I - Considera-se existir uma fundamentação essencialmente diferente, quando a solução jurídica do pleito na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na 1ª. Instância.
II - O conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.
III - Se no acórdão recorrido, mediante outra explicação, se afirma o mesmo sentido decisório e argumentativo da decisão da primeira instância, a não utilização de todos e idênticos argumentos entre instâncias não é de molde a afastar a dupla conforme.
Relatório:
A autora, AA, instaurou ação declarativa com processo comum contra os réus, Eventos R.C Europa, S.L, Toddler Portugal, Lda. e BB, por si e na qualidade de legal representante das demais rés, pessoas coletivas.
Conclui pedindo a condenação solidaria dos Réus: Ao ressarcimento de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, que o incumprimento contratual, acarretou para a esfera jurídica da Autora, sendo que no que concerne aos danos patrimoniais, tanto pode ordenar, o Ilustre Tribunal a quo, o seu pagamento à Autora, como a sua liquidação diretamente ao Estado;
Cumulativamente, deverão os Réus ser condenados a pagar à Autora ou ao Estado, todos os valores referentes a Dívidas à AT e à SS, revertidas ou que venham a reverter, em nome da Autora e referentes ao período em que exerceram a Gestão Efetiva das Sociedades.
Prosseguiram os autos, tendo na 1ª instância sido determinada a extinção parcial da instância por inutilidade superveniente da lide com fundamento na declaração judicial de insolvência da Ré “RC Eventos Europa “e proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada e consequentemente absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados.
Inconformada recorreu a autora para a Relação do Porto, onde foi proferido acórdão, com o seguinte teor a final:
«Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e em manter a decisão proferida em 1ª instância de absolvição dos réus-recorrentes dos pedidos».
Uma vez mais inconformada interpôs a autora recurso de revista, concluindo as suas alegações:
I.A rejeição da junção de documentos em sede de Recurso de Apelação, pela
Relação do Porto, foi indevida;
II. Visto ser a mesma admissível, pois os mesmos só foram obtidos após as
alegações finais, e não foi possível a sua apresentação na reabertura da audiência, tendo em conta que esta tinha um objetivo estrito e delimitado pelo respetivo despacho judicial;
III. A Autora assume a responsabilidade pela junção indevida de 11 documentos aquando do aperfeiçoamento das Conclusões do Recurso, reconhecendo o seu erro de perceção;
IV. Mais esclarece que não tinha intenção de fazer uso abusivo do processo ou de obter vantagens contra legem;
V. A Autora contesta a decisão da Veneranda Relação do Porto que considerou a não aprovação do PER como impeditiva da produção dos efeitos dos Acordos, nomeadamente a assunção das dívidas da Autora pelos Réus;
VI. Defendendo que tal condição suspensiva deve ser interpretada à luz da realidade contratual, que se alterou após a não aprovação do PER, em Abril de 2018;
VII. Pois os Réus, ao não resolverem os contratos depois da não aprovação do PER e ao continuarem a gerir a N..., demonstraram animus contrahendi, confirmando a existência de um contrato válido e eficaz;
VIII. Para tanto, os Réus ocuparam as instalações da N..., efectuaram cobranças a clientes, facturaram em nome próprio, trabalharam com os funcionários e usaram o know how da empresa e aproveitaram as máquinas e sistema produtivo;
IX. O comportamento dos Réus, ao revogarem o Acordo de Confidencialidade e o Acordo entre Partes apenas quatro anos após a não verificação da condição suspensiva, e já durante a pendência dos presentes Autos, configura Abuso de Direito, nomeadamente na vertente de Supressio;
X. Porquanto criaram uma situação de confiança, ao não revogarem qualquer acordo após a não verificação da condição suspensiva;
