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SEGURO DE VIDA
INDEMNIZAÇÃO
REMANESCENTE
PATRIMÓNIO COMUM
Sumário
1) Os seguros vencidos a favor da pessoa de um cônjuge ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios também são incomunicáveis; 2) O contrato de seguro do ramo vida, associado a um contrato de mútuo, visa assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos mutuários para com o Banco mutuante, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários, daí que, perante a verificação do risco previsto (morte ou invalidez total e permanente dos segurados), a seguradora fique adstrita à realização de uma prestação pecuniária (pelo valor do capital mutuado em dívida) ao beneficiário indicado no contrato de seguro, no caso o Banco tomador e mutuante; 3) A circunstância de haver valores remanescentes, após a satisfação integral do crédito do Banco, não desvirtua o exposto, uma vez que se traduz num mero acerto de contas, não assumindo a qualidade de seguros vencidos a favor da pessoa de cada um dos cônjuges, não assumindo a natureza de bem próprio de nenhum deles, uma vez que não se integram em nenhuma das situações previstas no artigo 1733º do Código Civil e, designadamente, na alínea e) do seu nº 1; 4) Assim sendo, por aplicação do disposto no artigo 1732º do Código Civil, que estipula que o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam excetuados por lei, a quantia remanescente constitui património comum do extinto casal.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) AA veio intentar ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, na qualidade de únicas herdeiras de DD, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, e, em consequência, seja a aludida quantia de €22.971,74 declarada parte integrante do património comum e indiviso do dissolvido casal e que sejam as rés, na qualidade de únicas herdeiras da Sra. D. DD, condenadas a restituir a referida quantia, acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento, ao património comum indiviso do ex-casal, para efeitos de partilha no respetivo processo de inventário.
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Pelas rés BB e CC foi apresentada contestação e deduzido pedido reconvencional onde concluem entendendo que deve a ação ser totalmente improcedente por não provada e a presente reconvenção ser julgada totalmente procedente, por provada, e consequentemente:
A) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, o montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), correspondente ao saldo bancário da conta nº ...61 (depósito a prazo) do Banco 1..., SA, acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário;
B) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, todos os montantes produto do seu trabalho, auferidos na constância do matrimónio e até à data da prolação do divórcio, que o mesmo depositou em conta por si titulada, não tendo participado em qualquer despesa comum da família, acrescidos de juros à taxa legal até efetivo pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário;
C) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, todos os saldos bancários existentes à data da prolação do divórcio, constantes de contas bancárias, tituladas pelo autor, acrescidos de juros à taxa legal até efetivo pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário;
D) Caso o autor não cumpra a decisão de entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, de qualquer montante, para efeitos de partilha no processo de inventário, deverá ser condenado a pagar às rés, a quantia de €50,00 por cada dia de atraso, relativamente ao prazo fixado, até à integral e efetiva entrega.
E) Deve condenar-se o autor a pagar as custas e procuradoria dos autos.
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Pelo autor AA foi apresentada réplica onde conclui entendendo que deve julgar-se inadmissível a reconvenção deduzida nos autos ou, em via subsidiária, caso assim não se entenda, julgar-se totalmente improcedente o pedido reconvencional, concluindo-se como na PI.
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Foi proferido o despacho de fls. 86 e vº (ref. ...12), onde consta:
“Compulsados os autos constata-se que as rés deduziram reconvenção, sendo que dois dos pedidos são os seguintes:
“B) Ser o Autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, todos os montantes produto do seu trabalho, auferidos na constância do matrimónio e até à data da prolação do divórcio, que o mesmo depositou em conta por si titulada, não tendo participado em qualquer despesa comum da família, acrescidos de juros à taxa legal até efetivo pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário;
C) Ser o Autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, todos os saldos bancários existentes à data da prolação do divórcio, constantes de contas bancárias, tituladas pelo Autor, acrescidos de juros à taxa legal até efetivo pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário.”
Ora, no que concerne aos pedidos acima mencionados, o articulado padece de insuficiências e imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada.
Concretizando.
Em princípio o pedido tem que ser certo e determinado, de modo a que, uma vez acolhido na sentença, não se imponha qualquer outra atividade jurisdicional tendente a obter a sua concretização ou quantificação.
O autor tem de conhecer e descrever os danos sofridos assim como a sua quantificação.
Vertendo as considerações tecidas para o caso concreto, as reconvintes não alegaram os factos concretizadores de “todos os montantes produto do seu trabalho e dos saldos bancários”. Têm de alegar os pertinentes factos, ou seja, qual o montante em causa, quanto era o produto do trabalho do reconvindo, em que instituições bancárias se encontravam os referidos saldos e por que montantes. Por outro lado, o pedido de condenação do autor tem de ser certo e determinado, têm de ser especificados e quantificados os danos.
