AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ALTERAÇÃO/AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Sumário


Numa ação em que o autor pedira a condenação dos réus (a disponibilizar o acesso ao antigo local arrendado para recolher os bens do seu negócio que lá se encontravam e a pagar a indemnização de € 6 000, 00, por danos patrimoniais e danos não patrimoniais, decorrentes da retenção pelos réus/senhorios dos bens após a cessação do contrato de arrendamento e de sofrimento de danos de frustração da venda de bens retidos e de desgosto continuado por os seus bens estarem fechados pelos réus no quintal e em constante deterioração), e pediu depois, em audiência prévia, a ampliação da indemnização por danos patrimoniais (quanto ao valor da desvalorização dos bens) e não patrimoniais (quanto ao sofrimento por esta e pela desativação consequente de atividade profissional do autor) por si sofridos pela retenção dos bens (em face da sua deterioração, por continuada falta de manutenção dos mesmos, iniciada antes da ação, e por chuvas e bentos fortes ocorridos antes da audiência prévia):
1. Os novos factos alegados no articulado com ampliação do pedido não estão sujeitos ao regime do art.265º/1 do CPC, uma vez: que não alteraram a causa de pedir delineada na petição inicial; que a ampliação dos factos da causa de pedir foi feita em relação à ampliação do pedido indemnizatório, carecendo apenas de preencher os requisitos de nexo e de tempo do nº2 do art.265º do CPC.
2. A ampliação do pedido indemnizatório observa os requisitos de nexo e de tempo do nº2 do art.265º do CPC, uma vez que: foi apresentada e sustentada como consequência da retenção ilícita alegada na petição inicial e da falta de satisfação pelos réus do primeiro pedido de condenação no franqueamento do acesso ao prédio para o autor para recolher os bens; foi apresentada antes de encerrada da audiência final (em audiência prévia).

Texto Integral


DECISÃO (art.656º do CPC)

I. Relatório:

Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por AA contra BB e CC:

1. O autor, por petição inicial de 15.11.2023:
1.1. Pediu que os réus fossem condenados:
a) A «franquear o acesso do Autor ao quintal da identificada casa dos Réus, situada no Largo ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., pelo período de 8 dias, para que o Autor de lá remova os seus bens.».
b) A «pagar ao Autor indemnização por danos materiais e morais no valor total de €6.000,00.».
1.2. Alegou como fundamento:
«1. O Autor trazia de arrendamento celebrado com os anteriores proprietários uma casa de habitação e respetivo quintal, sito no Largo ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., contrato este cujos efeitos cessaram em 31 de março de 2023, conforme carta com data de 20/09/2022 que a Ré esposa dirigiu ao Autor, aí comunicando ao Autor que este deveria desocupar o locado nesta data entregando-o livre de pessoas e bens – doc.1.
2. O Autor, nesta data, (31 de março de 2023), fez entrega da habitação tendo todavia permanecido no quintal diversos bens relativos ao negócio que o Autor explorava, de compra e venda de automóveis e objetos de antiguidade, por o Autor nessa altura não dispor ainda de local para onde os remover, como nessa altura comunicou aos Réus, situação que os Réus reconheceram e aceitaram.
3. No início de julho de 2023 o Autor pretendeu deslocar-se ao referido quintal a fim de aí levantar alguns dos seus bens para satisfazer uma compra que lhe foi realizada – porém, constatou que os Réus tinham o portão de acesso ao quintal onde se encontram os bens fechado à chave o que o impossibilitou de aceder aos seus bens e satisfazer a compra realizada –doc. 2.
4. Desde então o Autor tem solicitado aos Réus que lhe seja franqueado o acesso ao referido quintal, durante um período razoável de cerca de 8 dias, tempo necessário para remover todos os seus bens para um local que já possui – mas sem êxito, daí a necessidade da presente ação.
5. Acresce que o Autor “perdeu” já alguns negócios de compra e venda, deixando de obter os correspondentes lucros, em valor estimado não inferior a €3.000,00.
6. E tem ainda o Autor sofrido psicologicamente com o desgosto continuado de saber os seus bens fechados à chave lá no quintal e em constante deterioração, dano moral pelo qual o Autor reclama uma indemnização em valor não inferior a €3.000,00.».
2. Os réus contestaram por impugnação e deduziram reconvenção (com invocação de direito de valor mensal relativamente à ocupação do espaço para o depósito de bens)
3. O autor apresentou réplica a 31.01.2024 na qual impugnou factos alegados em relação à reconvenção e documentos.
4. A 16.04.2024 (dia designado para a realização da audiência prévia):
4.1. O Autor apresentou articulado com ampliação do pedido, no qual alegou factos e formulou pedido de ampliação do segmento indemnizatório referido em b) de I-1.1. supra, nos seguintes termos:
«I -de facto-
INTRODUÇÃO         
1. (…)