XI. A Autora refuta a decisão da Veneranda Relação do Porto que a considerou como Parte ilegítima para demandar uma indemnização, com base no Princípio da Relatividade dos Contratos;
XII. E argumenta que o Réu BB exercia, de facto, o controlo da N..., dando ordens, utilizando as instalações e gerindo as suas operações, apesar de continuar a Autora como a gerente formal;
XIII. A Autora alega que os acordos assinados visavam transferir o controlo da N... para o Réu BB, e que este, após assumir o controlo, não cumpriu as obrigações acordadas, causando-lhe grave prejuízo à Autora;
XIV. Os acordos assinados, que considera leoninos, contêm cláusulas abertas e indeterminadas para si e "válvulas de escape" para os Réus, o que demonstra a busca de benefício próprio por parte do Réu BB em detrimento da Autora e da N...;
XV. A Autora sustenta que o Réu BB se serviu da N... para obter vantagens competitivas, como mão de obra barata, acesso à carteira de clientes e créditos, sem arcar com os custos e responsabilidades, utilizando para isso as empresas Rés e outras empresas sob seu controlo, como a C... e a W...;
XVI. Os três acordos devem ser interpretados em conjunto como um único negócio jurídico complexo, que demonstra a intenção de transferir a gestão da N... para o Réu BB e a sua responsabilidade pelos prejuízos causados à Autora;
XVII. A Autora discorda da leitura fragmentada dos acordos feita pela Veneranda Relação do Porto, o qual ignora o contexto em que foram assinados e postos em vigor, bem como o abuso do direito presente no caso;
XVIII. A Autora afirma que foi induzida em erro e sofreu prejuízos diretos em consequência do incumprimento dos acordos por parte dos Réus, nomeadamente pelo Réu BB;
XIX. A interpretação conjunta dos três acordos demonstra a existência de um nexo causal entre as ações dos Réus e o prejuízo por si sofrido (e a sofrer), o que fundamenta a sua legitimidade para reclamar a indemnização correspondente.
XX. A Autora discorda da decisão da Veneranda Relação do Porto que considerou a sua pretensão de ser indemnizada em caso de reversão fiscal como uma sentença condicional, a qual é inadmissível, pelo menos no caso sub judice;
XXI. E argumenta que uma Sentença ou Acórdão que declare a gestão de facto da N... pelos Réus, a partir de Agosto de 2017, não configura uma sentença condicional, e que esta declaração poderá ser oponível à Autoridade Tributária em caso de futura reversão fiscal;
XXII. A autora defende que o pedido implícito na sua Petição é a declaração de que os Réus assumiram a gestão de facto da N... a partir de Agosto de 2017, e que este pressuposto é essencial para a condenação dos Réus em todas as dívidas ao Estado;
XXIII. Aliás, este Supremo Tribunal de Justiça já admitiu a possibilidade de o Tribunal considerar pedidos implícitos na acção, extraindo os efeitos jurídicos correspondentes;
XXIV. Por fim, a Autora defende que o Venerando Tribunal da Relação do Porto poderia ter extraído essa pretensão petitória e os respetivos efeitos jurídicos (a sua não responsabilidade pelas dívidas posteriores a Agosto de 2017), sem violar o Princípio do Pedido;
XXV. Adicionalmente, a Autora sugere ainda que a Veneranda Relação do Porto, afastando-se do formalismo e considerando a realidade material, poderia ter responsabilizado os Réus pelas dívidas anteriores a 2017, uma vez que estes mantiveram a execução do contrato em tudo excepto nas suas obrigações.
Foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho proferido em 31-1-2025 foi determinado o cumprimento do disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC., atenta a não admissibilidade do recurso interposto.
A recorrente veio apresentar requerimento, aonde alega que não existirá dupla conforme, pois, o TRP invocou um fundamento de ilegitimidade substantiva da autora, o qual não foi apreciado na 1ª instância.
Por seu turno, entendem os recorridos que o recurso deve ser rejeitado.
Depois de cumprido o disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC., foi proferida decisão a não conhecer do objeto do recurso.
