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ARRENDAMENTO
FIADOR
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Sumário
1 – O problema da sucessão das leis no tempo relativo às alterações ao art. 1041º do C. Civil, introduzidas pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, deve ser resolvido com recurso às normas gerais de direito e designadamente ao disposto no art, 12º do C. Civil, uma vez que a norma transitória constante desse diploma nada regula sobre os termos de aplicação no tempo das mencionadas alterações. 2 – Tendo em conta o princípio geral constante do art. 12º, do C. Civil de que a lei só dispõe para o futuro quando lhe não seja atribuída eficácia retroativa pelo legislador, presumindo-se salvaguardados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei nova se destina a regular, mesmo perante os casos em que o legislador atribui eficácia retroativa à lei nova, a falta de comunicação aos fiadores do locatário do montante das rendas vencidas antes de 13/2/19, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei nº 13/2019 que introduziu os nºs 5 e 6 no art. 1041º, do C. Civil, é irrelevante, pois o disposto nas disposições introduzidas por esta Lei respeitantes à responsabilidade do fiador pelos créditos decorrentes da mora do locatário, apenas se aplica para o futuro, sendo certo que tal situação jurídica estava já plenamente constituída à data de entrada em vigor da referida lei. 3 - A aplicação da LN aos efeitos passados anteriormente à sua entrada em vigor, configuraria a sua aplicação retroativa, proibida pelo art. 12º, nº 1 do C. Civil. 4 - Deste modo, os fiadores respondem pelos créditos decorrentes da mora do locatário, vencidos antes da entrada em vigor da LN, nos termos determinados pela lei em vigor na altura em que tal mora ocorreu e que não exigia a notificação dos fiadores. 5 - Já o mesmo não acontece relativamente aos créditos cuja mora ocorreu após a entrada em vigor da LN. Relativamente a estes aplica-se a LN, pois, neste caso, a situação de mora apenas se consolidou após a entrada em vigor desta Lei. 6 - Neste caso, de acordo com o previsto no nº 6, do art. 1041º, introduzido pela da Lei nº 13/2019, que aditou condições antes não previstas para a exigibilidade da prestação do fiador, para que este possa responder pelos créditos decorrentes da mora do arrendatário, há que proceder à sua notificação nos termos previstos nos nº 5 da mesma disposição legal. 6 - A citação para a ação em que é pedida a condenação do fiador no pagamento das rendas em dívida, com base na mora do locatário, informando o respetivo montante, deve valer como notificação para efeitos do disposto nos nºs 5 e 6 do art. 1041º, do C. Civil, relativamente às rendas vencidas e não pagas a partir dos 90 dias que antecederam a citação desse fiador. 7 - É pressuposto da aplicação do art. 1045º, do C. Civil, que o contrato de arrendamento tenha terminado e que após esse término se mantenha a ocupação do local arrendado.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório:
EMP01..., Lda, instaurou a presente ação de condenação, sob a forma de processo comum, contra EMP02..., Unipessoal, Lda, AA, BB e CC, alegando, em síntese, que deu de arrendamento à 1ª Ré, com início em 1 de Junho de 2011 e termo em 31 de Maio de 2021 (renovando-se de forma automática por iguais períodos de tempo), o prédio identificado no art. 1º da petição inicial, para a atividade comercial da 1ª Ré (a atividade de valorização de resíduos metálicos e desmantelamento de equipamentos eletrónicos em fim de vida), mediante o pagamento mensal de 1.400,00 €, acordando-se em Fevereiro de 2016 a redução desse valor para 1.200,00 €; a 1ª Ré deixou de pagar a renda em Julho de 2018; os 2º, 3º e 4º Réus constituíram-se fiadores da 1ª Ré; todos os Réus foram interpelados para pagar as rendas e não pagaram, encontrando-se em dívida à data da instauração da ação a quantia de 61.416,00 €.
Com tais fundamentos, conclui a Autora pedindo se decrete a resolução do contrato de arrendamento; se condene a 1ª Ré a despejar o arrendado, entregando-o à Autora livre e desocupado de pessoas e bens; se condene as Rés, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 61.416,00 €, relativamente a rendas vencidas e não pagas e juros de mora; sendo ainda as Rés condenadas, solidariamente, a pagar à Autora a quantia que após a data da instauração da ação e até à efetiva entrega do arrendado, à razão mensal de 1.200,00€; e ainda nos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das rendas até efetivo e integral pagamento.
A 1ª Ré foi citada pessoalmente e não constituiu mandatário nem contestou a ação.
O 3º Réu foi citado e constituiu mandatário, mas não contestou a ação.
Os 2º e 4º Réus, regularmente citados, apresentaram contestação, aceitando a celebração do contrato de arredamento, mas afirmando que se desvincularam da 1ª Ré em 2012 e 2013, cedendo as suas quotas ao 3º Réu, não tendo conhecimento de quaisquer atos societários praticados após 2014 e desconhecendo as vicissitudes deste contrato nomeadamente, se se mantém em vigor e se não há pagamento de rendas; só foram interpelados para pagamento agora (por referência à data da contestação) através de meios judiciais, depois de quatro anos desde o início do alegado incumprimento da 1ª Ré.
