CONTAGEM DO PRAZO PARA RECURSO
SUSPENSÃO DO PRAZO DURANTE FÉRIAS JUDICIAIS
Sumário


1 - Os prazos, sejam eles dilatórios ou perentórios, suspendem-se nas férias judiciais, com as exceções previstas na lei. E na contagem do prazo, não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr (art. 138º, nº 1, do C. Civil).
2 - Contudo, o prazo referido no art. 248º do C. P. Civil e na Portaria nº 114/2008 (presunção de que a notificação é feita no 3º dia posterior ao seu envio), não constitui um prazo dilatório, que devesse adicionar-se ao prazo perentório para a prática do ato processual, mas apenas um presunção legal relativa à eficácia da notificação, pelo que não beneficia do regime da suspensão da respetiva contagem durante o período de férias judiciais, não lhe sendo aplicável o disposto no art. 138º, nº 1, do C. P. Civil.
3 - Não sendo aplicável ao mencionado prazo a suspensão prevista no art. 138º, nº 1, do C. P. Civil e não sendo alegado qualquer facto passível de ilidir a presunção prevista no art. 248º, a parte considera-se notificada da sentença no 3º dia útil posterior ao da notificação, ainda que tal dia coincida com o período de férias judiciais.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AA e marido BB, intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC.
A ação foi contestada.
Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação procedente.
Nos autos encontra-se certificada a notificação da sentença à Ré em 6/8/24.
A Ré interpôs recurso da sentença, tendo o mesmo entrado em juízo em 17/10/24, acompanhada da junção de comprovativo do pagamento da multa devida pela prática do ato no 3.º dia útil,
Os AA. juntaram requerimento a dizer que o recurso deveria ter sido apresentado até dia 15/10/24, pelo que é intempestivo.

No despacho que admitiu o recurso, a Srª Juiza, pronunciando-se expressamente sobre o requerimento dos AA., considerou que o recurso é tempestivo, nos seguintes termos:

A Ré CC veio interpor recurso de apelação da sentença, tendo por objeto a impugnação de direito e de facto.
Os Autores pugnaram pela não admissão do recurso interposto atenta a sua extemporaneidade.

Vejamos:
Nos termos do artigo 638.º, n.º 1 e 7 do Código Processo Civil o prazo para a interposição de recurso é de 30 (trinta) dias, acrescido de 10 dias se tiver por objeto a reapreciação da prova gravada e contam-se a partir da notificação da decisão.
No caso, a sentença foi proferida em 29 de julho de 2024 e notificada às partes, na pessoa dos seus Ilustres Mandatários (artigo 247.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), por notificação datada de 06.08.2024 (data certificada pelo sistema), presumindo-se notificados, nos termos do artigo 248.º do Código de Processo Civil no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1.º dia útil seguinte a esse quando não o seja, ou seja, no dia 2 de setembro de 2024, uma vez que as férias judiciais decorreram entre o dia 16 de julho e 31 de agosto e 1 de setembro calhou num Domingo, iniciando-se no dia 3 de setembro a contagem do prazo de 40 (30 +10) dias e terminando, sem multa, no dia 14 de outubro de 2024, considerando o disposto no artigo 138.º, n.º 2 do Código Processo Civil) ou, tendo em conta o disposto no artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, no dia 17 de outubro de 2024.
Ora, a Ré interpôs o recurso no dia 17.10.2024 (data certificada pelo sistema), entendendo, por isso, este Tribunal que o recurso é tempestivo.
Assim, por ser legalmente admissível (artigo 629.º, n.º 1 do Código Processo Civil), ter sido interposto tempestivamente (artigo 638.º, n.º 1 e 7 do mesmo Código) e ter a recorrente legitimidade (artigos 631.º, n.º 1 do mesmo Código), admite-se, ao abrigo do artigo 641.º, n.º 1 n.º 2 “a contrario”, do Código de Processo Civil, o recurso interposto pela Ré, o qual é de apelação (artigo 644.º, n.º 1, alínea a) do mesmo Código), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 645.º, n.º 1 alínea a) e 647.º, n.º 1 do Código Processo Civil).”           