Consequentemente, conclui-se que a reconvenção em apreço revela-se deficiente, já que não integra a alegação de factos indispensáveis à procedência da pretensão das reconvintes e, por via disso, deverão ser convidados a apresentar novo articulado no qual alegue os factos pertinentes para o efeito pretendido.
Relativamente ao peticionado pelo autor, uma vez que se nos suscitam dúvidas sobe a forma do processo adequada ao efeito pretendido, cumpre que esclareça se já foi intentada ação de inventário do património da ex-mulher.
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Face ao exposto e nos termos dos arts. 6º e 590º, nº 2, alínea b) e 4 do Código de Processo Civil, convidam-se as reconvintes para, no prazo de 10 dias, vir apresentar aos autos nova reconvenção na qual supra as insuficiências acima identificadas e o autor a esclarecer o tribunal acerca do supra referido.
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Notifique.”
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As rés vieram deduzir nova reconvenção onde concluem que “deve a ação ser totalmente improcedente por não provada e a presente reconvenção ser julgada totalmente procedente, por provada, e consequentemente:
A) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, o montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), correspondente ao saldo bancário que constava da conta bancária n.º ...61 (depósito a prazo) do Banco 1..., SA, acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário;
B) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, todos os montantes produto do seu trabalho, auferidos na constância do matrimónio, designadamente, desde abril, de 2019, inclusive, até à data da prolação do divórcio - outubro de 2019, que o mesmo depositou em conta por si titulada, deduzindo ao mesmo eventuais despesas comuns que tenha suportado, valor que deve ser calculado a final, ao qual devem acrescer juros à taxa legal até efetivo pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário;
C) Ser o Autor condenado a reconhecer as despesas comuns do casal pagas pela mãe das rés, D. DD, durante o período de abril de 2019, inclusive, até outubro de 2019, devendo compensar as rés pelo montante despendido pela mãe das mesmas, com recurso a bens próprios desta ou de terceiros, montante ao qual devem acrescer juros à taxa legal até efetiva compensação.
D) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, os saldos bancários, existentes à data da prolação do divórcio, designadamente, em outubro de 2019, que se vier a constatar a sua existência por informação a ser prestada pelo Banco de Portugal e Instituições Bancárias respetivas, constantes de eventuais contas bancárias, tituladas pelo autor, ao qual deve acrescer juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento, para efeitos de partilha no processo de inventário;
E) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, a soma dos valores existentes em aplicações financeiras, que provisoriamente se calculam no montante de €531,81 (quinhentos e trinta e um euros e oitenta e um cêntimos), acrescendo a este montante outras importâncias que, eventualmente, se constatar que existiam na titularidade do autor, à data da prolação do divórcio, designadamente, outubro de 2019, ao qual deve acrescer juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento, para partilha dos mesmos em processo de inventário por divórcio.
F) Ser o autor condenado a entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, o valor de €453,15 (quatrocentos e cinquenta e três euros e quinze cêntimos), o correspondente, à data de 18/06/2019, à totalidade do saldo bancário da conta conjunta do extinto casal (conta do Banco 1..., SA nº ...20), que o autor transferiu para a conta bancária titulada por EE, irmã do autor, devendo acrescer juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento, para partilha dos mesmos em processo de inventário por divórcio.
G) Caso o autor não cumpra a decisão de entregar ao património comum e indiviso do dissolvido casal, de qualquer montante, para efeitos de partilha no processo de inventário, deverá ser condenado a pagar às rés, a quantia de €50,00 por cada dia de atraso, relativamente ao prazo fixado, até à integral e efetiva entrega.
H) Deve condenar-se o autor a pagar as custas e procuradoria dos autos.”
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O autor AA veio apresentar resposta à reconvenção onde conclui impetrando que se declare a ineptidão da reconvenção e consequentemente nulo todo o processado.
Em via subsidiária, caso assim não se entenda, se julgue inadmissível a reconvenção deduzida nos autos ou, por mero dever de patrocínio, caso assim não se entenda, julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, concluindo-se nos exatos termos da PI.
