I – A admissibilidade da revista ao abrigo do regime recursório especial do artigo 14.º, do CIRE, impõe a verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade atinentes ao valor da causa e da sucumbência.
II – No âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER), o valor da causa fixado na primeira instância é definitivo e não pode ser alterado em recurso, pelo que o que releva para efeitos de alçada e de recurso é apenas aquele, e não o da utilidade económica do objecto (material) do recurso, nem o valor tributário.
III - O artigo 15.º do CIRE, que determina o valor da causa com base no activo do devedor, não se aplica ao PER, pois este processo especial não prevê a determinação do valor do activo.
IV – Tendo o tribunal de 1ª instância procedido à fixação do valor da acção (em 5.000,01€), que não foi objecto de impugnação e/ou alteração, atento o valor da alçada da Relação (€30 000,00), não se verifica a condição prevista no n.º1 do artigo 629.º do CPC, passível de permitir a admissão da revista.
V – O direito de acesso ao direito e à justiça ínsito no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, não se mostra incompatível com a delimitação das condições gerais de admissibilidade do recurso, pois que o legislador ordinário possui um amplo poder de conformação e delimitação do regime dos recursos cíveis.
I – Relatório
1. O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P veio recorrer do acórdão proferido nos autos que julgou improcedente o recurso de apelação interposto da sentença proferida com o seguinte dispositivo:
“Termos em que, de harmonia com o previsto no art. 17º-F, nº 5, do CIRE, homologo o plano de revitalização da devedora EURO-ROL – IMPORTAÇÃO E COMÉRCIO DE ROLAMENTOS E ACESSÓRIOS INDUSTRIAIS, LDA., pessoa coletiva nº 502914092, com sede na Av. Da Quinta Grande, nº 30 B, 2610-161 Amadora, freguesia de Alfragide, concelho da Amadora, matriculada na Conservatória do Registo Predial/Comercial da Amadora, com o capital social de 50.000,00€ (cinquenta mil euros).”
Fundamenta o recurso ao abrigo dos artigos 672.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC) e 14.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), invocando que o acórdão proferido nos autos se encontra em contradição com os arestos proferidos pelo STJ no seguintes Processos: n.º1783/12.0TYLSB-B.L1.S1, de 25.11.2014, o n.º1786/12.5TBTNV.C2.S1, de 18.02.2014, n.º1412/20.9T8VNF.G1.S1 de 09.06.2021 e n.º1311/21.7T8VFX.L1.S1, de 17.01.2023 .
Alegou para esse efeito que os referidos acórdãos constituem decisões proferidas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito reportada a saber se o plano (de revitalização) tem ou não eficácia total perante a Segurança Socia.
2. Não foram apresentadas contra-alegações.
3. O tribunal recorrido proferiu despacho de admissão do recurso invocando o disposto no artigo 672.º, n.º1, alínea c), do CPC.
4. Na sentença que decidiu homologar o plano de revitalização da devedora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 301.º, do CIRE, foi fixado o valor da causa em €5.000,01, valor que não foi objecto de recurso ou de alteração posterior, designadamente em sede de recurso de apelação.
5. Por se ter entendido que, no caso, não se verificava a condição prevista no n.º1 do artigo 629.º do CPC, passível de permitir a admissão do recurso, obstando ao conhecimento do objecto do recurso - causa com valor superior à alçada do Tribunal da Relação - foram as partes notificadas nos termos e para os efeitos o artigo 655.º, do CPC.