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O processo foi remetido a esta Relação.
Os AA. juntaram requerimento arguindo a nulidade do despacho que admitiu o recurso perante este Tribunal, dizendo que o despacho em causa violou as regras da contagem dos prazos.
Ora, a existir nulidade do despacho em causa, a mesma teria de ser invocada perante o tribunal que alegadamente a cometeu, ou seja, o tribunal de primeira instância e no prazo de 10 dias a contar do conhecimento da mesma (v. art. 195º, nº 1 do C. P. Civil).
Deste modo, este Tribunal não conheceu da existência dessa nulidade, no entanto, uma vez que o despacho de admissão do recurso não vincula o tribunal superior (v. art. 641º, nº 5, do C. P. Civil) analisou-se a questão da tempestividade do recurso em decisão singular, tendo-se entendido ser de rejeitar o recurso por intempestivo.
Não concordando com esta decisão, veio a Recorrente reclamar da mesma nos termos do disposto no art. 643º do C. P. Civil.
Foi então proferido despacho que entendendo que ao caso não cabe reclamação nos termos do art. 643º do C. P. Civil por a possibilidade de reclamar ao abrigo do mencionado artigo ocorre quando o tribunal inferior rejeita o recurso, sendo a reclamação dirigida ao tribunal superior, competente para conhecer do recurso e no caso, não foi o tribunal inferior a rejeitar o recurso, mas o próprio tribunal de recurso.
Entendeu-se ainda no mencionado despacho que a parte prejudicada pelo mencionado despacho, deveria ter requerido que sobre a matéria recaísse um acórdão, tal como dispõe o art. 652º, nº 3, do C. P. Civil. Seria este o meio próprio para reagir contra o despacho em causa, não tendo a parte usado do meio processual próprio.
No entanto, considerando que o art. 547º do C. P. Civil permite ao juiz adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa, e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo, tal despacho determinou que as partes fossem notificadas para, em 5 dias, virem dizer o que tiverem por conveniente sobre a convolação da reclamação nos termos do disposto no art. 643º para reclamação para a conferência, entendendo-se o seu silêncio como aceitação da convolação.
A Recorrente/Reclamante aceitou expressamente a convolação. A Recorrida nada disse.
Operada a convolação, cabe conhecer em conferência da questão de rejeição do recurso por intempestividade.
O teor da decisão singular proferida nos autos é a seguinte:

“Tal como acima se referiu, nos autos encontra-se certificada a notificação da sentença à Ré em 6/8/24.
O recurso da sentença deu entrada em juízo em 17/10/24.
A notificação foi efetuada em férias judiciais, no entanto, tal como resulta do disposto no art. 137º, nº 2 do C. P. Civil, a notificação é um ato que pode praticar-se no decurso dessa pausa judicial.
De acordo com o que dispõe o art. 248º do C. P. Civil e o nº 5 do art. 21º-A da Portaria nº 114/2008, de 6 de fevereiro, a notificação considera-se efetuada no 3º dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1º dia útil seguinte a este, quando o não seja.

Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, 4ª ed., vol. 1º, pág. 499) “Trata-se de uma presunção júris tantum, só ilidível pelo mandatário notificado, que poderá demonstrar que, por ato que não lhe seja imputável, a receção se fez depois desse prazo, em termos que lhe permitissem lê-la.”.

Importa para o caso, analisar se, tendo a notificação sido efetuada em período de férias judiciais, o início da contagem do prazo para interposição do recurso se transferiu para o dia 2 de setembro (o dia 1/9 foi domingo) por o prazo da notificação não correr em férias judiciais ou se se iniciou dia 1/9, por o prazo referido no art. 248º do C. P. Civil e na Portaria nº 114/2008 ter decorrido em férias judiciais.

Os prazos, sejam eles dilatórios ou perentórios, suspendem-se nas férias judiciais. E na contagem do prazo, não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr (art. 138º, nº 1, do C. Civil).

Contudo, o prazo referido no art. 248º do C. P. Civil e na Portaria nº 114/2008, não constitui um prazo dilatório, que devesse adicionar-se ao prazo perentório para a prática do ato processual, mas apenas um presunção legal relativa à eficácia da notificação, pelo que não beneficia do regime da suspensão da respetiva contagem durante o período de férias judiciais, não lhe sendo, pois, aplicável o disposto no art. 138º, nº 1, do C. P. Civil.