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Foi proferida sentença que decidiu:
a) Julgar totalmente improcedente a presente ação, por não provada e, em consequência absolver as rés BB e CC, dos pedidos;
b) Julgar verificada a exceção dilatória de erro na forma do processo e a de caso julgado quanto aos pedidos reconvencionais, e em consequência, absolver o autor/reconvindo AA da instância reconvencional, nos termos dos arts. 193º, 278º, nº 1, alínea b), 576º, nºs 1 e 2, 577º, alíneas b) e i) e 578º, todos do Código de Processo Civil;
c) Condenar o autor no pagamento das custas do processo, e as rés, no pagamento das custas da instância reconvencional – art. 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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B) Inconformado com a sentença proferida, veio o autor AA interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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1) Nas alegações de recurso do apelante e autor AA, são formuladas as seguintes conclusões:
A) A sentença recorrida conclui erradamente que as prestações creditícias e os prémios de seguro de vida, que foram pagos pelo casal, fruto do trabalho do recorrente, não são bens comuns.
B) Foi dado como provado (factos provados nºs 6, 7, 8, 9, 15, 16 e 20 supramencionados) que: os seguros venceram-se a favor da Instituição Bancária (o Banco 1..., SA) que concedeu os créditos aos ex-cônjuges; o remanescente (debitados que foram os valores de €18.834,84, €44.412,79 no dia 09.12.2019 e €3.198,70 no dia de 10.12.2019 a título de cancelamento antecipado) foi creditado numa conta comum do casal (os contraentes no aludido contrato de seguro de vida com cobertura por morte) e os aludidos seguros não se venceram a favor dos beneficiários.
C) De acordo com o preceituado no artigo 1733º, nº 1, al. e) do Código Civil são excluídos da comunhão (não comunicáveis) os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios. Isto é, devem ser considerados como bens próprios, portanto, nos termos previstos no art. 1733º, nº 1 al. e) do Código Civil, os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios.
D) Não obstante, no caso concreto, os aludidos seguros não se venceram diretamente a favor da pessoa de cada um dos cônjuges.
E) Os aludidos seguros venceram-se, sim, a favor da instituição bancária (factos dados como provados nºs 15 e 16), pelo que não devem as respetivas quantias remanescentes ser consideradas como bens próprios da referida Srª DD.
F. Porque só aqueles – os seguros vencidos em favor da pessoa de um cônjuge – são incomunicáveis!
G. Reitera-se, no caso sub iudice, o beneficiário dos seguros era, em caso de vida e invalidez, o Banco 1..., SA (facto dado como provado em 9).
H. Sem prescindir, ainda a este propósito, embora com justificação diferente para se considerar como tais depósitos como bem comuns, o entendimento de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (Curso de Direito da Família, Volume I, 3ª ed., p. 582): “Os seguros vencidos em favor da pessoa de um cônjuge ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios também são incomunicáveis (al. e)). Mas a fórmula legal carece de apreciação. (…) está hoje vulgarizado um tipo de contrato de seguro que não compreende apenas a cobertura de riscos, que engloba uma componente de poupança, remunerada com juros, atraentes e com capitalização; esta parte do contrato é facilmente separada da outra, inclusive para efeitos de resgate. Assim, cremos que pelo menos esta componente de poupança, constituída à custa dos salários, de bens comuns, deve ter o tratamento de qualquer outro aforro: deve ser considerada como um bem comum”.
I. Pelo que, porque os seguros não foram vencidos a favor da pessoa de cada um dos cônjuges e, outrossim, foram seguros pagos por ambos os cônjuges na constância do casamento, o valor de €23.815,03 creditado na conta do ex-casal pela seguradora, em dezembro de 2019, corresponde a um bem comum do casal por ter sido requerido na pendência do matrimónio, por isso, a transferência de €22.971,74 feita pelo cônjuge mulher, à revelia do recorrente, deve ser restituída à aludida comunhão.
Termina entendendo que o recurso deve ser julgado procedente.