OS FACTOS SUPERVENIENTES:
2. Tem o Autor conhecimento, adquirido em finais de março último, de que nomeadamente em consequência das abundantes chuvas que ocorreram nos meses de fevereiro e março últimos, e de o local onde estão depositados os bens do Autor ser térreo, cresceu abundante vegetação por entre os bens do Autor, cobrindo-os parcialmente.
3. E por efeito dos fortes ventos que nos indicados meses de fevereiro e março últimos ocorreram, os bens do Autor encontram-se deslocados dos seus locais de apresentação e amontoados desordenadamente.
4. A vegetação que cresceu bem como as chuvas que ocorreram impregnaram os bens do Autor com abundantes e nocivas humidades.
5. Humidades que entraram nos bens do Autor, por todo o lado, e que geraram a deterioração e apodrecimento das madeiras, bem como o aparecimento de ferrugem nos bens metálicos e o consequente emperramento das engrenagens metálicas, de motores e outras, não só pela ferrugem mas também pela secagem dos óleos.
6. A ferrugem e os fungos gerados prejudicaram a aparência e o estado de conservação dos bens que o Autor tinha depositados no local nomeadamente diversas antiguidades / velharias em metal e madeira, tais como cadeiras, candeeiros, ferramentas (antigas), diversas ferragens, objetos religiosos e outros objetos, máquinas e móveis de uso doméstico, (vide docs. 1 a 11).
7. Os indicados bens do Autor são ainda, nomeadamente, veículos automóveis e bicicletas antigas e usadas e sucedeu que, por falta de manutenção, secaram os óleos dos motores e das engrenagens mecânicas, tendo as ferrugens ocasionadas danificado as engrenagens mecânicas, bem como o motor dos automóveis e outras peças da sua engrenagem mecânica bem como as chaparias dos automóveis e bicicletas.
8. Tanto os veículos automóveis como as bicicletas e restantes bens de antiguidade e velharias estavam aptos a serem vendidos e o Autor tinha já diversas encomendas para a realização de algumas vendas, as quais por lhe ter sido vedado o acesso ao local não pôde realizar.
9. Enquanto o Autor não foi impedido pelos Réus de aceder ao local sempre o Autor cuidou da aparência e do bom estado de todos os seus bens – automóveis, bicicletas, velharias metálicas e de madeira e outros – mantendo-os assim em bom estado de conservação e aparência a fim de estarem os bens constantemente aptos a serem vendidos.
10. Com o acesso aos bens vedado pelos Réus, o Autor tem estado impossibilitado de os cuidar, de os limpar e venerar, e de vigiar e providenciar pelo normal funcionamento nomeadamente nos automóveis e bicicletas, ou seja, de limpar as suas partes em chaparia, fazer toda a manutenção e verificar o normal funcionamento com mudança de óleos, como periodicamente fazia antes de lhe ter sido vedado o acesso aos seus bens.
11. Ora o negócio ou atividade comercial do Autor, conforme este alegou na petição inicial, consistia na compra e venda de automóveis usados, de bicicletas antigas e usadas e outros objetos de antiguidade / velharias.
12. E assim, possuía o Autor no local, (que foi fechado à chave pelos Réus), automóveis para revenda cujo valor se encontra agora perdido, (face ao alegado nos artigos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 antecedentes).
13. Os automóveis que o Autor possui no local e que eram destinados a serem revendidos como usados, são:
- ... (Furgão) matrícula ..-..-EF com o último IUC pago em 28/09/2023 no valor de €56,57, (conforme docs. 12 e 13), a que atribui o valor de €3.500,00;
- ... (205 – gasóleo) matrícula ..-..-DJ com o último IUC pago em 30/03/2023 no valor de €34,16, (conforme docs. 14 e 15), a que atribui o valor de €2.500,00;
- ... matrícula RJ-..-.. com o último IUC pago em 29/04/2023 no valor de €56,57, (conforme docs. 16 e 17), a que atribui o valor de € 2.500,00;
- ... (concerto) matrícula ..-..-BR com o último IUC pago em 28/02/2024 no valor de €34,87, (conforme docs. 18 e 19), a que atribui o valor de €2.500,00;
- ... (passat) matrícula ..-..-GA, a que atribui o valor de €2.000,00;
- ... (cuja matrícula será identificada no local), a que atribui o valor de €2.000,00.
14. Tais automóveis deixaram assim de ser vendáveis, o que acarretou para o Autor um prejuízo no valor total de €15.000,00, prejuízo este causado pelo facto de os Réus terem fechado à chave o local onde os bens se encontram e terem impedido desse modo o Autor de aceder aos seus bens para deles cuidar como habitualmente fazia.
15. E, consequentemente, apenas poderão ser vendidos para peças (sucata) pelo valor estimado de €100,00 cada um, no valor total de €600,00.
16. O Autor possui no local, e que eram destinadas a revenda, 34 bicicletas antigas e usadas, a que atribui o valor de €600,00 cada uma, no valor total de €20.400,00.
17. Face ao alegado nos artigos antecedentes, tais bicicletas deixaram de ser vendáveis tendo perdido o seu valor comercial.
18. Tais bicicletas deixaram assim de ser vendáveis, o que acarretou para o Autor um prejuízo no valor total de €20.400,00, prejuízo este causado pelo facto de os Réus terem fechado à chave o local onde os bens se encontram e terem impedido desse modo o Autor de aceder aos seus bens para deles cuidar como habitualmente fazia.
19. E, consequentemente, apenas poderão ser vendidas para peças (sucata) pelo valor estimado de €30,00 cada uma, no valor total de €1.020,00.
20. O Autor possui no local, e que eram destinadas a revenda, duas motorizadas antigas e usadas, a que atribui o valor conjunto de €7.000,00.
21. Face ao alegado nos artigos antecedentes, tais motorizadas deixaram de ser vendáveis tendo perdido o seu valor comercial.
22. Tais motorizadas deixaram assim de ser vendáveis, o que acarretou para o Autor um prejuízo no valor total de €7.000,00, prejuízo este causado pelo facto de os Réus terem fechado à chave o local onde os bens se encontram e terem impedido desse modo o Autor de aceder aos seus bens para deles cuidar como habitualmente fazia.
23. E, consequentemente, apenas poderão ser vendidas para peças (sucata) pelo valor estimado de €40,00 cada uma, no valor total de €80,00.
24. O Autor possui no local, e que eram destinados(as) a revenda, diversas antiguidades / velharias em metal e madeira, nomeadamente cadeiras, candeeiros, ferramentas (antigas), diversas ferragens, objetos religiosos e outros objetos, máquinas e móveis de uso doméstico.
25. O Autor estima que no seu conjunto iria revender tais bens por valor não inferior a €40.000,00.
26. Tais bens deixaram assim de ser vendáveis, o que acarretou para o Autor um prejuízo material no valor total de €40.000,00, prejuízo este causado pelo facto de os Réus terem fechado à chave o local onde os bens se encontram e terem impedido desse modo o Autor de aceder aos seus bens para deles cuidar como habitualmente fazia.
27. A situação descrita nos artigos antecedentes, e respetivas consequências, determinaram para o Autor um dano / prejuízo material no valor total de €82.400,00.
28. Dano / prejuízo pelo qual são os Réus únicos responsáveis por terem impedido ao Autor o acesso ao local e aos seus bens, para deles cuidar e administrar, impedimento que os Réus mantiveram ininterruptamente, desde o início de julho de 2023 e até ao presente, e que foi causa direta, necessária e adequada dos prejuízos / danos materiais referidos no valor de €82.400,00.
29. A abater a este dano / prejuízo o Autor apenas poderá recuperar, conforme alegado nos artigos antecedentes, (nomeadamente nos artigos 15,19 e 23), o valor total de €1.700,00.
30. Em consequência direta, necessária e adequada da situação descrita nos artigos antecedentes deixou o Autor de poder dispor dos bens para continuar a exercer a sua atividade comercial, o que consequentemente acarretou a dispersão da sua clientela, que não pôde continuar a manter, situação esta que o Autor vive atualmente com elevado desgosto e com profundo sofrimento moral.
31. O profundo desgosto e sofrimento moral que o Autor vive é ainda agravado pelo facto de estar agora impedido de exercer a sua atividade, nomeadamente por falta de meios económicos para a sua reativação, atividade a que sempre se dedicou com elevada dedicação e gosto pessoal.
32. Pelo que, em compensação deste dano moral reclama o Autor dos Réus indemnização no valor de €9.000,00.

