi diagnosticada insuficiência renal rapidamente progressiva pelo Exmo. Sr. Dr. CC na consulta de Nefrologia.

15. Em 8 de Outubro de 2022, deslocou-se novamente ao serviço de urgência do Centro Hospitalar do Porto, por apresentar as tensões entre 19 e 20, onde ficou internado nos Serviços de Nefrologia.

16. O cônjuge da Autora veio a falecer, em 19 de Outubro de 2022, depois de ter estado internado desde o dia 8 de Outubro.

17. Foi emitida pelo Centro Hospitalar do Porto nota de falecimento com relatório de todo o processo hospitalar.

18. O óbito foi comunicado à ré que solicitou informação complementar ao Centro Hospitalar do Porto.

19. Em 9 de Janeiro de 2023, o Centro Hospitalar do Porto remete informação acerca das consultas realizadas em 22 de Julho de 2021 e 17 de Fevereiro de 2022, reportando o “défice cognitivo de etiologia vascular com contributo de etilismo crónico”.

20. Em 10 de janeiro de 2023, o Centro Hospitalar do Porto remete informação clínica.

21. Junta ainda o Certificado de Óbito Nº ...20, atribuindo a causa da morte a, embora sem autópsia:

a. Falência multiorgânica;

b. Doença Renal crónica estádio 5;

c. Cetoacidose diabética;

d. Demência fronto temporal, DM tipo 1, nefropatia diabética provável.

22. Em 17 de fevereiro de 2023, a ré comunica que se recusa a proceder ao pagamento do capital seguro, e anulou o contrato de seguro com o argumento de que o segurado falecido não prestou toda a informação necessária aquando da contratação do seguro.

23. Desde 2011 até à presente data, sempre foram realizados os pagamentos das mensalidades dos seguros junto do Banco.

24. Após o falecimento do seu marido e a decisão de recusa da ré, a autora não faltou ao pagamento.

25. A prestação mensal do imóvel é atualmente de € 144,75 mais € 111,57, acrescendo € 10,02 de seguro multirriscos e € 25,66 de seguro de vida, o que perfaz a quantia de € 292,00.

Da contestação

26. Foi celebrado um contrato de seguro de vida individual - Crédito À Habitação - Vida Habitação Plus, 2 Cabeças, titulados pela apólice n.º ...51, celebrado entre ré, enquanto seguradora, o Banco 1... S.A., enquanto beneficiário e a ora autora e o seu falecido marido, BB (tomador de seguro), na qualidade de pessoas seguras.

27. A referida apólice de vida tinha como coberturas principais contratadas a Morte e a Invalidez Total e Permanente por Doença ou acidente

28. O falecido segurado e a autora foram informados sobre as coberturas do seguro a que aderiam.

29. A proposta de seguro foi subscrita com capital seguro inicial totalizado em € 10.600,00.

30. O referido contrato de seguro é individual, do ramo vida, contributivo e anual.

31. E teve o seu início de produção de efeitos em 20 de dezembro de 2011, pelo prazo de um ano, renovando-se automaticamente para os seguintes.

32. O contrato de seguro de grupo tinha e tem como beneficiário o Banco 1..., S.A..

33. O contrato de seguro está associado à celebração de um contrato de mútuo outorgado entre as pessoas seguras e a instituição bancária.

34. Tal seguro de vida é feito em benefício do Banco que, por essa via, pretende assegurar o recebimento do capital mutuado em dívida à data do eventual sinistro que envolva a pessoa segura, sinistro esse que poderá colocar em perigo a solvabilidade do crédito mutuado.

35. O Banco atua como agente de seguros autorizado a distribuir seguros dos ramos vida, atuando, nessa qualidade, em nome e por conta da ré.

36. Sendo parte no contrato com o segurador, a par da sua intervenção como intermediário ao momento da contratação.

37. No momento anterior à adesão ao seguro em apreço as pessoas seguras subscreveram o Boletim de adesão e preencheram o Questionário (clínico) de subscrição.

38. Em 27 de dezembro de 2022 foi participado um sinistro morte, tendo o mesmo sido acompanhado do assento de óbito, Nota de Alta do Internamento de Nefrologia e Diário Clínico do Hospital ... - Centro Hospitalar do Porto e Habilitação de Herdeiros.

