PROCESSO DE INVENTÁRIO PARA PARTILHA DE BENS COMUNS DO EX-CASAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Sumário


1 - O Regulamento (CE) 2016/1103 estendeu a competência dos tribunais dos Estados-Membros que, nos termos do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 – atualmente Regulamento (UE) n.º 111/2019 – são competentes para julgar ações de divórcio, separação e anulação de casamento e que declarem extinto o respetivo vínculo matrimonial ao julgamento das ações relativas à partilha dos bens comuns do extinto casal, nos termos aí determinados.
2 - Este Regulamento (2016/1103) entrou em vigor em 28/07/2016 (v. art. 70º, n.º 1 do mesmo), e é aplicável a partir de 29 de janeiro de 2019, exceto no que respeita aos arts. 53º e 64º, que são aplicáveis a partir de 29 de abril de 2018, e aos artigos 65º, 66º e 67º que são aplicáveis a partir de 29 de janeiro de 2016” (art. 70º, parte final, do mesmo diploma).
3 - Deste modo, a extensão competência dos tribunais estabelecida no mencionado Regulamento (CE) 2016/1103, só ocorre relativamente a ações de divórcio, separação judicial ou anulação de casamento instauradas em 29 de janeiro de 2019 ou posteriormente.
4 - Para aferir da competência internacional dos Tribunais portugueses para tramitar um processo de inventário subsequente a divórcio decretado em França, em data anterior a 29/1/2019, em que Requerente e Requerido têm nacionalidade portuguesa, mas residem em França, há que analisar as normas de competência internacional internas, constantes dos arts. 59º, 62º e 63º do C. P. Civil.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

AA, divorciada, com o NIF ...83, residente em ..., ...00 ..., veio, nos termos do disposto no artigo 1133.º, n.º 1, do CPC, requerer INVENTÁRIO, para partilha de bens comuns de casal dissolvido por divórcio, contra BB, com o NIF ...63, residente em ..., ...00 ..., França.
Sustenta a requerente que, dissolvido o casamento com o requerido, por decisão de 6 de Fevereiro de 2015, já transitada em julgado, proferida pelo Tribunal de Grande Instância de ... (... – França), ... – 1º ..., no âmbito do Processo de Divórcio nº 10/...70, existem bens do dissolvido casal a partilhar, não havendo acordo entre ambos para tanto; o que legitima o recurso ao inventário judicial, devendo ser nomeado para o cabeçalato o requerido por ser o cônjuge mais velho.