II – de direito –
A apresentação deste novo Articulado / Superveniente funda-se nomeadamente no disposto no artigo 588º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, al. a) e no artigo 265º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, bem como no disposto nos artigos 405º, 406º, n.º 1, 483º, n.º 1, 486º, 496º, n.º 1, 497º, n.º 1 e 499º, do Código Civil.
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO (artigo 265º, n.º 2, do CPC):

Termos em que o Autor, nomeadamente para os efeitos narrados nos artigos 15, 19 e 23, mantém a primeira parte do pedido feito na petição inicial, que aqui transcreve:
“Nestes termos e nos mais de Direito deverá a presente ação ser julgada provada e procedente e consequentemente serem os Réus condenados a franquear o acesso do Autor ao quintal da identificada casa dos Réus, situada no Largo ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., pelo período de 8 dias, para que o Autor de lá remova os seus bens”.
E termos em que, relativamente à segunda parte do pedido feito na petição inicial, e que aqui se transcreve:
“E devendo ainda ser os Réus condenados a pagar ao Autor indemnização por danos materiais e morais no valor total de € 6.000,00”.
Requer a V. Exc.ª, que em seu desenvolvimento, seja este pedido ampliado e serem assim os Réus condenados a pagar ao Autor uma indemnização por danos materiais no valor total de € 80.700,00 e uma indemnização por danos morais no valor de € 9.000,00, ambas acrescidas de juros às taxas legais, contados desde a notificação e até efeito e integral pagamento.».
4.2. Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido, de imediato, o seguinte despacho em relação ao articulado superveniente:
«Tendo sido apresentado articulado superveniente da parte do Autor no dia de hoje, cumpre proferir despacho liminar, nos termos do artº 588º, nº 4 do C. P. Civil.
(…)
Ora, compulsada a petição inicial, verifica-se que o Autor alega que, pelo menos em Julho de 2023, deixou de ter acesso aos bens. A petição inicial é apresentada em Novembro de 2023; logo parte, destes factos já poderiam ter sido alegados quando interposta a petição inicial e não têm o carácter de supervenientes.
Por outro lado, entre Julho de 2023 e a presente data em que é apresentado o articulado superveniente, houve mais meses de chuva, houve mais meses de mau tempo e seguramente a vegetação não cresceu apenas em Fevereiro e Março de 2024. Afigura-se com o presente articulado, que o Autor vem tentar uma ampliação ilegal do pedido e da causa de pedir, contrariando as regras previstas no artº 265º, nºs 1 e 2 do C.P. Civil, convertendo o que era essencialmente uma ação de reivindicação, numa ação de responsabilidade civil contra os Réus, e mais não se podendo considerar que existe uma mera ampliação do pedido, quando o pedido é convertido de uma reivindicação cumulada com um pedido de indemnização por perdas de negócios e com uma indemnização por danos não patrimoniais por ter os bens fechados, para se transformar num pedido de condenação dos Réus pelo pagamento dos estragos provocados nos bens.
Por todo o supra exposto, o Tribunal indefere liminarmente a apresentação do articulado superveniente, determinando o seu desentranhamento e a sua restituição á parte.».
5. O autor interpôs recurso do despacho de III- 4.2. supra, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«A 
No articulado superveniente o Autor alega que teve conhecimento em março, (do ano em curso), dos factos alegados neste articulado superveniente – (ônus de alegação do Autor).

Caberá aos Réus, se assim o entenderem, contradizer esta alegação do Autor de que “foi em março último que o Autor teve conhecimento dos factos alegados neste articulado superveniente”.
C
E ASSIM, não está demonstrado, (apesar de o M.mo Juiz a quo o alegar) (!), que tenham ocorrido fortes chuvas e ventos desde julho de 2023 até novembro de 2023, e que nesse período tenha crescido vegetação nociva.

Tal matéria de facto poderá eventualmente vir a ser alegada pelos Réus, mas sujeita a prova, nos termos do disposto nos artigos 5º, n.º 1, do CPC – (ônus de alegação das partes).
E
Nos termos do disposto no artigo 588º, n.º 4, do CPC, o M.mo Juiz a quo apenas poderia rejeitar o articulado superveniente se fosse apresentado fora de tempo (e não é o caso presente) ou caso fosse manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa, (e não é o caso presente).
F
A requerida ampliação do pedido é legal, por ter sido realizada nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 265º, n.º 2, do CPC, (conforme alegado no próprio articulado superveniente).
G
E cabendo assim ao M.mo Juiz a quo a tarefa de, em consequência da alteração / ampliação do pedido, realizar a competente e necessária adequação formal dos autos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 547º do CPC.
H
Foi violado o disposto nos artigos 5º, n.º 1, 265º, n.º 2, 547º e 588º, n.º 4, do CPC.
I
Tais disposições deveriam ter sido interpretadas e aplicadas e com o sentido de que tendo o Autor alegado que foi em março último que teve conhecimento dos factos narrados no articulado superveniente, ao Autor caberá o ônus da prova de tal alegação, e caberá aos Réus a eventual contestação; com o sentido de que a alteração / ampliação do pedido é legal; e ainda de que ao M.mo Juiz a quo incube a tarefa de realizar a adequação formal dos autos em consequência do articulado superveniente apresentado.
Termos em que pede a procedência do Recurso revogando-se o Despacho sub judice, que indeferiu liminarmente a apresentação do articulado superveniente, e admitindo-se nos autos este articulado, e assim a realização de JUSTIÇA.».
6. Os réus não responderam ao recurso.
7. Foi proferido despacho a ordenar subir o recurso.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Define-se como única questão a decidir se o despacho recorrido incorreu em erro de direito (por violação dos arts. 5º/ 1, 265º/2, 547º e 588º/4 do CPC) e o articulado com pedido de ampliação do pedido deve ser admitido.

III. Fundamentação:

A apreciação do objeto do recurso de II supra será feita em III-3 supra, de acordo com os factos provados e o regime de direito aplicáveis, a enunciar em III-1 e 2 supra.