6. A Recorrente veio reiterar a admissibilidade da revista defendendo que o valor fixado nos autos - €5.000,01 - reporta-se apenas ao âmbito das custas, cabendo, por isso, ter em conta o disposto no artigo 15.º, do CIRE, nos termos do qual “o valor da causa é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real”. Conclui, nessa medida, que o valor processual da causa a considerar é de €1 018 772, 04, uma vez que tal valor não foi objecto de qualquer correcção pelo tribunal de 1ª instância, que é o competente para o efeito
7. Proferida decisão singular de não conhecimento do objecto do recurso por inadmissibilidade da revista, vem o Recorrente reclamar para a conferência, reafirmando, fundamentalmente, os fundamentos invocados no requerimento apresentado após notificação do artigo 655.º, do CPC, aduzindo as seguintes conclusões:
“1. A decisão singular proferida nos presentes autos, que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso em face da não verificação do pressuposto geral de admissibilidade da revista (causa com valor superior à alçada do Tribunal da Relação) infringe o ínsito nos artigos 14.º, 15.º, 17.º e 17.ª-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
2. Existe erro na interpretação da decisão singular quanto ao valor da acção, porquanto o valor fixado na sentença pela Mm. ª Juiz de Primeira Instância foi-o assim para efeitos de custas, e apenas para esse efeito tributário.
3. O valor da acção, ao contrário do entendimento vertido na decisão objeto de reclamação, não é de 5.000,01€, outrossim de € 1 018 772, 04, valor este indicado em sede de Requerimento Inicial, não colocado em causa por nenhum dos intervenientes e não alterado por nenhum despacho/sentença judicial, portanto, e seguindo-se o disposto no artigo 15.º do CIRE, o valor do activo da Devedora ascende largamente a alçada da Relação.
4. Na decisão proferida pela primeira instância, determinou-se o valor de 5,000,01€ só e apenas para efeitos de custas – e não para efeitos de valor da acção.
5. Na verdade, no despacho que homologou o Plano aprovado vemos que, em nenhum momento, foi decidido de forma diversa o valor da acção indicado pela Devedora em sede do seu Requerimento Inicial.
6. Tal como em toda a tramitação processual, inexiste decisão alguma que altere o valor da acção indicado no Requerimento Inicial, quer despacho, quer algum requerimento por parte de credores e/ou intervenientes e, muito menos, o trecho da sentença referente ao valor para efeitos de custas.
7. Estando assim cumprido o requisito exigido pelo artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) e art. 44.º da LOSJ.
8. O entendimento constante da Decisão Singular, de que o artigo 15.º do CIRE se aplica apenas ao processo de insolvência e não se aplica aos processos especiais de revitalização, viola o princípio constitucional do Acesso ao Direito e o seu corolário, o direito ao recurso, porquanto faz uma interpretação restritiva daquele artigo 15.º do CIRE no que concerne ao Processo Especial de Revitalização que não se coaduna com tal princípio.
9. Assim, é correcto que o valor da acção para efeitos de determinação da alçada e admissibilidade de recurso terá de ser aferido, precisamente, nos termos do artigo 15.º do CIRE, isto é, com referência ao ativo da Devedora – não se podendo simplesmente assumir o valor determinado para efeitos meramente tributários.
10. O legislador não expressou qualquer vontade em restringir a aplicação do artigo 15.º ao Processo de Insolvência, vedando assim a sua aplicação ao Processo Especial de Revitalização temos, pois, de ter em consideração o princípio de hermenêutica jurídica "ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus" (quando a lei não distingue, não devemos distinguir nós).
11. Consequentemente, o valor real da presente acção, traduzindo-se no valor do activo indicado pela Devedora na sua petição inicial no montante de € 1 018 772, 04 é, portanto, um valor manifestamente superior à alçada do tribunal de que se recorre nos termos e para efeitos do artigo o 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)– o que, sem mais, inequivocamente importa a admissão do recurso.
12. Ao decidir como o fez é coartado o acesso à justiça por parte do Recorrente, o acesso a obter uma decisão do Supremo Tribunal quando a decisão recorrida se encontra em clara contradição com a jurisprudência dominante deste mesmo colendo Tribunal, ou seja, no sentido de manter a homologação o plano de revitalização, ressalvando-se a ineficácia, total, do mesmo quanto à Segurança Social.”.