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Cumprido o contraditório relativamente à (in)competência internacional dos tribunais portugueses, foi proferida decisão que julgou os tribunais portugueses absolutamente incompetentes em razão das regras de competência internacional, absolvendo o Requerido da instância.
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Inconformada veio a Requerente recorrer formulando as seguintes Conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que que decidiu absolver o Réu da instância por considerar verificada da exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão das regras de competência internacional.
II. Conforme resulta da petição inicial a recorrente mantém residência em Portugal, embora também tenha indicado uma residência em França, que efetivamente possuiu, tal como o recorrido.
III. A Autora logo na petição inicial indicou e requereu a nomeação do réu, que reside em França, mas que também tem residência em Portugal, como cabeça de casa por ser o ex-cônjuge mais velho.
IV. Embora ainda não tenha chegado o momento processual para a apresentação da relação de bens, existe, entre os bens a partilhar, pelo menos, um imóvel sito em Portugal, mais concretamente na Rua ..., na cidade ....
V. Com ensina Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 92, define competência internacional: “É a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. Verdadeiramente, do que se trata aqui, é dos limites de jurisdição do Estado Português; de definir quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercer a sua função jurisdicional.”
VI. O artigo 37º, nº2 da Lei Orgânica do Sistema Judiciário (LOSJ), incumbe a lei de processo de fixar os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, dispondo o art. 59º do Cód. Processo Civil que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts. 62º e 63º do mesmo diploma.
. Significa isto que o recurso às normas processuais civis portuguesas apenas é possível quando o litígio não caia no âmbito de aplicação de regulamentos da União, uma vez que estas normas jurídicas prevalecem sobre o direito interno, face ao primado do direito europeu.
VIII. O Regulamento relativo à competência, ao reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental – o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27/11/2003 - apenas é aplicável à dissolução do vínculo matrimonial (por divórcio, separação ou anulação do casamento), não abrangendo as questões referentes às causas do divórcio, aos efeitos patrimoniais do casamento e outras eventuais medidas acessórias (cfr. considerando (8) do Regulamento).
IX. O Regulamento (CE), nº 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, que substituiu o Regulamento (CE) 44/2001, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria cível e comercial, estabelece no art. 1º, nº2, a) que “o presente regulamento não é aplicável ao estado e á capacidade jurídica das pessoas singulares ou ao regime de bens do casamento (…)”
X. O Tribunal de Justiça das Comunidades (6ª secção), foi chamado a pronunciar-se sobre a interpretação do art. 1º, nº2, alínea a) do Regulamento nº 1215/2012, tendo declarado: “O art.1º, nº2, a) do Regulamento (EU) nº 1215/2012 (…) deve ser interpretado no sentido de que um litígio como o do processo principal, relativo à partilha, após pronúncia de divórcio, de um bem móvel adquirido na constância do matrimónio por cônjuges nacionais de um Estado-Membro, mas residentes noutro Estado-Membro não está abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento, mas pelo domínio dos regimes matrimoniais e, portanto, pelas exclusões previstas no referido art. 1º, nº2, alínea a).” XI. Assim, como não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente ação, é à luz do disposto no arts. 62º e 63º do CPC, que deve ser determinada a competência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação.
XII. No art. 62º são enunciados os três critérios autónomos de atribuição da competência internacional, com origem legal, aos tribunais portugueses: o da coincidência (alínea a), o da causalidade (alínea b) e o da necessidade (alínea c).
XIII. Como afirmado no Acórdão deste STJ de 24.05.2022, CJ/STJ, II, pág. 70, “a escolha destes critérios visou corresponder à exigência de uma tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, conferindo competência aos tribunais portugueses quando, pela sua proximidade com as partes e com as provas, se encontrem em melhores condições de dirimirem os litígios que necessitam de uma intervenção jurisdicional.”
XIV. A alínea a) do art. 62º, consagra o critério da coincidência, pelo qual se determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que a ação possa ser proposta em Portugal segundo as regras específicas de competência territorial (arts. 70º e ss).
XV. O critério da causalidade, consagrado na alínea b), determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que tenha sido praticado em território nacional o facto ou algum dos factos integradores da causa de pedir.
XVI. A alínea c) consagra o critério da necessidade, o que se traduz em os tribunais portugueses terem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em tribunal português ou quando a sua prono estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor. Para que tal aconteça, no entanto, é imprescindível que entre a ação a propor e o território português exista um qualquer elemento de conexão pessoal ou real. (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, I, pág. 131 e ss., e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2015, pág. 88/89.)
XVII. Ora, situando-se em Portugal o imóvel a partilhar (entre outros bens) o inventário terá de ser proposto em Portugal, a que acresce o fator de conexão pessoal consistente na nacionalidade das partes. Patentemente que se verifica, pelo menos, o fator de atribuição previsto na alínea c).