Defenderam-se ainda excecionando a sua ilegitimidade, com fundamento de no alegado início do incumprimento não serem já sócios e gerentes da 1ª Ré.
Respondeu a Autora, dizendo que os 2º e 4º Réus foram demandados enquanto fiadores da 1ª Ré e não na qualidade de sócios e gerentes da mesma.
A Autora deduziu incidente de despejo imediato com fundamento na falta de pagamento de rendas na pendência da ação.
Não foi apresentada oposição, tendo sido proferida decisão a determinar o despejo imediato do imóvel e a condenar a 1ª Ré a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens.
Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador que deu por verificados os pressupostos de validade e regularidade da instância, fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
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Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
“Em face do exposto, julga-se procedente a presente ação e, em consequência, decide-se: a) Condenar 1ª Ré EMP02..., Unipessoal, L.da, a pagar à Autora EMP01..., L.da, a quantia de € 54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros), relativa a rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data de vencimento de cada uma faz rendas até efetivo e integral pagamento; b) Condenar a 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de € 14.400,00 (catorze mil e quatrocentos euros), a título de indemnização pela ocupação do prédio arrendado; c) Julgar extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância quanto aos pedidos de declaração de resolução do contrato de arrendamento e restituição imediata do prédio identificado na alínea em A) dos factos provados, livre de pessoas e bens; d) Absolver os Réus do demais peticionado. Custas a cargo da Autora e da 1ª Ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 20% para a Autora e 80% para a 1ª Ré (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Processo Civil).”
*
Inconformada veio a Autora recorrer formulando as seguintes Conclusões:
1.º - A Autora e aqui Recorrente não se conforma com parte da douta sentença, que considerou apenas parcialmente procedente o pedido e nos termos da alínea d) “absolveu os réus do demais peticionado”, designadamente os Réus AA, BB e CC, 2.º. 3.º e 4.º Réus, respetivamente, da condenação solidária, na qualidade de fiadores, no pagamento das rendas vencidas e não pagas e juros de mora, bem como na indemnização pela ocupação do arrendado.
2.º - Por mais respeito que o douto tribunal nos mereça, entendemos que não decidiu bem, incidindo o presente recurso apenas sobre matéria de direito, designadamente, na violação dos artigos 627.º, 1041.º, 1045.º e 12.º todos do Código Civil.
3.º - Entende a aqui Recorrente que não é de aplicar aos presentes autos a nova redação do artigo 1041.º n.º 5 e 6, que embora tendo aquela notificado os fiadores, não cumpriu o ónus de indicar o montante em dívida.
4.º - A Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que aprovou “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade” veio introduzir alterações ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), nomeadamente, no artigo 1041.º n.º 5 e 6 do Código Civil.
5.º - A referida Lei n.º 13/2019 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 13 de fevereiro de 2019, contendo uma disposição transitória (art.º 14.º), que não se pronunciou quanto à aplicabilidade no artigo 1041.º n.º 5 e 6 do C.C., sendo que se aplica o regime geral do artigo 12.º sobre a sucessão de leis no tempo.
6.º - No n.º 1 do artigo 12.º do CC consagra-se o princípio geral da não retroatividade da lei, no sentido de que as leis só se aplicam para o futuro.
7.º - Para além disso, as leis novas, mesmo que se apliquem para o passado - conferindo-se-lhes eficácia retroativa – nesse caso, presume-se que ficam ressalvados os efeitos jurídicos já produzidos.
8.º - Decorre da mencionada regra que a lei nova é de aplicação imediata a que lhe anda associado um outro princípio: o da não retroatividade.
9.º - A decisão sobre a aplicação/não aplicação do artigo 1041.º, n.ºs. 5 e 6, do CC, na redação dada pela mencionada Lei n.º 13/2019, à situação dos autos depende, pois fundamentalmente da qualificação dessas disposições, ou seja, da resposta à questão de saber se elas abstraem ou não dos factos constitutivos das situações jurídicas visadas nas suas hipóteses legais e ainda se a situação jurídica dos autos subsistia à data da entrada em vigor da nova lei.
10.º - Ora, a situação descrita naquelas disposições normativas é a da existência de mora do locatário, em caso de fiança, determinando o comando legal uma condição específica
– a notificação do senhorio ao fiador sobre a mora e as quantias em dívida - para a exigibilidade ao fiador da satisfação dos direitos de crédito pelo credor.
11.º - E, no caso concreto nos presentes autos, conforme decorre do facto provado na alínea J), a mora do devedor já decorria desde julho de 2018, anteriormente à entrada em vigor da presente Lei 13/2019 de 12 de fevereiro que alterou a redação do artigo 1041.º n.º 5 e 6 do C.C.
