Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE PAGAMENTO
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
SEGURANÇA SOCIAL
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DAS REGRAS PROCEDIMENTAIS
Sumário
1- A previsão em plano de pagamento de extinção, redução ou modificação de créditos tributários detidos pelo Estado em sentido amplo (Autoridade Tributária, Segurança Social, autarquias locais, etc.) sobre o devedor, sem o consentimento do credor/Estado em sentido amplo, constitui violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, para efeitos do art. 215º, ex vi, arts. 222º-F, n.ºs 2 e 5 do CIRE, por violar normas imperativas previstas na legislação tributária, que o art. 30º, n.º 3 da LGT declara prevalecerem sobre qualquer legislação especial. 2- A proteção de todos os interesses sociais e económicos que o legislador pretendeu salvaguardar passa por uma interpretação restritiva do n.º 3 do art. 30º da LGT, no sentido de se proceder à homologação do plano de pagamento aprovado pela maioria qualificada dos credores legalmente exigida à respetiva aprovação e homologação, com a salvaguarda dos créditos tributários, declarando-se que os efeitos da homologação do plano não são aplicáveis aos últimos, em relação aos quais o plano homologado é juridicamente ineficaz, dada a natureza indisponível daqueles créditos.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:
I-RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., instaurou, em 05/09/2024, processo especial para acordo de pagamento.
Por despacho proferido em 11/09/2024, nomeou-se administrador judicial provisório.
Em 08/10/2024, o administrador judicial provisório juntou a lista provisória de créditos reconhecidos, em que reconheceu créditos sobre a devedora no montante global de 425.075,59 euros, dos quais 207.402,99 euros são créditos garantidos, 140.415,20 euros créditos privilegiados e 77.267,40 euros créditos de natureza comum.
Na lista provisória de créditos o administrador judicial provisório reconheceu ao:
- Centro Distrital da Segurança Social:
a) um crédito no montante global de 139.851,66 euros, sendo 115.067,02 euros de capital relativo a contribuições não pagas e 24.764,64 euros relativo aos respetivos por juros de mora, o qual beneficia de privilégio mobiliário geral, nos termos dos arts. 734º, 736º, n.º 1 do CC, 47º e 97º do CIRE;
b) um crédito no montante global de 1.915,20 euros, sendo 1.749,95 euros de capital e 165,25 euros de juros, por custas e prestações recebidas indevidamente, com natureza comum;
- Estado/Autoridade Tributária, representado pelo Ministério Público:
a) um crédito no montante global de 563,54 euros, sendo 547,94 euros de capital e 15,60 euros de juros, por IMI não pago, o qual beneficia de privilégio imobiliário especial, nos termos dos arts. 733º, 734º, 735º, 744º, 748º, n.º 1 do CC e 122º do CIMI;
b) um crédito no montante global de 1.361,37 euros, sendo 1.258,59 euros de capital e 102,78 euros de juros de mora, com natureza comum.
A lista provisória de créditos reconhecidos pelo administrador judicial foi impugnada pela credora EMP01..., SARL, não tendo essa impugnação recaído sobre os créditos reconhecidos pelo administrador judicial provisório ao Centro Distrital da Segurança Social e à Autoridade Tributária.
Sobre a impugnação acabada de referir não recaiu qualquer decisão.
Em 13/12/2024, a devedora e o administrador judicial provisório juntaram aos autos acordo escrito em que requereram a prorrogação do período de negociações pelo período de um mês, o que foi deferido por despacho de 17/12/2024.
Em 14/01/2025, a devedora juntou aos autos acordo de pagamento, em que se prevê o seguinte plano de pagamentos: “A) Autoridade Tributária e Aduaneira - A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99, de 16/03, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir; - Nos termos previstos na legislação acima referida, concretamente o n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, a quantia exequenda, custas e juros de mora não perdoados, serão liquidados em regime prestacional, concretamente em 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a ¼ de unidade de conta; - A primeira prestação vence-se no mês seguinte da data da decisão de aprovação do Plano; - Manutenção das garantias existentes, nos termos do n.º 13, do artº 199º do CPPT; - A extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT;
B) Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social A dívida à Segurança Social, vencida até à data do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, será regularizada em 150 prestações mensais, através de plano prestacional a implementar, pela Secção de Processo Executivo competente, no âmbito da execução fiscal. - O pagamento da primeira prestação será efetuado até ao final do mês seguinte ao da votação do plano. - Nos termos do artigo 199.º, n.º 13, do CPPT, o plano prestacional não depende da constituição de garantias adicionais. - Nos termos da legislação em vigor são devidos juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas. - As ações executivas pendentes para cobrança da dívida à Segurança Social, no âmbito das quais será implementado o plano prestacional, não são extintas, sendo suspensas, nos termos do artigo 194.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, enquanto o plano prestacional estiver a ser cumprido.
C) Créditos Garantidos - Dação em pagamento do imóvel à credora hipotecária a realizar no período de 6 meses, contados desde o trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento.
D)Créditos Comuns - Período de carência de 24 meses, iniciados após trânsito em julgado da sentença de homologação do Acordo de Pagamento; - Pagamento de 100% capital em dívida em 96 prestações mensais iguais e sucessivas, com início após o decurso do período de carência de capital; - A primeira prestação terá vencimento no último dia do mês que decorrer o termo do período de carência que é de 24 meses; - Perdão de juros de mora, juros vencidos e vincendos”.
Publicado anúncio no portal Citius advertindo os credores da apresentação do acordo de pagamento, em 21/01/2025, o Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária, requereu “a junção aos autos do sentido de voto – desfavorável – da Autoridade Tributária”.
Juntou em anexo a esse requerimento cópia do posicionamento da Autoridade Tributária quanto ao acordo de pagamento apresentado pela devedora, em que se lê que a Fazenda Nacional está subordinada ao disposto nos arts. 30º, n.ºs 2 e 3, 36º da LGT, 85º, n.º 3, 196º, 199º do CPTT e 125º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, onde se consagram os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários, da proibição da moratória e do regime e regularização prestacional, princípios esses que são postergados pelo acordo de pagamento apresentado pela devedora quanto aos créditos da Fazenda Nacional, devendo ser requerida a não homologação desse acordo de pagamento.
Em 28/01/2025, o Instituto da Segurança Social, I.P., requereu, “nos termos e para os efeitos previstos no art. 222º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a junção da declaração de voto desfavorável ao acordo de pagamento, já remetido ao Senhor Administrador Judicial Provisório”.
Juntou em anexo a esse requerimento o despacho emanado pelo Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, onde, além do mais, se lê:
“Nos termos do artigo 190.º, n.º 2, do CRCSPSS, as condições de regularização de dívida propostas no acordo de pagamento apenas podem ser autorizadas se forem indispensáveis para a viabilidade económica do devedor, o que, face ao exposto supra, não se encontra demonstrado.
Os interesses da Segurança Social, no contexto suprarreferido, não se encontram acautelados com a proposta contemplada no acordo de pagamento.
Nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da LGT, o crédito tributário - no qual se integra o crédito da Segurança Social - é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
A homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da Segurança Social constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a Segurança Social, sendo-lhe inoponível”.
Em 31/01/2025, o administrador judicial provisório juntou aos autos: o resultado da votação do acordo de pagamento apresentado pela devedora; os votos emanados pelos credores; e a ata de abertura de votos, em que se lê que: “tomando em consideração a totalidade dos votos emitidos, aferiu-se que os votos emitidos perfazem 99,96% do total dos credores relacionados com direito de voto, representado os votos favoráveis 66,18% dos votos emitidos”.
Na sequência, a 1ª Instância, em 04/02/2025, proferiu sentença homologando a proposta de plano de pagamento apresentada pela devedora, a qual consta do seguinte teor (que se transcreve ipis verbis):
“Atento o resultado da votação junta pelo Sr. AJP, homologa-se o acordo de pagamento apresentado pelo devedor nos termos do art. 222º-F, nº3, als. a) e b) do CIRE.
A decisão de homologação vincula o devedor e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 222.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
Custas pelo devedor (art. 222º-F, n.º 9 do CIRE).
Registe, notifique e D.N.”.
Inconformado com a sentença acaba de referir, o credor Instituto da Segurança Social I.P. interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:
1- Atenta a descrição factual dos elementos constantes do presente processo e explanados na fundamentação deste recurso, que antecede, é de concluir que deveria o Tribunal a quo, declarar a ineficácia do plano quanto aos créditos da Segurança Social;
2- A homologação do Plano nos exatos termos explanados constitui, ainda, uma violação de normas legais de direito público e de natureza imperativas que, por isso, não podem ser derrogadas ou afastadas pela vontade dos intervenientes, designadamente dos credores.
3- Por isso, dentro do quadro normativo vigente e atento o vasto entendimento jurisprudencial em situações similares, o Instituto da Segurança Social requereu atempadamente a ineficácia do plano aos créditos da Segurança Social, por entender que o mesmo não se coaduna com as normas aplicáveis em matéria de regularização de dívidas ao Estado, e que não se harmoniza com o grau de disponibilidade dos créditos públicos.