39. A ré, na sequência daquela participação, diligenciou pela abertura de processo de sinistro associado à apólice em vigor, para averiguação e enquadramento do mesmo nas coberturas contratadas.

40. Tendo solicitado documentação complementar ao sobredito Hospital, nomeadamente o processo clínico do falecido, informação clínica respeitante, seguimento do falecido em consultas e certificado de óbito.

41. Em face da documentação clínica recebida e da análise feita pelos médicos que prestam serviços à ré, veio a recusar-se a assunção do sinistro, o que a ré comunicou por carta datada de 17 de fevereiro de 2023.

42. Prevê o contrato de seguro o seguinte: “4.2. Exclusões específicas: 4.2.1. Para a cobertura principal: “Morte” (todas as modalidades disponíveis), excluem-se indemnizações decorrentes de: 4.2.1.12. Acidentes ou doenças anteriores à data de entrada em vigor deste contracto, salvo o caso em que tenha havido comunicação formal à Seguradora e expressa aceitação por parte desta, mediante as condições que para o efeito tenham sido expressa e detalhadamente estabelecidas”.

43. Nos presentes autos a patologia que determinou a morte da Pessoa Segura é anterior à celebração do contrato de seguro.

44. Do certificado de óbito junto aos autos constam, como causas da morte, as seguintes:

a. Falência multiorgânica;

a. Falência multiorgânica;

b. Doença renal crónica estádio 5;

c. Cetoacidose diabética;

d. Demência fronto temporal, DM tipo 1, nefropatia diabética provável.

45. De acordo com o processo clínico do falecido resulta que o mesmo teve consulta de nefrologia em 02/08/2022, por doença renal crónica associada a diabetes mellitus.

46. Sendo que a pessoa segura falecida havia sido diagnosticada com diabetes mellitus em 2008.

47. Tendo sido medicado com antidiabéticos orais e desde 2010 medicado com insulina.

48. Frequentou a consulta de endocrinologia desde 2010, apresentando retinopatia diabética com lesões microvasculares.

49. Constando da informação clínica antecedentes de hábitos tabágicos e etílicos.

50. Constando ainda da aludida documentação que a pessoa segura veio a falecer de insuficiência renal rapidamente progressiva.

51. Em 2011, aquando da celebração do contrato, o falecido marido da autora nada declarou relativamente ao diagnóstico de diabetes mellitus em 2008 e medicação com insulina desde 2010.

52. Prevê o contrato de seguro o seguinte: “4.2. Exclusões específicas: 4.2.1. Para a cobertura principal: “Morte” (todas as modalidades disponíveis), excluem-se indemnizações decorrentes de: 4.2.1.3. Doenças ou acidentes que sobrevenham à Pessoa Segura em resultado do consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico;”.

53. Resulta da documentação clínica junta, nomeadamente dos antecedentes patológicos do falecido, a referência a “hábitos etílicos de risco no passado”.

54. De acordo com o atestado da consulta de Neurologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, de 09.01.2023, o quadro clínico do falecido era sugestivo de défice cognitivo de etiologia vascular com contributo de etilismo crónico.

55. O falecido marido da autora sabia e não podia desconhecer o seu quadro clínico.

56. Não obstante, o falecido marido da autora preencheu os questionários (clínicos) de subscrição respondendo negativamente a todas as questões ali apresentadas, a saber:

a. 1. Está de baixa por acidente ou doenças, ou segue algum tratamento médico?

b. 2. Sofre ou sofreu, nos últimos 5 anos, de alguma doença?

c. 6. As análise, exames radiológicos e/ou consultas médicas, realizadas nos últimos anos, manifestaram ou identificaram alguma doença ou alteração?

57. O falecido marido da autora apôs a sua assinatura da Declaração de Saúde II constante naquele questionário, expressamente declarando “(…) estar em bom estado de saúde, não sofrer de qualquer doença de qualquer etiologia (cardíaca, pulmonar, tumoral, imunológica, renal, obesidade, circulatória, hepática ou qualquer outra), não ter sido submetido…, não ter efectuado consulta médica não de rotina…”.

58. O falecido marido da autora quis, assim, omitir e omitiu a referência aqueles exames e patologias, bem como, à referenciação para acompanhamento na especialidade.

59. Preveem o ponto 20.1 das Condições Gerais (página 7) e o ponto 3 alínea a) das Condições Particulares do contrato de seguro a obrigação de a pessoa segura declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador - cfr. ponto 20.1 das Condições Gerais já juntas já junto (página 7) e ponto 3 alínea a) das Condições Particulares.