1. Atos processuais provados:
Julgam-se provados os atos processuais relatados em I supra, face à força probatória dos atos eletrónicos (art.132º do CPC; Portarias nº280/13, de 26.08. e 209/17 de 13.07, nas redações atualizadas).
2. Regime de direito aplicável:
Cabe ao autor, na sua petição inicial, alegar claramente os factos essenciais integrativos da sua causa de pedir e formular o pedido de efeito jurídico que pretende que seja decretado (art.552º/1-d) e e) do CPC).
E, de acordo com o princípio da estabilidade da instância (art.260º do CPC), após a citação do réu para a ação, a instância deve manter-se a mesma quanto às partes, ao pedido e à causa de pedir, salvo as ressalvas previstas por lei: quanto às partes (arts.261º e 262º do CPC) e quanto ao pedido e causa de pedir (arts.264º e 265º do CPC; arts.588º e 611º do CPC).
Assinalar-se-ão, em particular, as condições como a causa de pedir e o pedido podem sofrer alterações ou ampliações, ao abrigo das ressalvas previstas por lei.
2.1. Consideração de factos não alegados na petição inicial:
2.1.1. Os factos alegados na petição inicial como causa de pedir podem ser ampliados na pendência da ação sem a alterarem e sem ficarem sujeitos ao regime dos arts.264º e 265º do CPC.
Neste campo: Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa referem-se aos factos complementares de ocorrência ou conhecimento superveniente, a alegar até ao encerramento da audiência, em articulado posterior ou em novo articulado, consoante a data de ocorrência ou conhecimento (arts.588º/1 e 611º do CPC), e à consideração de factos complementares ou concretizadores de factos essenciais inicialmente alegados, decorridos da instrução da causa (art.5º/2-b) do CPC)[i]; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa também se referem aos factos supervenientes que completem a causa de pedir («Relativamente ao autor, os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir, como podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir,…»).[ii].
2.1.2. Os factos alegados pelo autor na petição inicial podem também ser aditados, através de uma alteração ou ampliação da causa de pedir (arts.264º e 265º; 588º/1 do CPC).
A causa de pedir pode considerar-se alterada ou não face à perspetiva mais ampla ou mais restrita que se tiver sobre a mesma.
Entre a Doutrina: Alberto dos Reis considerava que «Só se altera a causa de pedir quando, tendo-se invocado primeiro um determinado acto ou facto, se abandona depois este acto ou facto e passa a apoiar-se o pedido sobre acto ou facto diverso; se o acto ou facto continua a ser o mesmo sob o ponto de vista material e unicamente se modificou a sua qualificação jurídica, a causa de pedir não sofreu alteração. (…) As partes teem a liberdade absoluta de modificar, quando e como entenderem, a qualificação jurídica dos contratos que invocam ou em que se fundam.»; Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa consideram que ocorre uma modificação da causa de pedir «quando são alegados factos distintos daqueles que integravam uma anterior causa de pedir, ou seja, quando sejam alegados factos que preencham uma previsão legal diferente daquela a que eram subsumíveis os factos anteriormente alegados. Não se verifica, por isso, nenhuma alteração da causa de pedir se houver apenas uma correcção da qualificação jurídica de factos alegados pela parte (art.5.º, n.º3): esta correcção não transforma um facto num noutro facto, pelo que não transforma uma causa de pedir numa outra causa petendi»[iii].
Entre a jurisprudência, o Ac. RC de 26.01.2021 (proferido no processo o 5362/18.0T8CBR-B.C1 e relatado por Teresa Albuquerque) e o Ac. RE de 12.10.2023 (proferido no processo nº1755/22.7T8STB-A.E1 e relatado por Albertina Pedroso), entre outros, aderiram a uma posição ampla da causa de pedir com referência ao art.265º/6 do CPC e à posição de Maria França Gouveia. Nesta sede: o Ac. RC de 26.01.2021 referiu «Assim o adverte Mariana França Gouveia fazendo notar que no instituto de alteração do objeto e da cumulação sucessiva são susceptíveis de utilização dois diferentes conceitos de causa de pedir que desembocam, um numa causa de pedir mais estreita, e outro, numa mais ampla[5].| Respetivamente, e como essa autora o refere, «ou se entende que a causa de pedir se identifica com a previsão da norma, ou melhor, com o acervo de factos constitutivos que compõem essa previsão; ou se entende que a causa de pedir, enquadrando todos esses factos constitutivos, se identifica com aquela que é comum ao objecto inicial e sucessivo». Concluindo: «Na primeira hipótese, só não haverá alteração da causa de pedir nos casos em que se mantêm idênticos todos os factos essenciais (…). Na segunda hipótese, a causa de pedir altera-se apenas se nenhum dos factos constitutivos das várias normas for idêntico».| E esclarece este último ponto, acrescentando: «Ou seja, se houver coincidência meramente parcial entre as previsões normativas onde se inserem os factos alegados, já não haverá alteração».| A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função [6]) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo assim, como já se referiu, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao acima referido conceito amplo de causa de pedir.| Que é aquele a que Mariana França Gouveia adere na matéria em apreço, quando procede à definição da causa de pedir através do facto principal comum a ambas as pretensões. Acrescentando: «Pretensões processuais, se houver também alteração do pedido, pretensões materiais, se houver apenas alteração da norma invocada». E mais adiante conclui: «A causa de pedir, para efeitos de cumulação sucessiva e alteração do objecto, superveniente ou não, deve ser definida como o facto principal comum às pretensões materiais alegadas originária e sucessivamente, em substituição ou em cumulação».»; o Ac. RE de 12.10.2023 referiu «como sublinha MARIANA FRANÇA GOUVEIA – que afasta um conceito unitário de causa de pedir, defendendo serem quatro as noções de causa de pedir operativas no processo civil português –, na definição de causa de pedir para efeito de alteração desse elemento objetivo “deve atender-se a um conceito amplo”[5[12]], nos termos do qual somente haverá alteração da causa petendi se os novos factos alegados não coincidirem com os factos (essenciais ou principais) constitutivos da pretensão material originariamente alegada. Registando-se essa coincidência não poderá, com propriedade, falar-se em alteração da causa de pedir, na medida em que os factos inicialmente constitutivos se mantêm como elemento de fundamentação do pedido. Portanto, desde que se mantenha esse núcleo essencial não pode deixar de se entender que a causa de pedir não é alterada por uma alegação de factos que apenas complementem ou constituam desenvolvimento dos factos (essenciais) já anteriormente articulados» (referindo na nota 12- «[12] In A causa de pedir na ação declarativa, Almedina, 2004, págs. 308-311, escrevendo, mais adiante (pág. 508), “haverá alteração da causa de pedir apenas quando nenhum dos novos factos principais já tiver sido alegado. E, ao contrário, não haverá alteração quando pelo menos um desses factos principais seja comum aos alegados originariamente e aos alegados em sua alteração”.»).
E quando e em que termos se pode proceder a esta alteração da causa de pedir?
Como regra geral, o legislador prevê que: havendo acordo das partes, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (art.264º do CPC); não havendo acordo das partes, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação (art.265º/1 do CPC).
Todavia, no caso de factos de ocorrência ou conhecimento superveniente tem-se entendido que a alteração da causa de pedir inicial apenas está sujeita aos requisitos do art.588º do CPC, sem necessidade de observância da previsão do art.265º/1 do CPC. Pode ver-se neste sentido, nomeadamente: Lebre e Freitas e Isabel Alexandre («O princípio da economia processual, a consideração de que, reduzida a sua previsão, quanto ao autor, aos factos que completem a causa de pedir já invocada, o alcance da norma seria quase nulo e até a inexistência, no artigo anotado, dum preceito como o do art.590-6 levam a perfilhar a solução da não limitação pelo disposto nos arts.264 e 265[iv]») e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa («Relativamente ao autor, os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê, (…) podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas no art.265º»[v]), todos com referência a Miguel Teixeira de Sousa[vi].
2.2. Alteração e ampliação do pedido formulado na petição inicial:
2.2.1. Havendo acordo das partes, o pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (art.264º do CPC).
Não havendo acordo das partes, o legislador não previu a possibilidade de alteração do pedido e previu apenas as possibilidades:
a) De redução do pedido, na qual definiu: como regra geral, que o pedido pode ser reduzido pelo autor em qualquer altura (art265º/2 do CPC); como caso particular, que o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do CC, pode ser deduzido nos mesmos termos do n.º 2 do art.265º do CPC (art.265º/4 do CPC).  
b) De ampliação do pedido, na qual: como regra geral previu essa possibilidade com limites de tempo e de qualidade ou nexo, prevendo que o pedido pode ser ampliado pelo autor até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art.265º/2 do CPC); como caso particular, previu que, nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do CC, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.» (art.265º/ 5 do CPC).
Tem-se entendido que a previsão do art.569º do CC (que prevê que «Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da ação, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos») cabe, habitualmente, na regra processual geral do nº2 do art.265º do CPC[vii].
2.2.2. Como se pode compreender cada um dos requisitos de conexão com o pedido primitivo- «desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo», de que depende a possibilidade de ampliação do pedido em caso de falta de acordo, nos termos do nº2 do art.265º do CPC, referido em 2.2.1. - b) supra?
A Doutrina e a Jurisprudência têm definido estes requisitos de conexão da ampliação em referência ao pedido primitivo e à sua causa de pedir, sem prejuízo da ampliação poder socorrer-se de novos factos dentro do complexo dessa causa de pedir (simples ou complexa), sejam estes anteriores ou posteriores à instauração da ação.
Para Alberto dos Reis[viii]: a ampliação refere-se ao pedido e à causa de pedir inicial e distingue-se da alteração do pedido (transformação) e da cumulação de pedidos, referindo que «a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial. (…) Para se distinguir nitidamente a espécie «cumulação» da espécie «ampliação» há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.», caso este em que «o autor não se mantém dentro do mesmo acto ou facto jurídico, não desenvolve ou aumenta o pedido anterior, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos»; são exemplos de ampliação em consequência de pedido primitivo os casos em que «pediu-se, em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo também a entrega de rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. (…) pediu-se a restituição da posse de um prédio; pode depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e danos causados pelo esbulho.», e de desenvolvimento do pedido primitivo o caso em que «Pediu-se o pagamento de uma dívidas; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes.».
Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, por sua vez, dão como exemplos[ix] de ampliação: em geral, «quando na acção de indemnização baseada em acidente de viação ou em agressão ilícita, se pediu a quantia correspondente ao valor do dos danos conhecidos no momento da propositura da acção e, mais tarde, mas antes de encerrada a discussão em 1.ª instância, se toma conhecimento da verificação de novos danos e se pretende aumentar o montante da indemnização de acordo com os novos danos apurados.»; em desenvolvimento do pedido primitivo- «numa ação de reivindicação, apesar de ter alegado a má-fé do réu como possuidor, o autor se limitou a pedir a restituição do imóvel. Nada obsta, quando assim for, a que o reivindicante, mesmo depois da réplica e até ao encerramento dos debates, venha ainda pedir a entrega dos frutos percebidos e percipiendos. Trata-se, com efeito, de um simples desenvolvimento do pedido primitivo.» (com referência a acórdão do STJ de 28.05.1976, in BMJ, 257, pág.110); em consequência do pedido inicialmente formulado- «na acção de simples apreciação negativa o autor se limitou a pedir a declaração da inexistência de um facto ofensivo do seu bom nome, que o réu propalou em determinado meio. Nada impedirá também, nesse caso, que o autor (…) até ao encerramento dos debates, peça a publicação da sentença, à custa do réu, em um ou dois dos jornais mais lidos naquele meio. Trata-se de uma mera consequência do pedido primitivo.».
António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[x], por sua vez, exemplificam casos de ampliação em desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo: «numa ação possessória, pedido de indemnização relativo aos atos ofensivos da posse ou propriedade; numa ação creditícia, pedido de juros de mora relativos ao capital em dívida; numa ação de indemnização, pedido relativo a danos que se revelaram no decurso da ação, nos termos do art.569º do CC; pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória.».  
Rui Pinto, em referência ao Ac. RL de27.09.2012, assinala que «Para que se possa dizer que o pedido é consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo é “necessário que o autor se mova ainda dentro da mesma causa de pedir (para o que não poderá acrescentar novos “factos essenciais stricto sensu”), a menos que estes factos sejam introduzidos no processo já provados, em consequência de confissão feita pelo réu (art.273.º/1), ou que sejam supervenientes, isto é, que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da réplica, ou se o processo não admitir” (RL 27-9-2012/Proc.8186/11.2TBOER-A.L1- 2 (TERESA ALBUQUERQUE)).»[xi].