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Pelas apeladas BB e CC foi apresentada resposta onde entendem que deve ser negado provimento ao recurso.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir no recurso são as de saber: 1) Qual a natureza jurídica das quantias recebidas pela falecida D. DD e depositadas na conta do ex-casal, em consequência do acionamento dos seguros do ramo vida com cobertura por morte, por invalidez total e permanente (ITP) e por invalidez absoluta e definitiva (IAD); 2) Se tais quantias deverão ser consideradas como bem comum do então casal.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Resultou apurada a seguinte matéria de facto:
I. FACTOS PROVADOS
1. O autor casou-se com a Sra. D. DD no dia ../../1998, no regime supletivo de comunhão de adquiridos;
2. Desse casamento nasceram duas filhas, BB, nascida a ../../1999, e CC, nascida a ../../2002;
3. Na pendência do matrimónio, o casal contraiu, em 23.09.2008, junto do Banco 1... (à data, Banco 2...), um crédito à habitação, no valor de €28.592,06 (vinte e oito mil quinhentos e noventa e dois euros e seis cêntimos), tal como um crédito hipotecário, no valor de €67.000,00 (sessenta e sete mil euros);
4. Em 30.09.2013, o casal contraiu ainda, junto do referido banco, um crédito pessoal, no valor de €10.000,00 (dez mil euros);
5. O casal tinha uma conta comum nesse banco (conta nº ...20), à qual estavam associados os referidos créditos;
6. Ligado ao crédito habitação, o casal fez um seguro de vida com cobertura por morte, por invalidez total e permanente (ITP) e por invalidez absoluta e definitiva (IAD) no valor de €64.650,00;
7. E ligado ao crédito pessoal, o casal fez um seguro de vida com cobertura por morte, por invalidez total e permanente (ITP) e por invalidez absoluta e definitiva (IAD) no valor de €9.300,00;
8. Com o crédito habitação e crédito pessoal, foram celebrados pelo ex-casal dois seguros vida, nos quais ambos os segurados acordaram e aceitaram as condições das apólices nº ...58 e ...77, em que determinaram como beneficiários dos seguros os seguintes:
9. Em caso de vida:
- em caso de invalidez: o Banco 1..., SA, até ao montante do capital em dívida.
Pelo remanescente, a pessoa segura
- Em caso de morte: o Banco 1..., SA, até ao montante do capital em dívida.
Pelo remanescente, os herdeiros legais;
10. A Sra. D. DD, em agosto de 2018, descobriu que padecia de um problema oncológico (cancro do intestino), tendo iniciado o tratamento de quimioterapia;
11. Foi a D. DD informada que, a doença oncológica de que padecia, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 80%;
12. Em face da incapacidade, a D. DD efetuou requerimentos/pedidos junto da Companhia de Seguros, EMP01..., Vida, Companhia de Seguros Vida, SA, deram origem aos processos de sinistro nº ...32 e ...33;
13. A ../../2019, a falecida Sra. D. DD deu entrada ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, cujo processo correu termos sob o nº 1522/19...., no juízo de Família e Menores de Viana do Castelo (J...);
14. O processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges foi convertido em divórcio por mútuo consentimento, o qual foi decretado no dia 01 de outubro de 2019;
15. Decorrente dos processos de sinistro nº ...32 e ...33, a D. DD recebeu, a 2 de dezembro de 2019 (à data divorciada), resposta da referida Companhia de Seguros, que foram liquidados os seguintes valores:
Apólice ...58
Banco 1...: €64.648,27
Pessoa Segura: €15.551,73
Apólice ...77
Banco 1...: €5.305,37
Pessoa Segura: €3.994,63;
16. Quando os seguros foram acionados, foram liquidados os valores em dívida ao Banco e o remanescente de cada um desses seguros foi creditado na conta comum do (ex)casal, sendo que resulta da conta comum do ex-casal, que para além dos valores de €15.551,73 e €5.305,37, descritos em 15), foram creditados pela seguradora EMP01..., no dia 03.12.2019: €383,72 e €107,64; no dia 09.12.2019, o valor de €64.648,27 (pagamento indemnização ...) e no dia 10.12.2019, o valor de €3.994,63 (pagamento de indemnização ...); e foram debitados os valores de €18.834,84, €44.142,79, no dia 09.12.2019, e €3.198,70, no dia 10.12.2019, a título de “cancelamento antecipado”;
17. Em 07 de Fevereiro de 2020, a Sra. D. DD instaurou processo de inventário contra o aqui autor, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo (J...) do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, sob o processo nº 477/20....;
18. A Sra. D. DD faleceu no dia ../../2020;
19. Na resposta de 2 de dezembro de 2019, a referida Companhia de Seguros identifica que a pessoa segura/beneficiária era “DD”;
20. No dia 06 de março de 2020 foi realizada uma transferência no valor de €22.971,74 da conta comum do casal para uma conta singular da Sra. D. DD, só sua.
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II. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) O recurso visa unicamente a reapreciação da matéria de direito, uma vez que não foi validamente impugnada a matéria de facto.
O apelante sustenta que os seguros a que os autos se referem – seguros do ramo vida com cobertura por morte, por invalidez total e permanente (ITP) e por invalidez absoluta e definitiva (IAD) – não se venceram diretamente a favor da pessoa de cada um dos cônjuges mas, antes, a favor da instituição bancária (factos provados 15 e 16), pelo que não devem as respetivas quantias remanescentes, depositadas na conta comum do ex-casal, ser consideradas como bens próprios da referida ex-cônjuge do autor, D. DD, mas bem comum do então casal.
Vejamos.