XVIII. Como decidido no Acórdão do STJ de 16.10.2012, CJ/STJ, III, pág. 79, “em processo de inventário, o princípio da unidade e universalidade da partilha impõe que todos os bens devam ser incluídos na mesma, quer estejam situados em território nacional, quer no estrangeiro.” Trata-se de posição claramente maioritária na jurisprudência, assim tendo decidido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 12.01.2012, P. 991/10 (Pedro Martins), de 11.07.2013, P. 1072/12 (Ana Azeredo Coelho), da Relação do Porto de 13.03.2017 P. 1247/10 (Manuel Domingos Fernandes), e da Relação de Coimbra de 21.04.2015, P. 40/12, (Freitas Neto).
XIX. Dispõe o art. 59º do Código de Processo Civil, “…os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94”.
XX. Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos comunitários e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa: é aquilo que se designa por princípio ou critério da coincidência, determinando-se que, não obstante a existência de elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras, os tribunais portugueses têm competência quando, de acordo com as regras de competência territorial previstas na ordem interna, a ação devesse ser instaurada em Portugal.
XXI. E a verdade é que, independentemente dessas dificuldades, o princípio da unidade e universalidade da herança (ou, no caso, do património comum do casal) impõe que, no processo de inventário, sejam relacionados e partilhados todos os bens que integram a universalidade sobre a qual irá incidir a partilha, estejam eles situados em território nacional ou no estrangeiro.
XXII. O Acórdão da Relação de Guimarães de 7 de abril de 2011, disponível in www.dgsi.pt, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, “A lei do processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais” e é efetivamente dessa problemática – da competência internacional dos Tribunais Portugueses.
XXIII. E segundo o n.º 1 do seu artigo 38.º, “A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente”. Razão por que, e como bem se costuma entender, a competência do tribunal não pode deixar de aferir-se pelos termos em que a ação é proposta (vide, na doutrina, o Prof. Manuel de Andrade, no seu “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, a páginas 90 a 91, e na jurisprudência, o douto Acórdão da Relação do Porto de 04 de Março de 2002, publicado pelo ITIJ e com a referência nº ...29, onde se exarou, no sumário, que: “Na apreciação da questão da competência [territorial], deve analisar- se concretamente a causa de pedir e o pedido formulado, porque tal competência é determinada em função do modo como a causa é delineada na petição inicial e não pela controvérsia que resulta da confrontação entre a ação e a defesa”.
XXIV. Assim, os Tribunais Portugueses são os competentes para apreciar e partilhar os bens em causa neste processo de inventário em que a Autora indicou, como sua residência, um lugar de Portugal, pese embora o cabeça de casal também tenha residência em França – consabido que essa territorialidade é um dos fatores de atribuição da competência aos nossos Tribunais, segundo os termos dos artigos 62.º, alíneas a) e b) e 72.º, ambos do Código de Processo Civil.
XXV. Mesmo que inexistisse qualquer norma de competência para estes casos, e salvo sempre o devido respeito, afigurasse-nos que poderá ser aplicado, de forma subsidiária, o critério previsto no art. 72-A, nº 3, do CPC, sendo competente para a tramitação do inventário, no caso de existirem bens imóveis a partilhar, como é o caso, o tribunal do lugar da situação dos bens (este Juízo de Família e Menores de Braga) ou, localizando-se os imóveis em circunscrições diferentes, o tribunal da situação do maior número.
XXVI. Salvo o devido respeito por melhor opinião, não temos dúvida, que os Juízos de Família e Menores, quanto aos inventários para partilha dos bens comuns subsequente ao divórcio, nos termos do 1133º do CPC, são aqueles a quem a LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26/08, alterada e republicada pela Lei nº 40-A/2016, de 22 de dezembro, atribui competência material expressa para esse efeito, ao prever no nº 2, do art. 122º, que “os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses” (esta última parte deste segmento normativo refere-se à situação prevista no art. 1770º, nº 2, do CC).
XXVII. O artigo 122º, nº 2, da LOSJ passou a atribuir às secções de família e menores a competência que a lei confere aos tribunais nesses processos de inventário, restaurando a competência desses tribunais para os inventários instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio (como é o caso dos autos), declaração de inexistência ou anulação de casamento, ou seja, a competência que no âmbito do RJPI era atribuída ao juiz da comarca no seu art. 7º, nº 3 passou a ser exercida pelos juízes das secções de família e menores, com competência na área da comarca do cartório notarial.
XXVIII. Tendo a Lei nº 117/2019, de 13/09, que veio reintroduzir o inventário judicial no Código de Processo Civil (arts. 1082º a 1135º), cabe aos juízos de família e menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabendo-lhes igualmente tramitar os processos de inventário que deles decorram.
XXIX. Donde, é linear concluir que o inventário tem de correr nos tribunais judiciais (juízos de família e menores) quando se destine à partilha de bens por divórcio, de acordo com o art. 1083 do C.P.C., e tendo em vista o disposto no nº 2 do art. 122 da LOSJ, sendo este Juízo de Família e Menores é absolutamente competente para a tramitação do presente inventário, por divórcio.
XXX. Considera a Recorrente que existiu violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, não tendo sido efetuado o correto enquadramento dos factos ao direito aplicável, violando assim, entre outros, o disposto nos Artigos 59º, 62º, 63º, 70º, 72º, 72º-A, 1133º, todos do CPC, artigo 20º Constituição da República Portuguesa, artigo 122º da LOSJ e artigo 1770º, nº 2, do CC, pelo que deverá ser revogada, com as legais e devidas consequências.
XXXI. Pelo exposto, entende a Recorrente, sem prejuízo de melhor opinião, que deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida.