Veio a recorrente reclamar para a conferência, solicitando um acórdão.
Foram colhidos os vistos.
Fundamentação:
O despacho proferido foi do seguinte teor que se reproduz:
«Veio a recorrente interpor recurso de revista para este S.T.J., nos termos dos artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 638.º, 671.º, n.º 1 e n.º 3 a contrario, 674.º, n.º 1, a), 675.º, n.º 1 e 676.º, todos do Código de Processo Civil.
Conforme dispõe o nº. 1 do art. 671º do CPC., cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª. instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.
Nos termos do nº. 3 do mesmo normativo, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª. instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte (Revista excecional).
Consagra este preceito, a figura da chamada dupla conforme, traduzindo-se numa pronúncia com o mesmo sentido decisório proferido pela 1ª. Instância e pela Relação.
Assim, exige-se a confirmação pela Relação do sentido decisório adotado pela 1ª. Instância, a ausência de voto de vencido e uma fundamentação essencialmente idêntica.
Como alude Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª. ed., pág. 425 «A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente induz-nos a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas pela 1ª Instância para atingir o mesmo resultado ou o aditamento de outro fundamento jurídico, ou no reforço argumentativo, sem que se ponha em causa a fundamentação essencial usada pelo tribunal de 1ª Instância».
Dizendo ainda o mesmo autor a fls. 426 «A eventual modificação da decisão da matéria de facto empreendida pela Relação, ao abrigo do art. 662º do CPC., não apresenta uma verdadeira autonomia. Uma modificação da matéria de facto provada ou não provada apenas será relevante para aquele efeito na medida em que também implique uma modificação essencial da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da diversidade ou da conformidade das decisões centrada na respetiva motivação».
Como se aludiu no Ac. do STJ, de 28-5-2015 in, www.dgsi.pt. «Só se pode considerar existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª Instância».
Conforme se escreveu no Ac. do STJ de 28-5-2024, in www.dgsi.pt. «O conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.
Não descaracterizam a dupla conforme, enquanto situação processual impeditiva do recurso de revista, nos termos gerais, as alterações factuais operadas pelo Tribunal da Relação sem reflexos na subsunção jurídica».
A interpretação das decisões judiciais é fundamental à apreensão do seu sentido.
Se no acórdão recorrido - por meio de outra explicação - se vem a afirmar o mesmo sentido decisório e argumentativo da decisão da primeira instância, a não utilização de todos e iguais argumentos entre instâncias não é de molde a permitir que se entenda que não há dupla conforme, impeditiva da admissão do recurso de revista (cfr. Ac. do STJ. de 30-11-2023, in www.dgsi.pt.).
Verifica-se dupla conformidade decisória impeditiva da admissão de recurso de revista ao abrigo da regra geral contida no art. 671.º, n.º 1 do CPC, sempre que a decisão proferida em primeira instância seja confirmada sem voto de vencido e sem que seja utilizada fundamentação essencialmente diferente para a solução jurídica adotada (cfr. Ac. do STJ. de 6-2-2024, in www.dgsi.pt.).
A fundamentação essencialmente diferente, que descaracteriza a dupla conforme (art. 671.º, n.º 3, do CPC), é a que incide sobre os fundamentos que foram determinantes na decisão da sentença e do acórdão recorrido, não relevando divergência marginais ou secundárias (cfr. ac. do STJ. de 2-5-2024, in www.dgsi.pt.).
A fundamentação do acórdão que confirma, por unanimidade, a sentença do tribunal de 1.ª instância, apenas tem fundamentação essencialmente diferente, para efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, quando a fundamentação da Relação tenha assentado, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam fundamentado e justificado a sentença da 1.ª instância, sendo irrelevantes para esse efeito, discrepâncias marginais e secundárias e o reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada (cfr. ac. do STJ. de 29-5-2024, in www.dgsi.pt.).