12.º - Ora, quando entrou em vigor a nova redação do artigo 1041.º já estávamos perante uma mora do devedor, não estávamos perante uma situação jurídica a constituir ou em vias de constituição, mas sim perante uma situação jurídica já constituída e subsistente à data da entrada em vigor da lei nova.
13.º - A Lei n.º 13/2019 não visou, de facto, incidir sobre factos e efeitos totalmente passados, aditando condições antes não previstas para a exigibilidade da prestação do fiador. Fê-lo, tão só, para as relações jurídicas que nasçam na sua vigência e, naquelas que subsistiam à data da sua entrada em vigor, mas nas quais, ainda não se tenha constituído a situação de mora do locatário. Nas demais, como a dos presentes autos, é aplicável a lei antiga.
14.º - Pelo que, somos do entendimento que os 2.º, 3.º e 4º Réus não deixaram de ser responsáveis como fiadores, pelo pagamento dos valores não satisfeitos, dado que, a exigibilidade dos mesmos não dependia da prévia comunicação do senhorio de tal falta, tendo a sentença violado o artigo 1041.º do C.C.
15.º - , Devendo os Réus e aqui Recorridos serem condenados no pagamento das rendas vencidas e vincendas, bem como juros de mora.
16.º - Sem prescindir, mas por uma questão de cautela, caso se entenda, pela aplicação da nova redação do artigo 1041.º n.º 5 do Código Civil, que não foram cumpridas as formalidades exigidas pela nova redação, somos do entendimento, que deve o douto tribunal condenar, pelo menos, nas rendas em dívida e vencidas desde julho de 2018 até fevereiro de 2019, data da entrada em vigor da nova redação do artigo 1041.º n.º 5 do Código Civil.
17.º - Porquanto, a mora do devedor relativamente a essas rendas, julho de 2018 até fevereiro de 2019 era uma situação jurídica devidamente consolidada e não uma situação jurídica a constituir.
18.º - Assim, sem prescindir do entendimento da não aplicabilidade da nova redação do artigo 1041.º aos presentes autos, caso assim não se entenda, devem pelo menos os 2.º, 3.º e 4.º Réus serem condenados solidariamente no pagamento das rendas vencidas desde julho de 2018 até fevereiro de 2019, no montante global de €9.600,00 – nove mil e seiscentos euros acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
19.º - Ainda sem prescindir da não aplicabilidade da nova redação do artigo 1041.º n.º 5 e 6 aos presentes autos, sempre sem dirá que a notificação dos fiadores para a ação valerá como notificação para efeitos do artigo 1041.º n.º 5.
20.º - Porquanto, o facto da Autora e aqui Recorrente, na notificação aos fiadores, aqui 2.º, 3.º e 4.º Réus não ter indicado os montantes em dívida, não faz precludir, de forma definitiva, o direito de exigir a condenação do fiador no valor das rendas em dívida, solidariamente com a arrendatária.
21.º - Ora, os fiadores foram citados com a ação dos valores em dívidas para efeitos do artigo 1041.º n.º 5 do C.C., contudo, os fiadores só ficam responsáveis pelo pagamento das rendas dos 90 dias anteriores à sua citação.
22.º - Se o Senhorio, aqui Autora, os tivesse interpelado anteriormente e tivesse dado logo entrada à ação, porque também não tem de esperar que os fiadores respondessem a essa notificação. A citação da ação vale como notificação porque não retira qualquer direito ao fiador nem agrava a sua responsabilidade.
23.º - A fiança é, assim, a garantia pessoal típica ou nominada, regulada no art.º 627º, e seguintes, do CC, pela qual um terceiro (fiador) assegura o seu património o cumprimento da obrigação do devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o credor deste.
24.º - A obrigação do fiador é acessória da obrigação do devedor principal – nº 2, do art.º 627º, do CC. Constituída a fiança fica a existir, juntamente com a obrigação do devedor, a obrigação acessória do fiador, cobrindo a primeira e tutelando o seu cumprimento.
Assumindo o conteúdo da obrigação principal, incluindo as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (artigo 634º do CC).
25.º - Como tal, podendo o credor exercer “perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor, quer respeitem à ação de cumprimento, quer à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso”.
26.º - Pelo exposto, somos do entendimento e sem prescindir, que devem os 2.º, 3.ºe 4.º Réus, serem na qualidade de fiadores e solidariamente com a 1ª R., a pagar à A. as rendas vencidas a partir dos 90 dias anteriores à citação para estes autos e devidas até à renda vencidas, acrescidas dos juros de mora legais desde o vencimento de cada uma das rendas e sobre o seu valor até integral e efetivo pagamento.
Ainda,
27.º - Não concorda a aqui Recorrente com a absolvição dos 2.º, 3.º e 4.º Réus, na qualidade de fiadores, no pagamento da quantia de €14.000,00 – catorze mil euros, a título de indemnização pela ocupação do locado.