8. A decisão objecto de reclamação, que considerou inviabilizada a pretendida revista, tem o seguinte teor:
“1. Na sequência do referido no despacho que determinou o cumprimento do artigo 655.º, do CPC, estando em causa recurso de decisão proferida no âmbito de processo especial de revitalização, é-lhe aplicável o regime recursório previsto no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE. Por conseguinte, a admissibilidade do recurso de revista depende da demonstração, pelo recorrente, de que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, tal como também se afirmou naquele despacho, mostra-se pacífico o entendimento de que o artigo 14.º, do CIRE, ao restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro, não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada (cfr. Acórdão deste Tribunal de 28-03-2017, Revista n.º 2168/15.2T8AVR.P1.S1, 6.ª Secção, acessível por http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Civel_2017_03.pdf. No mesmo sentido, Acórdão deste Tribunal de 22-11-2016, Revista n.º 1495/12.5TBSTS-F.P1.S1, 6.ª Secção, acessível por http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf).
2. Relativamente aos requisitos gerais de admissibilidade do recurso, atento o que dispõe o artigo 629.º, n.º1, do CPC, o recurso de revista só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada da Relação (tribunal de que se recorre, no caso) e o acórdão recorrido tiver sido desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal da Relação.
Assim, a admissibilidade da revista mostra-se condicionada pelo valor da alçada da Relação (€30 000,00 - artigo 44.º, da nova Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ, Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).
3. A Recorrente, em resposta à notificação das partes ao abrigo do artigo 655.º, n.º1, do CPC, vem reiterar a sua pretensão quanto à admissibilidade da revista sustentando que o valor fixado no processo (na sentença) o foi apenas para efeitos de custas, ao abrigo do artigo 301.º, do CIRE; não, também, para os efeitos processuais, a que alude o artigo 15.º, do CIRE.
Não podemos concordar, sobretudo, tendo em conta a natureza do processo e o facto de o mesmo ter findado com a homologação do PER.
Com efeito, por força do disposto no artigo 301º, do CIRE, disposição aplicável por remissão do artigo 17º-A, nº 3, do mesmo código, para efeitos de custas, o valor da causa no processo de insolvência em que a insolvência não chegue a ser declarada ou em que o processo seja encerrado antes da elaboração do inventário a que se refere o artigo 153.º, do mesmo diploma, é o equivalente ao da alçada da Relação, ou ao valor aludido no artigo 15.º, se este for inferior. Nos demais casos, o valor é o atribuído ao activo no referido inventário, atendendo-se aos valores mais elevados dos bens, se for o caso.
Considerando, que no processo especial de revitalização não existe determinação do valor do activo, somos de entender que o valor da causa não deverá atender ao disposto no artigo 15.º, do CIRE, por não ser neste âmbito susceptível de aplicação.
Por outro lado, importará igualmente ter presente que o valor da causa é fixado pelo juiz (cfr. artigo 306.º, CPC) e é válido para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (artigo 296.º, n.º 2, do CPC).
Assim, salienta o acórdão do STJ de 28-01-20251, versando sobre situação similar à dos presentes autos, “a lei já não autonomizava o valor da causa para efeitos de custas (Salvador da Costa, As Custas Processuais, 10.º ed., Almedina, Coimbra, 2024:139).”
Acrescenta ainda o aresto, reportando-se às regras de fixação do valor da causa no âmbito do CIRE (artigos 15.º e 301.º) e citando Salvador da Costa, que “neste caso o valor da causa para efeitos de custas não tem autonomia e deve ser consumido pela sua vertente/função processual (idem). Em suma, «qualquer causa ou demanda tem actualmente um único valor, que releva, para feitos processuais, por um lado, e de determinação do valor da taxa de justiça por outro. Regendo para esta última situação o artigo 11.º do Regulamente das Custas Processuais» (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2024:20).”.
Por outro lado, de acordo com o entendimento consolidado neste tribunal, cabendo ao juiz do tribunal de primeira instância fixar o valor da causa, está vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no artigo 306.º, do CPC, ou seja, fixado o valor da causa definitivamente na 1ª instância, não pode o mesmo ser objecto de alteração pelo tribunal de recurso, ainda que ocorra condenação acima do valor atribuído2.
