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PERSI
EXTINÇÃO
FUNDAMENTOS
COMUNICAÇÃO
Sumário
Estando em causa contratos de crédito abrangidos pelo âmbito de aplicação do DL n.º 227/2012, de 25-10, elencando o artigo 17.º do diploma os fundamentos de extinção do PERSI e exigindo o preceito, no n.º 3, que a instituição de crédito descreva o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento, verifica-se que a validade da comunicação da extinção do PERSI depende da invocação de fundamento legal que a justifique. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 838/23.0T8BJA-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo Central Cível e Criminal de Beja
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Os executados (…) e cônjuge, (…), deduziram oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhes move (…) e (…), S.A., na qual são apresentados, como títulos executivos, dois contratos de mútuo com hipoteca outorgados por escritura pública.
Os embargantes fundamentam a oposição invocando a ineptidão do requerimento executivo, a litispendência ou o caso julgado, a prescrição da dívida exequenda e a falta de explicitação do critério de cálculo da dívida, com a consequente impugnação do valor da obrigação exequenda, como tudo melhor consta do articulado apresentado, no qual formulam o pedido seguinte:
«Nestes termos (…), deve a presente oposição à execução ser julgada procedente, por provada, e em consequência:
a) serem julgadas procedentes as exceções dilatórias invocadas, sendo os executados absolvidos da instância;
b) se assim não for, deverá ser julgada procedente a exceção da prescrição, absolvendo-se os executados do pedido;
c) caso assim não se entenda, deverá então a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se os ora executados do pedido.»
Recebida a oposição à execução, a embargada contestou, pugnando pela respetiva improcedência.
Por despacho de 15-11-2023, foi a embargada convidada a esclarecer, em dez dias, se foi dado cumprimento ao regime instituído pelo D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, com a integração dos executados, ora Embargantes, no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento [PERSI] e respetiva extinção.
A exequente veio aos autos, em 06-12-2023, proceder à junção de quatro documentos, alegando que consistem em cartas relativas à integração e à extinção do PERSI enviadas aos executados por correio e por via digital, através do sistema de home banking.
Foi realizada audiência prévia, de cuja ata consta que o tribunal convidou a embargada para, em dez dias, esclarecer qual a insolvência que fundamentou a extinção do PERSI instaurado contra os executados por reporte à dívida em execução nos autos.
A embargada veio aos autos, em 27-05-2024, comunicar, em síntese, que não foi a insolvência dos embargados que decretou o fim da extinção do PERSI mas sim a sua impossibilidade de cumprir os mútuos em apreço que se encontram em incumprimento desde 2012.
Por despacho de 24-09-2024, foi determinada a notificação às partes do seguinte: Afigura-se-nos que os autos permitem que se profira de imediato decisão de mérito, conhecendo-se o fundamento dos embargos. E assim, sempre terá de ser concedida às partes a discussão de facto e direito prevista no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C., convocando novamente audiência prévia para tais efeitos. Ora, ao abrigo da adequação formal, afigura-se-nos que esse direito processual poderá ser exercido por escrito sem prejuízo para as partes. Convida-se as mesmas para, em dois dias, querendo, se pronunciarem [artigo 3.º, n.º 3, do C.P.C.]. Não se opondo, no aludido prazo, à adequação proposta, ficam, então, desde já, convidadas, sem prolação de novo despacho, para, querendo, no prazo de dez dias [contado naturalmente sobre o agora concedido de dois], alegarem por escrito. Notifique.
Ambas as partes apresentaram alegações escritas.
Foi proferida decisão em 22-10-2024, na qual se fixou o valor à causa, se proferiu despacho saneador, se discriminou os factos considerados provados e se conheceu do mérito da causa, tendo-se considerado não verificada a ineptidão do requerimento executivo, bem como a litispendência ou o caso julgado, e verificada a inobservância do PERSI, decidindo-se o seguinte: Pelo exposto, julgo os embargos totalmente procedentes e, consequentemente, determino a extinção da execução. Custas pela Embargada.
Inconformada, a embargada interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. A Apelante não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que dela decorre;
2. Com efeito, a douta sentença padece de nulidade nos termos previstos nas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
3. Porquanto, os executados, apresentaram oposição à execução mediante embargos invocando a exceção da Litispendência/Caso Julgado, a Ineptidão da Petição Inicial, a eventual Prescrição e impugnaram o cálculo do valor em dívida.
4. Tendo a douta sentença decidido e bem que quanto à ineptidão do requerimento executivo não assiste razão aos executados.
5. Também a douta sentença decidiu e bem que não ocorreu litispendência/caso julgado pelo facto do processo executivo invocado pelos embargantes ter sido extinto e, por isso, nada impede nova execução, como decorre da douta sentença.
6. Omitindo pronúncia quanto às restantes questões suscitadas pelos executados.
7. Concretizando, a douta sentença proferida pelo tribunal a quo na fundamentação de direito começa por enunciar os fundamentos dos embargos e efectua a sua análise, concluindo que quanto à ineptidão do requerimento executivo, improcedem os embargos nesta parte e quanto à litispendência/caso julgado também improcedem os embargos nesta parte.
8. Não havendo mais nenhum ponto em que diga que os embargos prosseguem, não se pronuncia quanto às restantes questões suscitadas não podem, por isso, os embargos ser julgados totalmente procedentes.
9. Concluindo-se, assim, que não foram especificados os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão, como também os fundamentos estão em oposição com a decisão, tornando a mesma ininteligível.
10. E ainda, salvo o devido respeito, o douto juiz, não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado e condenou em objeto diverso do pedido.
11. Portanto, houve erro notório na decisão e os embargos terão forçosamente de ser julgados improcedentes.
12. Mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese se equaciona, os Recorridos foram integrados no PERSI, conforme factualidade provada, foi analisada a sua situação financeira e enviada a respectiva carta de extinção aos executados.
13. O procedimento do PERSI ficou cumprido através do envio das cartas que se encontram nos autos.
14. Andou mal, portanto, o Tribunal a quo ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, ao referir que os fundamentos nos embargos improcedem e a decidir pela procedência dos embargos e a entender que deveria condenar em objeto diverso do pedido nos embargos de executado.
15. Andou mal, também, o Tribunal a quo ao entender que estava verificada a exceção dilatória prevista no artigo 18.º/1-b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, quando foi feita prova que a carta de integração da cliente em PERSI foi enviada a 18-11-2016, a carta de extinção do PERSI foi enviada a 22-02-2018 e a ação judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito foi instaurada a 09-06-2023, portanto, não se encontra verificada a referida exceção porque a presente ação só foi instaurada em data posterior à extinção do PERSI.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
No despacho de apreciação do requerimento de interposição de recurso, a 1.ª instância pronunciou-se sobre as nulidades imputadas à decisão recorrida, que considerou não verificadas.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida;
- do incumprimento do PERSI.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Fundamentos de facto
Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. No dia 04/01/1993, por escritura pública, foi celebrado entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A., e os Embargantes, o contrato de mútuo junto ao requerimento executivo como documento n.º 3 e aqui dado por reproduzido.
2. No dia 10/07/2007, por escritura pública, foi celebrado entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A., e os Embargantes, o contrato de mútuo junto ao requerimento executivo como documento n.º 3 e aqui dado por reproduzido.
3. No dia 30/05/2011, os Embargantes requereram a sua declaração de insolvência e deduziram incidente de plano de pagamentos nos termos do artigo 251.º do C.I.R.E., que correu termos no processo n.º 150/11.8TBSRP.
4. No dia 07/06/2011, foi proferido despacho de suspensão do processo de insolvência até decisão sobre o incidente do plano de pagamentos [150/11.8TBSRP].
5. No dia 10/02/2012, os Embargantes interromperam o pagamento das prestações do empréstimo referido no ponto 2.
6. No dia 04/03/2012, os Embargantes interromperam o pagamento das prestações do empréstimo referido no ponto 1.
7. No dia 14/08/2012, foi proferida sentença homologatória do plano de pagamentos [150/11.8TBSRP-A].
8. No dia 12/10/2012, foi proferida sentença declarando a insolvência dos Embargantes nos termos do artigo 259.º, n.º 1, do C.I.R.E. [150/11.8TBSRP].
9. No dia 17/12/2014, foi proferido despacho declarando o encerramento da insolvência nos termos do artigo 259.º, n.º 4, do C.I.R.E. [150/11.8TBSRP].
10. No dia 18/11/2016, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., remeteu à Embargante, missiva postal com o teor constante do documento n.º 3 junto ao requerimento datado de 06/12/2023 [ref.ª 47346838], aqui dado por integralmente reproduzido, comunicando a respetiva inclusão no P.E.R.S.I., por referência aos empréstimos supra aludidos.
11. No dia 18/11/2016, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., remeteu ao Embargante, missiva postal com o teor constante do documento n.º 4 junto ao requerimento datado de 06/12/2023 [ref.ª 47346838], aqui dado por integralmente reproduzido, comunicando a respetiva inclusão no P.E.R.S.I., por referência aos empréstimos supra aludidos.
12. No dia 04/04/2017, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. intentou ação executiva contra os Embargantes, que correu termos no processo n.º 534/17.8T8BJA, para cobrança do crédito resultante dos mútuos supra aludidos.
13. No dia 09/05/2017, o Agente de Execução sustou a execução, por anterior penhora, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do C.P.C. [534/17.8T8BJA].
14. No dia 18/05/2017, o Agente de Execução sustou a execução, por insolvência dos executados [534/17.8T8BJA].
15. No dia 22/02/2018, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., remeteu à Embargante, missiva postal com o teor constante do documento n.º 1 junto ao requerimento datado de 06/12/2023 [ref.ª 47346838], aqui dado por integralmente reproduzido, comunicando a extinção do P.E.R.S.I., por motivo de declaração de insolvência.
16. No dia 22/02/2018, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., remeteu ao Embargante, missiva postal com o teor constante do documento n.º 2 junto ao requerimento datado de 06/12/2023 [ref.ª 47346838], aqui dado por integralmente reproduzido, comunicando a extinção do P.E.R.S.I., por motivo de declaração de insolvência.
17. No dia 20/12/2019, por escritura pública, junta ao requerimento executivo como documento n.º 1 e aqui dado por reproduzido, foi o crédito resultante dos mútuos supra aludidos transmitido à Embargada.
18. No dia 09/11/2020, a secretaria judicial solicitou ao processo de insolvência que informasse o estado dos autos [534/17.8T8BJA].
19. No dia 11/11/2020, o processo de insolvência informou que os autos estavam encerrados por despacho proferido em 17/12/2014 [534/17.8T8BJA].
20. No dia 12/11/2020, foi proferido despacho a determinar o arquivamento da execução ante o encerramento da insolvência [534/17.8T8BJA].
21. No dia 10/05/2021, a Embargada remeteu à Embargante, missiva postal com o teor constante do documento n.º 6 junto ao requerimento executivo, aqui dado por integralmente reproduzido, comunicando a resolução contratual por referência aos empréstimos supra aludidos.
22. No dia 10/05/2021, a Embargada remeteu ao Embargante, missiva postal com o teor constante do documento n.º 5 junto ao requerimento executivo, aqui dado por integralmente reproduzido, comunicando a resolução contratual por referência aos empréstimos supra aludidos.
23. No dia 01/10/2021, o Agente de Execução proferiu decisão extinguindo a execução por referência ao despacho datado de 12/11/2020 [534/17.8T8BJA].
2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. Nulidade da decisão recorrida
Vem posta em causa na apelação a decisão que julgou procedentes os embargos deduzidos pelos executados e, em consequência, determinou a extinção da execução que constitui o processo principal, condenando a embargada nas custas.
Na apelação que interpôs, a embargada arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe os vícios previstos nas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do invocado artigo 615.º, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Cumpre apreciar se a decisão recorrida padece das causas de nulidade que lhe são imputadas nas alegações de recurso.
A apelante imputa à decisão recorrida o vício de falta de fundamentação de facto e de direito, o que configura a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado preceito, afirmando que «o juiz não especificou todos os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
O vício previsto na invocada alínea b) ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, assim incumprindo o dever de fundamentação da decisão estabelecido no artigo 154.º do CPC. A nulidade em causa pressupõe se omita completamente o cumprimento deste dever de fundamentação, o que requer a total ausência de fundamentação de facto ou de direito, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente.
Como tal, a situação invocada pela apelante, relativa a uma suporta não especificação de todos os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não configura o vício previsto na referida alínea b), sendo certo que consta da decisão recorrida a indicação de matéria de facto e de matéria de direito em que se baseia, conforme decorre da própria alegação da recorrente.
Não se verifica, assim, a invocada nulidade com fundamento no vício previsto na alínea b) do preceito.
Mais imputa a apelante à decisão recorrida a causa de nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 615.º, sustentando que «os fundamentos estão em oposição com a decisão, tornando-a ininteligível».
A invocada alínea c) prevê duas causas de nulidade, uma na 1.ª parte, que ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, e a outra na 2.ª parte do preceito, que se verifica quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A apelante baseia a contradição, que invoca, entre os fundamentos e a decisão, sustentando, conforme consta da conclusão 7.ª, que «a douta sentença proferida pelo tribunal a quo na fundamentação de direito começa por enunciar os fundamentos dos embargos e efectua a sua análise, concluindo que quanto à ineptidão do requerimento executivo, improcedem os embargos nesta parte e quanto à litispendência/caso julgado também improcedem os embargos nesta parte», acrescentando na conclusão 8.ª que «não havendo mais nenhum ponto em que diga que os embargos prosseguem, não se pronuncia quanto às restantes questões suscitadas não podem, por isso, os embargos ser julgados totalmente procedentes».
A causa de nulidade prevista na 1.ª parte da citada alínea c), que se verifica quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ocorre quando aqueles, seguindo um raciocínio lógico, devam conduzir a resultado decisório diverso.
Conforme explica José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pág. 333), “(…) se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (…)”.
Analisando a fundamentação da decisão recorrida, verifica-se que a 1.ª instância apreciou, nos pontos 3.1 e 3.2, os fundamentos a que alude a embargada, invocados pelos embargantes, e de seguida apreciou, no ponto 3.3, uma questão que considerou de conhecimento oficioso, a saber, a questão da inobservância do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento. No âmbito do mencionado ponto 3.3, considerou-se verificada uma exceção dilatória inominada decorrente da falta de demonstração do cumprimento pela exequente, previamente à instauração da execução, de obrigações impostas pelo regime jurídico do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), em consequência do que, na procedência dos embargos, se decidiu determinar a extinção da execução.
Tendo-se considerado, na fundamentação da decisão, verificada a aludida exceção dilatória inominada, a decisão proferida constitui uma conclusão lógica de tal raciocínio, não se vislumbrando que os fundamentos adotados inculquem um sentido decisório diverso daquele que veio a ser proferido, pelo que a decisão não enferma da causa de nulidade em apreciação.
Vejamos se ocorre a causa de nulidade prevista na 2.ª parte da citada alínea c), que se verifica quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O atual Código de Processo Civil (aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26-06) não prevê a aclaração das decisões judiciais, conforme decorre da nova redação dada ao artigo 613.º, no seu confronto com o artigo 666.º do anterior CPC. No novo regime, a verificação de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível constitui causa de nulidade da decisão, conforme decorre do supra citado preceito.
Esclarecem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª Ed., Coimbra, Almedina, 2017, pág. 735) que “no regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º-1, do CC e 238.º-1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.
A previsão do preceito em análise não se encontra preenchida com a situação invocada pela recorrente, relativa à inteligibilidade da decisão por oposição com a respetiva fundamentação.
Não invocando a recorrente que a parte decisória da sentença – procedência dos embargos, com a consequente extinção da execução e condenação da embargada nas custas – seja suscetível de uma pluralidade de sentidos, afastada se encontra a causa de nulidade em apreciação.
A recorrente imputou, ainda, à decisão recorrida, o vício de omissão de pronúncia, causa de nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º.
A omissão de pronúncia ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Na perspetiva da arguente, conforme decorre das alegações de recurso, a 1.ª instância deveria ter apreciado, e não apreciou, os «fundamentos invocados pelos embargantes relativos à prescrição da dívida exequenda e cálculo da dívida».
A verificação da existência desta causa de nulidade impõe se tenha em conta a ressalva estabelecida no n.º 2 do citado artigo 608.º, quanto às questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, as quais se encontram, evidentemente, excluídas da obrigação de pronúncia por parte do juiz.
Considerou-se na sentença recorrida, no ponto 1.3, que as questões a decidir são as seguintes: Com vista à extinção, total ou parcial, da execução, importa apreciar se ocorreram as invocadas vicissitudes na instância da ação executiva [nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento inicial, a exceção dilatória da litispendência/caso julgado ou falta de pressuposto processual por via do incumprimento do regime P.E.R.S.I.] e, em caso negativo, se a dívida exequenda se encontra prescrita e aferir da respetiva liquidação.
Nos pontos 3.1 e 3.2 da sentença, foram apreciadas, e consideradas não verificadas, respetivamente, a ineptidão do requerimento executivo e a litispendência/caso julgado.
De seguida, no ponto 3.3 da sentença, foi apreciada a supra mencionada questão da inobservância do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, tendo-se considerado verificada uma exceção dilatória inominada decorrente da falta de demonstração do cumprimento pela exequente, previamente à instauração da execução, de obrigações impostas pelo regime jurídico do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o que se entendeu determinar a extinção da execução e a procedência dos embargos. Em resultado deste entendimento, na parte respeitante às consequências decorrentes da verificação da aludida exceção dilatória, consignou-se na parte final no aludido ponto 3.3 da sentença o seguinte: Assim, são os embargos procedentes, não podendo a Embargada, enquanto exequente, ter movido execução contra os Embargantes, como executados, por estar impedida no âmbito do supracitado artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro. Será determinada a extinção da execução. Quedando prejudicada a apreciação de tudo o mais [artigo 608.º, n.º 2, do C.P.C.].
Da análise conjugada dos dois excertos transcritos extrai-se, com clareza, que se considerou prejudicada a apreciação das questões relativas à prescrição da dívida exequenda e à respetiva liquidação, atenda a solução dada à questão da inobservância do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, anteriormente apreciada.
Explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (ob.cit., pág. 737) o seguinte: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, quer as partes hajam invocado”.
Estando em causa o não conhecimento de questões cuja apreciação se considerou prejudicada pela decisão anteriormente dada a outra questão, não enferma a sentença do vício de omissão de pronúncia que lhe é imputado pela apelante.
A recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida invocando, ainda, a condenação em objeto diverso do pedido, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), 2.ª parte, do Código de Processo Civil.
Alega, para o efeito, que os embargantes não suscitaram a questão da inobservância do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, não podendo os embargos ser julgados procedentes e, consequentemente, determinada a extinção da execução, com fundamento numa questão não suscitada nos embargos deduzidos.
A causa de nulidade invocada pela apelante encontra-se prevista na 2.ª parte da alínea e) do mencionado preceito e ocorre quando o juiz condene em objeto diverso do pedido, assim incumprindo os limites da condenação fixados no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (ob. cit., pág. 737) que é “nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo artigo 690.º-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido”. Esclarecem estes autores (ob. cit., págs. 714-715) que “limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar: a decisão, seja condenatória, seja absolutória, não pode pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida”.
Vem peticionada nos presentes embargos a extinção da ação executiva que constitui o processo principal, não se vislumbrando que a decisão proferida extravase a pretensão formulada pelos embargantes, antes se verificando que tal decisão julga procedente a pretensão deduzida.
É certo que a 1.ª instância baseou a decisão de extinção da execução em fundamento não invocado pelos embargantes e que foi apreciado por iniciativa do Tribunal, por se ter entendido configurar matéria de conhecimento oficioso; porém, assente que a decisão proferida configura a procedência da pretensão deduzida pelos embargantes, não se verifica o vício imputado pela apelante, inexistindo qualquer condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pediu.
Aqui chegados, considerando que a apelante afirma que o Tribunal apreciou questão de que não podia tomar conhecimento, por não ter sido suscitada pelos embargantes, e apesar de não se encontrar arguida a nulidade da sentença com fundamento em excesso de pronúncia, mostra-se oportuno apreciar se a decisão proferida eventualmente enferma da causa de nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do supra citado preceito.
O vício em causa ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, nos termos do qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A 1.ª instância considerou que está em causa matéria excetiva dilatória atinente à instância executiva e que a mesma é de conhecimento oficioso, o que não vem posto em causa na apelação e se mostra acertado.
Tratando-se de matéria de conhecimento oficioso e não estando em causa o eventual incumprimento do princípio do contraditório, o que igualmente não vem suscitado no recurso, face à ressalva estabelecida na parte final do n.º 2 do artigo 608.º, afastada se encontra a eventual verificação do vício de excesso de pronúncia, ademais não invocado no recurso interposto.
Em conclusão, improcede, na totalidade, a arguição de nulidade da decisão recorrida deduzida pela apelante.
2.2.2. Incumprimento do PERSI
Vem posta em causa na apelação a decisão que considerou verificada uma exceção dilatória inominada decorrente da falta de demonstração do cumprimento pela exequente, previamente à instauração da execução, de obrigações impostas pelo regime jurídico do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e, em consequência, julgou procedentes os embargos, determinando a extinção da execução que constitui o processo principal.
No que respeita aos motivos pelos quais assim se decidiu, consta da fundamentação da decisão recorrida o seguinte: Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. O que vem sendo considerado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores como matéria excetiva dilatória atinente à instância executiva e de conhecimento oficioso. Ora, para o que mais releva sub judice, nos termos conjugados dos artigos 14.º e 17.º do citado regime legal, o cliente bancário [os Embargantes] têm de ser integrados no P.E.R.S.I. e, posteriormente, extinguindo-se o mesmo, com certo fundamento, tem de lhes ser comunicada essa mesma circunstância. Ora, quanto à integração, veio a mesma a suceder, quanto a ambos os devedores e por respeito ao incumprimento dos dois contratos de mútuo, nos termos das missivas datadas de 18/11/2016. Tais procedimentos acabaram por ser extintos, sem acordo para regularização das dívidas, nos termos das missivas datadas de 22/02/2018 [com certa delonga difícil de compreender, quando, ademais, a extinção é mesmo posterior à própria execução intentada pela Caixa Geral de Depósitos, S.A.; seja como for, é matéria aqui irrelevante]. Extinção esta fundamentada na declaração de insolvência dos devedores. Insolvência esta não identificada na comunicação. E outra não se conhece além da declarada no processo n.º 150/11.8TBSRP. Sucede que, essa insolvência não só foi declarada (i) em 12/10/2012, ou seja, antes do próprio início do P.E.R.S.I., como o foi (ii) após aprovação de um plano de pagamentos, com os efeitos restritos previstos no artigo 259.º, n.º 1, do C.I.R.E. Cujo processo foi (iii) declarado encerrado em 17/12/2014, também antes do P.E.R.S.I. Bastaria qualquer uma das apontadas circunstâncias [mas principalmente a primeira, que arremata a questão; a segunda é de significado mais substantivo, infra analisado, e a terceira apenas enfatiza a anterioridade do processo] para se concluir sem qualquer esforço hermenêutico-jurídico que não pode essa declaração de insolvência fundamentar, validamente, a extinção do P.E.R.S.I.. Fundamento inválido, sem mais, porque a única causa de insolvência que opera tais efeitos é aquela, por óbvio, que acontece após a respetiva instauração: ocorrendo insolvência do devedor, nada mais resta negociar entre as partes no âmbito do procedimento, sendo imediatamente exigível a totalidade da dívida no processo de insolvência, de execução universal de bens, havendo que nele ser reclamada e apenas nele podendo o credor obter pagamento; uma insolvência pretérita é, para efeitos da extinção do P.E.R.S.I., perfeitamente irrelevante. Por outro lado, como já adiantado, ainda é [não necessária, mas] possível uma perspetiva mais substancial sobre a relação contratual e jurídica estabelecida entre as partes. É que a insolvência foi decretada para os efeitos restritos dados com a aprovação do plano de pagamentos [não, ao contrário do exposto pela Embargada no requerimento executivo, de um P.E.R.], ou seja, nos termos do artigo 259.º, n.º 1, parte final, do C.I.R.E., que se resumem à indicação da data da respetiva declaração [artigo 36.º, n.º 1, alínea a), do C.I.R.E.] e identificação do devedor [artigo 36.º, n.º 1, alínea b), do C.I.R.E.], não ficando o mesmo privado da administração e disposição dos seus bens nem se produzindo quaisquer dos efeitos normalmente associados à declaração de insolvência [artigo 39.º, n.º 7, do C.I.R.E.]. Ou seja, é uma situação, por mera opção legal, denominada de «insolvência», mas a cujo nome se subtraem os seus efeitos característicos. Nem poderia ser doutro modo, uma vez que, homologado um plano de pagamentos, operam simplesmente as condições de pagamento aí previstas. A existir posterior incumprimento, já o é, forçosamente, desse novo plano, independentemente de se retroagirem ou não, os seus efeitos [como a Embargada o faz, reportando os juros a 10/02/2012 e a 04/03/2012]. Assim, e bem, por ser um incumprimento do próprio plano [ou seja, por não se poderem extrair as consequências do vencimento antecipado das dívidas mercê da declaração da insolvência, pois que esta teve os supra aludidos efeitos restritos], posteriormente a Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou, em 18/11/2016, o P.E.R.S.I. e a Embargada resolveu, em 10/05/2021, os contratos de mútuos [ou seja, não os reputando automaticamente cessados desde a declaração de insolvência em 12/10/2012]. E, para tanto, é inócuo que a própria sentença homologatória do plano de pagamentos, nos termos do artigo 233.º, n.º 1, alínea c), do C.I.R.E., pudesse ter sido o título executivo dado à execução, não só porque, em concreto, nem o foi, tendo a Embargada apresentado à execução os dois contratos de mútuo, como, em abstrato, em nada se alteraria o enquadramento jurídico da questão [para o que supra antecede]. Deixe-se também um parêntesis para frisar que igualmente irrelevante é o ocorrido na execução n.º 534/17.8T8BJA, designadamente a circunstância de ter sido sustada, em 18/05/2017, pela insolvência dos devedores [quando a execução até já estava totalmente sustada pela prévia penhora], pois o foi erradamente, uma vez que a insolvência já havia sido declarada em 2012 e o processo encerrado desde 2014 [o que terá motivado, posteriormente, a ordem judicial de arquivamento da execução, uma vez que, tendo, com premissa nessa sustação determinada pelo Agente de Execução, a secretaria, em 2020, oficiado o processo de insolvência para saber qual o estado do mesmo, a resposta, desses autos, não poderia ter sido outra: estavam encerrados; claro, já o estavam desde 2014], não podendo uma coisa contender com a outra, mas, principalmente, porque nada disso pode prejudicar a esfera jurídica dos Embargantes, não relevando, fora dessa execução, a razão pela qual foi a mesma sustada ou extinta [o que releva, naturalmente, é, para o P.E.R.S.I. e para os nossos autos, a realidade de tal fundamento]: difícil de compreender é, admita-se, a postura do exequente perante tal sustação e posterior extinção, pois que sabia a que se referia tal insolvência e o respetivo estado, tendo intentado essa mesma execução, em 2017, após aprovação do plano e incumprimento do mesmo, só se entendendo a mesma por desinteresse em tanto contrariar posto que, como supra dito, já antecedia um primeiro motivo de sustação que dispensava, em bom rigor, o segundo: a prévia penhora e sustação nos termos do artigo 794.º do C.P.C.
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Ora, a extinção do P.E.R.S.I. é um ato fundamentado [artigo 17.º, n.º 3, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro]. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., fundamentou-o na declaração de insolvência dos Embargantes, o que, em abstrato, é aceitável [artigo 17.º, n.º 1, alínea d), do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro]. Sucede que, em concreto, não colhe, pelas supra aludidas razões: não se verificava qualquer insolvência dos devedores relevante para tais efeitos. Razão pela qual, não estando fundamentado, o ato extintivo do P.E.R.S.I. não produz efeitos [por óbvio, não basta invocar um fundamento; esses motivos têm de se mostrar corretos]. Sendo aqui irrelevante o saber-se se haveriam ou não outros fundamentos passíveis de serem invocados pelo credor: se o haviam, não o foram; se não o foram, não produzem efeitos [o único fundamento de extinção que não carece de ser invocado perante o devedor é, como se compreende, o acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento, assim o dispõe o artigo 17.º, n.º 4, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro].
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Dois pontos finais: Primeiro. Pugna a Embargada que a responsabilidade do cumprimento do P.E.R.S.I. é da entidade bancária cedente do crédito, e não sua, cessionária [e, acrescentamos nós, sem ser instituição de crédito ou de titularização de créditos]. Mas não é assim, como, aliás, já se pronunciou o nosso mais alto tribunal. Leia-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02/02/2023, relatado por Fernando Baptista, no processo n.º 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt: (…) Concorda-se com tal interpretação do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) e 2, alíneas b) e c), do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro: concluir-se que, cedendo-se o crédito a sociedade sem ser instituição de crédito ou de titularização de créditos, então, e por essa simples razão, não mais vigoravam as restrições do P.E.R.S.I., na verdade, chegar-se-ia a um resultado perfeitamente antónimo do pretendido pelo legislador. A conclusão terá de ser a inversa: tampouco pode a entidade bancária ceder o crédito a sociedade que não cumprirá o P.E.R.S.I. Então, se o ceder, sem tal cumprimento prévio [com uma correta integração e extinção], pode tal circunstância ser conhecida como fundamento de embargos [artigo 585.º do Código Civil]. Por outro lado, caso o cessionário fosse instituição de crédito ou de titularização, a questão nem se colocava: o crédito podia ser cedido sem cumprimento prévio do P.E.R.S.I., mas este teria de sê-lo oportunamente, ou seja, antes da execução contra o devedor. Segundo. O P.E.R.S.I. aplica-se a situações de mora anteriores à própria entrada em vigor do respetivo diploma legal [01/01/2013], nos termos da sua aplicação no tempo [artigo 39.º, n.º 1, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro], apenas se excetuando da sua alçada as situações de cessação contratual anterior, o que não é o caso [a declaração de insolvência, em 12/10/2012, foi proferida unicamente ao abrigo do artigo 259.º, n.º 1, do C.I.R.E., pelo que nenhum efeito a este nível operou; a data relevante é a da resolução contratual operada, em 2021, já pela Embargada].
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Assim, são os embargos procedentes, não podendo a Embargada, enquanto exequente, ter movido execução contra os Embargantes, como executados, por estar impedida no âmbito do supracitado artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro. Será determinada a extinção da execução.
Discordando da decisão proferida, a apelante afirma que decorre da factualidade provada a integração dos recorridos no PERSI, bem como que «foi analisada a sua situação financeira e enviada a respectiva carta de extinção aos executados». Mais alega que «foi feita prova que a carta de integração da cliente em PERSI foi enviada a 18-11-2016, a carta de extinção do PERSI foi enviada a 22-02-2018 e a ação judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito foi instaurada a 09-06-2023, portanto, não se encontra verificada a referida exceção porque a presente ação só foi instaurada em data posterior à extinção do PERSI».
Vejamos se lhe assiste razão.
Considerou a 1.ª instância que o caso presente se encontra abrangido pelo âmbito de aplicação do DL n.º 227/2012, de 25-10, e que, perante o incumprimento por parte dos clientes bancários executados de dois contratos de crédito, incumbia à instituição de crédito proceder à implementação do PERSI previsto naquele diploma, cabendo à exequente demonstrar o cumprimento das obrigações impostas pelo respetivo regime jurídico, o que não vem posto em causa na apelação.
O DL n.º 227/2012, de 25-10,[1] que entrou em vigor a 01-10-2013 (artigo 40.º), estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
O artigo 12.º dispõe que as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
Estabelece o artigo 13.º que, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado.
Após estes contactos preliminares, mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa, conforme impõe o artigo 14.º, n.º 1; estabelece o n.º 4 deste preceito que a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
O artigo 17.º, por seu turno, elenca os fundamentos de extinção do PERSI e dispõe, no n.º 3, que a instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento; esclarece o n.º 4 do preceito que a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1 (a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento).
Na decisão recorrida foi considerada demonstrada a integração de ambos os devedores no PERSI, relativamente aos dois contratos de mútuo, nos termos das missivas datadas de 18-11-2016 a que aludem os pontos 10 e 11. Mais se considerou inválido, pelos motivos expostos no excerto supra transcrito, o fundamento invocado para a extinção do PERSI nas comunicações efetuadas aos executados através das missivas datadas de 22-02-2018 a que aludem os pontos 15 e 16, motivo pelo qual se concluiu que o ato extintivo do procedimento não produziu efeitos e que a exequente se encontra, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25-10, impedida de intentar a presente execução.
Nas alegações de recurso, a apelante não põe em causa esta apreciação do ato extintivo do PERSI efetuada pela 1.ª instância, não logrando demonstrar a validade do fundamento invocado para a extinção do PERSI nas comunicações dirigidas aos devedores, não questionando a invalidade de tal fundamento ou as consequências que daí foram retiradas, antes se limitando a reafirmar que logrou demonstrar terem sido efetuadas as comunicações respeitantes à integração no PERSI e à posterior extinção do procedimento, peticionando sejam consideradas cumpridas as obrigações em apreciação, sem qualquer argumentação jurídica destinada a justificar a alteração da decisão proferida.
Assim, verifica-se que a apelante não tem em conta o conteúdo da decisão recorrida, designadamente os fundamentos pelos quais se considerou que o ato extintivo do procedimento não produziu efeitos e que, por isso, se encontra impedida de intentar a execução que constitui o processo principal, motivação que não foi posta em causa na apelação.
A argumentação apresentada no recurso interposto, cingindo-se à reafirmação do envio aos devedores das missivas contento a comunicação da integração e da extinção do PERSI, não demonstra o desacerto da decisão proferida, que se reporta ao conteúdo de tais missivas e não ao respetivo envio, que foi tido por efetuado.
Como tal, mostra-se o recurso, nesta parte, manifestamente improcedente.
No que respeita ao teor da comunicação da extinção do PERSI, elencando o citado artigo 17.º os fundamentos de extinção do PERSI e exigindo, no n.º 3, que a instituição de crédito descreva o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento, dúvidas não há de que a validade da comunicação da extinção do PERSI depende da invocação de fundamento legal que a justifique.
Considerou a 1.ª instância que a instituição de crédito, ao fundamentar a extinção do PERSI, na comunicação que dirigiu aos devedores, em declaração de insolvência dos mesmos ocorrida em data anterior à integração no PERSI, após a aprovação de um plano de pagamentos com os efeitos restritos previstos no artigo 259.º, n.º 1, do CIRE e cujo processo foi declarado encerrado antes do PERSI, baseou tal extinção num fundamento inválido para o efeito, entendimento que não foi posto em causa na apelação e que se mostra acertado.
Perante a invalidade da comunicação efetuada, o ato extintivo do procedimento não produz efeitos, pelo que se mostra acertada a decisão recorrida, ao considerar a exequente se encontra, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 227/2012, de 25-10, impedida de intentar a presente execução.
Improcede, assim, a apelação, cumprindo confirmar a decisão recorrida.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 09-04-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Domingas Simões (1.ª Adjunta)
Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta)
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[1] Pertencem a este diploma todas as normas legais que venham a ser indicadas sem outra menção.