28.º - Conforme consta da matéria de facto da como provada na alínea D) no contrato de arrendamento celebrado foi dito pelos 2.º, 3.º e 4.º, Réus o seguinte: “pelos terceiros outorgantes foi dito que se declaram fiadores e principais pagadores da Locatária respondendo voluntária e solidariamente com ela pelo pontual cumprimento de todas as obrigações por esta assumidas, ficando pessoalmente obrigados perante a Locadora pelo prazo deste contrato, todas as suas prorrogações e eventuais aumentos de renda, com expressas renúncia ao benefício da excussão, subsistindo a fiança enquanto durar o contrato de arrendamento, mesmo que decorridos dez anos sobre o início da primeira prorrogação, ou ainda que se verifique transmissão ou alteração da posição contratual da Locatária, e enquanto o locado não for restituído à Locatária”.
29.º - Sucede que, somos do entendimento que, não se pode aplicar ao artigo 1041.º n.º 5 e 6 do Código Civil não tem aplicação quanto à indemnização pela não restituição do locado nos termos do artigo 1045.º n.º 1 do Código Civil.
30.º - Porquanto, os números 5 e 6 do artigo 1041.º do Código Civil regem tão só quanto só quanto à indemnização moratória relativa à falta de pagamento das rendas pelo arrendatário, que não quanto a todas e quaisquer obrigações deste.
31.º - Fora daquele âmbito, o da introdução pela Lei n.º 13/2019, de uma condição de exigibilidade para a obrigação do fiador correspondente à indemnização pela mora do arrendatário pela falta de pagamento de rendas, continuam, na ausência de norma legal, a valer as regras ou disposições gerais do CC, quanto ao âmbito da responsabilidade do fiador.
32.º - E, conforme decorre do clausulado entre partes, Autora e Réus, estes na qualidade de fiadores se obrigaram a garantir o pagamento de todas as quantias que viessem a ser devidas pela 1.º Ré à Autora e virtude do contrato de arrendamento, até à entrega efetiva do locado.
33.º - De facto, a Autora não poderia ter notificado os fiadores, após a entrada da ação em 25 de março de 2022 para e nos termos do artigo 1045.º n.º 1 e 2 do Código Civil para entrega do locado.
34.º - Nessa medida, com a citação da ação tiveram aqueles conhecimentos dos factos da não restituição do locado, sendo que tal só aconteceu em maio de 2023, sendo inaplicável as condições previstas nos artigos 1041.º n.º 5 e 6 do Código Civil.
35.º - Pelo que, tendo os 2.º, 3.º e 4.º Réus, na qualidade de fiadores assumido todas as obrigações enquanto o locado não for restituído, devem assim, os 2.º, 3º e 4.º Réus serem solidariamente condenados a pagar à Autora a quantia de €14.400,00 (catorze mil e quatrocentos euros) a título de indemnização pela ocupação do prédio arrendado, o equivalente à renda desde a data da citação da presente ação até à entrega efetiva do locado que ocorreu em maio de 2023, nos termos e para os efeitos do artigo 1045.º n.º 1 do Código Civil.
36.º - Assim, afigura-se-nos também inquestionável que a obrigação de pagamento da indemnização prevista no art.º 1045º nº 1 e 2 do CC, que incide sobre a arrendatária, pelo atraso culposo na entrega do locado, equivalente ao valor da renda mensal em dobro por cada mês de atraso na restituição do bem é igualmente responsabilidade dos fiadores, em razão dos termos da fiança que prestou perante o senhorio aquando da celebração do contrato de arrendamento.
37.º - A obrigação assumida pelos fiadores no contrato de arrendamento em questão o foi de forma muito ampla, abrangendo todas as obrigações da inquilina decorrente do contrato até à efetiva restituição do locado.
38.º - A mora na entrega do locado não ocorre com a mera comunicação da resolução do contrato [como se viu o locado só tem, em regra, de ser entregue um mês após a extinção do contrato – art.º 1087º, do CC], pelo que nenhum sentido faz exigir que esta comunicação se faça ao fiador para o responsabilizar pelas obrigações assumidas em resultado de tal mora.
39.º - Assim sendo, no caso, e tendo em consideração os termos em que o acordo de fiança foi estipulado, nada obsta a que os fiadores, possam ser responsabilizados pela mora na entrega do locado nos mesmos termos em que o foi a arrendatária, aqui 1.ª Ré.
40.º - Entende a aqui Autora e Recorrente que a douta sentença violou os artigos 12.º n.º 1 e 2, 1041.º n.º 5 e 6.º, e 1045.º n.º 1e 2 do Código Civil ao não condenar os 2.º, 3.º e 4.º Réus na qualidade de fiadores no pagamento das rendas vencidas e vincendas, juros de mora e no pagamento da indemnização pelo atraso na entrega efetiva do locado.