4- Ao não se pronunciar sobre o teor do requerimento de ineficácia do Plano para com a Segurança Social, o Tribunal a quo cometeu uma nulidade processual por omissão de pronúncia, nulidade que, expressamente, se invoca, porquanto influi no exame ou na decisão da causa por manifestamente contrária às normas imperativas.
ACRESCE
5- Com tal conteúdo, o Plano homologado afasta o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, nomeadamente da LGT, da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, LOE 2011, bem como do Código Contributivo. Pois, viola abertamente o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no artigo 30.º n.º. 2 da LGT, com desrespeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária. Princípio que a LOE 2011 veio fortalecer, fazendo-o prevalecer sobre qualquer legislação especial, conforme se determina no artigo 30.º n.º 3 da LGT e no artigo 125.º da LOE. Assim sendo, fica claro que um plano de pagamento que regule a matéria dos créditos fiscais e da Segurança Social de forma diversa, viola o disposto em normas imperativas, normas essa que não devem, pois, ceder perante a legislação especial contida no CIRE.
6- Ora, só em situações excecionais devidamente explicitadas e que respeitem a efeitos úteis dos mecanismos de viabilização acessíveis às empresas em recuperação, é que se permite a regularização de dívidas à Segurança Social através de pagamento prestacional, da isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, devidamente autorizados por deliberação do conselho diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P., conforme previsto no artigo 190.º do Código Contributivo. E que, de acordo com o artigo 191.º do mesmo diploma legal, essas condições de regularização da dívida à Segurança Social não podem ser menos favoráveis do que o acordado para os restantes credores. Não pode o plano homologado, por isso, invocar o interesse dos credores para legitimar a violação de normas imperativas que tutelam os créditos da Segurança Social, quando a sua indisponibilidade exige tratamento diferenciado dos restantes créditos, de acordo com a legislação específica que os regula.
7- À semelhança do que sucede com a relação tributária há, assim, uma dupla vinculação aos princípios da legalidade e igualdade, princípios esses que estão enunciados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, todos da CRP, e que têm como consequência a indisponibilidade dos direitos a ele conexos.
8- É ilegal a sentença de homologação do Plano e a vinculação a este da Segurança Social, por terem sido violadas normas imperativas e princípios constitucionais.
9- O crédito da Segurança Social é indisponível e o seu reconhecimento e posterior pagamento não podem ficar sujeitos às condições de liquidação dos restantes credores.
10- Será de questionar, portanto, se a Segurança Social tem ou não que autorizar expressamente o pagamento fracionado do seu crédito de que depende a homologação do plano. A questão já mereceu apreciação jurisprudencial em termos que aderimos e que, com a devida vénia, aqui seguiremos de perto, designadamente o plasmado na sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Guimarães no Processo n.º 3336/12...., pelo Tribunal Judicial de Braga, no Processo n.º 5547/12.... que correu termos no ... Juízo Cível; e, no ... Juízo Cível, no âmbito do Processo n.º 7661/12.... que pugnaram, fazendo alusão a vasto entendimento jurisprudencial, pela não homologação do plano.
11- Ora, no caso em apreço, a Segurança Social não deu o consentimento ao deferimento do pagamento de tais débitos. Pelo exposto, deveria ter sido oficiosamente declarada a não homologação do Plano por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente, o artigo 196.º e, consequentemente, o artigo 215.º, ambos do CIRE.
12- Os credores, ainda que maioritários, no sentido do artigo 212.º, nº 1, não podem aprovar um plano que implique o pagamento fracionado, a redução ou extinção parcial, afetando créditos e contra a vontade do Instituto da Segurança Social.
13- Não é legalmente possível, contra a vontade do Instituto da Segurança Social, vinculá-lo ao plano homologado.
14- Ora, a falta de consentimento do ora Recorrente, foi comunicada ao Sr. Administrador Judicial Provisório, tendo sido requerida, atempadamente, a declaração de ineficácia do plano aos créditos da Segurança Social.
15- Em conformidade, por ilegal, deverá a sentença de que ora se recorre ser substituída por outra que declare a ineficácia do Plano homologado aos créditos da Segurança Social.
16- Mesmo que não se ponha em causa a homologação do Plano, ainda assim esta homologação não deverá produzir efeitos em relação ao Recorrente, que não aderiu às medidas propostas no referido mesmo, sob pena de violação da lei – cfr. artigo 192.º, do CIRE e 190.º, do Código Contributivo.
17- Ou seja, a homologação do Plano deverá ser considerada ineficaz relativamente ao Recorrente, no seguimento do que foi decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 20.11.2007 e na sentença proferida no Processo n.º 628/07.8TYLSB, publicada no DR, 2.ª Série, n.º 69, de 08.04.2008 e, mais recentemente, no acórdão do STJ de 09.06.2021, proferido no âmbito do Processo n.º 1412/20.9T8VNF.G1.S1.
18. Pelo exposto, atento o sentido de voto comunicado ao Sr. Administrador Judicial Provisório, deverá ser oficiosamente declarada a ineficácia do plano perante a Segurança Social, nos termos supra expostos.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, sendo declarada a ineficácia do plano relativamente à Segurança Social, uma vez que este credor não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica, bem como a legislação tributária, designadamente, o artigo 30.º da LGT, que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis.
Também o Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária, interpôs recurso da sentença proferida, em que formulou as seguintes conclusões:
1- O M.P. não se conforma com a decisão homologatória do acordo de pagamento (PEAP) apresentado pela devedora AA;
2- Pois, no prazo a que alude o artigo 222º-F, n.º 2, do CIRE, a 21.01.2025, em representação da Fazenda Nacional, requereu a junção aos autos do sentido de voto – desfavorável – da Autoridade Tributária, que havia sido anteriormente remetido pela Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários ao Senhor AJP, nos termos melhor descritos no corpo das alegações;
3- A dação em pagamento do imóvel à credora hipotecária a realizar no período de 6 meses, contados desde o trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento, viola o privilégio imobiliário especial, de que a AT goza nos termos dos arts. 122º do CIMI, 735º e 744º, nº 1, do Código Civil;
4- E, por isso, a Devedora teria que pagar a totalidade da sua dívida de IMI antes de dar em pagamento o imóvel, factualidade que o plano não prevê;
5- Pelo que a situação da credora (AT) ao abrigo do plano é menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano;
6- Atentos os termos perentórios do n.º 1 do artigo 216º do CIRE, aplicável ao processo especial de acordo de pagamento ex vi o artigo 222º-F, n.º 5, do mesmo diploma legal, deduzido tempestivamente o requerimento de oposição e provados os pressupostos e os requisitos legais, o tribunal estava vinculado na decisão a proferir e, por isso, deveria ter recusado a homologação do plano;
7- Como tem sido defendido pela jurisprudência, a aplicação do artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE, pressupõe um juízo de prognose, de comparação daquilo que o plano prevê para o credor que solicita a não homologação do plano com o que resultaria para este mesmo credor se nenhum plano fosse aprovado, assente numa análise casuística dos dados concretos carreados para os autos. (Cfr. o douto acórdão da Relação do Porto datado de 12/09/2023, consultável em www.dgsi.pt);
8- Assim, o plano apresentado pela Devedora, afeta gravemente o crédito privilegiado do Estado, sendo que, sem a aprovação do plano e com a liquidação dos bens da Devedora, designadamente do imóvel em causa, o Estado receberia de imediato o pagamento da totalidade do seu crédito privilegiado de IMI, pois, por força do disposto pelos artigos 122º do CIMI, 735º e 744º, nº 1, do Código Civil, seria graduado à frente dos restantes credores (designadamente do credor hipotecário);
9- A entregue do imóvel em dação em pagamento tal como previsto no plano constituiu uma inevitável dissipação da garantia de pagamento dos créditos de IMI, nomeadamente, no caso de incumprimento pela devedora do plano e demonstra como o referido plano é prejudicial ao Estado enquanto credor privilegiado;
10- Pelo que a sentença proferida violou o disposto pelos artigos 216º, n.º 1, do CIRE e pelos artigos 122º do CIMI, 735º e 744º, nº 1, do Código Civil;
11- Acresce que, as normas de direito tributário aplicáveis à regularização dos créditos tributários, previstas pelos artigos 30º, n.º 2 e 3 e 36º, n.º 3, da LGT e artigos 85º, n.º 3, 196º, e 199º, do CPPT e artº 125º, da Lei 55-A/2010, de 31/12, revestem caráter público e imperativo, pelo que a sua inobservância acarreta uma violação não negligenciável de regras, para efeitos do artigo 215º do CIRE;
12- As referidas normas consagramos princípios da indisponibilidade dos créditos tributários e da proibição da moratória, bem como o seu regime de regularização prestacional, sobrepondo-se à posição maioritariamente assumida em Assembleia de Credores;
13- Os créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social estão sujeitos a regime imperativo que impede a sua redução ou alteração/modificação, sem expressa autorização dessas entidades e essa imperatividade estende-se ao processo especial de acordo de pagamento;
14- As normas de direito tributário revestem caráter público e imperativo, pelo que a sua inobservância acarreta uma violação não negligenciável de regras, para efeitos do artigo 215º do CIRE;
15- Por assim ser na ausência de voto favorável por parte da AT à aprovação do plano, não podiam os (demais) credores, contra a vontade da AT, fixar um regime menos favorável do pagamento dos créditos públicos, desde logo fazendo-o perder a sua natureza de crédito garantido;
16- Como tem defendido a jurisprudência, resulta, assim, evidente que os créditos fiscais não podem ser perturbados senão mediante a vontade do Estado, manifestada através dos seus legítimos representantes (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/10/2013 (processo 8604/12.2TBBRG.G1), disponível em www.dgsi.pt;
17. Verificando-se que o plano de recuperação aprovado pelos credores viola claramente o princípio da legalidade, o mesmo não deveria ter sido homologado em toda a sua extensão;
18. Como tem sido defendido pelos tribunais superiores, “face à imperatividade do regime de indisponibilidade a fixação nos planos de recuperação do pagamento em prestações dos créditos fiscais e/ou da Segurança Social, sem a concordância da AT e da SS, constitui uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo de tais planos e igual violação se verifica quando neles se preveja a redução dos créditos fiscais ao nível dos juros de mora ou a suspensão das execuções instauradas pela Segurança Social que se encontrem pendentes para cobrança dos seus créditos”, neste sentido vejam-se os acórdãos citados no corpo das alegações;
19. Assim, um plano em que se verifique tal violação, não pode ser homologado, verificando-se nulidade da decisão causada pela afetação da indisponibilidade dos créditos da Fazenda Nacional;
20. Caso assim não entenda, o plano de pagamentos só pode ser homologado desde que na decisão homologatória seja contemplada a ineficácia do mesmo em relação aos créditos fiscais, que não serão afetados, atenta a sua indisponibilidade, e por isso, antes da dação em pagamento devem ser pagos os créditos da AT.