60. Caso a ré tivesse tido conhecimento da existência daquele quadro clínico, mormente da existência de diabetes mellitus com toma de insulina, a par de todos os hábitos e factores de risco, com referenciação para acompanhamento em consulta de especialidade, não teria desde logo procedido à aceitação do contrato de seguro;

61. Ao invés, a ré teria pedido esclarecimentos adicionais, mormente aguardando ou pedindo esclarecimentos de diagnóstico.

62. Não celebrando o contrato de seguro em causa.

63. No momento da subscrição do contrato de seguro a autora e o seu falecido marido expressamente declararam que previamente ao acto de preenchimento do boletim de adesão tomaram conhecimento das condições contratuais, através de espécimenes que lhe foram fornecidos e consentir com a efectivação do contrato, bem como que lhes foram prestadas todas as informações necessárias sobre os direitos e deveres decorrentes da celebração do contrato.

64. Declararam ainda ter respondido com veracidade, exactidão e sem omissão às perguntas constantes na declaração de saúde e ter conhecimento que falsas declarações, inexactidões ou omissões que possam influir na avaliação do risco levam à anulação do Certificado Individual de Seguro.

Da resposta

65. A autora sempre pagou as prestações assumidas, mesmo após o falecimento do marido, descriminadas no ponto 65 da sentença.

66. Assim, relativamente ao Empréstimo ...96, pagou um total de € 1.682,02 em prestações.

67. E no que respeita ao Empréstimo ...96, pagou um total de € 2.284,10 em prestações.

68. Em 19/10/2022 a dívida relativa ao Empréstimo ...96 era de € 12.807,89.

69. E a dívida relativa ao Empréstimo ...96 era de € 13.564,77.


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2.2. Factos Não Provados

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

Da petição inicial

a. A autora e marido, BB, contraíram dois empréstimos junto do Banco 1...:

b. um em 23 de Setembro de 2003, no valor de €24.000,00, a liquidar em 372 meses;

c. e outro em 20 de Dezembro de 2011, no valor de €19.000,00, a liquidar em 312 meses.

d. Foi-lhes exigida, como condição da concessão do referido crédito, a subscrição de um seguro de vida.

e. No momento da celebração do respetivo seguro de vida, a autora e o seu cônjuge, prestaram toda a informação que lhes foi solicitada e aquando do preenchimento da declaração de saúde, foram aconselhados e escrever “Não” em todas as questões.

f. Nada foi exigido ou solicitado à autora ou ao seu cônjuge, nem nenhuma informação lhes foi comunicada, quanto a omissões ou inexatidões.

g. A patologia pré-existente foi comunicada à Ré verbalmente e desvalorizada pela mesma no momento em que sugere que respondam com um “Não”, nunca tendo havido intenção da Autora e seu marido de esconder ou negar qualquer informação.

Da resposta

h. Aquando do preenchimento da declaração de saúde, nada foi questionado à autora e ao seu falecido marido e foram simplesmente aconselhados a responder “Não” em todas as questões.

i. Aquando da subscrição do seguro, a autora e o seu falecido marido comunicaram verbalmente à funcionária bancária que os atendia que aquele último sofria de diabetes, tendo tal facto sido desvalorizado por esta, a qual sugeriu que respondessem com um “Não” às questões colocadas.


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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:

- Da impugnação da matéria de facto;

- Do mérito da decisão.


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4. Conhecendo do mérito do recurso:

4.1. Da impugnação da Matéria de facto

A Apelante defende existir erro notório na apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

Defende, ainda, ser manifesto existir nos autos matéria de facto suficientemente clara que permite concluir que em momento algum a Apelante e o seu falecido marido pretenderam enganar a Recorrida, pelo que o tribunal a quo não poderia nunca ter dado como adquirido que houve má-fé ou dolo da Recorrente e marido na sua relação com a aqui Recorrida.

Vejamos, então.

Como condição específica de admissibilidade do recurso na impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a lei processual impõe ao recorrente os ónus processuais de alegação recursiva previstos no artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, que determina:

«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.».