41.º - Pelo que, deve a douta sentença parcialmente alterada por outra que condene solidariamente os fiadores, aqui 2.º, 3.º e 4.º Réus, ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, pelo entendimento da não aplicabilidade da nova redação do artigo 1041.º n.º 5 e 6 do C.C. em cumprimento do princípio da não retroatividade da lei, previsto no artigo 12.º n.º 1 do C.C.
42.º - Caso, assim, não se entenda, somos do entendimento, que devem os fiadores, aqui 2.º, 3.º e 4.º Réus serem solidariamente condenados no pagamento das rendas vencidas desde julho de 2018 até fevereiro de 2019 data da entrada em vigor da nova redação do artigo 1041.º n.º 5 e 6 do C.C., conforme nos termos acima expostos.
43.º - Bem como, devem ainda ser condenados no pagamento da indemnização nos termos do artigo 1045.º n.º 1 do Código Civil.
Termos em que, e nos melhores de direito,
Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a sentença alterada quanto ao ponto d) e serem os 2.º, 3.º e 4.º, Réus solidariamente condenados nos termos supra expostos, cumprindo-se assim a almejada
JUSTIÇA!
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Foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:
- Saber se o disposto nos nºs 5 e 6 do art. 1041º do C. Civil se aplica ao caso em apreço;
- Se necessário, analisar se a citação dos fiadores para a presente ação equivale à notificação prevista no nº 5 do art. 1041º do C. Civil.
- Verificar se os 2º, 3º e 4º Réus devem ser condenados a pagar à A. indemnização nos termos do disposto no art. 1045º do C. Civil.
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
A) A Autora é proprietária de um prédio urbano composto de dois pisos com 700m2, sito no lote n.º ...6, no loteamento ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo urbano n.º ...94, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., com o n.º ...35, com alvará de utilização n.º ...11 emitido em ../../2011 pela Câmara Municipal ....
B) A Autora celebrou com a primeira Ré, EMP02..., LDA., um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, datado de 1 de junho de 2011, sobre o prédio anteriormente identificado, cujos fiadores são os Réus, AA, BB e CC.
C) O imóvel foi destinado exclusivamente ao exercício da atividade comercial da Ré, mais propriamente, a atividade de valorização de resíduos metálicos e desmantelamento de equipamentos eletrónicos em fim de vida.
D) O segundo, terceiro e quarto Réus, declaram-se fiadores e principais pagadores da arrendatária, respondendo voluntariamente e solidariamente com ela pelo pontual cumprimento de todas as obrigações por esta assumidas, ficando pessoalmente obrigados perante a locadora pelo prazo do contrato, todas as suas prorrogações e eventuais aumentos de renda, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, subsistindo a fiança enquanto durar o contrato de arrendamento, mesmo que decorridos dez anos sobre o início da primeira prorrogação, ou ainda que se verifique transmissão ou alteração da posição contratual da locatária e enquanto o locado não for restituído à locadora.
E) Autora e Ré estipularam o prazo de dez anos para a duração do contrato, com início no dia 1 de junho de 2011 e termo no dia 31 de maio de 2021, renovando-se de forma automática por iguais períodos de tempo.
F) Findo o prazo inicial de duração, o contrato não foi denunciado.
G) Entre as partes foi acordado uma renda anual que ascendia aos 16.800,00€ - dezasseis mil e oitocentos euros -, a qual seria paga mensalmente em duodécimos de 1.400,00€ – mil e quatrocentos euros -, devendo os correspondentes pagamentos ser realizados no primeiro dia útil do mês anterior a que a prestação dissesse respeito.
H) Em fevereiro de 2016, foi acordado entre as partes uma redução do valor mensal da renda, que passou nesse momento a quantificar-se em 1200,00€ - mil e duzentos euros – o que perfaz um montante anual de 14.400,00€ - catorze mil e quatrocentos euros.
I) Desde o início do contrato que a primeira Ré passou a beneficiar do gozo temporário do imóvel identificado na alínea A).
J) Não obstante, desde o mês de julho de 2018, inclusive, não foi efetuado qualquer pagamento de renda.
K) Os Réus fiadores foram interpelados para pagar por carta datada de 21 de janeiro de 2022.
L) Até 25 de março de 2022 (data da instauração da ação), estão em dívida 45 rendas, respeitantes aos meses de agosto de 2018 a março de 2022, no montante global de 54.000,00€.
M) À data da celebração do contrato de arrendamento os 2º e 4º Réus eram sócios e gerentes da sociedade 1ª Ré.
N) O 2º Réu, em 2012, cessou as suas funções de gerente na sociedade aqui 1ª Ré.
O) Em 2013, o 4º Réu cessou também ele funções enquanto gerente, por renúncia ao cargo, da sociedade 1ª Ré.
P) Em 24 de março de 2014, os 2º e 4º Réus cederam as suas quotas ao 3º Réu.
Q) Tendo a sociedade, aqui 1ª Ré, convertido a sua denominação comercial para “Unipessoal Lda”, em virtude daquela alteração societária.
R) Posicionando-se, assim, o 3º Réu como sócio único e gerente da sociedade aqui 1ª Ré.