Nestes termos e nos demais de direito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, serão supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença homologatória, ora recorrida, prosseguindo os autos os devidos termos para liquidação do ativo ou substituindo-a por outra decisão que, no que concerne à Fazenda Nacional, consigne como não escrito e ineficaz o plano de recuperação apresentado nos autos, atenta a indisponibilidade dos créditos fiscais.
*
A devedora, AA, em resposta ao recurso interposto pelo Instituto da Segurança Social, requereu que se mantivesse a homologação do plano de pagamento que apresentou e manifestou “o seu respeito pela posição assumida pela Segurança Social, reconhecendo que o acordo não produzirá efeitos relativamente aos créditos tributários, em observância do princípio da indisponibilidade destes”.
*
A 1ª Instância admitiu os recursos como sendo de apelação, a subirem nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DOS RECURSOS
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se a sentença recorrida (que homologou o acordo de pagamento apresentado pela devedora (recorrida) e aprovado pela maioria dos credores desta) é nula, por omissão de pronúncia, ao não se ter pronunciado quanto ao pedido formulado pelo recorrente Instituto da Segurança Social para que o acordo de pagamento junto aos autos pela devedora não fosse homologado quanto aos créditos que detém sobre a última por contribuições não pagas e respetivos juros de mora;
b- Se a dita sentença (ao homologar o acordo de pagamento quanto aos créditos detidos pela Segurança Social e pela Autoridade Tributária sobre a recorrida por, respetivamente, contribuições não pagas e respetivos juros de mora e por IMI não liquidado e respetivos juros de mora, apesar do que nele se encontra previsto quanto a esses créditos) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação ou substituição por outra que declare como não escritas e juridicamente ineficazes as cláusulas constantes do acordo de pagamento homologado quanto aos identificados créditos detidos pelo Instituto da Segurança Social e pela Autoridade Tributária sobre a devedora, os quais não são afetados pela homologação do plano, atenta a natureza indisponível dos mesmos.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para conhecer das questões que constituem o objeto dos recursos são os que constam do «I-Relatório» acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A- Nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Advoga o recorrente Instituto da Segurança Social, I.P. que, “ao não se pronunciar sobre o teor do requerimento de ineficácia do plano com a Segurança Social, o tribunal a quo cometeu uma nulidade processual por omissão de pronúncia, nulidade que, expressamente se invoca, porquanto influi no exame ou na decisão da causa por manifestamente contrária às normas imperativas”, com o que, salvo melhor opinião, confunde nulidades processuais com causas determinativas da nulidade da sentença recorrida, mormente, nulidade desta, por omissão de pronúncia.
Com efeito, sendo o processo jurisdicional, do ponto de vista estrutural, composto por uma sequência de atos jurídicos, logicamente encadeados entre si, ordenados em fases sucessivas, com vista à obtenção da providência requerida pelo autor, requerente ou exequente[2], cujos requisitos e formalidades variam em função das diferentes formas de processos previstas e reguladas na lei adjetiva, sempre que o juiz se desvie do formalismo processual prescrito para a forma processual em que se encontre a laborar, praticando nele um ato que a lei adjetiva não admita (proíba), omita um ato que esta prescreva, ou pratique um ato imposto ou permitido pela lei adjetiva, mas com preterição de formalidades legais, incorre em error in procedendo, o qual se reconduz ao cometimento de uma nulidade processual principal quando a lei o determine expressamente, ou, quando não o faça, a uma nulidade processual secundária quando o desvio cometido possa influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa, ressalvadas as situações em que a própria lei adjetiva estatua uma consequência jurídica distinta para o desvio cometido.
As nulidades processuais consubstanciam-se, por isso, em qualquer desvio ao formalismo processual determinado na lei adjetiva quando esta comine expressamente aquele como nulidade processual (v.g., nulidade do processo por ineptidão da petição inicial (art. 186º); falta de citação (arts. 187º a 190º); erro na forma do processo quando os atos processuais praticados não possam ser aproveitados sem diminuição das garantias do réu (art. 193º); falta de vista ou exame ao Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art. 194º do CPC)) ou, quando não o faça, o desvio cometido em relação ao formalismo estabelecido na lei adjetiva seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa e esta não estatua expressamente uma outra consequência jurídica para o mesmo (art. 195º, n.º 1 do CPC).
As nulidades processuais não se confundem com as nulidades de sentença enunciadas, de modo taxativo, no art. 615º, n.º 1, do CPC (aplicáveis aos acórdãos, por força do art. 666º, n.º 1 do CPC, e aos despachos, por via do disposto no art. 613º, n.º 1), na medida em que as primeiras se traduzem em quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, que esta qualifique expressamente como nulidade processual (nulidades processuais principais) ou, quando não o faça, seja suscetível, isto é, tenha a virtualidade de influir no exame ou na decisão da causa, e a lei adjetiva não preveja para ele outra consequência jurídica (nulidades processuais secundárias)[3], enquanto as nulidades da sentença, acórdão ou despacho se situam no âmbito restrito da elaboração dessas específicas peças processuais, desde que o desvio à lei adjetiva neles verificado preencha um dos casos taxativamente contemplados numa das alíneas do n.º 1 do art. 615º.
As nulidades da sentença, acórdão ou despacho, conforme se extrai das várias alíneas do n.º 1 do art. 615º, reconduzem-se a vícios formais ou de conteúdo decorrentes de neles o juiz não ter observado as normas que regulam a sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam o seu campo de cognição em termos de fundamentos (causa de pedir e/ou exceções, incorrendo em nulidade por omissão ou excesso de pronúncia), ou de pretensão (pedido, incorrendo em nulidade por condenação ultra petitum).
Neste sentido expende Abílio Neto que “as nulidades das decisões, revistam ou não a natureza de sentença, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 615º, n.º 1, 666º e 679º, são as taxativamente indicadas naquele primeiro preceito (art. 615º, n.º 1), e devem ser arguidas, de harmonia com os seus n.ºs 2 e 3, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem”. Trata-se de “irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) – als. a) a e) do n.º 1 do citado art. 615º. São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada”[4].
Entre as causas determinativas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho enunciadas, de modo taxativo no n.º 1 do art. 615º do CPC, conta-se, nos termos da sua al. d), a nulidade por omissão (1ª parte dessa alínea) ou por excesso (parte final desta) de pronúncia, ao prever-se que: “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Trata-se de nulidades que se relacionam com o disposto no art. 608º, n.º 2, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença, acórdão ou despacho todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
Na verdade, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (isto é, de todos os pedidos deduzidos pelo autor ou pelo réu-reconvinte, com fundamento em todas as causas de pedir que por eles foram alegadas na petição inicial ou na reconvenção para ancorar esses pedidos e, bem assim, de todas as exceções ou contra exceções invocadas pelas partes com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte), o não conhecimento de pedido com fundamento em causa de pedir, de exceção ou contra exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade por omissão de pronúncia; mas já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, acórdão ou despacho que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[5]. Inversamente, o conhecimento de pedido com fundamento em causa de pedir, exceção ou contra exceção não invocadas pelas partes e de que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis[6], impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”: “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[7]. Do mesmo modo, apenas o conhecimento de questões (causa de pedir, exceção ou contra exceção) não suscitadas pelas partes e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente determina a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por excesso de pronúncia.
“Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista, ou para afastar o ponto de vista da parte contrária. Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os núcleos fáctico-jurídicos essenciais, centrais, relevantes ou importantes, submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem (atentos os sujeitos, pedidos, causas de pedir, exceções e contra exceções por elas deduzidas) ou que sejam do conhecimento oficioso, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[8]. “Questões” são, pois, os fundamentos (causa de pedir, exceções e contra exceções) invocadas pelas partes ou de conhecimento oficioso (v.g., se o contrato padece do vício da nulidade que o autor lhe imputa e de onde faz derivar a pretensão de ver o réu condenado a restituir-lhe o bem que, na execução desse contrato, lhe entregou; se o autor adquiriu o bem por escritura de compra e venda, doação, etc., conforme alega acontecer e em que funda a sua pretensão de reivindicação do prédio; se esses contratos padecem dos vícios na formação ou na transmissão da vontade invocados pelo réu, conforme foi por este alegado em sede de contestação a título de exceção, ou se o réu é detentor de um contrato de arrendamento que lhe confira o direito a manter o gozo do prédio reivindicado, conforme alegou acontecer em sede de exceção na contestação, etc.) para fundamentar a pretensão (pedido) ou para levar à improcedência desta por via da verificação da exceção invocada.
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, nos termos do n.º 2, do art. 222º-F, do CIRE, sempre que na sequência das negociações estabelecidas entre o devedor que se apresentou a processo especial para acordo de pagamento (PEAP) e os respetivos credores seja alcançado acordo de pagamento que tenha obtido a aprovação maioritária destes, impende sobre o devedor o ónus de remeter ao tribunal o acordo alcançado, publicando-se, de imediato, no portal Citius, anúncio advertindo todos os credores da junção ao processo do plano de pagamento. Nessa eventualidade, começa a correr, a partir da publicação do anúncio, o prazo de dez dias para os credores votarem o plano de pagamento apresentado, podendo qualquer interessado, dentro desse prazo de 10 dias, requerer ao tribunal a não homologação daquele, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 215º e 216º do CIRE, com as devidas adaptações.
No caso dos autos, a devedora, AA, remeteu, ao presente processo especial para acordo de pagamento, em 14/01/2025, o plano de pagamento aprovado pela maioria dos seus credores.
Publicado anúncio no portal Citius, em 21/05/2025, advertindo os credores da junção aos autos do plano de pagamento, em 28/01/2025, o credor (recorrente) Instituto da Segurança Social, I.P. requereu, “nos termos e para os efeitos previstos no art. 222º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a junção da declaração de voto desfavorável ao acordo de pagamento, já remetido ao Senhor Administrador Judicial Provisório” e juntou, em anexo a esse requerimento, o despacho emanado pelo seu Conselho Diretivo, onde expende as razões para votar contra a aprovação do plano de pagamento apresentado quanto ao que nele se encontra estabelecido relativamente ao pagamento do crédito que a Segurança Social detém sobre a devedora relativo a contribuições não pagas e respetivos juros de mora, lendo-se expressamente naquele que: “nos termos do artigo 190.º, n.º 2, do CRCSPSS, as condições de regularização de dívida propostas no acordo de pagamento apenas podem ser autorizadas se forem indispensáveis para a viabilidade económica do devedor, o que, face ao exposto supra, não se encontra demonstrado; os interesses da Segurança Social, no contexto suprarreferido, não se encontram acautelados com a proposta contemplada no acordo de pagamento; nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da LGT, o crédito tributário - no qual se integra o crédito da Segurança Social - é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário. A homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da Segurança Social constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a Segurança Social, sendo-lhe inoponível”.
Apesar de no requerimento acabado de referir o recorrente Instituto da Segurança Social, I.P. não requerer expressamente que o tribunal a quo não homologue o plano de pagamento junto aos autos pela devedora pelos fundamentos que constam do despacho emanado pelo seu Conselho Diretivo, e de referir juntar a sua declaração de voto desfavorável ao acordo de pagamento, “nos termos e para os efeitos previstos no art. 222º- D do CIRE”, dir-se-á que, qualquer declaratário médio que se visse confrontado com o teor desse requerimento e com o despacho emanado pelo Conselho Diretivo da Segurança Social a ele anexo que se encontrasse na posição do real declaratário, isto é, do juiz a quo, apenas podia concluir, por um lado, que aquele credor juntou ao presente PEAP o identificado requerimento e despacho, nos termos e efeitos do disposto no n.º 2, do art. 222º- F do CIRE, e que incorreu em mero erro de escrita ao aludir ao art. 222º-D do mesmo Código (na medida em que os assuntos tratados na previsão desta norma já se encontravam então ultrapassados no presente PEAP, e o mencionado requerimento e despacho foram juntos aos autos pelo credor, Instituto da Segurança Social, na sequência da publicação do anúncio, no portal Citius, anunciado aos credores que a devedora já tinha remetido ao tribunal o plano de pagamento que obtivera a aprovação da maioria dos seus credores, conforme previsão legal daquela n.º 2 do art. 222º-F) e, por outro, que aquele remeteu esse requerimento pretendendo que o tribunal não homologasse o plano de pagamento apresentado pelos fundamentos enunciados no despacho emanado pelo seu Conselho Diretivo.
Com efeito, se assim não fosse, não se descortinaria qualquer razão plausível para que o credor Instituto da Segurança Social tivesse junto o dito requerimento e despacho ao presente PEAP, tanto mais que, nos termos do n.º 4 do art. 222º-F, os votos (favoráveis ou desfavoráveis à aprovação do plano de pagamento apresentado pela devedora) são remetidos pelos credores diretamente ao administrador judicial provisório e no referido requerimento o Instituto da Segurança Social informou expressamente que já tinha remetido o seu voto desfavorável à aprovação do plano de pagamento remetido pela devedora ao tribunal ao administrador judicial provisório.
Em suma, face ao que se vem dizendo, a conclusão a extrair e que, reafirma-se, teria sido extraída por qualquer declaratário médio que se encontrasse na posição do julgador a quo (real declaratário) que se visse confrontado com o teor do requerimento junto aos autos, em 28/01/2025, pelo Instituto da Segurança Social e com o despacho emanado pelo seu Conselho Diretivo a ele anexo, é o de que nele aquele credor pretendia/requeria, ao abrigo do art. 222º-F, n.º 2, parte final, ex vi, arts. 215º e 216º, do CIRE, que o tribunal a quo não homologasse o plano de pagamento apresentado pela devedora pelos fundamentos exarados nesse despacho.
Por conseguinte, nos termos do n.º 2, do art. 608º do CPC, impunha-se que na sentença recorrida o tribunal a quo conhecesse do pedido formulado pelo recorrente para que não homologasse o plano de pagamento quanto ao que nele se estabelecia relativamente aos créditos detidos pela Segurança Social sobre a devedora por contribuições em dívida e respetivos juros de mora (questão que aquela lhe submeteu à sua apreciação e decisão) pelos fundamentos fácticos e jurídicos constantes do despacho emanado pelo Conselho Diretivo da Segurança Social.
Sucede que, analisada a sentença sob sindicância, verifica-se que nela a 1ª Instância omitiu qualquer pronúncia quanto a esse pedido, com o que incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. d), n.º 1, do art. 615º do CPC (e não em nulidade processual, dado que o vício de omissão de pronúncia em que incorreu o tribunal a quo verificou-se ao nível da elaboração da própria sentença sob sindicância e insere-se numa das causas determinativas de nulidade desta do n.º 1 do art. 615º).
Resulta do que se vem dizendo que, na procedência do fundamento de recurso que se acaba de apreciar, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), primeira parte, do CPC, impõe-se julgar a sentença recorrida, no segmento em que homologou o plano de pagamento junto aos autos pela devedora quanto ao que nele se encontra estabelecido relativamente aos créditos detidos pela Segurança Social sobre a devedora por contribuições em dívida e respetivos juros de mora, sem se pronunciar sobre o pedido de não homologação do mesmo formulado pelo credor (recorrente) Instituto da Segurança Social, I.P., nula, por omissão de pronúncia.
B- Superação da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia
A nulidade da sentença recorrida, no segmento em que nela o tribunal a quo homologou o plano de pagamento apresentado pela devedora quanto ao que nele se encontra estabelecido em relação aos créditos detidos pela Segurança Social por contribuições não pagas e respetivos juros de mora, por total e absoluta omissão de pronúncia quanto ao pedido formulado pelo recorrente para que não homologasse o plano em causa, não tem por efeito invariável a remessa do processo à 1ª Instância para que profira nova sentença, em que supra o vício da nulidade em que incorreu, dado que, nos termos do disposto no art. 665º, n.º 1, cabe ao tribunal ad quem, fazendo uso dos seus poderes de substituição, suprir esse vício, salvo quando não disponha dos elementos probatórios necessários que o permitam fazer com a necessária segurança. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo[9].
Sendo as questões suscitadas no despacho emanado pelo Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social (ao abrigo das quais o credor Instituto da Segurança Social requereu a não homologação do plano de pagamento apresentado pela devedora quanto ao que nele se encontra estabelecido em relação aos créditos detidos pela Segurança Social por contribuições em dívida e respetivos juros de mora) estritamente jurídicas, é apodítico que os presentes autos contêm todos os elementos necessários à superação da nulidade, por omissão de pronúncia, que afeta a sentença sob sindicância.
Aliás, o recorrente Instituto da Segurança Social, nas alegações de recurso pronunciou-se quanto às razões de facto e de direito que, na sua perspetiva, afetam a sentença e que, não fora a nulidade por omissão de pronúncia que a inquina, determinam que o nela decidido, quanto aos créditos por contribuições em dívida à Segurança Social e respetivos juros de mora, enfermasse de erro de direito, o que nos remete para a apreciação do segundo fundamento de recurso por ele suscitado - erro de direito que assaca à sentença.
O referido fundamento de recurso merece basicamente o mesmo tratamento jurídico das questões suscitadas pelo recorrente Ministérios Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária, quanto ao recurso que interpôs da sentença, no segmento em que nela se homologou o plano de pagamento em relação aos créditos por IMI e respetivos juros de mora detidos pela Autoridade Tributária sobre a devedora, pelo que vamos apreciar esses dois recursos em conjunto, colocando-se apenas em evidência as especificidades que se colocam em relação a cada um deles sempre que tal se justificar. C- Mérito
Conforme acima já se referiu, nos casos em que o plano de pagamento tenha sido aprovado pela maioria dos credores do devedor, este remete-o ao tribunal, a quem cumpre proceder à imediata publicação de anúncio, no portal Citius, anunciando a apresentação do mesmo, iniciando-se com essa publicação a contagem do prazo de 10 dias para a votação do plano, podendo, qualquer interessado, dentro desse prazo, requerer ao tribunal que não homologue o plano, nos termos dos arts. 215º e 216º do CIRE, com as devidas adaptações (n.º 2 do art. 222º-F do mesmo Código, a que se referem todas as disposições legais que se passam a enunciar sem menção em contrário).
Os credores que votem contra a aprovação do plano remetido pelo devedor ao tribunal podem, assim, requerer, dentro do prazo de 10 dias, a contar da publicação do anúncio no portal Citius de que aquele foi apresentado no tribunal, que este não homologue o mesmo pelos fundamentos previstos nos arts. 215º e 216º.
Quanto aos fundamentos de recusa de homologação do plano de pagamento enunciados no art. 216º, os mesmos reconduzem-se na alegação e prova pelo requerente “em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.
E, quanto ao fundamento do art. 215º, os credores que votaram contra a aprovação do plano podem requerer ao tribunal, dentro do mencionado prazo de dez dias, que não o homologue por nele ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável estabelecido pelo juiz, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Note-se que, conforme decorre do segmento inicial do art. 215º - “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores no caso de….” - os fundamentos de recusa previstos nesta norma são de conhecimento oficioso, pelo que, independentemente de requerimento apresentado pelos credores que tenham votado contra a aprovação do plano apresentado, dentro do prazo de dez dias, contados da publicação do anúncio, no portal Citius, anunciando que aquele foi apresentado em tribunal, solicitando que o tribunal não proceda à sua homologação, o juiz, enquanto guardião da legalidade, ainda que o plano de pagamento apresentado a homologação tenha obtido aprovação unânime dos credores do devedor deve recusar a homologação deste sempre que se verifique um dos fundamentos enunciados naquela norma.
No caso sobre que versam os recursos, no prazo de dez dias, a contar da publicação no portal Citius de que o plano de pagamento aprovado pela maioria dos credores da devedora tinha sido apresentado em tribunal (com o que se iniciou o prazo de votação daquele), quer o recorrente Instituto da Segurança Social, I.P., quer o recorrente Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária (que votaram contra a aprovação do mesmo) requereram ao tribunal a quo que recusasse a homologação do plano de pagamento.
O recorrente Instituto da Segurança Social requereu que o tribunal recusasse a homologação do plano sustentando que os créditos por contribuições em dívida à Segurança Social e respetivos juros de mora têm natureza fiscal e que o que nele se encontra estipulado quanto a esses créditos viola o regime jurídico imperativo dos arts. 30º, n.ºs 2 e 3, 36º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), 125º da Lei do Orçamento de Estado de 2011, 190º e 191º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), em que se consagram os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários, da legalidade e igualdade tributária, pelo que, o plano apresentado se encontra inquinado de violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo.
Por sua vez, o Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária, requereu ao tribunal a quo que recusasse a homologação do plano, quanto ao que nele se encontra previsto em relação aos créditos por IMI em dívida e respetivos juros de mora, por esse clausulado violar os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários, da legalidade e igualdade tributária, enfermando, por isso, aquele, na sua perspetiva, de violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, mas também com fundamento na al. a) do n.º 1 do art. 216º, alegando que a sua situação ao abrigo do plano apresentado, no caso deste vir a ser homologado, seria menos favorável do que a que se verificaria na ausência de qualquer plano.
Sobre as pretensões acabadas de referir não se pronunciou a 1ª Instância na sentença sob sindicância, com o que incorreu no vício da nulidade, por omissão da pronúncia, a qual já foi declarada na sequência do requerimento apresentado pelo recorrente Instituto da Segurança Social, I.P..
Acontece que o tribunal ad quem está impedido de conhecer da nulidade, por omissão de pronúncia, que afeta a sentença recorrida quanto ao requerimento que foi apresentada pelo recorrente Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Nacional, solicitando que o tribunal a quo não homologasse o plano de pagamento apresentado pela devedora face ao que nele se encontra estabelecido quanto a créditos por IMI em dívida e respetivos juros de mora, uma vez que o recorrente não suscitou essa nulidade no recurso que interpôs e quando se verifica que as causas determinativas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho enunciadas nas als. b) a e) do n.º 1 do art. 615º, consubstanciam na realidade causas determinativas da sua anulabilidade, conforme é evidenciado pelo n.º 4 do art. 615º, não sendo, por isso, de conhecimento oficioso[10].
Não obstante, o recorrente Ministério Público, não se encontra impedido de assacar à sentença recorrida erro de direito pelos mesmos fundamentos que alegou no requerimento em que solicitou que a 1ª Instância não homologasse o plano de pagamento apresentado pela devedora, conforme fez.
C.1- Situação previsivelmente menos favorável que decorre para a Autoridade Tributária da homologação do plano do que a resultaria da sua não homologação
Começando pelo fundamento de recurso da al. a) do n.º 1 do art. 216º, advoga o recorrente Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária, que a sentença recorrida, ao homologar o plano de pagamento, apesar do que nele se encontra clausulado quanto aos créditos por IMI e respetivos juros de mora detidos pela Autoridade Tributária sobre a devedora, coloca aquele credor numa situação menos favorável do que a que ficaria sem a homologação daquele, o que determina que a sentença esteja inquinada de erro de direito, nos termos da al. a) do art. 216º do CIRE.
Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, a previsão do art. 216º, n.º 1, al. a) “implica que na prova da situação nele referenciada se proceda a um exercício intelectual de prognose, frequente vezes complexa, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele. Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. (…). Ora, é exatamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exatamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal. Casos haverá, porém, em que a prova não será tão difícil, como sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento – ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior à estabelecida no plano (é neste quadro que decidiu o ac. da RG, de 22/11/2007, in CJ, V, pág. 197)”[11].
No caso dos autos, foi reconhecido à Fazenda Nacional um crédito no montante global de 563,54 euros, sendo 547,94 euros por IMI não liquidado, e 15,60 euros relativos aos respetivos juros de mora.
Nos termos do art. 122º, n.º 1 do Código do IMI, aprovado pelo D.L., n.º 287/2003, de 12/11, o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial.
Por sua vez, segundo o art. 744º, n.º 1 do CC, os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou ato equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição. E, nos termos do art. 734º do mesmo Código, o privilégio creditório abrange os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos.
Resulta do que se acaba de dizer que a credora Autoridade Tributária goza de privilégio imobiliário especial pelo produto da venda do prédio identificado no clausulado em“C) Créditos Comuns” do plano de pagamento apresentado pela devedora, quanto ao crédito que detém sobre a última, no montante de 547,94 euros, por IMI não pago, e 15,60 euros referentes aos respetivos juros de mora.
Acontece que, segundo a cláusula “C) Créditos Comuns” do plano de pagamento apresentado pela devedora (e que foi homologado pela 1ª instância), o prédio gerador da dívida por IMI e respetivos juros de mora encontra-se hipotecado e nela prevê-se que a devedora, decorridos que sejam 6 meses, contados do trânsito em julgado da sentença que homologue o plano de pagamento, transferirá a propriedade sobre esse prédio para o credor hipotecário, por dação em pagamento.
A homologação do plano apresentado pela devedora, face ao teor da cláusula que se acaba de referir, determinará que, uma vez transferida a propriedade sobre o prédio gerador do crédito referente a IMI e respetivos juros de mora que a Autoridade Tributária detém sobre a devedora para o credor hipotecário, sem que aquela tenha liquidado a dívida por IMI e respetivos juros, perca a preferência no pagamento pelo produto da venda do prédio em relação ao crédito hipotecário que lhe advém daquele crédito gozar de privilégio imobiliário especial sobre aquele imóvel[12].
Por isso, como bem refere o recorrente Ministério Público, a dação em pagamento do imóvel à credora hipotecária, a realizar no período de seis meses, contados desde o trânsito em julgado da sentença que homologue o acordo de pagamento, conforme nele se encontra previsto, sem que igualmente se preveja que a devedora terá de liquidar a sua dívida por IMI e respetivos juros de mora antes de dar em dação em pagamento o imóvel, determinará que a situação da Autoridade Tributária ao abrigo do plano seja menos favorável do que interviria na ausência da não homologação do mesmo, o que, nos termos do art. 216º, n.º 1, al. a), ex vi, art. 222º-F, n.º 2, determina que a 1ª Instância devia ter recusado a homologação do plano de pagamento apresentado pela devedora perante o que nele se encontra estabelecido, nos termos que infra se explanarão, pelo que, ao não fazê-lo, incorreu em erro de direito. C.2- Violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano homologado
Sustentam os recorrentes Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, e Instituto da Segurança Social que o plano homologado se encontra inquinado de violação negligenciável de regras aplicáveis ao respetivo conteúdo e que, ao homologá-lo, apesar de terem votado contra a sua aprovação, violaram-se normas imperativas, o que determina que a sentença recorrida se encontre afetada de erro de direito. Quid inde
A questão colocada pelas recorrentes vem sendo tratada sucessivamente pela doutrina e pela jurisprudência, não apresentando novidade, tendo sobre ela já se pronunciado o aqui relator no acórdão que proferiu em 18/03/2021, Proc. 3985/20.7T8VNF.G1 (não publicado), onde sufragou a posição perfilhada pelos recorrentes.
Conforme já se referiu, nos termos do disposto no art. 215º, aplicável ao PEAP, por força do n.º 5 do art. 222º-F, sobre o juiz impende o dever de recusar oficiosamente a homologação do plano de pagamento aprovado pela assembleia de credores (por unanimidade ou pela maioria qualificada necessária à sua aprovação) no caso daquele padecer de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo, de onde deriva que, apesar de no PEAP imperar o primado pela vontade dos credores, é imposto ao tribunal o dever de controlar a legalidade do plano e não o mérito do seu conteúdo, devendo recusar a sua homologação sempre que nele ocorra violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, ainda que tenha sido aprovado por unanimidade pelos credores.
Pondo de parte a violação não negligenciável de regras de procedimentais e centrando-nos na violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano homologado, uma vez que é essa violação que os recorrentes sustentam ocorrer, socorrendo-nos novamente dos ensinamentos de Carvalho Fernandes e João Labareda, são normas relativas ao conteúdo do plano, “todas as que respeitem à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar”[13].
Note-se que o CIRE não define o que se deve entender por “vício negligenciável” de normas aplicáveis ao conteúdo do plano que imponham a recusa oficiosa da homologação deste, estando-se perante uma cláusula geral, que caberá ao intérprete preencher, extraindo-se apenas da letra da lei que nem todas as violações das normas aplicáveis ao conteúdo do plano constituem fundamento legal de recusa de homologação e, bem assim, que seguramente as infrações leves ou menores de tais normas, que não ponham em causa o interesse do devedor e/ou dos credores afetados pelo plano, não constituem fundamento suficiente para que o juiz recuse a homologação do plano de pagamento aprovado por unanimidade ou pela maioria qualificada dos credores do devedor.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido revestirem violação “não negligenciável” todas as violações de normas procedimentais ou de conteúdo do plano que sejam imperativas e que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. E são consideradas “negligenciáveis” as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido[14].
No caso sobre dos autos, a Autoridade Tributária, detém um crédito sobre a devedora, no montante de 547,94 euros por IMI não liquidado e de 15,60 euros por juros de mora vencidos, crédito esse que goza de privilégio imobiliário especial sobre o prédio gerador daquele imposto, conforme acima já se demonstrou.
Em relação a esse crédito prevê-se no plano de pagamento apresentado pela devedora e homologado pela sentença sob sindicância que:
“A) Autoridade Tributária e Aduaneira - A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99, de 16/03, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir; - Nos termos previstos na legislação acima referida, concretamente o n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, a quantia exequenda, custas e juros de mora não perdoados, serão liquidados em regime prestacional, concretamente em 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a ¼ de unidade de conta; - A primeira prestação vence-se no mês seguinte da data da decisão de aprovação do Plano; - Manutenção das garantias existentes, nos termos do n.º 13, do artº 199º do CPPT; - A extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT”.
Por sua vez, o credor Instituto da Segurança Social tem um crédito sobre a devedora no montante de 115.067,02 euros por contribuições não pagas e de 24.764,64 euros por juros de mora vencidos.
Nos termos do art. 204º, n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16/09, os créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na al a) do n.º 1 do art. 714º do CC.
Por outro lado, segundo o art. 205º do mesmo diploma, os créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do presente executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no art. 748º do CC.
Daí que os créditos de 115.067,02 euros por contribuições não pagas e de 24.764,64 euros por juros de mora que a Segurança Social detém sobre a devedora beneficiem de privilégio mobiliário geral e, bem assim, de privilégio imobiliário sobre os imóveis existentes no património da devedora à data da instauração de ação executiva com vista à cobrança coerciva dos mesmos, o que é o caso do prédio hipotecado, dado que, em função do teor do plano, este encontra-se penhorado à ordem de ação executiva instaurado contra a devedora com vista à cobrança daqueles créditos.
No plano de pagamento apresentado pela devedora e homologado pela sentença recorrida prevê-se, quanto aos créditos que se acabam de referir, o seguinte: A dívida à Segurança Social, vencida até à data do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, será regularizada em 150 prestações mensais, através de plano prestacional a implementar, pela Secção de Processo Executivo competente, no âmbito da execução fiscal. - O pagamento da primeira prestação será efetuado até ao final do mês seguinte ao da votação do plano. - Nos termos do artigo 199.º, n.º 13, do CPPT, o plano prestacional não depende da constituição de garantias adicionais. - Nos termos da legislação em vigor são devidos juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas. - As ações executivas pendentes para cobrança da dívida à Segurança Social, no âmbito das quais será implementado o plano prestacional, não são extintas, sendo suspensas, nos termos do artigo 194.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, enquanto o plano prestacional estiver a ser cumprido.
Em suma, de acordo com o plano homologado, quer o crédito detido pela Autoridade Tributária por IMI e juros de mora em dívida, quer o crédito detido pela Segurança Social por contribuições em dívida e respetivos juros de mora seriam pagos pela devedora em prestações mensais: o primeiro em 36 prestações, e o segundo em 150 prestações.
É absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência que os créditos da Segurança Social por contribuições em dívida e respetivos juros de mora têm natureza fiscal[15], pelo que os créditos por contribuições em dívida e juros de mora detidos pela Segurança Social sobre a devedora AA, bem como os créditos de IMI e respetivos juros de mora que a Autoridade Tributária detém sobre ela e que supra se identificaram estão submetidos ao regime jurídico previsto na Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL. 398/98, de 17/12, no Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo DL. n.º 433/99, de 26/10, e no que respeita aos créditos da Segurança Social, ainda ao previsto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16/09.
O art. 85º, n.º 1 do CPPT estabelece que os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias, e o n.º 3 do mesmo preceito acrescenta que a concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosa, são fundamento de responsabilidade tributária dolosa.
Por sua vez, o n.º 1 do art. 30º da LGT, estatui que se integram na relação jurídica tributária, para além do mais, o crédito e a dívida tributária, os juros compensatórios e indemnizatórios (n.º 1, als. a), d) e e)).
O n.º 2 do art. 30º da LGT estabelece que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, e o n.º 3 acrescenta que o comando acabado de referir (constante do n.º 2) prevalece sobre qualquer legislação especial.
Em relação aos créditos tributários devidos à Autoridade Tributária, prevê-se nos arts. 196º a 199º do CPPT, que apenas excecionalmente é admitido o pagamento de dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respetivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiro em prestações, quando o pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida (n.º 3 do art. 196º), cabendo a competência para autorizar o pagamento em prestação ao órgão da execução fiscal (n.º 1 do art. 197º), que apenas pode deferir esse pagamento prestacional mediante o oferecimento pelo devedor de garantia idónea, caso esta ainda não se encontre constituída, a qual consistirá em garantia bancária caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos em dívida (n.º 1 do art. 199.º).
Quanto aos créditos detidos pela Segurança Social respeitantes a contribuições em dívida e respetivos juros de mora, lê-se no art. 190º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, que a moratória de pagamento prestacional de dívidas à Segurança Social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal (n.º 1); as condições excecionas previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre em processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização (al. a) do n.º 2), e que, sem prejuízo da competência própria das instituições de Segurança Social nas regiões autónomas, a autorização a que se refere o n.º 1 do presente artigo é concedida por deliberação do conselho diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (n.º 6), não podendo as condições de regularização da dívida à Segurança Social ser menos favoráveis do que o acordo para os restantes credores (art. 191º).
Deste modo, resulta do regime jurídico que se acaba de enunciar que os créditos por IMI e respetivos juros de mora que a Autoridade detém sobre a devedora, relativo a capital por contribuições vencidas e não pagas e respetivos juros de mora apenas podem ser pagas em prestações quando o pagamento prestacional seja autorizado pela Autoridade Fiscal, a qual apenas pode conceder essa autorização quando se verifiquem os requisitos legais acima enunciados e mediante a prestação de caução pela devedora, o mesmo se dizendo quanto aos créditos detidos pela Segurança Social por contribuições não pagas e respetivos juros de mora, em que o pagamento prestacional tem de ser autorizado pelo Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, verificados que sejam os pressupostos legais acima enunciados para conceder essa autorização.
Destarte, como bem dizem os recorrentes, os créditos acabados de referir (IMI e juros de mora, e contribuições em dívida e respetivos juros de mora) de que são titulares sobre a devedora AA encontram-se sujeitos aos princípios da indisponibilidade dos créditos tributários, da igualdade e da legalidade tributária, apenas podendo ser autorizado o pagamento prestacional (como se encontra previsto no plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores da devedora, e com os votos contra dos recorrentes, homologado pela sentença recorrida), desde que esse pagamento em prestações seja autorizado pelo Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (quanto aos créditos por contribuições em dívida à Segurança Social e respetivos juros de mora) e pela Autoridade Tributária (quanto aos créditos por IMI em dívida e respetivos juros de mora), os quais, porque se encontram submetidos aos princípios da legalidade, apenas podem conceder essa autorização quando se encontrem preenchidos os requisitos legais cumulativos supra enunciados que condicionam a mesma.
Acontece que, antes da entrada em vigor, em 01/01/2011, da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano 2011, na ausência do n.º 3 do art. 30º da LGT, que foi introduzido por aquele diploma, a jurisprudência nacional maioritária entendia que os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários, da igualdade e da legalidade tributária acima referidos apenas se impunham no âmbito da relação tributária, não se estendendo à relação estabelecida entre a entidade credora do tributo e o contribuinte no âmbito dos processos de insolvência e de recuperação (onde se insere o PEAP), argumentando que neles as entidades titulares dos créditos fiscais e parafiscais apresentavam-se em posição de paridade com os demais credores uma vez que o CIRE consubstanciava uma lei especial em relação à legislação fiscal, pelo que, por aplicação do princípio de lex specialis derogat legi generali, o regime jurídico deste prevalecia sobre a legislação fiscal, sendo, por isso, legítimas quaisquer alterações aos créditos do Estado (em sentido amplo), no âmbito daqueles processos, mesmo com o voto contra do último à aprovação do plano[16].
De acordo com esse entendimento (largamente maioritário até 01/01/2011), nada obstava a que no âmbito dos processos de insolvência e de recuperação fossem homologados planos de insolvência, recuperação ou de pagamento, aprovados pela maioria qualificada do credores, ainda que aqueles previssem a extinção, redução ou modificação, nomeadamente, por pagamento prestacional de créditos de que fosse titular o Estado (em sentido amplo, aqui se incluindo a Segurança Social), ainda que o último tivesse votado contra a aprovação do plano, contanto que os princípios fixados no CIRE, nomeadamente, o da igualdade entre credores, fossem acautelados.
Acontece que, com a entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2011, que aditou o n.º 3 ao art. 30º da LGT (o qual, relembra-se, consta da seguinte redação: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”), afastou-se o argumento jurisprudencial que até aí era utilizado para contornar os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários, da igualdade e da legalidade tributária constantes da legislação fiscal, não obstante uma corrente jurisprudencial minoritaríssima e isoladíssima ter continuado a manter a tese da validade e da eficácia irrestrita dos planos de insolvência, de recuperação e de pagamento em que se previsse modificações de créditos tributários, em que o Estado em sentido amplo tivesse votado contra a aprovação daqueles[17].
Essa corrente, além de minoritária, não pode, a nosso ver, ser subscrita, dado que não vemos como se possa contornar, sem ser contra legem, o regime jurídico do atual (e desde 01 de janeiro de 2011), vigente n.º 3 do art. 30º da LGT, onde, conhecendo a posição jurisprudencial maioritária que até aí vinha sendo seguida, foi manifesto ensejo do legislador barrar aquela.
Destarte, conforme é entendimento doutrinário e jurisprudencial atualmente largamente maioritário (e que não podemos deixar de subscrever), não é consentida a aprovação de plano de insolvência, de recuperação ou de pagamento em que se preveja a extinção, redução ou modificação de créditos tributários, por tal implicar uma violação dos arts. 30º, n.ºs 1, 2 e 3 da LGT, 85º, n.º 3, 196º, n.ºs 1, 3 e 4, 197º, n.º 1, 199º, n.º 1 do CPPT, 190º e 191º do CRCSPSS, de caráter público e imperativo, em que se consagram os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários, da igualdade e da legalidade tributária, salvo se o próprio Estado/credor do tributo votar a favor da aprovação desse plano, uma vez que um plano em que aqueles princípios imperativos e de ordem pública sejam postergados padece de violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, impondo-se a sua rejeição oficiosa (nos termos infra indicados), tal como é imposto pelo comando do art. 215º.
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, o plano de pagamento apresentado pela devedora e homologado pela sentença sob sindicância prevê que os créditos detidos pela Autoridade Tributária por IMI em dívida e respetivos juros de mora e, bem assim, que os detidos pela Segurança Social por contribuições em dívida e respetivos juros de mora sejam pagos em prestações, com que se modificou esses créditos.
A Autoridade Tributária e a Segurança Social não consentiram na modificação dos créditos acabados de referir, mas antes requereram ao tribunal a quo que o plano de pagamento em que essa modificação se encontra prevista não fosse homologado, por violação não negligenciável das normas imperativas e de caráter público acima identificadas e que são aplicáveis ao seu conteúdo.
Daí que, ao homologar o plano de pagamento de forma irrestrita, em violação do disposto no art. 215º, ex vi, art. 222º-F, n.º 5, a 1ª Instância tenha incorrido em erro de direito, impondo-se, em consequência, concluir pela procedência do fundamento de recurso acabado de analisar.
C.3- Consequências jurídicas para a sentença recorrida decorrente de ter homologado irrestritamente o plano de pagamento
Padecendo a sentença que homologou o plano de pagamento dos erros de direito que acima se explanaram, resta indagar das consequências jurídicas a extrair desse facto.
A interpretação literal do n.º 3 do art. 30º da LGT impede que se homologue qualquer plano de insolvência, recuperação ou de pagamento em que existam créditos reconhecidos ao Estado em sentido amplo (aqui se incluindo a Segurança Social, IEFP, Administração Fiscal, autarquias locais, etc.) que preveja a extinção, redução ou modificação de tais créditos, por mais minoritários e insignificantes que sejam, sem a obtenção de acordo deste à sua aprovação, o que levaria a que a vontade minoritária do Estado, na prática, se sobrepusesse à vontade maioritária dos credores, o que determinaria que os instrumentos previstos no CIRE tendentes à recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (que o art. 2º elege como preferencial) ou à recuperação do devedor a fim de obstar a que incorra numa situação de insolvência se transformassem em mecanismo de pressão do Estado para forçar o devedor ao pagamento dos créditos tributários, sob pena de qualquer recuperação e revitalização daquele ficar inviabilizada, com a inerente frustração dos seus interesses e da maioria dos seus credores, que votaram a favor da homologação do plano, e com acentuado prejuízo para a organização económica e empresarial.
Daí que seja atualmente largamente maioritário o entendimento doutrinário e jurisprudencial, que se perfilha, que a salvaguarda de todos os interesses sociais e económicos que o legislador pretendeu salvaguardar passa por uma interpretação restritiva do n.º 3 do art. 30º da LGT, no sentido de se proceder à homologação do plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores, com a salvaguarda dos créditos tributários (minoritários).
Com efeito, é atualmente largamente maioritário o entendimento jurisprudencial que sustenta que quando o plano de insolvência, de recuperação ou de pagamento seja aprovado pela maioria dos credores do devedor e o Estado/credor vote contra a sua aprovação, impõe-se “contrabalançar o voto maior com o voto (veto) da Fazenda Nacional e da Segurança Social, não privilegiando qualquer deles”, mas, por outro lado, impõe-se “que a maioria dos credores não possa impor a estas entidades a redução dos seus créditos, juros e/ou moratórias, nem estas entidades possam impedir no imediato aqueles credores interessados e os insolventes, de enveredarem por um plano de viabilização da empresa, com vista à sua futura recuperação, cumprindo-se desta feita os objetivos prosseguidos pelo CIRE e as grandes opções do plano a nível económico e social”[18].
Nessas situações, impõe-se homologar o plano de insolvência, de recuperação ou de pagamento aprovado pela maioria qualificada dos credores, declarando que os efeitos da homologação não são aplicáveis aos créditos do Estado (em sentido amplo), que votou contra a aprovação do plano, sendo este juridicamente ineficaz quanto aos créditos tributários[19].
Decorre do excurso acabado de referir que, na procedência de ambos os recursos, impõe-se declarar que o plano de pagamento homologado pela 1ª Instância é juridicamente ineficaz em relação aos créditos por IMI e respetivos juros de mora detidos pela Autoridade Tributária sobre a devedora e, bem assim, quanto aos créditos por contribuições em dívida e respetivos juros de mora detidos pela Segurança Social sobre a última, os quais não são afetados pela homologação do plano de pagamento, atenta a sua natureza indisponível. D- Das Custas
Nos termos do disposto no art. 527º, n.ºs 1 e 2, a decisão que julgue o recurso condena a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Os recorrentes Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária e Instituto da Segurança Social, I.P. obtiveram total vencimento nos recursos que interpuseram.
Assim, as custas dos recursos devem ficar a cargo da recorrida, AA, uma vez que foi ela que apresentou o plano de pagamento a votação e a posterior homologação com os vícios não negligenciáveis de normas aplicáveis ao respetivo conteúdo acima referidos e, por isso, ficou “vencida”.
*
V- Decisão
Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam os recursos interpostos pelos recorrentes Instituto da Segurança Social, I.P. e Ministério Público, em representação do Estado/Autoridade Tributária, procedentes e, em consequência:
I- Declaram nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, ao nela não se ter emitido qualquer decisão sobre o pedido formulado pelo recorrente Instituto da Segurança Social, I.P., em que requereu a não homologação do plano de pagamento apresentado pela devedora quanto aos créditos detidos pela Segurança Social por contribuições e juros de mora em dívida;
II- Suprem a dita nulidade pela forma acima indicada;
III- Declaram que o plano de pagamento homologado pela 1ª Instância na sentença recorrida é juridicamente ineficaz quanto aos créditos por IMI e respetivos juros de mora detidos pela Autoridade Tributária sobre a devedora e, bem assim, quanto aos créditos por contribuições em dívida e respetivos juros de mora detidos pela Segurança Social sobre aquela, os quais não são afetados pela homologação do plano de pagamento, atenta a natureza indisponível desses créditos;
IV- No mais, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas dos recursos pela recorrida, AA (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 08 de maio de 2025
José Alberto Moreira Dias – Relator
Susana Raquel Sousa Pereira – 1ª Adjunta
Rosália Cunha – 2ª Adjunta
[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Ac. STJ, de 17/05/2017, Proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem referência em contrário. [3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed, Coimbra Editora, 1985, pág. 387, em que se lê: “(…), a nulidade do processo consiste sempre num desvio de caráter formal, traduzido num dos três tipos: a) prática de um ato proibido; b) omissão de um ato prescrito na lei; c) realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas”.
Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 176 e 177: “As nulidades de processo podem definir-se nestes termos: são quaisquer desvios do formalismo seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de atos processuais. Princípio geral acerca de quais sejam as irregularidades ou desvios no formalismo processual que constituem nulidade de processo. São só as que possam influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa; as que possam ter reflexos de ordem substancial (hoc sensu). Não assim, todavia, quando a lei preveja diferentemente. As outras são irrelevantes. Disso temos exemplo quando não seja deduzida discriminadamente a reconvenção, ou quando não seja articulada a narração da petição inicial ou da contestação (pelo menos se, em qualquer destas hipóteses, não for notavelmente prejudicada a clareza da respetiva peça); e também, dum modo geral, quando a formalidade preterida não impediu que o ato em questão atingisse a sua finalidade”.
Acs. STJ., de 17/10/2007, AD, 554º, pág. 461; de 25/11/2008, Proc. 08A3501. [4] Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
No mesmo sentido, Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 122, em que expende: “Sentença nula é a que, tendo existência jurídica, porque reúne os elementos essenciais já determinados, está, entretanto, inquinada de vícios de formação, dos chamados vícios de atividade, contrapostos aos vícios de julgamento. Temos, assim, dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; e a segunda enferma de erro de atividade (erro de construção ou formação). A págs. 124 e 125, concretiza: “O magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete erro de atividade quando, na elaboração da sentença infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são se caráter substancial: afetam o fundo ou o mérito da decisão; os da segunda categoria são de caráter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade de julgador”. [5]Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 142 e 143: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, e em que aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”.
Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, no qual se consigna que: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”. [6] Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143. [7] No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que afirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzido pelas partes”. [8] Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974. [9] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 322. [10] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 735. [11] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado”, 3ª ed. Quid Juris, págs. 786 e 787. [12] Acs. STA, de 29/10/2014, Proc. 0207/14; RE., de 11/05/2017, Proc. 67/13.1TBLGS-D.E1. [13] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 781; Acs. RG. de 27/04/2017, Proc. 1933/16.8T8VNF.G1; de 09/02/2017, Proc. 2021/16.2T8VCT.G1; RL. de 10/03/2011, Proc. 28738/09.0T2SNT.L1-2. [14] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 782; Ac. STJ., de 17/01/2023, Proc. 1311/21.7T8VFX.L1.S1; RG., de 25/02/2016, Proc. 1030/14.0T8VNF.G1; RL., de 28/01/2016, Proc. 1702/15.2T8SNT.L1-8; RC., de 22/01/2019, Proc. 54/18.3T8SEI-A.C1, expendendo-se neste que: “A violação não negligenciável corresponde a uma violação grave das normas legais aplicáveis, ou seja, quando acarrete um resultado que a lei não permite em virtude de o conteúdo do plano violar disposições legais de caráter imperativo ou quando a violação se reporta a regras ou normas legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere sempre que a violação seja suscetível de afetar/prejudicar a salvaguarda dos interesses – sejam eles do devedor ou dos credores – que sejam dignos de proteção legal”. [15] Acs. STA, de 03/12/1997, BMJ, 472º, pág. 283; STJ, de 10/05/2012, Proc. 368/10.0TBVPVL-D, R.P. de 11/09/2012, Proc. 469/10.5TBTS-E.P1; R.P. de 15/05/2012. [16] A título exemplificativo: Acs. STJ. 13/01/2009, Proc. 08A3763; de 02/03/2010, Proc. 4554/08.5TBLRA-F.C1.S1, ambos in base de dados da DGSI, lendo-se neste último que: “Não há violação do princípio da legalidade fiscal, nem do princípio da igualdade uma vez que não existe violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas observância de um regime especial criado pelo próprio legislador e plasmado no CIRE, em ordem a consagrar a ordem a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e em que a lei prevê a possibilidade de os créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a sua aquiescência, inexistindo, também, por isso, violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o estabelecido no art. 103º, n.º 2 da CRP”. [17] Ac. RE. de 06/06/2013, Proc. 1309/12.6; voto de vencido constante do ac. STJ., de 17/01/2023, Proc. 1311/21.7T8VFX.L1.S1. [18] Ac. STJ de 24/03/2015, Proc. 664/10.7TVNG.P1.S1, in base de dados da DGSI. [19] Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, abril, 2018, Almedina, págs. 441 a 446; Acs. STJ., de 17/10/2023, Proc. 2395/22.6T8STR.E1.S1; de 17/01/2023, Proc. 1311/21.7T8VFX.L1.S1; de 09/06/2021, Proc. 1412/20.9T8VNF.G1.S1; de 10/05/2018, Proc. 4086/16.5T8VIS.C1.S1; de 17/04/2018; Proc. 5881/16.7T8VIS-F.C1.S1; de 24/03/2015, Proc. 664/10.7TYVNG.P1.S1; de 13/11/2014, Proc. 217/11.2TBBGC-R.P1.S1; de 18/02/2014, Proc. 1786/12.5TBTNV.C2.S1; de 24/03/2015, Proc. 664/10.7TVNG.P1.S1; RG., de 15/10/2023, Proc. 8604/12.2TBBRG.G1; de 15/12/2016, Proc. 1051/16.9T8GMR.G1; de 09/07/2015, Proc. 715/14.6TBVVD.G1; de 18/06/2013, Proc. 4021/12.2TBGMR; RP., de 10/09/2024, Proc. 3677/23.5T8STS.P1; de 24/01/2022, Proc. 697/21.8T8AMT.P1; de 20/05/2014, Proc. 3926/13.8TBVFR.P1; RC., de 17/07/2012, Proc. 1577/10.8TBPBL-F.C1; de 29/11/2011, Proc. 588/08.8TBFND-D.C1; RL. 30/04/2015, Proc. 2192/13.0TYLSB.L1-8; RE.29/01/2015, Proc. 77/14.1TBARL.E1.