João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[xii] referem:
«__ São um desenvolvimento do pedido inicial as situações em que o pedido de se altera em termos quantitativos; por exemplo: (i) o autor pede inicialmente o reconhecimento da sua propriedade sobre uma parcela de terreno; pode pedir posteriormente o reconhecimento sobre todo o terreno; (ii) o autor formula inicialmente um pedido de simples apreciação; pode formular posteriormente um pedido de condenação; (iii) o autor pede inicialmente a declaração de que é proprietário de um imóvel; pode transformar esse pedido num pedido de reivindicação, isto é, num pedido de reconhecimento de que é proprietário do imóvel e de condenação do demandado na sua restituição (art.1311.º, .º1, CC);
__ São uma consequência do pedido primitivo as situações em que o novo pedido é qualitativamente distinto do pedido inicial; por exemplo: (i) pede-se inicialmente a condenação do réu a cumprir determinada prestação; pode pedir-se posteriormente a condenação do mesmo réu numa indemnização pelo incumprimento; (ii) o autor formula inicialmente um pedido de condenação in futurum; pode passar a pedir a condenação imediata do réu; a formulação de um novo pedido como consequência do pedido primitivo também pode conduzir a uma cumulação sucessiva; por exemplo: o autor formula inicialmente o pedido de reivindicação de um prédio que foi ilegalmente ocupado; pode pedir posteriormente os rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal.
(ii) O que é necessário é que o pedido cumulado ou a ampliação sejam desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte, tenham essencialmente origem comum, ou seja, causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.».
Na jurisprudência, encontram-se acórdãos que admitem ampliações de pedidos admissíveis face ao nexo do nº2 do art.265º do CPC, mediante a adesão a uma posição ampla da causa de pedir (pela qual só haverá alteração da causa de pedir se nenhum dos factos constitutivos das normas invocadas quanto ao pedido inicial for comum ao pedido ampliado), em face da previsão do art.265º/6 do CPC, que permite a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida. Sobre este art.265º/6 do CPC: Lebre de Freitas e Isabel Alexandre considera que a mesma carece de ser interpretada, «no sentido de possibilitar a modificação simultânea não só quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir originária ou a causa de pedir reconvencional ou fundam exceções deduzidas, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporta a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira»[xiii]; Miguel Teixeira de Sousa refere «A formulação não é feliz, porque com uma nova causa de pedir não é possível que a relação jurídica permaneça a mesma, pelo que o que talvez se pretenda dizer é que a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir é admissível quando o segundo pedido possa ser considerado conexo com o primeiro. Noutros termos: o art.265.º, n.º6, utiliza o critério da conexão entre objetos (distintos) para admitir a transformação de um deles no outro.».
Assim, encontram-se, nomeadamente:
__ O Ac. RC de 26.01.2021 (proferido no processo o 5362/18.0T8CBR-B.C1 e relatado por Teresa Albuquerque), numa ação instaurada pelo autor/comprador de prédio rústico contra os réus (vendedores e utilizador do prédio para um estaleiro antes da venda de 2017), admitiu-se a ampliação de pedido como sendo consequência do pedido primitivo, numa situação na qual: na petição inicial de 03.07.2018 fora apenas pedida a condenação dos réus na restauração da situação natural de um prédio e em indemnização por danos não patrimoniais (a proceder à limpeza do prédio comprado pelo autor (de estado não visualizável na venda; a pagar indemnização por danos não patrimoniais que se viesse a liquidar em execução de sentença); em articulado posterior de 15.04.20219 foram ampliados pedidos de condenação dos réus em indemnização por danos patrimoniais, cuja possibilidade de formulação já existia na instauração da ação (condenação dos réus no pagamento: da quantia de liquida de €18.750,00 de rendimento de que esteve já privado, pela não plantação dos mirtilos e respetivas colheitas nos anos de 2018 e 2019; das quantias que se vierem a apurar e liquidar em execução de sentença pela privação dos rendimentos que deixou de beneficiar pela falta de colheitas, bem como pelo atraso na não obtenção do rendimento máximo da produção de mirtilos que seria atingida no 4º ano).
Neste acórdão: em relação aos critérios abstratos, foi sumariado que «IV - Não havendo acordo das partes para a alteração ou ampliação do pedido ou/e para a alteração ou ampliação da causa de pedir, rege o art. 265º, que, proibindo a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir quando tais modificações impliquem convolação para relação jurídica da controvertida - referido nº 6 dessa norma -, admite, no entanto, a alteração ou a ampliação da causa de pedir quando o réu confesse factos que conduzam a essa alteração e o autor os aceite – nº 1 dessa norma - e admite a ampliação do pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo - nº 2 da mesma norma. V - Há duas maneiras de conceber o nexo de consequência ou de desenvolvimento a que se refere (para o pedido) a norma em apreço, consoante o conceito mais estreito ou mais amplo, de que se parta, de causa de pedir nesta matéria de alteração do objeto. VI - A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo, assim, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao conceito amplo de causa de pedir. VII – Segundo este conceito, só haverá alteração da causa de pedir se nenhum dos factos constitutivos das normas invocadas quanto ao pedido inicial for comum ao pedido ampliado. VIII - Quando o autor proceda à modificação unilateral do pedido, por redução ou ampliação, nos termos do nº 2 do art. 265º, fazendo-o fora dos articulados, deve servir-se para o efeito de “peça superveniente”, e não de articulado superveniente, por a tal articulado dever ser dado o conteúdo que decorre da disciplina do art. 588º CPC.»; em relação à aplicação dos critérios legais à situação concreta, foi considerado na fundamentação que «(…) Para o pedido primitivo - o da condenação das RR. a proceder à limpeza do prédio rústico que comprara – apenas necessitou de alegar os factos de que decorreu essa compra e venda, a circunstância de não poder saber antes dela o estado real em que o terreno se encontrava, a de a 3ª R. ter feito desse terreno estaleiro para obra que prestou a terceiro, fazendo-o com o acordo das duas 1ª RR., e o estado em que o terreno se encontrava, e aquele em que ficou depois que a 3ª R. aí procedeu a uma breve limpeza.| Para o pedido que fez no dito articulado – da condenação das RR. a pagarem-lhe indemnização pelos prejuízos que entretanto já teve e que continuará a ter até ao 4º ano referente à plantação de mirtilos que nesse terreno pretendia fazer e não pôde fazer logo em 2018, produção essa que nesse 4º ano atingiria o seu máximo - somou aos factos já alegados, o seu propósito de em 2018 ter feito nesse terreno plantação de mirtilos, o rendimento que obteria dessa plantação desde aí até Abril de 2019, o que iria obter no 3º ano de produção e o ainda superior que obteria no 4º ano da mesma.| Como é evidente, a causa de pedir num e noutro dos pedidos é a mesma, quando se adopte, como se deve, o conceito amplo de causa de pedir a que se fez referência.| E o pedido é uma mera consequência do pedido inicial, como se afirmou no despacho recorrido: é, porque o terreno precisa de ser limpo dos resíduos que nele se encontram, limpeza essa a que as RR. não procederam, que, em consequência disso, o A. não pôde fazer a plantação de mirtilos a que o destinava, pelo que estas serão tão responsáveis pela limpeza do terreno como o serão pelos prejuízos decorrentes da não plantação nele dos mirtilos. |Com razão o despacho recorrido cita Alberto dos Reis quando o mesmo refere que «a ampliação há-de estar virtualmente contida no pedido inicial»; e quando utiliza os exemplos que aquele autor dá de “consequência” e de “desenvolvimento”. São exemplos de mera consequência: «pediu-se, em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. Pediu-se a restituição da posse de um prédio; pode, depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e dos danos causados pelo esbulho»[7]. Já como exemplo de mero desenvolvimento refere Alberto dos Reis, «o pedido posterior de juros de uma divida inicialmente invocada». | Nestas situações de consequência e desenvolvimento, o autor tem necessariamente que no âmbito da mesma causa de pedir, trazer aos autos factos que ainda não alegara, e que se consubstanciem, relativamente aos primitivamente alegados, como consequência ou desenvolvimento daqueles.| Os factos assim alegados não tem que ser novos, no sentido de supervenientes, quer objetiva quer subjetivamente.» (sublinhados nossos).
__ O Ac. RE de 12.10.2023 (proferido no processo nº1755/22.7T8STB-A.E1 e relatado por Albertina Pedroso), considerou e sumariou: «V – Pretendendo os AA. o reconhecimento a seu favor do direito de propriedade sobre a totalidade de um prédio que identificaram, o qual foi cindido pela R. em dois novos prédios, deixando de existir com aquela identificação, o facto de terem formulado inicialmente o pedido por referência a um único desses novos artigos da matriz e registo, não obsta a que seja legalmente admissível a ampliação desse pedido ao outro prédio destacado daquele prédio inicial, porque estamos sempre perante a reivindicação do mesmo prédio, e consequentemente, perante caso de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, consentido pelo artigo 265.º, n.º 2, do CPC.».
2.2.3. Nestes casos de ampliação do pedido, os factos que o fundamentam dependem ou não dos requisitos de alegação do art.588º do CPC («1 - Os factos constitutivos, (…) que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. 2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência. 3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido: a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento; b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores. 4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior. 5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta. 6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.»)? Esta matéria não tem obtido resposta unânime. Assinalam-se, exemplificativamente:
__ O Ac. RG de 06.02.2020, proferido no processo nº992/18.3T8GMR.G1, relatado por Anizabel Sousa Pereira, faz depender a alegação dos factos novos dos requisitos do art.588º do CPC: «- O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo ( art. 265º,nº 2 do CPC), ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos: a) quando a ampliação do pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 265.º do CPC não implique a alegação de factos novos ( como acontece no caso de pedido de juros ou de atualização monetária) pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente em audiência de julgamento; b) quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito.».
__ O citado Ac. RC de 26.01.2021 (proferido no processo o 5362/18.0T8CBR-B.C1) considerou que os factos novos, ainda integrados na causa ampla da causa de pedir, não carecem de ser supervenientes de acordo com o art.588º do CPC: «Os factos assim alegados não tem que ser novos, no sentido de supervenientes, quer objetiva quer subjetivamente.| A circunstância de ter sido possível ao A. no início da ação ter logo pedido indemnização pelos prejuízos que nesse momento podia já então prever que viria a ter em consequência do facto danoso, não impede que se guarde esse pedido para depois, desde que até ao encerramento da discussão em 1ª instância, com a vantagem de, sendo feito mais tarde, melhor se poder especificar.| Não sendo uma técnica muito comum em tribunal, nada parece obstar à mesma, sob pena de não se compreender o alcance do nº 2 do art. 265º CPC.| Quando o autor proceda à modificação unilateral do pedido, por redução ou ampliação, nos termos desse nº 2 do art. 265º, fazendo-o fora dos articulados, deve servir-se para o efeito de “peça superveniente”, como o refere Lebre de Freitas [8], e não exatamente de articulado superveniente, por a tal articulado dever ser dado o conteúdo que já se viu que decorre da disciplina do art 588º. ».

3. Apreciação da situação em análise:
A decisão recorrida, transcrita em I-4.2. supra, indeferiu liminarmente o “articulado superveniente” (no qual o autor havia pedido uma ampliação do pedido de indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais), por considerar: que uma parte de uma das causas da desvalorização dos bens, que fundamentou a ampliação do pedido de indemnização, não é superveniente, pois respeita a atos anteriores à propositura da ação de 15.11.2023 («Ora, compulsada a petição inicial, verifica-se que o Autor alega que, pelo menos em Julho de 2023, deixou de ter acesso aos bens. A petição inicial é apresentada em Novembro de 2023; logo parte, destes factos já poderiam ter sido alegados quando interposta a petição inicial e não têm o carácter de supervenientes.»); que, ao contrário da alegação temporal realizada para causas climáticas causadoras de deterioração, ocorreu mau tempo noutros períodos após julho de 2023 (em referência à alegação que as humidades que entranharam os bens ocorreram na sequência de chuvas e vento de fevereiro e março de 2024, que fizeram crescer vegetação e deslocaram e amontoaram os bens, referiu: «Por outro lado, entre Julho de 2023 e a presente data em que é apresentado o articulado superveniente, houve mais meses de chuva, houve mais meses de mau tempo e seguramente a vegetação não cresceu apenas em Fevereiro e Março de 2024.»); que o autor pretende uma ampliação ilegal do pedido, com convolação de uma ação de reivindicação numa ação indemnizatória, ao contrário das regras do art.265º/1 e 2 do CPC, mas sem grande explicação dos termos de violação das mesmas («Afigura-se com o presente articulado, que o Autor vem tentar uma ampliação ilegal do pedido e da causa de pedir, contrariando as regras previstas no artº 265º, nºs 1 e 2 do C.P. Civil, convertendo o que era essencialmente uma ação de reivindicação, numa ação de responsabilidade civil contra os Réus, e mais não se podendo considerar que existe uma mera ampliação do pedido, quando o pedido é convertido de uma reivindicação cumulada com um pedido de indemnização por perdas de negócios e com uma indemnização por danos não patrimoniais por ter os bens fechados, para se transformar num pedido de condenação dos Réus pelo pagamento dos estragos provocados nos bens.»).
O autor, no seu recurso de apelação desta decisão, defendeu: que a sua alegação que conheceu os factos novos em março de 2024 deveria ser sujeita a contraditório, e que não está demonstrado que tenham ocorrido chuvas entre julho e novembro de 2023, o que pode ser alegado pelos réus no contraditório e sujeito a prova; que o articulado apenas poderia ser rejeitado por intempestividade ou falta de interesse dos factos para a decisão da causa (art.588º/4 do CPC), o que não acontece; que a ampliação do pedido é legal porque foi realizada nos termos do art.265º/2 do CPC; que, de qualquer forma, caberia ao juiz realizar uma adequação formal em face do articulado superveniente, nos termos do art.547º do CPC.
Importa reapreciar a decisão recorrida (no seu dispositivo e fundamentos), face aos atos processuais relatados em I e ao regime de direito aplicável referido em III-2.1. supra, na perspetiva do objeto do recurso definido pelas conclusões de I-5 supra.
Numa primeira abordagem, importa reapreciar: estruturalmente, se ocorreu uma ampliação ilegal do pedido por o autor ter pretendido converter uma ação de reivindicação numa ação indemnizatória, sem a observância do disposto no art.265º/1 e 2 do CPC; circunstancialmente, se há factos alegados como fundamento do pedido cujo conhecimento está precludido por deverem ter sido alegados na petição inicial.

Por um lado, comparando o objeto inicial do processo e o objeto da ampliação do pedido, verifica-se o seguinte:
1. O autor, na sua petição inicial de 15.11.2023:
a) Pediu a condenação dos réus: a disponibilizar o acesso ao antigo local arrendado para recolher os seus bens; a pagar a indemnização de € 6 000, 00, por danos patrimoniais (no valor de € 3 000, 00) e danos não patrimoniais (em valor não inferior a € 3 000, 00).
b) Fundamentou os seus pedidos, na invocação: da retenção indevida pelos réus dos bens do seu negócio de compra e venda de automóveis e antiguidades), após ter cessado o seu contrato de arrendamento a 31.03.2023 (no qual era arrendatário e os réus senhorios de uma casa de habitação e quintal) e depois de se ter disposto a levantar alguns dos bens no antigo local arrendado no início de julho de 2023 (para satisfazer uma venda); de sofrimento de danos de frustração da venda de bens retidos pelos réus, no valor de € 3 000, 00, e de desgosto continuado por os seus bens estarem fechados pelos réus no quintal e em constante deterioração.
2. O autor, no articulado apresentado na audiência prévia a 16.04.2024:
a) Pediu a ampliação do pedido indemnizatório por danos patrimoniais e danos não patrimoniais, formulado no segundo pedido da petição inicial, de € 6 000, 00 para € 89 700, 00, correspondente: à ampliação da indemnização por danos patrimoniais de € 3 000, 00 para o valor global de € 80 700, 00 (valor global este de perda de valor da totalidade dos bens que consumiu o pedido anterior de € 3 000, 00 de frustração da venda de alguns bens); à ampliação da indemnização por danos não patrimoniais de € 3 000, 0 para o valor global de € 9 000, 00.
b) Aditou à fundamentação fática inicial os danos ocorridos principalmente na pendência da ação, em consequência da manutenção da alegada retenção, desde julho de 2023 e no quintal dos réus, dos bens do autor, cujo acesso pedira que aqueles fossem condenados franquear, alegando: que os automóveis, bicicletas e outros bens de valor global de € 82 400, 00 ficaram deteriorados, face às chuvas e ventos fortes de fevereiro e março de 2024 e à impossibilidade de ter assegurado a sua manutenção durante a retenção, o que implica que apenas possa vender uma parte deles para a sucada no valor global de € 1 700, 00; que o seu sofrimento e desgosto inicial foi agravado pela impossibilidade de exercer a sua atividade profissional a que se tinha dedicado e tinha gosto pessoal, por não ter condições económicas para a reativar.