4. Atento os valores da alçada da 1ª instância (€5 000,00) e da Relação (€30 000,00) e o valor fixado para ao processo (€5.000,01), evidencia-se que o mesmo se encontra contido na alçada do Tribunal recorrido, isto é, da Relação, pelo que não se verifica a condição prevista no n.º1 do artigo 629.º do CPC, passível de permitir a admissão do recurso: causa com valor superior à alçada do Tribunal da Relação.”.
II - Apreciando
1. Consideramos que o entendimento da decisão proferida deve ser reiterado.
2. Na reclamação o Recorrente persiste em defender que, no caso, o valor da acção a ter em conta neste âmbito é de 1.018 772, 04€, indicado em sede de Requerimento Inicial. Considera ainda que decisão proferida pela primeira instância, ao determinar o valor de 5,000,01€ o fez apenas para efeitos de custas; não enquanto valor da acção.
Justifica o seu entendimento argumentando que no despacho que homologou o Plano aprovado não se mostra decidido, de forma diversa, o valor da acção indicado pela Devedora em sede do Requerimento Inicial (1.018 772, 04€), reportado ao valor do activo.
3. Conforme sublinhado na decisão singular e que constitui aspecto que se mostra corroborado pelo Reclamante, ao recurso de revista interposto é aplicável o regime recursório previsto no artigo 14.º, do CIRE, o qual, para além do pressuposto específico de oposição de acórdãos, não prescinde da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso nos termos do artigo 629.º, n.º1, do CPC, reportados quer ao valor da causa, quer ao da sucumbência.
Assim, e no caso, a admissibilidade da revista interposta pelo Reclamante encontrava-se dependente do valor da causa ser superior à alçada do tribunal da Relação (tribunal de que se recorre, no caso).
4. Analisado o requerimento de reclamação, tal como acima referido, evidencia-se que lhe subjaz o entendimento defendido pelo Recorrente em resposta à notificação feita ao abrigo do artigo 655.º, do CPC, no sentido de que o valor fixado no processo, na decisão de 1.ª instância, o foi apenas para efeitos de custas (artigo 301.º, do CIRE) e, não, também, para efeitos processuais, a que alude o artigo 15.º, do CIRE.
Tendo em consideração a natureza do processo e dado que o mesmo findou com a homologação do PER, não nos parece que a posição do Reclamante possa merecer acolhimento, porquanto, reitera-se, cumpre atentar que, por força do disposto no artigo 301.º, do CIRE, disposição aplicável por remissão do artigo 17º-A nº 3, do mesmo Código, para efeitos de custas, o valor da causa no processo de insolvência em que a insolvência não chegue a ser declarada ou em que o processo seja encerrado antes da elaboração do inventário a que se refere o artigo 153.º é o equivalente ao da alçada da Relação, ou ao valor aludido no artigo 15.º, se este for inferior, sendo que, nos demais casos, o valor é o atribuído ao activo no referido inventário, atendendo-se aos valores mais elevados dos bens, se for o caso.
Nesta ordem de ideias, sabendo-se que no processo especial de revitalização não existe determinação do valor do activo, entendemos carecer de aplicação o disposto no citado artigo 15.º, do CIRE (cfr. n.º3 do artigo 17.ºA, do CIRE, nos termos do qual se estatui relativamente ao processo de revitalização que se lhe aplica “todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza”).
Por outro lado, conforme se encontra sumariado no acórdão deste tribunal de 28-01-2025 (Processo n.º 3512/23.4T8AVR.P1-A.S1, citado na decisão singular proferida e reportado a uma situação similar à dos presentes autos), actualmente, qualquer causa ou demanda tem um único valor, que releva, para feitos processuais, por um lado, e de determinação do valor da taxa de justiça, por outro.