S) O imóvel foi entregue à Autora em maio de 2023.
FACTOS NÃO PROVADOS
1- Alegando constantes dificuldades económicas, todos os Réus foram fazendo promessas de pagamento, que nunca se concretizaram.
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Cumpre apreciar e decidir:
Analisando os factos provados, verifica-se que, no caso, tal como se concluiu a sentença recorrida, Autora e 1ª Ré celebraram um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, tendo a 1ª Ré deixado de cumprir, desde julho de 2018 a obrigação de pagar as rendas mensais acordadas.
No caso, não se discute a obrigação da 1ª Ré de pagar o montante de tais rendas à Autora, mas sim se os 2º, 3º e 4º Réus devem ser condenados a pagá-las, na qualidade de fiadores.
A sentença recorrida entendeu que não, uma vez que entendeu aplicável ao caso o disposto nos nºs 5 e 6, do C. Civil que estabelece que caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida; o senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior, entendendo ainda que a notificação enviada pela A. aos mencionados Réus, não cumpriu o estipulado nesse preceito, uma vez que não indicava os montantes em dívida.
Vejamos:
Conforme resulta dos factos provados, o contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado em 1/6/11.
O segundo, terceiro e quarto Réus, declaram-se fiadores e principais pagadores da arrendatária, respondendo voluntariamente e solidariamente com ela pelo pontual cumprimento de todas as obrigações por esta assumidas, ficando pessoalmente obrigados perante a locadora pelo prazo do contrato, todas as suas prorrogações e eventuais aumentos de renda, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, subsistindo a fiança enquanto durar o contrato de arrendamento, mesmo que decorridos dez anos sobre o início da primeira prorrogação, ou ainda que se verifique transmissão ou alteração da posição contratual da locatária e enquanto o locado não for restituído à locadora.
Desde o mês de julho de 2018, inclusive, não foi efetuado qualquer pagamento de renda.
Os Réus fiadores foram interpelados, por carta datada de 21 de janeiro de 2022, para pagar rendas em débito, sem que nesta carta fossem indicados os montantes em dívida.
A Lei nº 13/2019, de 12/02, aprovou “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade” tendo introduzido alterações, nomeadamente, no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterada pelas Leis nºs 31/2012, de 14 de agosto, 79/2014, de 19 de dezembro, 42/2017, de 14 de junho, e 43/2017, de 14 de junho).
De acordo com o estipulado neste diploma, os nºs 5 e 6, do art. 1041º do C. Civil, passaram a ter a seguinte redação:
Artigo 1041.º (Mora do locatário) (…) 5 - Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida. 6 - O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior (…)”
A referida Lei nº 13/2019, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 13 de fevereiro de 2019, contendo uma disposição transitória (art.º 14.º) do seguinte teor:
“1 - O disposto no n.º 7 do artigo 1041.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com a redação dada pela presente lei, é aplicável a dívidas constituídas anteriormente à data de entrada em vigor da presente lei. 2 - O disposto no n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil, com as alterações introduzidas pela presente lei, aplica-se igualmente a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma. 3 - Nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no n.º 1 do artigo 26.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, cujo arrendatário, à data de entrada em vigor da presente lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %, o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com a redação dada pela presente lei, havendo lugar à atualização ordinária da renda, nos termos gerais. 4 - A redação conferida pela presente lei ao n.º 10 do artigo 36.º do NRAU, só produz efeitos no dia seguinte à data da cessação da vigência da Lei n.º 30/2018, de 16 de julho, que estabelece o regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos. 5 - As comunicações do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento enviadas durante a vigência da Lei n.º 30/2018, de 14 de junho, aos arrendatários por ela abrangidos, que não tenham como fundamento o previsto na alínea a) do artigo 1101.º do Código Civil, com a redação dada pela presente lei, não produzem quaisquer efeitos.”.
Considerando o âmbito desta norma transitória, que nada regula sobre os termos de aplicação no tempo das mencionadas alterações ao art. 1041º, o problema da sucessão das leis no tempo deve ser resolvido com recurso às normas gerais de direito e designadamente ao disposto no art, 12º do C. Civil.
Preceitua este artigo o seguinte:
“Artigo 12.º (Aplicação das leis no tempo. Princípio geral) 1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
Assim, o princípio geral constante no art. 12º, nº 1 do C. Civil, é o de que a lei só dispõe para o futuro, quando o legislador não lhe atribua eficácia retroativa, presumindo-se salvaguardados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei nova se destina a regular, mesmo perante os casos em que o legislador atribui eficácia retroativa à lei nova.
Com efeito, tal como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição revista e atualizada, reimpressão, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, pág. 6o), no ordenamento jurídico português “Mantém-se o princípio tradicional da não retroactividade das leis, no sentido de que elas só aplicam para o futuro. E mesmo que se apliquem para o passado – eficácia retroactiva – presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos.” Acrescentam estes autores que “Previnem-se no nº 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc), bem como os efeitos da respectiva invalidade, têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado (…).” “Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável.”.