Resultou provado que o autor se casou com a Sra. D. DD no dia ../../1998, no regime supletivo de comunhão de adquiridos e desse casamento nasceram duas filhas, BB, nascida a ../../1999, e CC, nascida a ../../2002;
Na pendência do matrimónio, o casal contraiu, em 23.09.2008, junto do Banco 1... (à data, Banco 2...), um crédito à habitação, no valor de €28.592,06, um crédito hipotecário, no valor de €67.000,00 e, em 30.09.2013, um crédito pessoal, no valor de €10.000,00, tendo o casal uma conta comum nesse banco (nº ...20), à qual estavam associados os referidos créditos.
Ligado ao crédito habitação, o casal fez um seguro de vida com cobertura por morte, por invalidez total e permanente (ITP) e por invalidez absoluta e definitiva (IAD) no valor de €64.650,00, ligado ao crédito pessoal, o casal fez um seguro de vida com cobertura por morte, por invalidez total e permanente (ITP) e por invalidez absoluta e definitiva (IAD) no valor de €9.300,00, nos quais ambos os segurados acordaram e aceitaram as condições das apólices nº ...58 e ...77, em que determinaram como beneficiários dos seguros os seguintes:
Em caso de vida:
- em caso de invalidez: o Banco 1..., SA, até ao montante do capital em dívida.
Pelo remanescente, a pessoa segura;
Em caso de morte: o Banco 1..., SA, até ao montante do capital em dívida.
Pelo remanescente, os herdeiros legais.
A Sra. D. DD, em agosto de 2018, descobriu que padecia de um problema oncológico (cancro do intestino), tendo iniciado o tratamento de quimioterapia, tendo sido informada que, a doença oncológica de que padecia, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 80%, pelo que, em face da incapacidade, a D. DD efetuou requerimentos/pedidos junto da Companhia de Seguros, EMP01..., Vida, Companhia de Seguros EMP02..., SA, deram origem aos processos de sinistro nº ...32 e ...33;
A ../../2019, a Sra. D. DD deu entrada ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, cujo processo correu termos sob o nº 1522/19...., no juízo de Família e Menores de Viana do Castelo (J...), que foi convertido em divórcio por mútuo consentimento, o qual foi decretado no dia 01 de outubro de 2019.
Decorrente dos processos de sinistro nº ...32 e ...33, a D. DD recebeu, a 2 de dezembro de 2019 (à data divorciada), resposta da referida Companhia de Seguros, que foram liquidados os seguintes valores:
Apólice ...58
Banco 1...: €64.648,27
Pessoa Segura: €15.551,73;
Apólice ...77
Banco 1...: €5.305,37
Pessoa Segura: €3.994,63;
Quando os seguros foram acionados, foram liquidados os valores em dívida ao Banco e o remanescente de cada um desses seguros foi creditado na conta comum do (ex)casal, sendo que resulta da conta comum do ex-casal, que para além dos valores de €15.551,73 e €5.305,37, descritos em 15), foram creditados pela seguradora EMP01..., no dia 03.12.2019: €383,72 e €107,64; no dia 09.12.2019, o valor de €64.648,27 (pagamento indemnização ...) e no dia 10.12.2019, o valor de €3.994,63 (pagamento de indemnização ...); e foram debitados os valores de €18.834,84, €44.142,79, no dia 09.12.2019, e €3.198,70, no dia 10.12.2019, a título de “cancelamento antecipado”.
Em 07 de Fevereiro de 2020, a Sra. D. DD instaurou processo de inventário contra o aqui autor, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo (J...) do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, sob o processo nº 477/20....;
A Sra. D. DD faleceu no dia ../../2020.
Na resposta de 2 de dezembro de 2019, a referida Companhia de Seguros identifica que a pessoa segura/beneficiária era “DD”;
No dia 06 de março de 2020 foi realizada uma transferência no valor de €22.971,74 da conta comum do casal para uma conta singular da Sra. D. DD, só sua.
Sendo estes os factos provados, importa apurar qual a natureza jurídica das quantias recebidas pela falecida D. DD e depositadas na conta do ex-casal, em consequência do acionamento dos seguros do ramo vida com cobertura por morte, por invalidez total e permanente (ITP) e por invalidez absoluta e definitiva (IAD).
Estabelece o artigo 1733º, alínea e) do Código Civil que “são excetuados da comunhão:
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e) Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios;
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Como se refere no Código Civil Anotado; Volume II, coordenado por Ana Prata, 3ª Edição, a páginas 669, “a íntima conexão com a pessoa do cônjuge e o respeito pela sua individualidade – que o casamento não elimina – dita a insusceptibilidade de qualificar como comuns as indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios (al. d)) e os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios dos mesmos (al. e)).