Por outro lado, o conteúdo destes atos processuais permite constatar:
1. Em relação aos fundamentos fáticos da causa de pedir:
a) Que a retenção pelos réus, desde julho de 2023, dos bens do negócio do autor, no quintal que este lhes havia arrendado até 31 de março de 2023, sem possibilidade de acesso e recuperação pelo autor, constitui a matéria primária e central da causa de pedir complexa dos dois pedidos primitivos e também da ampliação do pedido inicial indemnizatório (formulado em segundo lugar).
b) Que a deterioração dos bens: integrava a causa de pedir da petição inicial como fundamento do pedido indemnizatório por danos não patrimoniais e o natural estado contínuo de deterioração já decorrida do que aí fora alegado (petição na qual o autor alegou: que quando deixou a habitação arrendada a 31.03.2023, os bens do seu negócio de venda de automóveis e os objetos de antiguidade permaneceram no quintal dessa habitação; que sofria desgosto continuado, não só por os bens estarem fechados, mas por estarem em constante deterioração, deterioração esta que também se poderia depreender dos factos atrás mencionados, nos termos do art.412º do CPC); foi desenvolvida e quantificada como dano patrimonial na ampliação do pedido indemnizatório, face a factos iniciados antes da propositura da ação e continuados após esta (falta de manutenção de bens) e a factos alegados como objetivamente supervenientes (chuvas e ventos ocorridas em fevereiro e março de 2024).
2. Em relação ao pedido indemnizatório: que o objeto inicial da presente ação já integrava um segmento indemnizatório por danos patrimoniais (por perda de venda de bens do autor fechados no quintal dos réus) e por danos não patrimoniais (desgaste por bens estarem não apenas fechados no quintal, mas estarem sujeitos a deterioração), decorrente da alegada retenção pelos réus dos bens do negócio do autor; que este objeto veio depois a ser ampliado, face à concretizada deterioração global dos bens exposta (e sintetizada em 1-b) supra).
Ora, esta situação global não permite extrair as conclusões retiradas pelo Tribunal a quo e supra enunciadas, nem quanto ao pedido e à causa de pedir, nem quanto à preclusão de alegação de factos.

Por um lado, a ampliação do pedido e da causa de pedir não se podem considerar ilegais, por violação do art.265º/1 e 2 do CPC, tendo em conta:
a) Que os novos factos alegados no articulado com ampliação do pedido não estão sujeitos ao regime do art.265º/1 do CPC, uma vez: que não alteraram a causa de pedir, delineada na petição inicial num segmento de responsabilidade dos réus pelos danos causados pela falta de acesso do autor aos bens depositados em espaço aberto, entre os quais constava o desgosto por os bens estarem em estado de «constante deterioração»; que a ampliação dos factos da causa de pedir foi realizada em relação à ampliação do pedido indemnizatório (e não em relação aos pedidos na versão da petição inicial, que obrigasse à aplicação do nº1 do art.265º do CPC), razão pela qual a mesma carecia apenas de preencher os requisitos de nexo e de tempo do nº2 do art.265º do CPC, a apreciar em b) infra.
b) Que a ampliação do pedido indemnizatório (por deterioração iniciada antes da ação e continuada na pendência da mesma, por força das condições climáticas supervenientes de fevereiro e março de 2024 e da impossibilidade de manutenção dos bens pelo autor em todo o período da retenção) observa os requisitos de nexo e de tempo do nº2 do art.265º do CPC, uma vez que: foi apresentada e sustentada como consequência da retenção ilícita alegada na petição inicial e da falta de satisfação pelos réus do primeiro pedido de condenação no franqueamento do acesso ao prédio para o autor para recolher os bens (sem prejuízo de se considerar também que a ampliação dos danos não patrimoniais possa corresponder também a um desenvolvimento do pedido inicial); foi apresentada antes de encerrada da audiência final (em audiência prévia).
Por outro lado, não se pode considerar que se encontra precludida a possibilidade de pedir a indemnização pela deterioração e desvalorização dos bens retidos  desde julho de 2023, tendo em conta: que se trata de uma situação continuada, iniciada antes instauração da ação em novembro de 2023 (e invocada na mesma) e mantida supervenientemente na pendência da mesma, o que está protegido pela possibilidade de ampliação do pedido indemnizatório inicial, ao abrigo do art.569º do CC e do art.265º/2 do CPC; que a deterioração e a desvalorização foi alegada como decorrente do concurso entre a falta continuada de manutenção dos bens e as chuvas e ventos fortes de fevereiro e março de 2024, facto este último que, sendo alegado como ocorrendo depois da apresentação da réplica e antes da audiência prévia de 16.04.2024, faria preencher o art.588º/1, 2-1ª parte e 3-a) do CPC, caso se entendesse que o art.265º/2 do CPC deveria ser conjugado com o art.588º do CPC em relação aos factos novos.
Numa segunda e final abordagem, importa reapreciar se o Tribunal a quo poderia rejeitar a ampliação do pedido por considerar, em relação ao fundamento fático de deterioração de chuvas de ventos fortes de fevereiro e março de 2024 e o nexo das mesmas com a deterioração, que houve chuva e mau tempo entre julho de 2023 e a data da audiência de abril de 2024.
Ora, esta consideração factual antecipada é indevida e não pode sustentar uma rejeição liminar da ampliação do pedido, uma vez: que o pedido não foi sujeito a contraditório dos réus; que os factos considerados não foram alegados (nomeadamente em impugnação motivada dos réus do facto objetivo do alegado pelo autor ou da conexão que o mesmo pretendeu estabelecer entre as referidas chuvas e ventos e a deterioração dos bens); que a matéria de facto relevante e controvertida ainda não foi sujeita a audiência de julgamento.
Assim, a decisão errou ao rejeitar o pedido com base neste fundamento.
Desta forma, procede o recurso de apelação, ainda que mediante razões parcialmente distintas das invocadas pelo recorrente e cuja apreciação integral se revela desnecessária face ao concluído sobre a admissibilidade da ampliação de pedido.

IV. Decisão:

Pelo exposto, julgando-se procedente a apelação:

1. Revoga-se o despacho recorrido de 16.04.2024 e, em sua substituição:
2. Determina- se a notificação dos réus para, no prazo de 10 dias, exercerem responderem ao articulado de ampliação do pedido e apresentarem provas, querendo.

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Custas pelo autor, por não haver parte vencida no recurso e ter tirado proveito do mesmo (art.527º do CPC).
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Guimarães, 3 de maio de 2025
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pela juiz Relatora



[i] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL Editora, 2022, pág.464.
[ii] António Santos Abrantes Geraldes; Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotação 6 ao art.588º do CPC, pág.696.
[iii] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in obra citada, pág.464.
[iv] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, fevereiro 2019, anotação 3 ao art.588º CPC, pág.616 (e, de igual forma, na anotação 3 ao art.611º, pág.724).
[v] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotação 6 ao art.588º, pág.696.
[vi] Teixeira de Sousa, citado em iv e v em relação a “As Partes, o Objeto e a Prova na Acção Declarativa”, pág.190.
[vii] Ana Prata, in Código Civil Anotado, por si coordenado, Almedina e CEDIS, Volume I, 2019, pág.766, anotação 1 ao art.569º do CC.
[viii] José Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil; vol. 3º, Coimbra Editora, Lda., 1946, págs.91 a 94.
[ix] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição revista e atualizada, 1985, Coimbra Editora, pág.281 e págs.356 e 357.
[x] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 4 ao art.265º, pág.318.
[xi] Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, Almedina, nota 2 ao art.265º, pág.394.
[xii] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in obra citada, págs.462 e 463.
[xiii] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, anotação 7 ao art.265º, pág.529.