Tal como se fez dogmática na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…); e um ónus secundário - tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”

Estes ónus assumem-se verdadeiramente como “garantia de um julgamento equitativo das questões de facto e da legitimidade da decisão que sobre elas venha a recair, com observância dos princípios do contraditório e do tratamento igual das partes. Por outro lado, o legislador terá sido cauteloso em não permitir a utilização abusiva ou facilitação do mecanismo-remédio de impugnação da decisão de facto. Aliás, mal se perceberia que o impugnante atacasse a decisão de facto sem ter bem presente cada um dos enunciados probatórios e os meios de prova utilizados ou a utilizar na sua fundamentação cirúrgica. Daí a cominação severa da sua imediata rejeição.”

Assim, o recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir “sob pena de rejeição” vários ónus de especificação que podem ser assim enunciados:

- especificação dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida;

- indicação das concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão;

- indicação da decisão (diversa da recorrida) que, no seu juízo, se impõe quanto a cada um dos pontos de facto que considera mal julgados.

E decorrente da imposição de tais ónus, tende hoje a consolidar-se e a tornar-se pacífico o entendimento de que a rejeição do recurso que impugna a decisão sobre matéria de facto só se justifica verificada alguma destas situações:

- falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;

- falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pela importante função delimitadora do objecto do recurso que essa especificação desempenha;

- falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;

- falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

- falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

É verdade que o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, todavia a mesma deve resultar, de forma inequívoca, das alegações.

Com efeito, a respeito desta temática e dada a divergência existente na Jurisprudência sobre se a indicação do resultado pretendido relativamente a cada segmento da decisão no corpo das alegações era suficiente ou não, quando tal ónus não tinha sido cumprido nas conclusões, foi proferido o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2023, com a seguinte jurisprudência: “Nos termos do art. 640º/1/c, do CPCivil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões do recurso a decisão alternativa pretendida, desde que essa indicação seja feita nas respetivas alegações”.

No caso vertente, porém, a referida omissão ocorre não só nas conclusões, como também no corpo das alegações de recurso relativamente aos pontos que pretende impugnar e ao sentido da decisão a proferir.

Com efeito, a Apelante alega existir erro notório na apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Todavia, não precisa os pontos da matéria de facto que pretende impugnar, bem como a resposta que pretende oferecer a cada ponto da matéria de facto.

Na verdade, a Recorrente, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, limitou-se a apresentar um recurso genérico que, visando reagir, de uma forma geral, contra a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, não indicando qual deveria ter sido o julgamento quanto a essa matéria de facto alegadamente mal decidida.

Não há dúvidas, assim, que a Recorrente não cumpre no Recurso interposto, os ónus que o Legislador estabeleceu no artigo 640º do Código de Processo Civil, no sentido de evitar que fossem admitidos recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, para evitar, justamente, recursos como aquele que a Recorrente deduziu.

Sendo que, estes vícios relativos à Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (artigo 640º do Código de Processo Civil) não são susceptíveis de serem objecto de um despacho convite no sentido da concretização do Recurso por parte do Recorrente (artigo 639º, nº 3 do Código de Processo Civil).

E assim sendo, incumprindo a Apelante o ónus imposto pelo artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, está o tribunal impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto, não podendo, por decorrência, esta Relação apreciar o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, impondo-se, assim, a rejeição, nessa parte, do recurso interposto.

De resto, esta interpretação mostra-se reforçada com o Acórdão recente do Tribunal Constitucional[1] onde se decidiu “não julgar inconstitucional o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de que ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto se impõe o ónus suplementar de, no tocante à especificação dos pontos de facto que considera mal julgados, referenciar cada um com o correspondente meio de prova que se indica para o evidenciar.”

Daí que, nestas circunstâncias e em conformidade com o entendimento acima perfilhado se considere que a recorrente incumpriu o referido ónus, impondo-se, assim, a rejeição da alegada impugnação da matéria de facto.


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4.2. Do mérito da decisão

A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.

Vejamos então.

É inquestionável que a relação jurídico-contratual vigente com a Ré/recorrida consubstancia um contrato de seguro do ramo vida.

O contrato de seguro na definição de Moitinho de Almeida,[2]:

“É aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de prestações a realizar em data indeterminada”.

O contrato de seguro é essencialmente regulado pelas disposições particulares e gerais constantes da respectiva apólice e, nas partes omissas, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste último diploma, pelo disposto no Código Civil[3].

De acordo com o artigo 32º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, (actualizado pela Lei n.º 75/2021, de 18/11), a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial, sendo o segurador obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, designado por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro, apólice essa datada e assinada pelo segurador.

São, pois, segundo o autor atrás citado, elementos essenciais deste tipo de contrato: o risco, ou seja a possibilidade de um evento futuro e incerto (pelo menos quanto ao momento da sua concretização) susceptível de determinar a atribuição patrimonial do segurador; a empresa e a prestação do segurado.

No caso vertente, a ré/Apelada, logrou demonstrar, como lhe competia, que a autora/Apelante e o seu falecido marido foram informados, e esclarecidos, em relação ao clausulado, nomeadamente quanto às circunstâncias relevantes para a avaliação do risco.

Contudo, refira-se que, o que releva para o caso concreto não é o clausulado a que a autora e o falecido marido aderiram, mas o questionário que preencheram, ou cujas respostas deram causa ao preenchimento, correspondente à proposta de adesão ao contrato de seguro, que determinou a celebração deste último pela ré.

Ora, o RJCS prevê, nos artigos 25º e 26º, a anulabilidade ou possibilidade de cessação do contrato de seguro, consoante exista, respectivamente, omissão/inexactidão dolosa ou meramente negligente de cumprimento do dever, que impende sobre o segurado, referente à declaração inicial de risco, prevista no artigo 24º: o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

Impõe-se, então, aferir se existe razão que justifique a posição assumida pela ré ao declinar qualquer responsabilidade, o que mereceu acolhimento da primeira instância, com apoio na circunstância de o marido da autora ter omitido uma situação de doença pré-existente, que foi co-causal da situação do seu óbito e que, caso fosse conhecida da ré, teria conduzido à decisão desta de não contratar nos termos em que contratou (teria condicionado a aceitação do risco e conduzido a que a ré não aceitasse segurar o risco assumido).

Reportando-nos ao caso vertente, constata-se ter-se provado, designadamente, que:

“43. Nos presentes autos a patologia que determinou a morte da Pessoa Segura é anterior à celebração do contrato de seguro.

44. Do certificado de óbito junto aos autos constam, como causas da morte, as seguintes:

a. Falência multiorgânica;

a. Falência multiorgânica;

b. Doença renal crónica estádio 5;

c. Cetoacidose diabética;

d. Demência fronto temporal, DM tipo 1, nefropatia diabética provável.

45. De acordo com o processo clínico do falecido resulta que o mesmo teve consulta de nefrologia em 02/08/2022, por doença renal crónica associada a diabetes mellitus.

46. Sendo que a pessoa segura falecida havia sido diagnosticada com diabetes mellitus em 2008.

47. Tendo sido medicado com antidiabéticos orais e desde 2010 medicado com insulina.

48. Frequentou a consulta de endocrinologia desde 2010, apresentando retinopatia diabética com lesões microvasculares.

49. Constando da informação clínica antecedentes de hábitos tabágicos e etílicos.

50. Constando ainda da aludida documentação que a pessoa segura veio a falecer de insuficiência renal rapidamente progressiva.

51. Em 2011, aquando da celebração do contrato, o falecido marido da autora nada declarou relativamente ao diagnóstico de diabetes mellitus em 2008 e medicação com insulina desde 2010.

52. Prevê o contrato de seguro o seguinte: “4.2. Exclusões específicas: 4.2.1. Para a cobertura principal: “Morte” (todas as modalidades disponíveis), excluem-se indemnizações decorrentes de: 4.2.1.3. Doenças ou acidentes que sobrevenham à Pessoa Segura em resultado do consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico;”.

53. Resulta da documentação clínica junta, nomeadamente dos antecedentes patológicos do falecido, a referência a “hábitos etílicos de risco no passado”.

54. De acordo com o atestado da consulta de Neurologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, de 09.01.2023, o quadro clínico do falecido era sugestivo de défice cognitivo de etiologia vascular com contributo de etilismo crónico.

55. O falecido marido da autora sabia e não podia desconhecer o seu quadro clínico.

56. Não obstante, o falecido marido da autora preencheu os questionários (clínicos) de subscrição respondendo negativamente a todas as questões ali apresentadas, a saber:

a. 1. Está de baixa por acidente ou doenças, ou segue algum tratamento médico?

b. 2. Sofre ou sofreu, nos últimos 5 anos, de alguma doença?

c. 6. As análise, exames radiológicos e/ou consultas médicas, realizadas nos últimos anos, manifestaram ou identificaram alguma doença ou alteração?

57. O falecido marido da autora apôs a sua assinatura da Declaração de Saúde II constante naquele questionário, expressamente declarando “(…) estar em bom estado de saúde, não sofrer de qualquer doença de qualquer etiologia (cardíaca, pulmonar, tumoral, imunológica, renal, obesidade, circulatória, hepática ou qualquer outra), não ter sido submetido…, não ter efectuado consulta médica não de rotina…”.

58. O falecido marido da autora quis, assim, omitir e omitiu a referência aqueles exames e patologias, bem como, à referenciação para acompanhamento na especialidade.

59. Preveem o ponto 20.1 das Condições Gerais (página 7) e o ponto 3 alínea a) das Condições Particulares do contrato de seguro a obrigação de a pessoa segura declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador - cfr. ponto 20.1 das Condições Gerais já juntas já junto (página 7) e ponto 3 alínea a) das Condições Particulares.

60. Caso a ré tivesse tido conhecimento da existência daquele quadro clínico, mormente da existência de diabetes mellitus com toma de insulina, a par de todos os hábitos e factores de risco, com referenciação para acompanhamento em consulta de especialidade, não teria desde logo procedido à aceitação do contrato de seguro;

61. Ao invés, a ré teria pedido esclarecimentos adicionais, mormente aguardando ou pedindo esclarecimentos de diagnóstico.

62. Não celebrando o contrato de seguro em causa.”.

Resultou, assim, provado que o marido da Apelante tinha um quadro clínico pré-existente que, se tivesse sido declarado, teria condicionado a aceitação do risco.

Com efeito, no caso vertente, ficou demonstrado, por um lado, que o falecido marido da autora prestou falsas declarações relativamente ao seu estado de saúde no momento da contratação, as quais afectaram de forma decisiva a vontade negocial da ré.

E, por outro lado, de acordo com as condições gerais do referido contrato de seguro vida, estão expressamente excluídas da cobertura do seguro as chamadas “Pré-existências”, ou seja, sinistros ocorridos em virtude de doenças anteriores à celebração do contrato.

Ora, ficou inequivocamente demonstrado que uma das doenças expressamente indicadas no certificado de óbito como causa de morte de que veio a falecer o marido da autora já era do mesmo conhecida na data da celebração do contrato de seguro, pelo que esta circunstância se enquadra de forma clara na referida exclusão.

Destarte, sendo a doença manifestamente conhecida da autora e do seu falecido marido, assim como o tratamento a insulina, de há muitos anos antes da data da celebração do seguro, a forma como responderam ao questionário, negando a existência de qualquer doença ou tratamento, não pode deixar de se considerar dolosa.

Ora, em todos os contratos, as partes, quer nos preliminares quer na conclusão deles, devem actuar com boa-fé, ou seja, com lealdade, transparência e verdade, de modo a que o consenso que o contrato postula assente em factos verdadeiros que são determinantes para a sua celebração.

Particularmente no contrato de seguro do ramo vida que, pelo seu objecto, envolve ponderação da segurada, dado o intenso carácter aleatório de que se reveste, deve a minuta ou proposta de seguro apresentada a quem pretende celebrar o contrato, ser respondida com verdade, pois só de posse de informações exactas e conhecidas acerca do estado de saúde do pretendente ao seguro pode a seguradora decidir se aceita pura e simplesmente, ou se aceita com condições agravadas, face ao mais intenso grau de risco, ou, se pura e simplesmente recusa a celebração.

Daí que seja usual submeter ao tomador do seguro um questionário indagando acerca das suas condições de saúde.

Por sua vez, o questionário médico não constitui uma cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação do tomador do seguro ou da seguradora aos deveres de comunicação e informação previstos no diploma das cláusulas contratuais gerais[4].

Na realidade, o regime das cláusulas contratuais gerais não é aplicável ao questionário pré-elaborado pela seguradora ao qual o segurado responde, de modo a fornecer àquela elementos na fase prévia à celebração do contrato de seguro em função dos quais a seguradora estabelece as condições de aceitação do contrato.

Com efeito, a pessoa segura não adere ao questionário médico, sendo que as respostas ao questionário médico não estão pré-elaboradas.