Conforme se refere no Ac. da R. C. de   13/12/23  (in www.dgsi.pt ) “importa dizer que não se trata aqui de uma (verdadeira) dilação, um prazo processual dilatório, que houvesse de suspender-se em férias judiciais (cfr. art.º 138.º, n.º 1, do NCPCiv.). Mas, sim, de uma presunção legal, que pode até ser ilidida e a que, como tal, se aplica o disposto nos art.ºs 349.º e 350.º do NCPCiv..
Com efeito, tal presunção de notificação «só pode ser ilidida provando-se que, por razões não imputáveis ao mandatário, a mesma não foi efetuada ou ocorreu em data posterior à presumida».
E trata-se de um prazo «dentro do qual se presume que a comunicação chegou ao destino», funcionando, pois, uma «presunção juris tantum».
É sabido que, no regime adjetivo anterior, a notificação era postal, sendo hoje eletrónica. Quando era postal, a entrega/notificação pelo correio postal não deixava de ser feita em virtude do início/decurso, entretanto, das férias judiciais e devia considerar-se efetuada com a entrega pelo carteiro, presumindo-se essa entrega/notificação postal como realizada «no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja» (cfr. art.º 254.º, n.ºs 1, 3 e 6, do CPCiv. revogado).
Assim, se esse terceiro dia posterior ocorresse em dia útil de férias judiciais, era esse o dia em que se considerava efetuada a notificação, sem prejuízo de o eventual prazo processual que daí decorresse só poder iniciar-se após o terminus das férias judiciais.
Ou seja, num tal caso, a notificação operava/consumava-se validamente em férias; mas o prazo para a prática do ato – por exemplo, interposição de recurso – apenas se iniciava depois de terminadas as férias (no dia seguinte).
No NCPCiv. – art.º 248.º (a versão atual é a resultando do DLei n.º 97/2019, de 26-07) – apenas se prevê a notificação eletrónica (já não a postal) aos mandatários judiciais (exceto no caso previsto nos n.ºs 4 e 6 do art.º 247.º do NCPCiv., situação que aqui não importa considerar), com certificação eletrónica da data de elaboração da notificação, presumindo-se esta efetuada «no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja» (cfr. n.º 1 desse art.º 248.º).
Quer dizer, continuamos a dispor de uma presunção legal, a poder ser ilidida (cfr. atual n.º 2 do mesmo art.º 248.º); não de uma qualquer dilação, um prazo dilatório, na aceção dos art.ºs 139.º, n.ºs 1 e 2, 141.º e 142.º, todos do NCPCiv..
Assim, aquela presunção “de três dias”, não constituindo, pela sua natureza e função, um prazo processual dilatório (mas, como dito, uma presunção legal), não está sujeita à suspensão em férias judiciais, decorrente da regra da continuidade dos prazos, tal como estabelecida no art.º 138.º, n.º 1, do NCPCiv., o que bem se compreende tendo em conta que o recebimento da notificação pelo mandatário judicial é um ato que se realiza no respetivo escritório.”. (v. no mesmo sentido, Acs da R. L de 19/03/2003 e de 9/06/05, ambos em www.dgsi.pt ).

Não sendo aplicável ao mencionado prazo a suspensão prevista no art. 138º, nº 1, do C. P. Civil, a Recorrente considera-se notificada no 3º dia útil posterior ao da notificação, ainda que tal dia coincida com o período de férias judiciais.
Deste modo, a Ré considera-se notificada da sentença em 8/8/24, já que não foi alegado qualquer facto passível de ilidir a presunção acima aludida.
O prazo para recorrer iniciou-se em 1/9/24, ou seja, no primeiro dia após as férias judiciais.
O prazo para apresentação do recurso é de 30 dias, acrescidos de 10 dias, nos termos do preceituado no art. 638º, nºs 1 e 7, do C. P. Civil.
Este prazo terminou a 10/10/24.
A Recorrente podia ainda interpor o recurso dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do mencionado prazo, pagando a multa respetiva (v. art. 139º, nº 5, do C. P. Civil), todavia tal prazo terminou em 15/10/24.
Pelo exposto, o recurso é extemporâneo, rejeitando-se o mesmo.
Notifique.”

Este Coletivo revê-se na decisão singular proferida nos autos, confirmando-se, pois, a mesma.

DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes desta Relação em confirmar a decisão sumária da Relatora.
Custas pela Reclamante.     
           
Guimarães, 30 de abril de 2025

Alexandra Rolim Mendes
Raquel Baptista Tavares
António Beça Pereira