O Professor Diogo Freitas do Amaral (in anotação do art. 12º do C. Civil, Código Civil anotado, vol. I, Ana Prata e outros, 2ª ed. revista e atualizada, Almedina, pág. 34), sintetiza o regime do art. 12º do C. Civil da seguinte forma:
- a “existência, as condições de validade e os efeitos já produzidos” de qualquer facto de efeito imediato, ocorrido durante a vigência da LA, não devem ser eliminados ou modificados desfavoravelmente pela LN, sob pena de retroatividade, que se presuma não existir, salvo se houver uma intenção inequívoca de modificar o passado;
- diferentemente, o conteúdo objetivo de qualquer relação ou situação jurídica duradouro, constituída ao tempo da LA, se ela se prolongar para além da entrada em vigor da LN, pode, a partir do início da vigência desta, ser modificado desfavoravelmente pela LN, sem que por isso esta incorra em retroatividade”.
Tendo em conta o que acima se expôs, a falta de comunicação aos fiadores do montante das rendas vencidas antes de 13/2/19, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei nº 13/2019, é irrelevante, pois o disposto nas disposições introduzidas por esta Lei respeitantes à responsabilidade do fiador pelos créditos decorrentes da mora do locatário, apenas se aplica para o futuro, sendo certo que tal situação jurídica estava já plenamente constituída à data de entrada em vigor da referida lei.
A aplicação da LN aos efeitos passados anteriormente à sua entrada em vigor, configuraria a sua aplicação retroativa, proibida pelo art. 12º, nº 1 do C. Civil.
Deste modo, os fiadores respondem pelos créditos decorrentes da mora do locatário, vencidos antes da entrada em vigor da LN, nos termos determinados pela lei em vigor na altura em que tal mora ocorreu e que não exigia a notificação dos fiadores (v. no mesmo sentido, Ac. R.P. de 24/11/22, proc. nº 15200/20.9T8PRT.P1).
Já o mesmo não acontece relativamente aos créditos cuja mora ocorreu após a entrada em vigor da LN. Relativamente a estes aplica-se a LN, pois, neste caso, a situação de mora apenas se consolidou após a entrada em vigor desta Lei.
Neste caso, de acordo com o previsto no nº 6, do art. 1041º, introduzido pela da Lei nº 13/2019, que aditou condições antes não previstas para a exigibilidade da prestação do fiador, para que este possa responder pelos créditos decorrentes da mora do arrendatário, há que proceder à sua notificação nos termos previstos nos nº 5 da mesma disposição legal, sendo certo que a interpelação efetuada pela senhoria no caso dos autos não obedece aos requisitos aí determinados, pois não indica os montantes em dívida.
Assim, aos créditos vencidos após 13/02/19, aplica-se a sanção prevista na lei para a não notificação do(s) fiador(es) por parte do(a) senhorio(a) em caso de incumprimento do locatário que não fez cessar a mora, nos termos do nº 2 do citado art. 1041º e que consiste na impossibilidade de exigir o cumprimento da obrigação por parte do fiador.
Desta forma, não cumprindo a notificação efetuada a exigência legal relativa à comunicação das quantias em dívida, parece que não poderá a A. exigir dos Réus fiadores o montante dos valores vencidos após 13/2/09.
No entanto, a A. vem defender no seu recurso que, caso se entenda ineficaz tal notificação, se considere que a citação dos fiadores para a presente ação equivale à notificação prevista no nº 5 do 1041º, do C. Civil e se condene os mesmos no pagamento das rendas vencidas desde os 90 dias anteriores à sua citação.
É necessário, pois, analisar se a citação para a presente ação pode valer como notificação dos fiadores para os fins previstos nos nªs 5 e 6 do art. 1041º do C. Civil.
Vejamos:
Tal como resulta do disposto no art. 564º do C. P. Civil, a citação produz os efeitos aí previstos, mas não só.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 626, referem outros efeitos da citação (substantivos e processuais) que não os referidos neste preceito, dos quais destacamos os seguintes:
“(…)
c) Independentemente da existência de interpelação judicial (v.g. notificação da decisão relativa ao arresto), a citação para uma ação é suscetível de constituir o devedor em mora no que respeita a obrigações puras (art. 805, nº 1 do CC); deve ter-se ainda em consideração o disposto no art. 610º, nº 2, al. b), segundo o qual a citação provoca o vencimento da dívida cuja inexigibilidade resulta da falta de interpelação ou de o pagamento não ter sido exigido no domicílio do devedor; do mesmo modo, relativamente a obrigações ilíquidas emergentes.
(…)”
No caso, encontra-se verificada a existência da obrigação e o seu vencimento, no entanto, a sua exigibilidade depende de ato a praticar pelo credor.
Por outro lado, a citação para a ação contém os requisitos da notificação prevista no nº 5 do art. 1041º, ou seja, notificação ao fiador da mora e das quantias em dívida (no mesmo sentido Ac. R.P. de 8/5/23, proc. nº 1242/22.3T8PRT.P1 in www.dgsi.pt).
Contudo, tal como resulta do mencionado nº 5 do art. 1041º, a notificação aí referida tem de ser efetuada no prazo dos 90 dias seguintes àqueles em que o arrendatário poderia fazer cessar a mora nos termos do nº2 do mesmo preceito, ou seja, a contar do seu começo.
Ora, tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8/5/23, acima mencionado, com citações, respetivamente, do Ac. da R.L. de 26/4/22 e de Ana Isabel Afonso in “Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano” publicado in “Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, edição Universidade Católica Editora. Porto de março de 2020, p. 21 e segs. “As rendas “no contrato de locação (…) correspondem a prestações periódicas sucessivas, dependentes da duração do contrato”, e nessa medida a cada novo incumprimento da obrigação “renasce o direito” à interpelação, em respeito pelos prazos previstos nos nºs 2, 5 e 6 do artigo 1041º.”
A citação para a presente ação deve, pois, valer como notificação para efeitos do disposto nos nºs 5 e 6 do art. 1041º, do C. Civil, relativamente às rendas vencidas e não pagas a partir dos 90 dias que antecederam a citação dos mencionados RR..
Desta forma, deve entender-se que os fiadores são responsáveis pelo pagamento à A. das rendas vencidas a partir dos 90 dias anteriores à citação para a ação, momento em que aos mesmos foi dado conhecimento da mora e das quantias em dívida, interpelando-os para o respetivo pagamento.
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A Recorrente diz ainda não concordar com a absolvição dos 2.º, 3.º e 4.º Réus, na qualidade de fiadores, no pagamento da quantia de €14.000,00 – catorze mil euros, a título de indemnização pela ocupação do locado, com base no disposto no art. 1045º do C. Civil.
Este preceito, na parte com interesse para o caso em apreço, dispõe o seguinte:
“Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.”
Verificamos, assim, que é pressuposto da aplicação desta norma que o contrato de arrendamento tenha terminado e que após esse término se mantenha a ocupação do local arrendado.
Ora, da sentença recorrida consta, nomeadamente, o seguinte:
“O contrato teve início em 1de Junho de 2011 e terminaria em 1 de Maio de 2021, caso fosse denunciado pelas partes, o que não sucedeu, pelo que se renovou por mais 10 anos. O senhorio tem direito às rendas vencidas até à caducidade do contrato de arrendamento e ainda ao montante equivalente ao das retribuições futuras até à restituição do imóvel arrendado. Isto posto, temos que no caso em apreço, Autora e 1ª Ré celebraram um contrato de arrendamento para fins não habitacionais e que a 1ª Ré deixou de pagar as rendas mensais devidas. Assim, a 1ª Ré não cumpriu sua obrigação de pagar as rendas que se venceram mensalmente desde Julho de 2018. Deve pois pagar à Autora as rendas em falta. Ficou demonstrado que a Autora entrou na posse do imóvel em Maio de 2023. Assim, a 1ª Ré deve recompensar a Autora pelo uso do imóvel até essa data, o que perfaz a quantia total de 68.400,00 €.”
Este segmento da sentença não foi objeto de recurso.
Assim, temos por assente que na data em que o imóvel foi devolvido à A. o contrato de arrendamento em questão se encontrava em vigor.
Deste modo, não tendo ocorrido falta de entrega da coisa locada no termo do contrato, não tem aplicação ao caso o disposto no art. 1045º, nº 1 do C. Civil, tendo, no entanto a locatária direito às rendas vencidas e não pagas, enquanto se manteve em vigor o contrato.
Improcede, assim o pedido de condenação dos 2º, 3º e 4º RR. no pagamento de indemnização ao abrigo do disposto no art. 1045º, do C. Civil.
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Procede, pois, apenas parcialmente o recurso, determinando-se a condenação dos Réus, na qualidade de fiadores e solidariamente com a 1ª Ré, no pagamento à A. das rendas vencidas e não pagas até 12/2/19 e ainda nas vencidas a partir dos 90 dias anteriores à citação para estes autos, acrescidas dos juros de mora legais desde o vencimento de cada uma das obrigações até integral pagamento.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a Apelação, com a consequente revogação parcial da decisão recorrida, determinando-se a condenação dos 2º, 3º e 4º Réus, na qualidade de fiadores e solidariamente com a 1ª Ré, no pagamento à A. das rendas vencidas e não pagas até 12/2/19 e ainda nas vencidas a partir dos 90 dias anteriores à citação para estes autos, acrescidas dos juros de mora legais desde o vencimento de cada uma das obrigações até integral pagamento.
Custas pela A. e pelos 2º, 3º e 4º RR. na proporção de decaimento.
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Guimarães, 30 de abril de 2025
Alexandra Rolim Mendes António Figueiredo de Almeida Alcides Rodrigues