Levado a cabo a exegese do arts. 671.º, n.º 3, do CPC, o STJ tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme a verificação de uma situação, conquanto o acórdão da Relação, conclua pela confirmação da decisão da 1.ª instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido e plasmado pela 1ª. instância, quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a decisão proferida na sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada (cfr. ac. do STJ. de 19-9-2024, in www.dgsi.pt.).
Ora, enunciados os parâmetros supra enunciados, tendo presente a situação concreta temos que, compulsada a sentença, vemos que ali se apreciou do ressarcimento pedido pela autora, dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram do incumprimento, do convénio celebrado com os Réus, materializado nos acordos escritos mencionados nos pontos 8), 11) e 18) dos factos provados.
Entre os danos pelos quais pretendia a autora ser indemnizada versavam, as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social da sociedade de que é sócia-gerente, respeitantes ao período em que, por força dos mencionados acordos, a gerência de facto da mesma foi exercida pelos Réus.
Alude-se na sentença que do teor dos dois últimos acordos escritos, a execução dos mesmos estava diretamente relacionada com o processo especial de revitalização de revitalização da sociedade «N...» que correu termos sob o n.º 2837/17.2..., dos Juízos de Comércio de ....
E que face a este circunstancialismo, seria de concluir que a obrigação de pagamento das dívidas da «N...» (e da Autora, na qualidade de garante daquela) estava sujeita a uma condição suspensiva que não se verificou.
Mais se conheceu na sentença que o tribunal não poderia conhecer da reversão de dívidas fiscais, bem como, não ser aplicável, para responsabilizar as Rés, o instituto da insolvência culposa.
No acórdão da Relação, alude-se e aprecia-se também o teor dos acordos escritos e que o cerne da questão dos autos reside na preocupação da autora consistente em responsabilizar os Réus pelo pagamento do montante total que reverter, em seu nome, por dívidas ao Fisco e à Segurança Social com referência à sociedade N..., Lda., representada pela autora nos dois contratos supra referidos.
Mais se escreveu ali que, mesmo na hipótese de ser conferida natureza contratual a esse acordo celebrado a 3.11.2017, esse acordo nunca serviria para a autora fundar qualquer pretensão condenatória contra os Réus, porquanto, resulta do clausulado desse acordo, vertido nos itens 11º a 17º dos factos provados, que “ a assunção do compromisso da co -ré Eventos RC Europa, S.L( entretanto declarada insolvente) proceder ao pagamento das dívidas pessoais da autora, nos termos de uma lista a elaborar por esta,.., sujeita a confirmação pela primeira, que contemple dívidas estritamente associadas ao processo judicial nº 2837/17.2... Processo Especial de Revitalização (CIRE), que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de ..., Juiz ... e aí relacionadas, referentes ao PER da empresa N..., Lda., NIF .......06 até ao montante máximo de 750.000,00, estava sujeito à condição suspensiva de futura aprovação do PER.
A revelar que a verificada não homologação do acordo de revitalização, conforme item 26 º dos factos provados, determinou que o acordo celebrado a 3.11.2017 e o contrato celebrado a 12.01.2018 não chegaram a produzir efeitos, porquanto, não se verificou o evento de cuja verificação dependia a produção de efeitos quer do acordo prévio celebrado a 3.11.2017 quer do contrato celebrado a 12.01.2018.
E perante tal, a Relação concluiu «Na decorrência do exposto, resulta para nós que a autora com referência ao alegado incumprimento dos acordos escritos invocados carece de legitimidade substantiva para formular contra os réus -recorridos as pretensões condenatórias que dirigiu contra estes, sendo que entretanto , por força da declaração de insolvência da ré co -ré Eventos RC Europa, S.L a instância foi julgada extinta quanto a esta ré.
Em consequência do exposto resulta para nós que a autora não tem título para formular as pretensões condenatórias que dirigiu contra os Réus, isto é, a autora carece de legitimidade substantiva para formular as pretensões condenatórias que dirige contra os réus. (…) Isto posto, no caso dos autos resulta que as pretensões condenatórias que a autora-recorrente dirigiu contra os Réus tinham e têm como pressuposto um facto futuro e incerto, isto é, a decisão de reversão a proferir pelo órgão da execução fiscal pelo qual é chamado ao processo executivo alguém que não consta do título executivo como devedor.
A reversão é, efetivamente, a decisão do órgão da execução fiscal pelo qual é chamado ao processo executivo alguém que não consta do título executivo como devedor.
Assim, o alegado pressuposto constitutivo dos direitos de créditos que a autora - recorrente pretende exercer nesta ação não se mostra verificado, pelo que, uma eventual condenação a proferir sempre teria natureza condicional, pelo que, não é possível a este o tribunal proferir uma decisão condicional à verificação de um facto futuro e incerto quando está em causa a própria constituição do direito e não apenas a sua exigibilidade.
(…) Concluímos assim, pela improcedência do recurso de apelação, ficando prejudicada a apreciação da impugnação da decisão de facto, bem como, quaisquer outras questões suscitadas pela recorrente nas conclusões recursórias, incluindo a pretensão formulada a título subsidiário pela Autora, traduzida na requerida condenação dos recorridos a ressarciram aquela com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa que subsidiariamente invoca».
Ora, na situação vertente, os segmentos decisórios da 1ª. Instância e da Relação são idênticos.
A qualificação jurídica foi encontrada num mesmo quadro normativo, com recurso a um reforço de argumentação, não existindo uma inequívoca divergência em ambas as instâncias.
O conceito de conformidade não implica necessariamente a sobreposição total das decisões (Abrantes Geraldes, obra supra citada, a pág. 436).
Perante o explanado, encontrar-nos-emos perante um caso de dupla conforme, impeditiva do conhecimento do recurso, nos termos do nº. 3 do art. 671º do CPC.».
Ora, o supra explanado mantém toda a atualidade, pois, o requerimento da recorrente não contende com o decidido.
Com efeito, consta do acórdão proferido «Em consequência do exposto resulta para nós que a autora não tem título para formular as pretensões condenatórias que dirigiu contra os Réus, isto é, a autora carece de legitimidade substantiva para formular as pretensões condenatórias que dirige contra os réus.
E como tem sido assinalado na jurisprudência e na doutrina, “ a legitimidade processual, enquanto pressuposto adjetivo para que se possa obter decisão sobre o mérito da causa, cuja falta, determina a verificação da correspondente exceção dilatória, dando lugar à absolvição do Réu da instância (cfr. artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea e), ambos do Código de Processo Civil) , não exige a verificação da efetiva titularidade da situação jurídica invocada pelo A., bastando-se com a alegação dessa titularidade.
A legitimidade substantiva, substancial ou material, mero requisito da procedência do pedido, a não se verificar leva à improcedência do pedido.
Por último, mas não menos relevante, importa assinalar que mesmo na hipótese de se afirmar a legitimidade substantiva da Autora, a presente ação nunca poderia proceder».
Implica tal, ser esta mera particularidade inócua, no desfecho da ação.
Trata-se de mais um fundamento a reforçar o decidido, sem qualquer diversidade no percurso seguido.
Sumário:
- Considera-se existir uma fundamentação essencialmente diferente, quando a solução jurídica do pleito na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na 1ª. Instância.
- O conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.
- Se no acórdão recorrido, mediante outra explicação, se afirma o mesmo sentido decisório e argumentativo da decisão da primeira instância, a não utilização de todos e idênticos argumentos entre instâncias não é de molde a afastar a dupla conforme.
Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em Conferência, manter a decisão singular reclamada.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se em duas ucs., a taxa de justiça, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.
Notifique.
Lisboa, 29-4-2025
Maria do Rosário Gonçalves (relatora)
Cristina Coelho
Luís Correia de Mendonça