NESTES TERMOS,
E nos melhores de direito permitidos, dando provimento ao presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida ordenando-se o prosseguimento dos autos, com todas as legais consequências.
Assim, Vossas Excelências, no mais douto e sapiente critério e suprindo as lacunas de patrocínio, decidirão, como sempre, de
INTEIRA REPARAÇÃO E JUSTIÇA.     
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Cumpre apreciar e decidir:
           
Tendo em conta o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cabe aqui analisar se os tribunais portugueses são ou não competentes para conhecer do inventário requerido pela Autora.

Vejamos:

Requerente e Requerido têm nacionalidade portuguesa, mas residem em França. Por outro lado, o casamento celebrado entre os dois foi dissolvido por divórcio, por decisão de 6 de fevereiro de 2015, por um Tribunal francês.

Relativamente à competência internacional dos Tribunais Portugueses, dispõe o art. 59º do C. P. Civil que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º” ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do art. 94º”.

Por outro lado, dispõe o art. 62º do C. P. Civil que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão pessoal ou real."

No caso, não existe regulamento da união europeia ou convenção internacional aplicável, tal como veremos de seguida.

O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, foi substituído pelo Regulamento (UE) n.º 1111/2019 do Conselho, de 25 de junho de 2009, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças, limitam o seu campo de aplicação às ações de divórcio, de separação e de anulação do casamento, estando excluídos os inventários para partilha dos extintos casais, subsequentes àquelas ações.

O Regulamento (UE) n.º 2016/1103, de 24 de junho de 2016, no seu art. 1º estabelece que o regime nele previsto é aplicável “aos regimes matrimoniais” e, o seu nº 3, nº 1 –a), dispõe que para efeitos da sua aplicação entende-se por “Regime matrimonial”, “o conjunto de normas relativas às relações patrimoniais dos cônjuges e às suas relações com terceiros, em resultado do casamento ou da sua dissolução”.
Pode ainda ler-se no considerando 18º do mesmo Regulamento que “O âmbito de aplicação do presente regulamento deverá abarcar todos os aspetos de direito civil dos regimes matrimoniais, respeitantes tanto à gestão quotidiana dos bens dos cônjuges como à sua liquidação, decorrentes nomeadamente da separação do casal ou da morte de um dos seus membros. Para efeitos do presente regulamento, o termo «regime matrimonial» deverá ser interpretado de forma autónoma e deverá abranger não só as regras às quais os cônjuges não podem derrogar, mas também as eventuais regras facultativas em que os cônjuges possam acordar em conformidade com a legislação aplicável, bem como as regras gerais previstas na legislação aplicável. Inclui não só as disposições patrimoniais específica e exclusivamente previstas por certos sistemas jurídicos nacionais no caso do casamento, mas também as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros, resultantes diretamente do regime matrimonial ou da dissolução deste regime.”.
Este último Regulamento estendeu, pois, a competência dos tribunais dos Estados-Membros que, nos termos do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 – atualmente Regulamento (UE) n.º 111/2019 – são competentes para julgar ações de divórcio, separação e anulação de casamento e que declarem extinto o respetivo vínculo matrimonial ao julgamento das ações relativas à partilha dos bens comuns do extinto casal, nos termos aí determinados.
No entanto, este Regulamento (2016/1103) entrou em vigor em 28/07/2016 (v. art. 70º, n.º 1 do mesmo), e é aplicável a partir de 29 de janeiro de 2019, exceto no que respeita aos arts. 53º e 64º, que são aplicáveis a partir de 29 de abril de 2018, e aos artigos 65º, 66º e 67º que são aplicáveis a partir de 29 de janeiro de 2016” (art. 70º, parte final, do mesmo diploma).
Deste modo, a extensão competência dos tribunais estabelecida no mencionado Regulamento (CE) 2016/1103, só ocorre relativamente a ações de divórcio, separação judicial ou anulação de casamento instauradas em 29 de janeiro de 2019 ou posteriormente.
No caso em apreço, o casamento entre Requerente e Requerida, foi dissolvido por decisão de 6 de fevereiro de 2015, portanto, anteriormente à entrada em vigor do referido Regulamento e, por maioria de razão, a propositura da respetiva ação também foi anterior a essa data.
Deste modo, o mencionado Regulamento não é aplicável ao presente processo de inventário.