A este propósito refere Guilherme Oliveira no Manual de Direito de Família, 2020, a páginas 238 que “Os seguros vencidos em favor da pessoa de um cônjuge ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios também são incomunicáveis ([al. e)].
Mas a fórmula legal carece de apreciação.
Em primeiro lugar, chegou a estar vulgarizado um tipo de contrato de seguro que não compreende apenas a cobertura de riscos, que engloba uma componente de poupança, remunerada com juros atraentes e com capitalização; esta pate do contrato é facilmente separada da outra, inclusive para efeitos de resgate. Assim, cremos que pelo menos esta componente de poupança, constituída à custa dos salários, de bens comuns, deve ter o tratamento de qualquer outro aforro: deve ser considerada como um bem comum.
Em segundo lugar, pode discutir-se que os capitais recebidos para indemnização de danos na pessoa que signifiquem diminuições da capacidade de ganho tenham a natureza de bens próprios. Se se puder dizer que os capitais substituem salários “cessantes” pode defender-se que sejam bens comuns do casal. Nos outros casos é fácil de aceitar que os capitais recebidos substituam bens pessoais ou bens próprios, sub-rogando-se no lugar deles, de modo que devem continuar a figurar no ativo dos respetivos patrimónios próprios.”
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2005, no processo 0536279, relatado pelo, então, Desembargador Fernando Baptista Oliveira, em www.dgsi.pt, onde se discutia se o montante indemnizatório recebido por um dos cônjuges proveniente de um contrato de seguro de vida e invalidez por si celebrado com determinada companhia de seguros e que tinha como beneficiário uma instituição bancária, deve ser considerado como bem próprio desse cônjuge ou como património comum do casal, “a questão tem a ver com a comunicabilidade, ou não, dos bens do casal, girando, mais precisamente, à volta da interpretação a dar à al. e) do nº 1 do artº 1733º do CC.”
Aí se diz que “o aludido artº 1733º - sob a epígrafe “bens incomunicáveis”--, embora esteja previsto no âmbito do regime da comunhão geral de bens, deve aplicar-se também quando os cônjuges casarem em comunhão de adquiridos ou num regime misto ou conformado segundo o interesse particular dos nubentes.
Efetivamente, como ensinam os Professores Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Direito da Família, 3ª ed., vol. I, a pág. 576/577, «a aplicabilidade do artº 1733º a todos os regimes de bens pode fundamentar-se na proibição geral de afastar, em qualquer caso, por meio de convenção antenupcial, a incomunicabilidade que ele prevê (artº 1699º, nº 1, al. d)); e também num argumento de maioria de razão - se os bens mencionados resistem à comunicação em comunhão geral, mais claramente devem resistir à comunhão noutro qualquer regime que será, forçosamente, mais “separatista”».
( … )
“Na verdade, o seguro em questão é um seguro de vida e invalidez. Tal espécie de seguro é aquele que é efetuado sobre a vida de uma ou várias pessoas seguras, que permite garantir, como cobertura principal, o risco de morte ou de sobrevivência ou ambos.
No caso em apreciação, com a celebração do contrato de seguro, a seguradora garantiu o pagamento do montante em dívida à instituição de crédito resultante do mútuo hipotecário que esta fez ao casal, em caso de morte ou invalidez do segurado, obrigando-se, para tal, o segurado ao pagamento de um premio à seguradora.
Como é sabido, discute-se na doutrina se o contrato de seguro é ou não um contrato a favor de terceiro.
O Código Civil define este contrato a favor de terceiro como “aquele em que uma das partes assume perante outra que tenha na promessa um interesse digno de proteção legal, a obrigação de efetuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio” (artº 443º, nº 1).
Assim, logo ressaltam dois requisitos nesta espécie de contrato: a existência de um terceiro e a aquisição por este de um direito próprio a um benefício (Diogo Leite de Campos, Contrato a Favor de Terceiro, Coimbra, 1980, pág. 13).
Portanto, nesse contrato atribui-se um benefício a um terceiro não interveniente no contrato - se o terceiro puder ser qualificado como parte contratual esse facto exclui a classificação do contrato como a favor de terceiro (Diogo Leite Campos, ob. e loc. cits.) -, pelo que estamos perante um verdadeiro contrato a favor de terceiro.
Assim postas as coisas, logo se vê que o seguro de vida em que o beneficiário nomeado receberá determinada quantia em função da morte (ou invalidez) do segurado, é o exemplo indiscutível do contrato a favor de terceiro.