Acresce, em conformidade com o posicionamento explanado no acórdão do STJ de 8-03-2018 (proferido no âmbito do Processo n.º4255/15.8T8VCT-A.G1.S1 e, igualmente, citado na decisão objecto de reclamação), o Supremo Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, firmado, quanto a esta matéria, as seguintes linhas orientadoras:
- o valor da causa é fixado definitivamente na 1ª instância, sem possibilidade de posterior alteração no tribunal de recurso, pelo que, independentemente, de ocorrer condenação acima do valor da causa ali fixado, o que releva para efeitos de alçada e de recurso é apenas aquele, e não o da utilidade económica do objecto (material) do recurso, nem o valor tributário;
- ainda que a decisão (implícita ou explícita) sobre o valor da causa tenha subjacente um erro de julgamento, resultante da circunstância de tal valor se encontrar em flagrante oposição com os critérios consagrados na lei para o determinar, a decisão, na medida em que transite em julgado, tem força obrigatória dentro do processo, pelo que o valor assim fixado é imodificável e o que releva para efeitos de recurso.
5. Defende por fim o Reclamante que a interpretação restritiva do artigo 15.º, do CIRE, no que concerne ao Processo Especial de Revitalização, subjacente à decisão singular proferida viola o princípio constitucional do acesso ao direito e o seu corolário, o direito ao recurso.
Ainda quanto a este aspecto, entendemos que o Reclamante carece de razão.
Com efeito, impõe-se-nos significar que tendo sido aplicados ao Recorrente os normativos considerados pertinentes, a não admissão do recurso neste âmbito não constitui qualquer tratamento obstrutivo do direito ao acesso ao direito e à justiça, porquanto o mesmo se mostra patentemente exercido pelo mesmo, desde logo ao ver apreciada a sua pretensão em duas instâncias jurisdicionais.
No presente caso, a admissibilidade do recurso de revista imporia, para além do mais, a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa e a alçada.
E se é certo que a alçada dos tribunais decorre da lei, o valor do processo é o que resulta fixado no processo em função dos critérios legalmente determinados.
Na situação dos autos, o tribunal de 1ª instância procedeu à fixação do valor da acção (em 5.000,01€), que não foi objecto de impugnação e/ou alteração; como tal, mostra-se definitivamente aceite e assente no processo.
Assim sendo, atento o valor da alçada da Relação (€30 000,00)3, evidencia-se que o valor definitivamente fixado para a causa se encontra contido na alçada do Tribunal recorrido, isto é, da Relação.
Consequentemente, não se verifica a condição prevista no n.º1 do artigo 629.º do CPC, passível de permitir a admissão da revista: causa com valor superior à alçada do Tribunal da Relação.
Este entendimento, sublinhe-se, de modo algum colide com a violação do direito de acesso ao direito e à justiça ínsito no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, ou com qualquer outro princípio constitucional.
Com efeito, ao invés do que se infere ser o posicionamento que a Reclamante defende, tal direito constitucional não se mostra incompatível com a delimitação das condições gerais de admissibilidade do recurso, pois que o legislador ordinário possui um amplo poder de conformação e delimitação do regime dos recursos cíveis, como tem vindo a ser decidido pelo Tribunal Constitucional (cfr. acórdão do STJ de 26-11-2019, Processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ).
III- Decisão
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a reclamação da decisão que não conheceu do objecto do recurso por inadmissibilidade da revista.
Custas pela Recorrente, fixando-se em 2 Uc´s a taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Abril de 2025
Graça Amaral (relatora)
Luís Correia de Mendonça
Luís Espírito Santo
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1. Processo n.º 3512/23.4T8AVR.P1-A.S1, disponível em https://juris.stj.pt/3512%2F23.4T8AVR.P1-A.S1/O3inHJe3dB1eVw48s7x_IrQyQs4?search=ESnY3S1T-rumNYRQpWw
2. Cfr. acórdão do STJ de 8-03-2018, Processo n.º4255/15.8T8VCT-A.G1.S1, disponível nas Bases Documentais do ITIJ.
3. Cfr. artigo 44.º, da nova Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ, Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).