Assim, para aferir da competência internacional dos Tribunais portugueses, há que analisar as normas de competência internacional internas, constantes dos arts. 62º e 63º do C. P. Civil.
Analisemos então as alíneas do art. 62º, que são de verificação alternativa.
Relativamente à alínea a), tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 94), “A competência internacional acompanha, desde logo, a competência interna de raiz territorial: se, de acordo com as regras da competência em razão do território, algum tribunal português for territorialmente competente, também lhe é atribuída a competência internacional por via do princípio da coincidência.
No que respeita à alínea b), dizem os mesmos Autores que “Em função do princípio da causalidade, existe competência internacional se o facto que serve de causa de pedir (causa de pedir simples) ou algum dos factos que a integram (causa de pedir complexa) tiver sido praticado em território nacional.
Acrescentam estes Autores que, “A al. c) contém uma cláusula de salvaguarda tendente a evitar que, atenta a impossibilidade de ordem prática ou jurídica (v.g. recusa de competência) ou a grave dificuldade na instauração da ação num tribunal de outro Estado, o direito em causa pudesse ficar sem tutela efetiva (v.g. casos de guerra ou outras calamidades). Concretiza o princípio da necessidade, mas a atribuição da competência aos tribunais nacionais exige uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa, seja de ordem pessoal (v.g.  nacionalidade ou residência das partes), seja de natureza real (v.g. o facto desse situar em território nacional o bem que é objeto imediato ou mediato da ação).

No caso, os Tribunais portugueses não são internacionalmente competentes com base na alínea a), uma vez que, inexistindo disposição legal expressa que estabeleça a competência territorial do tribunal em matéria de inventário para partilha subsequente ao divórcio, rege a regra do art. 86º do C. P. Civil, que estipula ser competente o tribunal do domicílio do réu, sendo que, no caso, o Réu reside em França.
O critério da alínea b), do art. 62º, também não serve para atribuir, no caso, competência internacional aos tribunais competentes, já que o facto que serve de causa de pedir – o divórcio – ocorreu em França.
Por último, “na al. c) do art. 62º do CPC consagra-se o critério da necessidade segundo o qual a ação pode ser proposta nos tribunais portugueses quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa exista um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real. (v. Ac. deste Tribunal de 3/10/24 in www.dgsi.pt).
No caso em análise não existe qualquer impossibilidade absoluta, jurídica ou de facto de a Requerente fazer valer os direitos invocados nesta ação, em França, nem se verifica qualquer “dificuldade apreciável” na propositura da ação nesse país, já que é aí que a Requerente tem a sua residência e, ainda que esteja desempregada, como alega, pode sempre pedir apoio judiciário, o que também é possível no sistema francês (aide juridictionnelle).

Os Tribunais portugueses não são, assim competentes para conhecer da presente ação, com base no disposto no art. 62º do C. P. Civil.

Alega, no entanto, a Requerente que tal competência advém do facto de Requerente e Requerido terem em Portugal um bem a partilhar, aplicando-se de forma subsidiária o critério previsto no art. 72º - A, nº 3, do C. P Civil, “sendo competente para a tramitação do inventário, no caso de existirem bens imóveis a partilhar, como é o caso, o tribunal do lugar da situação dos bens (este Juízo de Família e Menores de Braga) ou, localizando-se os imóveis em circunscrições diferentes, o tribunal da situação do maior número.”

Ora, em primeiro lugar não se encontra nos autos qualquer relação de bens e respetivos documentos de suporte, pelo que não é possível verificar tal afirmação.
Por outro lado, ainda que, efetivamente, os Interessados tenham um imóvel situado em Portugal no acervo a partilhar, os Tribunais portugueses não seriam internacionalmente competentes.
Na verdade, a conexão com base na situação dos imóveis encontra-se prevista na al. a) do art. 63º, mas para as ações de natureza real ou sobre matéria de arrendamento e o processo de inventário não cabe em qualquer destas categorias, também não cabendo em qualquer das matérias referidas nas restantes alíneas do art. 63º.

Desta forma, concluímos como a primeira instância, que os Tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para julgar o presente processo de inventário.

Julga-se, pois, improcedente o recurso.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
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Guimarães, 30 de abril de 2025

Alexandra Rolim Mendes
Raquel Baptista Tavares
José Cravo