Foi precisamente o que ocorreu no caso presente: a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro (prémio), obrigou-se a satisfazer um benefício a um terceiro que não interveio no contrato de seguro.
( … )
Dependendo das relações existentes entre o estipulante-tomador do seguro e o terceiro-beneficiário, a designação beneficiária pode configurar uma liberalidade (indireta) ou um ato oneroso, designadamente quando seja condição da obtenção de crédito ou garantia de pagamento de dívida (José Carvalho Moutinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Lisboa, 1971, a págs. 362 e 366.
Por outro lado, tem-se discutido muito na doutrina sobre a natureza da posição jurídica do beneficiário: para uns ele limita-se a ratificar posteriormente o negócio aceitando o benefício; para outros ele é mero donatário, o que o tornaria sucessor do estipulante; para outros, ainda, o segurador compromete-se a realizar certa prestação a favor do beneficiário, ou seja, há uma estipulação a favor de terceiro.
A tese referida em último lugar é, sem dúvida alguma, a seguida pela maioria da doutrina e jurisprudência (cfr., v.g., Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, Lisboa, II, 620; José Moutinho da Almeida, ob. cit., pág. 362; Joaquín Garrigues, Contrato de Seguro Terrestre, Madrid, 1983, pág. 495).
Daqui se vê, portanto, que “o beneficiário adquire um direito ao capital seguro que é próprio e autónomo, fundado na cláusula de designação, estranho à sucessão do estipulante, ficando liberto da ação dos herdeiros e credores deste [Cunha Gonçalves, ob. cit., vol. II, 620], mesmo quando o beneficiário é o próprio cônjuge, na medida em que o capital seguro não foi adquirido pelo cônjuge-defunto, sendo estranho ao património do casal” - sublinhado nosso - (Contrato de Seguro, José Velasques, Coimbra Editora, 1999, a pág.176).
( … )
O que está em causa na citada al. e) do artº 1733º é a cobertura dum risco sofrido num bem próprio do cônjuge. Verificado o dano nesse bem, então há uma sub-rogação real por banda da indemnização da seguradora, visando, portanto, cobrir (“substituir”) esse mesmo dano. É o que ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, vol. IV, em anotação ao artº 1733º, onde refere que as indemnizações referidas na citada al. e) são feitas “em obediência à ideia da sub-rogação real, inspiradora das soluções consagradas no artº 1723º, que são igualmente aplicáveis ao regime da comunhão geral, por força da remissão genérica contida no artº 1734º”.
De facto, prevê-se aqui uma verdadeira sub-rogação real, entendida esta como a substituição de uma coisa por outra, dentro de certa relação jurídica, ou de certa massa patrimonial (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., 2º-297; 3ª ed., 2º-301; Ac. STJ de 18.05.1976, BMJ, nº 257º96).
É, portanto, inaplicável ao caso presente o disposto na al. e) do nº 1 do artº 1733º do CC.
( … )
Uma coisa é o ressarcimento de um dano causado contra a pessoa de um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios - v.g., indemnização compensadora de uma injúria ou de uma agressão física causada por terceiro na pessoa do cônjuge, ou, ainda, de um dano causado, por exemplo, num dos bens referidos nas als. b), f) e g) do mesmo artº 1733º --, caso em que o “agressor” ou causador do dano pagará ao “agredido” um valor compensador desse mesmo dano, valor indemnizatório esse que fica como bem próprio desse cônjuge [Como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 3ª ed., pág. 581, citando Cunha Gonçalves (in Tratado de Direito Civil, t. VI, p. 518), “Não podia deixar de ser considerado incomunicável o direito à reparação, que entra no património do lesado no momento do dano”] (podendo falar-se de uma nítida sub-rogação); outra, bem diferente, é o recebimento de um valor indemnizatório que à data da outorga do contrato em que tal valor foi acordado e firmado foi logo estipulado ser destinado a uma terceira “pessoa”, a única beneficiária desse valor.
De todo o exposto resulta, portanto, que a indemnização recebida do seguro, ora em referência, não tem carácter de bem próprio.”
Também no acórdão desta Relação de Guimarães de 12/11/2020, no processo 4660/19.0T8GMR.G1, relatado pela Desembargadora Maria Cristina Cerdeira, em www.dgsi.pt, se refere que “no caso em apreço, com a celebração do contrato de seguro, a seguradora garantiu o pagamento do montante em dívida à instituição de crédito, resultante do contrato de mútuo que esta celebrou com o casal, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários, obrigando-se, para tal, os segurados ao pagamento de um prémio à seguradora.