Bem pelo contrário, a pessoa segura tem que responder ao questionário médico, numa fase prévia à celebração do contrato de seguro, para fornecer à seguradora elementos essenciais para estabelecer as condições de aceitação do contrato.

De resto, as perguntas do questionário médico são claras e o seu conteúdo é facilmente perceptível pelo comum dos cidadãos.

Compete aos segurados, no questionário médico, responder com verdade às perguntas constantes do mesmo, ainda com um simples “sim” ou “não” para permitir à seguradora avaliar o risco, sendo que as respostas ao questionário médico são a base da avaliação do risco por parte da seguradora e a base da formação da vontade negocial.

Ou seja, as respostas devem reproduzir com inteira fidelidade a situação clínica que é do conhecimento do segurado e essas respostas são da exclusiva responsabilidade do segurado, ao assinar a proposta de adesão e o questionário médico.

Numa segunda fase compete ao departamento médico da Seguradora fazer a averiguação clínica que julgar pertinente em função das respostas afirmativas ao questionário médico.

No caso vertente, da factualidade dada como provada, logrou a Ré, A... - Companhia de Seguros de Vida, S.A., fazer prova de que o marido da autora, aquando da formalização da proposta de seguro, omitiu, voluntariamente, alguns pontos relevantes do seu estado de saúde, que também eram do conhecimento da Apelante e que tal omissão teve influência na aceitação do risco por parte da companhia de seguros. E recaía sobre a Ré o ónus de probatório da referida factualidade - artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.

Houve, portanto, declarações inexactas e omissão de elementos essenciais para apreciação do risco que a seguradora assumiu.

Pode, assim, concluir-se ter existido intenção do marido da Apelante de prestar declarações inexactas ou omitir informações relevantes atentos os antecedentes de que padecia em termos de saúde.

Porém, mesmo que tal tenha ocorrido por mera culpa leve ou negligência, as omissões são censuráveis e afetaram a decisão da Ré, determinando, consequentemente, a invalidade do contrato.

A omissão culposa de situação clínica que era conhecida da autora e do seu marido e se mostra relevante para a aferição do risco, desde que tenha determinado a celebração ou o conteúdo do contrato, gera o direito potestativo da Ré à anulação, exercido pela mesma por ocasião da resposta ao pedido de activação do risco.

Ou seja, ao resultar provado que a seguradora aceitou a assunção do risco e celebrou o contrato com base no questionário preenchido sob indicação da Apelante e marido, limitando-se ambos ao “não”, em que foi omitida uma patologia prévia e respectivo tratamento, que naturalmente conheciam, bem como à luz da prova de que o desconhecimento dos factos omitidos determinou a celebração do contrato de seguro na parte referente à cobertura que aqui se discute, assistia à Ré o direito de anular o contrato e de negar a assunção de cobertura do risco.

Com efeito, os seguros dos autos foram aceites no pressuposto de que as declarações efectuadas pelos proponentes/segurados não padeciam de incorrecções ou omissões que, no futuro, e caso fosse essa a situação, poderiam originar a resolução do contrato ou a cessação das garantias conferidas, inclusive, numa eventual participação de sinistro.

De resto, a patologias vinda de referir, caso tivessem sido declaradas ou permitido a sua averiguação após resposta positiva, teria originado a não celebração dos contratos de seguro dos autos por parte da Ré.

Ou seja, a Ré/Apelada não aceitaria celebrar estes contratos de seguro com a Autora/Apelante e falecido marido ou sempre excluiria qualquer tipo de consequência futura relacionada com as patologias referidas.

Conclui-se, assim, ser de manter a sentença em crise, confirmando a decisão recorrida.

Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.


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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:

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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.


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Custas a cargo da apelante.

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Notifique.

Porto, 08 de Maio de 2025

Os Juízes Desembargadores

Relator: Paulo Dias da Silva

1.º Adjunto: Francisco Mota Vieira

2.º Adjunto: Ana Vieira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)





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[1] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 148/2025, de 27 de Março, publicado no Diário da República n.º 61/2025, Série II de 2025-03-27.
[2] Cf. “Contrato de Seguro”, pág. 23.
[3] Cf. artigos 3º e 427º do Código Comercial.
[4] Cf. neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.08.2008 e de 06.07.2011 in www.dgsi.pt. e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2/07/2013, disponíveis in www.dgs.pt.