Como é sabido, o contrato de seguro do ramo vida, associado a um contrato de mútuo, visa assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos mutuários para com o Banco mutuante, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários. Daí que, perante a verificação do risco previsto (morte ou invalidez total e permanente dos segurados), a seguradora fique adstrita à realização de uma prestação pecuniária (pelo valor do capital mutuado em dívida) ao beneficiário indicado no contrato de seguro, no caso o Banco tomador e mutuante (cfr. acórdãos da RG de 13/09/2018, proc. nº 428/17.7T8FAF e da RL de 1/02/2018, proc. nº 3687/15.6T8LRS-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
De acordo com a doutrina defendida no acórdão da RP de 15/12/2005 (proc. nº 0536279, disponível em www.dgsi.pt), que aqui se segue de perto, o beneficiário adquire um direito ao capital seguro que é próprio e autónomo, fundado na cláusula de designação constante do contrato de seguro, na medida em que o capital seguro não foi adquirido pelos cônjuges segurados, sendo estranho ao património comum do casal (cfr. Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, Vol. II, pág. 620 e José Velasques, Contrato de Seguro, 1999, Coimbra Editora, pág.176).
Refere-se naquele aresto que “só são bens próprios, nos termos do estatuído na al. e) do nº 1 do artº. 1733º do Cód. Civil, os seguros que se vençam a favor de cada um dos cônjuges, ou seja, os seguros de que sejam estes beneficiários”.
Do exposto se conclui, portanto, que no seguro de vida e invalidez total e permanente em apreço, o beneficiário do capital seguro não foi o cônjuge-cabeça de casal (ali recorrente), nem o seu ex-cônjuge (ali recorrido). O mesmo é dizer - para usar as palavras da lei - que o seguro não foi vencido “em favor da pessoa de cada um dos cônjuges”, mas sim da própria instituição bancária que concedeu o crédito aos cônjuges.
Assim sendo, não vale trazer à colação a citada al. e) do nº 1 do artº. 1733º do Código Civil para se considerar um bem próprio da recorrente - logo um bem afastado da comunhão conjugal - o montante de ( … ) correspondente a metade do capital em dívida no contrato de mútuo celebrado entre os ex-cônjuges (na qualidade de mutuários) e o Banco ( … ) (na qualidade de mutuante), para custeamento de obras realizadas nos dois imóveis que são bens próprios da cabeça-de-casal, pago pela seguradora que celebrou o contrato de seguro de vida e invalidez total e permanente associado àquele contrato de mútuo, em virtude da situação de invalidez da cabeça-de-casal.
Efetivamente, como emerge do explanado supra, o seguro não se venceu a favor de qualquer dos cônjuges, mas a favor do Banco... ..., que é quem consta no contrato como seu beneficiário.
Como bem se refere na decisão recorrida, a prestação executada pela seguradora, de pagamento do valor em dívida relativo ao cumprimento do contrato de mútuo celebrado pelos interessados na partilha de bens do casal, ingressou diretamente na esfera patrimonial da instituição de crédito mutuante, beneficiária daquele seguro, e não na esfera patrimonial da cabeça-de-casal.”
De resto, a circunstância de haver valores remanescentes, após a satisfação integral do crédito do Banco, não desvirtua o exposto, uma vez que se traduz num mero acerto de contas, dado que as quantias em dívida ao Banco, mediante o pagamento das prestações pelos devedores, implica uma diminuição do débito àquele, sendo certo que, como se referiu, não assumem a qualidade de seguros vencidos a favor da pessoa de cada um dos cônjuges, não assumindo a natureza de bem próprio da D. DD, uma vez que não se integram em nenhuma das situações previstas no artigo 1733º do Código Civil e, designadamente, na alínea e) do seu nº 1.
Daí que que tenha aplicação o disposto no artigo 1732º do Código Civil que estipula que o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam excetuados por lei, motivo pelo qual a quantia em questão é comum ao património do extinto casal e não próprio da D. DD.
Assim sendo a quantia de €23.815,03 terá de ser declarada parte integrante do património comum do dissolvido casal, devendo ser restituída ao referido património comum, pelas rés e apeladas a quantia de €22.971,74, assim se julgando a apelação procedente e, nessa parte, se revogando a sentença recorrida.
Face ao vencimento de causa do apelante e ao decaimento da pretensão das apeladas, sobre estas recai o encargo de pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão e sumariando …
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III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, declarando a quantia de €23.815,03 parte integrante do património comum do dissolvido casal, devendo ser restituída ao referido património comum, pelas rés e apeladas, a quantia de €22.971,74, nessa parte, se revogando a sentença recorrida. Custas pelas apeladas.
Notifique.
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Guimarães, 30/04/2025
Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador Paulo Reis
2ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte