EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Sumário

1. O superior interesse da criança, aferido à luz das suas concretas circunstâncias de vida, será sempre o critério decisivo para decidir sobre o regime de exercício das responsabilidades parentais.
2. Se a residência alternada constitui um fator de desestabilização dos menores, cujo bem-estar emocional se vê afetado pela dinâmica de conflituosidade dos progenitores, o superior interesse das crianças impõe a alteração desse regime e a fixação da residência exclusiva com o progenitor que, nas circunstâncias do caso concreto, é a figura de vinculação e referência parental.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 2235/22.6T8EVR-I.E1
(1ª Secção)

Sumário: (…)

(Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)


***

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório

1. (…) intentou ação de regulação das responsabilidades parentais contra (…), com respeito aos menores (…), nascido em 28 de janeiro de 2009, e (…), nascida em 01 de março de 2017.

2. Foi realizada conferência de pais a 24.01.2023, tendo sido consignado o seguinte na respetiva ata:

Após a Mm.ª Juiz tentou obter o seu acordo no tocante à regulação das Responsabilidades Parentais, o que não se revelou possível porquanto o progenitor pretendia manter o regime de residência alternada implementado até à presente data e a progenitora um regime de residência única a seu favor.


*

Logo em seguida foi dada a palavra à Digna Procuradora e no uso da mesma disse: “Promovo que se fixe regime provisório nos termos que esta a ser praticado a data, em conformidade com o disposto no artigo 38.º, alínea b), do RGPTC, nos seguintes termos:

1 – Os menores (…) e (…) terão residência com ambos os progenitores em períodos de uma semana, com início as sextas feiras findas as actividades escolares.

2 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente, caberá ao progenitor que em cada momento consigo tiver os menores;

3 – No que concerne às questões de particular importância, as responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente pelos progenitores;

4- O progenitor que não tem os menores naquela semana poderá estar com os menores sempre que o desejar desde que acordado entre os progenitores e respeite os horários escolares e de descanso dos menores.

5- O progenitor que não tem os menores naquela semana poderá estar com os menores às quartas feiras findas as actividades escolares, indo para o efeito buscar os menores ao estabelecimento de ensino e os entregando na casa do outro progenitor.

6- As despesas de saúde (médicas e medicamentosas), na parte não comparticipada, e as despesas escolares e extracurriculares serão suportadas em 50% por cada um dos progenitores.

No mais promovo que se remetam as partes para audição técnica especializada”.


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Em seguida pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO

“Não tendo os progenitores alcançado acordo nos autos importa fixar regime provisório, nos termos do disposto no artigo 38.º do RGPTC, para que o Tribunal terá em consideração os elementos constantes do processo - nomeadamente os assentos de nascimento dos menores e as declarações prestadas pelos progenitores e pelo menor (…) – de onde resulta que:

- Os progenitores são casados e pais de 5 filhos, sendo que apenas o (…) e a (…) são menores de idade.

- O casal separou-se a 30 de Dezembro de 2021 data em que a progenitora saiu de casa, levando consigo o (…) e a (…), e foi para Oeiras.

- Após essa data o (…) regressou a casa do pai, tendo iniciado o 2.º período na mesma escola e a (…) permaneceu em Oeiras com a mãe até Março/Abril desse ano, data em que a progenitora voltou para a casa de morada de família.

- Durante tal período de tempo os progenitores foram mantendo contactos quer com ambos os menores, sendo que em relação ao (…) os contactos com a mãe ocorriam aos fins de semana e em relação à (…) os contactos com o pai de forma não concretamente apurada.

- Quando regressou à casa de morada de família os progenitores acordaram em dividir a casa em duas partes, tendo chegado a separá-la fisicamente através de um sistema amovível;

- Nessa ocasião os menores ficaram a utilizar a parte que coube a mãe, continuando a manter convívios com o pai que continuava a aceder à parte que coube a mãe.

- Em finais de Outubro / princípios de Novembro de 2022 a progenitora saiu de casa e arrendou outra habitação em Évora, com renda de € 700,00 (setecentos euros) e que é dotada apenas de um quarto.

- Desde então e até à presente data os menores têm vindo a residir alternadamente com ambos progenitores em períodos de uma semana, sem dia definido para a troca.

- O progenitor permanece na casa de morada de família onde cada menor tem o seu quarto, sendo que na casa da mãe o único quarto é partilhado pelos três.

- Durante o período de tempo em que os menores permanecem com os progenitores, os contactos com o outro ocorrem em dias indefinidos, variando conforme a organização dos intervenientes.

- A progenitora refere dificuldades em estar com os menores na semana do pai, mas admite almoçar com a (…) e que o (…) já, por pelo menos duas ocasiões, a procurou para fazer os trabalhos de casa.

- O menor (…) refere a existência de rotinas semelhantes em casa do pai e da mãe, admitindo tomar mais vezes banho na casa da mãe.

- O (…) refere que a irmã já chegou a chorar por não querer ir para o pai, mas que uma vez ali se encontrando, se mostra feliz e adaptada.

- O (…) aponta como aspeto negativo relativo às responsabilidades parentais partilhadas questões de natureza logística, como ter de mudar as suas coisas da casa da mãe para a casa do pai;

- Colocado perante a possibilidade de alteração do regime para uma residência única na casa da mãe o menor aponta como aspeto negativo o passar a estar pouco tempo com o pai.

- Ambos os progenitores são professores universitários, auferindo o valor de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) cada por mês, mantêm uma conta conjunta onde depositam os seus vencimentos e de onde são pagas as despesas do agregado, nomeadamente as despesas dos menores, de um empréstimo bancário por conta da aquisição da casa de morada de família e da renda do imóvel que a progenitora alugou.

- Ambos os menores frequentam atividades extracurriculares.

- A progenitora aponta ao progenitor um transtorno de personalidade e valores destintos dos dela, tendo ambos já sido acompanhados na especialidade de psiquiatria.

Perante a factualidade supra exposta, entende-se que o regime da residência partilhada que tem vigorado desde finais de Outubro / princípios Novembro de 2022 não se revela desadequado aos interesses dos menores, que têm tido as suas necessidades e o convívio com ambos os progenitores assegurados.

Pelo exposto, entende o Tribunal ser de manter os convívios familiares vivenciados, fixando-se o seguinte regime provisório:

1 – Os menores (…) e (…) terão residência com ambos os progenitores em períodos alternados de uma semana, com início e terminus às sextas feiras findas as actividades escolares.

2 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente, caberá ao progenitor que em cada momento consigo tiver os menores;

3 – As responsabilidades parentais no que concerne às questões de particular importância serão exercidas conjuntamente pelos progenitores;

4- O progenitor que não tem os menores naquela semana poderá estar com os menores sempre que o desejar desde que acordado entre os progenitores e respeite os horários escolares e de descanso dos menores.

5- O progenitor que não tem os menores naquela semana poderá estar com os menores às quartas feiras findas as actividades escolares, indo para o efeito buscar os menores ao estabelecimento de ensino e os entregando na casa do outro progenitor pelas 21 horas e 30 minutos.

6- Cada um dos progenitores providenciará pelo sustento da criança no período de tempo em que os mesmos consigo residam;

7- As despesas de saúde (médicas e medicamentosas) na parte não comparticipada, as despesas escolares e as despesas com actividades extracurriculares (ténis, música e dança artística), serão suportadas em 50% por cada um dos progenitores, devendo aquele que, inicialmente as suportou apresentar ao outro progenitor recibo comprovativo da despesa, a fim de que este reembolse metade do seu valor no prazo de 8 dias.

8- No aniversário dos progenitores os menores passarão o dia com o progenitor aniversariante.

9 - No dia do pai e no dia da mãe os menores passarão o dia com o progenitor cujo dia se celebra.

10- No aniversário dos menores este tomarão uma refeição com cada um dos progenitores.


***

Não tendo as partes alcançado acordo, determina-se a sua remessa para audição técnica especializada, no prazo máximo de 2 meses, devendo os autos serem informados do resultado da audição, o que se determina nos termos do disposto no artigos 38.º e 39.º do RGPTC.

Notifique”.

3. A 24.09.2024 foi proferida a seguinte decisão:

Intentou (…) contra (…) a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores (…) e (…), nascidos a 28.01.2009 e a 01.03.2017, respetivamente.

Porquanto os progenitores não lograram alcançar acordo em sede de conferência de pais, foi, nos termos previstos no artigo 38.º do Regime Geral de Processo Tutelar Cível, fixado regime provisório que determinou a instituição de um regime de residência alternada semanal.

Aguardando os autos a conclusão das perícias psiquiátricas determinadas já após a fase de alegações para a realização do julgamento, vem o Ministério Público promover a alteração do regime provisório fixado, ao abrigo do disposto no artigo 38.º do Regime Geral de Processo Tutelar Cível, na conferência de pais que teve lugar a 24.01.2023. Para tanto alega que o regime vigente não está a ser cumprido pelo menor (…), o qual em sede de audição nos apensos A e B referiu que não só não pretende continuar o regime de residência alternada; que se sente melhor e mais acompanhado na casa da mãe, não se sentindo tão à vontade com o pai; que a irmã Maria chora quando se apercebe que se aproxima o dia de ir para casa do pai, sentindo-se triste nos momentos de cumprimento do regime e que tanto o próprio como a irmã se sentem constrangidos ao falar com a mãe, quando estão em casa do pai, ficando claro que com o progenitor se sentem inibidos de contactar com os irmãos e com a mãe, sendo que o inverso não acontece.

Cumprido o contraditório, veio o progenitor opor-se à referida alteração, alegando, entre o mais, que o afastamento do menor resulta da postura e comportamento da progenitora que se traduz, nas suas palavras, numa “alienação parental” e em consequência do seu estado depressivo / obsessivo.

Por seu turno, a progenitora considera que um regime de residência única é o que salvaguarda o superior interesse de ambos. Não obstante, propõe diferente regime de convívios dos menores com o pai.

Cumpre apreciar.


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Para apreciação da questão suscitada importa atentar na seguinte factualidade – que resultou do teor da acta da conferência de pais que teve lugar a 24.01.2023; do teor do recibo de vencimento junto com a ref.ª 3743965; do teor da informação prestada pelo processo n.º 550/23.0T9EVR junta a ref.ª 3865808; do teor dos relatórios periciais junto aos autos na sequência das perícias realizadas quer aos progenitores, quer aos menores (ref.ª 3876997, 3877021, 3877023, 3878536 e 4046964); do teor das informações prestadas pela psicóloga que acompanha a menor (…) e juntas aos autos com a ref.ª 3745252 de 12.09.2023 e 4019083 de 27.05.2024, das declarações prestadas pelo menor (…) em sede de processo de promoção e protecção (apenso A) e de incidente de incumprimento (apenso B) e do teor do relatório social de avaliação diagnóstica elaborado pela EMAT a 16.05.2024 e cuja junção a estes autos se determinou supram:

1. (…) e (…) são filhos de (…) e de (…) e nasceram a 28.01.2009 e a 01.03.2017.

2. Por decisão proferida a 24.01.2023 o Tribunal fixou o seguinte regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais:

 Os menores (…) e (…) terão residência com ambos os progenitores em períodos alternados de uma semana, com início e terminus às sextas feiras findas as actividades escolares.

 O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente, caberá ao progenitor que em cada momento consigo tiver os menores;

 As responsabilidades parentais no que concerne às questões de particular importância serão exercidas conjuntamente pelos progenitores;

 O progenitor que não tem os menores naquela semana poderá estar com os menores sempre que o desejar desde que acordado entre os progenitores e respeite os horários escolares e de descanso dos menores.

 O progenitor que não tem os menores naquela semana poderá estar com os menores às quartas feiras findas as actividades escolares, indo para o efeito buscar os menores ao estabelecimento de ensino e os entregando na casa do outro progenitor pelas 21 horas e 30 minutos.

 Cada um dos progenitores providenciará pelo sustento da criança no período de tempo em que os mesmos consigo residam;

 As despesas de saúde (médicas e medicamentosas) na parte não comparticipada, as despesas escolares e as despesas com actividades extracurriculares (ténis, música e dança artística), serão suportadas em 50% por cada um dos progenitores, devendo aquele que, inicialmente as suportou apresentar ao outro progenitor recibo comprovativo da despesa, a fim de que este reembolse metade do seu valor no prazo de 8 dias.

 No aniversário dos progenitores os menores passarão o dia com o progenitor aniversariante.

 No dia do pai e no dia da mãe os menores passarão o dia com o progenitor cujo dia se celebra.

 No aniversário dos menores estes tomarão uma refeição com cada um dos progenitores.

3. Para fixação do referido regime o Tribunal atentou nos seguintes factos:

 Os progenitores são casados e pais de cinco filhos, sendo que apenas o (…) e a (…) são menores de idade.

 O casal separou-se a 30.12.2021 data em que a progenitora saiu de casa, levando consigo o (…) e a (…), e foi para Oeiras.

 Após essa data o (…) regressou a casa do pai, tendo iniciado o 2.º período na mesma escola e a (…) permaneceu em Oeiras com a mãe até Março/Abril desse ano, data em que a progenitora voltou para a casa de morada de família.

 Durante tal período de tempo os progenitores foram mantendo contactos com ambos os menores, sendo que em relação ao (…) os contactos com a mãe ocorriam aos fins de semana e em relação à (…) os contactos com o pai de forma não concretamente apurada.

 Quando regressou à casa de morada de família os progenitores acordaram em dividir a casa em duas partes, tendo chegado a separá-la fisicamente através de um sistema amovível;

 Nessa ocasião os menores ficaram a utilizar a parte que coube a mãe, continuando a manter convívios com o pai que continuava a aceder à parte que coube a mãe.

 Em finais de Outubro / princípios de Novembro de 2022 a progenitora saiu de casa e arrendou outra habitação em Évora, com renda de € 700,00 (setecentos euros) e que é dotada apenas de um quarto.

 Desde então e até à presente data os menores têm vindo a residir alternadamente com ambos progenitores em períodos de uma semana, sem dia definido para a troca.

 O progenitor permanece na casa de morada de família onde cada menor tem o seu quarto, sendo que na casa da mãe o único quarto é partilhado pelos três.

 Durante o período de tempo em que os menores permanecem com os progenitores, os contactos com o outro ocorrem em dias indefinidos, variando conforme a organização dos intervenientes.

 A progenitora refere dificuldades em estar com os menores na semana do pai, mas admite almoçar com a (…) e que o (…) já, por pelo menos duas ocasiões, a procurou para fazer os trabalhos de casa.

 O menor (…) refere a existência de rotinas semelhantes em casa do pai e da mãe, admitindo tomar mais vezes banho na casa da mãe.

 O (…) refere que a irmã já chegou a chorar por não querer ir para o pai, mas que uma vez ali se encontrando, se mostra feliz e adaptada.

 O (…) aponta como aspeto negativo relativo às responsabilidades parentais partilhadas questões de natureza logística, como ter de mudar as suas coisas da casa da mãe para a casa do pai;

 Colocado perante a possibilidade de alteração do regime para uma residência única na casa da mãe o menor aponta como aspeto negativo o passar a estar pouco tempo com o pai.

 Ambos os progenitores são professores universitários, auferindo o valor de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) cada, por mês, mantêm uma conta conjunta onde depositam os seus vencimentos e de onde são pagas as despesas do agregado, nomeadamente as despesas dos menores, de um empréstimo bancário por conta da aquisição da casa de morada de família e da renda do imóvel que a progenitora alugou.

 Ambos os menores frequentam atividades extracurriculares.

 A progenitora aponta ao progenitor um transtorno de personalidade e valores distintos dos dela, tendo ambos já sido acompanhados na especialidade de psiquiatria.

4. Por apenso a estes autos correm termos quatro incidentes de incumprimento sob os apensos B a E instaurados pelo progenitor contra a progenitora, a quem o mesmo imputa o não cumprimento do regime fixado no que se refere aos convívios a estabelecer entre si e os menores.

5. Corre, igualmente, termos, sob o apenso A, processo de promoção e protecção por existência de conflituosidade entre os progenitores e situações de agressividade visionadas pelas crianças, falta de entendimento entre os progenitores em relação à regulação das responsabilidades parentais e sofrimento psicológico dos menores decorrentes da situação de conflito após separação efetiva dos pais e no cumprimento do estipulado na regulação das responsabilidades parentais, no caso a alternância entre residências dos progenitores.

6. Na Procuradoria da República da Comarca de Évora – 2.º Secção corre termos o processo de inquérito n.º 550/23.0T9EVR, instaurado na pendência destes autos e no âmbito do qual se investigam factos susceptíveis de integrarem um crime de violência doméstica por parte do progenitor em relação à progenitora.

7. Do relatório pericial psicológico efectuado aos progenitores resulta, entre o mais, que:

“Da integração da informação disponibilizada e das avaliações periciais realizadas, considerando que os progenitores se acusam mutuamente, com versões diferenciadas sobre os alegados factos; evidenciando a existência de conflito, que se adensa pela decorrência do processo no âmbito da violência doméstica, não podemos assegurar que consigam ter a capacidade de evitar conflitos entre ambos/ na presença dos filhos e/ou de exercer uma comunicação positiva.”.

8. Do relatório pericial psicológico efectuado ao (…) resulta, entre o mais, que: “Devido ao retraimento e inibição do menor em perícia, considere-se uma maior limitação ao nível da informação recolhida, nas entrevistas clinico-forenses, o que condiciona a avaliação pericial. O menor mostrou desconforto relativo ao conflito parental e ao conflito entre o progenitor e os irmãos. No que respeita ao regime de guarda partilhada, mencionou relativamente à sua preferência que, «é sempre um bocado chato estar sempre a mudar todas as semanas as coisas" (sic), clarificando como seria melhor para si diz que, "estar sempre no mesmo sítio com as coisas, acho que gostaria mais de ficar com a minha mãe e iria ao meu pai às vezes, não sei, no fim de semana» (sic). Atente-se que na documentação disponibilizada a este Gabinete pelo Douto Tribunal, na Ata de conferência de pais de 24/01/2023, se encontra referenciado que o menor também aludiu a questões de ordem logística como negativas, e quanto a possibilidade de alteração de regime para uma residência única na casa da progenitora, «o menor aponta como aspeto negativo o passar a estar pouco tempo com o pai», algo não manifestado em perícia.

Considerando-se os resultados da avaliação psicométrica e o conflito parental atual, e atendendo-se aos alegados factos no âmbito da violência (ainda em apuramento em processo judicial próprio), recomenda-se que se promova um acompanhamento de psicologia clínica para o jovem”.

9. Do relatório pericial psicológico efectuado à (…) resulta, entre o mais, que: “Apresentou-se muito retraída, envergonhada, ansiosa e resistente à avaliação. (…) Devido ao retraimento e inibição da menor na avaliação pericial tal não nos permite apurar com clareza a sua real capacidade de avaliação das diferenças entre residência única ou conjunta, vantagens e desvantagens em relação aos progenitores, dos cuidados prestados pelos progenitores, sentimentos de pertença e segurança nos novos agregados, bem como, as reais dinâmicas familiares. Contudo, a menor manifestou que se sentia melhor com a progenitora e verbalizou ter ‘medo’ do progenitor, bem como, clarificando e se questionando se alguma vez o pai fez alguma coisa que não gostasse diz que “sim” (sic), procurando-se que diga o que o pai terá feito, não quis explicar. Sendo importante, apurar a natureza do desconforto da menor com o progenitor, para o seu melhor desenvolvimento e bem-estar, e para tal contribuir para a ponderação da questão residencial. (…) Considerando-se os resultados da avaliação psicométrica e o conflito parental atual, e atendendo-se aos alegados factos no âmbito da violência (ainda em apuramento em processo judicial próprio), recomenda-se que se promova um acompanhamento de psicologia clínica para a menor, sendo que, da informação que temos disponível, a menor já terá este apoio”.

10. (…) encontra-se a ser acompanhada desde 17.01.2023 pela psicóloga (…) que, a 12.09.2023, informou, entre o mais, que: a criança “(…), evita e protege-se do tema do divórcio não falando muito sobre o mesmo nem como se sente ao cuidado de ambos os pais. Existe um processo de evitamento do fator causador de sofrimento / desconforto e que permite à (…) lidar com toda esta situação, contudo, não é recomendável que o imaginário e o desejo de uma realidade que já não existe prevaleça sobre a realidade atual. Parece evitar o conflito anulando a sua opinião e percebe-se que tenta proteger ambos os pais. As situações de conflito presenciadas pela (…) entre os pais, antes da separação e por vezes ainda nos dias das trocas de casa, fazem com que em muitas circunstâncias não partilhe as suas vontades e/ou desejos com receio da reação e opte pela submissão e concordância à vontade do adulto”.

11. E a 27.05.2024 informou que: “a (…) mantém a narrativa desde o início do acompanhamento de que «preferia ficar a viver com a mãe e visitar o pai quando quisesse…», sem a obrigatoriedade de estar uma semana com cada um. Claramente, a figura de vinculação e de referência relacional para a (…) é a mãe – Sra. (…) e é com ela que se sente bem, segura e capaz de ser ela própria. A ausência e afastamento da mãe é vivido com sofrimento e ânsia pelos reencontros / contactos com esta e com o desejo que a semana passe rápido. Na relação com o pai, parece continuar assumir uma postura de maior submissão, tendo dificuldade em expressar o que pensa/sente ou deseja. Exemplo disso são algumas situações: omite a existência de trabalhos de casa para não ter que os fazer com o pai, preferindo fazê-los com o irmão (…); não fala com o pai sobre o que sente face às saudades da mãe, nem a sua vontade de a ver/estar com ela; tendência para responder em conformidade ao que sabe que deixará o pai mais feliz/contente, evitando expor as suas verdadeiras ideias, pensamentos e emoções; evita ligar à mãe na presença do pai, preferindo fazê-lo quando está sozinha; menciona que se encontrar o pai e estiver numa semana da mãe, esta lhe sugere que vá dar um beijinho ao pai, mas o contrário não acontece e que ela própria não pede, não conseguindo explicar o motivo; sobre os seus gostos e interesses na relação com o pai a (…) menciona «o pai não quer muito saber do que eu gosto…» , sem prejuízo de que nem tudo pode ser como a (…) pretende, mas é importante que as atividades sejam adequadas ou vão de encontro dos interesses da (…), para que esta se sinta envolvida e considerada. (…) Seria importante para o bem-estar da (…) haver uma maior priorização e preservação do seu bem-estar emocional em detrimento de conflitos de poder entre os pais e/ou de divisão cega de tempo entre estes. Residindo ambos os pais em Évora e havendo alguma intervenção com estes ao nível da mediação de conflitos, constituía um ganho para a (…) um regime de contactos mais flexível encurtando o tempo de afastamento face à figura de referência, sendo certo que existiriam ganhos para todos os intervenientes”.

12. A 21.05.2024(…), ouvido em declarações no apenso A e no apenso B, manifestou contrariedade ao cumprimento do regime de residência partilhada semanal e referiu, entre o mais, que se sente melhor e mais acompanhado na casa da mãe, não se sentindo tão à vontade com o pai; que a irmã (…) chora quando se apercebe que se aproxima o dia de ir para casa do pai, sentindo-se triste nos momentos de cumprimento do regime; que tanto o próprio como a irmã se sentem constrangidos em contactar e em falar com a mãe e com os irmãos quando se encontram a residir com o pai, sendo que o inverso não acontece e que, em virtude de o pai ter o atelier ao lado da casa onde vive, nas semanas que passam com o pai acabam por ficar algum tempo sozinhos em casa, por este ainda se encontrar a trabalhar.

13. À Técnica da EMAT que elaborou o relatório de avaliação diagnóstica junto ao apenso A o (…) também referiu que tem “dificuldade em dizer ao pai, mas não se sente confortável quando ele o vai visitar inesperadamente à escola ou ao ténis, porque segundo o jovem, o pai coloca-se numa posição de vítima, tentando-o pressionar a ir para sua casa com a sua irmã (…). (…) que quando ia a casa do pai, o mesmo falava muitas vezes mal da mãe, referindo-se a ela como “maluquinha”.

Em relação à mãe também afirma que a mesma quando está chateada acaba por falar do pai de uma forma menos positiva. (…) ele e a irmã gostariam de estar com o pai, mas sem que as datas fossem fixas e obrigatórias. Conseguem ter bons momentos com ele, mas a tensão que se sente na sua casa não é positiva”.

14. À presente data fruto de conflitos gerados o progenitor mantém pouca relação com os três filhos mais velhos.

15. O progenitor aufere, por referência a Agosto de 2023, um rendimento líquido de € 2.330,09.


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Do estatuído no artigo 28.º do Regime Geral de Processo Tutelar Cível resulta que em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão. Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.

Da factualidade supram exposta resulta evidente que os progenitores mantêm uma relação conflituosa, conflitos a que não se coíbem mesmo na presença dos menores, tanto mais que ambos acabam por transmitir aos filhos a imagem negativa que têm um do outro. Tais conflitos têm vindo a acarretar para o (…) e para a (…) consequências nefastas ao seu bem-estar emocional, apresentando-se os mesmos como crianças retraídas e inibidas em manifestar os seus gostos e vontades e, nessa medida, não inteiramente felizes para experienciar o bom que cada um dos pais tem para lhes transmitir e oferecer. O desconforto manifestado pelos menores resultou evidente não só do teor dos resultados dos exames periciais, mas também das declarações prestadas em Tribunal pelo menor (…).

Resulta, igualmente, patente que a figura de referência das duas crianças foi e é a progenitora, pessoa com quem os mesmos demonstram ter uma maior ligação e em casa de quem se consideram mais apoiados.

Ora, pese embora a decisão que regulou provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais a 24.01.2023 tivesse por objectivo dar prevalência ao contínuo familiar vivenciado à data pelos menores, na medida em que os progenitores haviam instituído, por si, um regime de residência partilhada, certo é que, volvido mais de um ano e meio, se conclui que, neste momento, tal regime não se tem revelado benéfico para os menores.

Nessa medida, impõe-se proceder à sua alteração com instituição de um regime de residência única, residência essa que, pelos motivos já adiantados, deverá ser fixado com a progenitora. Não obstante, tal alteração se impor, importa que os menores continuem a conviver com regularidade com o progenitor em moldes que se entendem por adequados fixar nos termos promovidos.

Com vista a acautelar o efectivo cumprimento do regime que se irá instituir, importa que o agregado familiar seja acompanhado por entidade terceira, nomeadamente pelo CAFAP da Associação (…), tanto mais que, mesmo em relação ao regime provisório anteriormente fixado, têm vindo a ser suscitados diversos incumprimentos por parte do progenitor relativamente aos períodos em que lhe caberia ter os menores consigo a residir, nomeadamente em períodos festivos e em férias. À progenitora caberá, pois, não só o cumprimento do regime de convívios fixado, mas também transmitir ao progenitor todos os factos relevantes que ocorram na vida dos filhos.


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Pelo exposto, decide-se alterar provisoriamente o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores (…) e (…) nos seguintes termos:

A. Os menores (…) e (…) residirão com a progenitora, a qual exercerá as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente, sem prejuízo de tal exercício caber ao progenitor quando os menores com ele se encontrem.

B. No que concerne às questões de particular importância, as responsabilidades parentai serão exercidas conjuntamente pelos progenitores;

C. Os menores pernoitarão com o progenitor todas as quartas-feiras, o qual os irá buscar findas as atividades escolares/extracurriculares ou de ATL ao local onde se encontrem, ou cerca das 18H00 a casa da mãe quando não ocorra nenhuma das situações anteriores (escolares / ATL / atividades extracurriculares), entregando-os nas quintas-feiras no estabelecimento de ensino ou ATL ou, pelas 09H30 em casa da progenitora caso não decorra nenhuma atividade letiva ou de ATL.

D. Os menores passarão com o progenitor fins de semana alternados, entre a sexta-feira e a segunda feira, nos horários e termos definidos no ponto anterior.

E. O progenitor passará com os menores um período de 15 (quinze) dias durante as férias de Verão, em datas que deverá comunicar à progenitora até ao dia 30 de abril de cada ano, e metade das restantes férias escolares (Natal e Páscoa), cabendo quanto a estas ao progenitor a escolha do período em causa nos anos pares e à progenitora nos anos ímpares;

F. Os menores passarão as datas festivas de forma alternada com cada um dos progenitores, entendendo-se por datas festivas a véspera de natal, o dia de natal, a véspera de ano novo, o dia de ano novo, a sexta-feira santa e o dia de Páscoa, sendo que no presente ano as mesmas se iniciam com o progenitor.

G. No aniversário dos progenitores os menores passarão o dia com o progenitor aniversariante.

H. No dia do pai e no dia da mãe os menores passarão o dia com o progenitor cujo dia se celebra.

I. No aniversário dos menores estes tomarão uma refeição com cada um dos progenitores.

J. O progenitor contribuirá com uma pensão de alimentos de € 150,00 (cento e cinquenta euros) por cada menor, a entregar à progenitora até ao dia 8 de cada mês, mediante depósito ou transferência bancária.

K. As despesas de saúde (médicas e medicamentosas) na parte não comparticipada, as despesas escolares e as despesas com actividades extracurriculares (ténis, música e dança artística), serão suportadas em 50% por cada um dos progenitores, devendo aquele que, inicialmente as suportou apresentar ao outro progenitor recibo comprovativo da despesa, a fim de que este reembolse metade do seu valor no prazo de 8 dias.”

4. Inconformado com esta decisão, o Requerido interpôs recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Em bom rigor, considerando os motivos e razões que estiveram na génese da implementação do primitivo regime provisório, nada se alterou, substancialmente.

2. Não tendo qualquer justificação a infeliz conclusão constante da douta decisão ao se mencionar que “tal regime não se tem revelado nada benéfico para os menores”.

3. Na douta decisão não é indicada qualquer razão ou motivo de relevo e pertinente para a alteração ditada.

4. É palmar que o Tribunal formulada juízos conclusivos, sem sustentação factual e apreensível, que justifiquem o sentido da sua douta decisão.

5. Nem os poderia invocar, porque pura e simplesmente, inexistem.

6. A douta decisão viola o princípio da igualdade dos progenitores – cfr. artigo 36º, nº.s 3 e 5, da CRP.

7. E assim também, o estatuído no n.º 1 do artigo 18.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

8. É basilar que os menores possam crescer e formar a sua personalidade na convivência paritária com ambos os progenitores.

9. Os menores têm direito à preservação das suas ligações psicológicas profundas, designadamente no que diz respeito à continuidade das suas relações afectivas estruturantes com pai e mãe.

10. Sendo certo que, a lei salvaguarda explicitamente o interesse dos menores em manterem uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores – cfr. n.º 7 do artigo 1906.º do CC.

Por outro lado, não se poderá ainda deixar de salientar o seguinte:

11. Em requerimento apresentado pela progenitora no dia 17 de Junho de 2024 (Ref.ª 4040253), a mesma veio considerar existir motivo justificado no sentido de ser decidida a suspensão da instância dos presentes autos, ao abrigo da 2ª parte do n.º 1 do artigo 272.º do CPC, em virtude de se encontrar pendente processo de promoção e proteção (Apenso A), com diligências em curso, e enquanto estas não se encontrarem concluídas.

12. O progenitor, afina por igual diapasão, pugnando igualmente, pela suspensão da instância dos presentes autos, pelos exactos motivos e razões aludidas pela progenitora.

13. A alteração do primitivo regime coartará, ainda mais, os contactos entre pai e filhos.

14. É manifesto que a alteração do regime da residência alternada em vigor, e referente, em particular, à menor (…), causaria danos à mesma, ao invés de lhe trazer quaisquer benefícios, designadamente, no que diz respeito à continuidade das relações afectivas estruturantes com o progenitor.

15. Ou seja, colocaria em crise, seguramente, o seu bem-estar emocional e psicológico, pois a menor não compreenderia a razão pela qual, não poderia estar com o pai, durante a semana, como até agora, e desde a separação dos pais.

16. O facto do seu irmão (…), não estar consigo e com o pai, durante a semana, com a assiduidade anterior, não teve qualquer impacto na felicidade patenteada, quando está com o progenitor na casa deste, durante a semana.

17. Se existem diligências probatórias e avaliações em curso, tal aconselharia que existisse mais ponderação e prudência, o que lamentavelmente não veio a acontecer.

18. A Meritíssima Juiz “a quo” violou o correcto entendimento dos diplomas e preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.

19. Deverá ser revogada a douta decisão provisória, determinando-se a manutenção do primitivo regime, nos seus exactos termos.”

5. O Ministério Público apresentou contra-alegações, as quais concluiu nos seguintes termos:

1) A não concordar com o douto despacho que não determinou a suspensão dos autos – relegando para momento posterior a decisão de os suspender ou não – era contra aquele despacho que deveria ter reagido, o que não fez, tendo o recorrente, por isso, que se conformar com o prosseguimento dos autos.

2) O douto despacho recorrido – que determinou a alteração do regime provisório inicialmente fixado – assenta em factos que o recorrente não impugna.

3) A Mmª Juíza fundamentou a sua decisão tendo em consideração os efeitos nefastos provocados no estado emocional das crianças pelo regime em execução, face aos permanentes conflitos existentes entre os progenitores e motivados por tal regime.

4) Mais teve em consideração que, não sendo conveniente aos interesses das crianças a manutenção da situação, a solução há-de centrar-se na identificação da figura de referência.

5) O Direito à igualdade dos progenitores, consagrado no artigo 36.º, nº 3 e 5, da CRP e no artigo 18.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, cede perante o princípio do superior interesse da criança.

6) No caso concreto, perante a factualidade provada, e à luz do princípio/critério orientador do superior interesse da criança, é forçoso concluir que não existe qualquer vantagem da manutenção da residência alternada, não podendo concluir-se que este regime tem propiciado um crescimento saudável e harmonioso das crianças já que a vigência do regime tem sido caraterizada por permanentes conflitos com reflexos no bem estar emocional daquelas.

7) Assim, não merece qualquer censura a douta decisão recorrida.”

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a Decidir

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

Assim, no caso em apreço importa apurar se a decisão de alteração do regime provisório deve ser revogada.

III – Fundamentação

1. Os factos relevantes para a apreciação do caso são os que constam do relatório.

2. Nas conclusões acima transcritas o Requerido alude ao requerimento de suspensão da instância formulado pela Requerente, mas nada requer a este respeito, ou seja, não declara interpor recurso de qualquer decisão proferida a este respeito.

Nada há, pois, a apreciar sobre a suspensão da instância.

3. Advoga o Requerido que a decisão sindicada não se encontra sustentada do ponto de vista fáctico, contendo apenas juízos conclusivos.

Pese embora não proceda à subsunção desta alegação a qualquer figura jurídica, a mesma é suscetível de ser, em abstrato, reconduzida à nulidade da decisão por falta de fundamentação (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), 1ª parte, do Código de Processo Civil).

Porém, resulta evidente do teor da decisão que o Tribunal a quo enunciou os factos que considerou relevantes, bem como os meios de prova que suportam esses factos, pelo que não padece tal decisão do vício que lhe é assacado.

4. Em face do exposto, devemos considerar estabilizada a matéria de facto acima transcrita, pelo que cumpre apreciar as demais questões colocadas no recurso.

Insurge-se, então, o Requerido contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo de alteração do regime provisório, a qual se consubstanciou na mudança de residência alternada para a residência exclusiva com a mãe, por entender que da mesma resulta prejuízo para os menores, que ficam privados do contacto mais próximo com o pai.

Advoga o Requerido que esta decisão viola o princípio da igualdade dos progenitores e a determinação legal no sentido do privilegiamento de uma relação de proximidade das crianças com ambos os progenitores.

Ora, no que tange ao princípio da igualdade entre os progenitores, preceitua-se nos n.ºs 3 e 5 do artigo 36.º da Constituição que:

“3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.

5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.”

Por outro lado, no artigo 18.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, diz-se que “Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança.

A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais.

O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.”

Nos casos em que os progenitores se encontrem separados e se mostre necessário regular o exercício das responsabilidades parentais, haverá que encontrar a melhor solução para a educação da criança, sendo certo que este contexto envolve sempre a necessidade de adaptações e ajustamentos na relação da criança com os pais.

O norte que guia essa decisão é o superior interesse da criança, conforme expressamente previsto no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil, onde se proclama que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”

É pacífico que o superior interesse da criança é um conceito indeterminado, devendo ser analisadas as circunstâncias de cada caso, com vista a encontrar o regime que melhor contribua para o bem-estar físico e psicológico da criança, conforme tem vindo a ser assinalado consensualmente pela jurisprudência, e se afirmou, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.01.2022 (Tomé Gomes) (Proc. n.º 19384/16.2T8LSB-A.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/):

“I. O superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso.

II. Para a consecução desse objetivo é essencial o empenhamento partilhado de ambos os progenitores, o que requer a manutenção de relações de estreita convivência ou proximidade entre pais e filhos.

III. O artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais. Só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar.

IV. O superior interesse do filho não é alheio a uma adequada inserção dele no meio familiar de cada um dos progenitores mediante aprendizagem dos novos modos de relacionamento e de respeito mútuo pelos direitos e legítimos interesses de cada pessoa que passe a integrar esses agregados familiares.”

Ou seja, o superior interesse da criança, aferido à luz das suas concretas circunstâncias de vida, será sempre o critério decisivo para decidir sobre o regime de exercício das responsabilidades parentais.

Na situação vertente alega o Requerido que a afirmação vertida na decisão em apreço de que o regime provisório fixado pelo Tribunal não se tem revelado benéfico para os menores não se mostra fundamentada.

Entendimento diverso foi expressado pelo Ministério Público, sustentando que na origem daquela alteração estiveram os permanentes conflitos existentes entre os progenitores, que produziram efeitos nefastos sobre as crianças, o que é referido pelo Tribunal na decisão sindicada, pelo que o regime agora fixado é o que melhor salvaguarda o superior interesse das crianças.

Compulsada a decisão em recurso, verificamos que a afirmação citada pelo Requerido se enquadra na fundamentação de direito e surge como a apreciação global e conclusiva de um enunciado de factos aí expressamente referidos, que foram extraídos da fundamentação de facto da decisão, a saber:

- os progenitores mantêm uma relação conflituosa, que se manifesta à frente dos menores, acabando por transmitir aos filhos a imagem negativa que têm um do outro (v. factos 5, 7, 10, 13);

- tais conflitos têm produzido consequências nefastas no bem-estar emocional dos filhos, os quais se apresentam como crianças retraídas e inibidas de manifestar os seus gestos e vontades, e, nessa medida, não inteiramente felizes (v. factos 8, 9, 10, 11, 12, 13).

Não é, pois, correta a asserção do Requerido de que o Tribunal a quo não justificou a necessidade de alterar o regime provisório, pois resulta do exposto que foram indicadas as circunstâncias apuradas nos autos, relativas ao modo como decorre a interação entre os menores e os progenitores, que conduziram à referida alteração.

Opõe-se, de igual modo, o Requerido à decisão de residência exclusiva com a mãe, contestando a ideia de que esta é a figura de referência.

Ora, ao contrário do alegado pelo Requerido, o Tribunal a quo não fundamenta a decisão num princípio ou regra abstratos no sentido de dever ser a mãe a cuidadora de uma criança.

Antes decorre com clareza da decisão que a afirmação do Tribunal de que a mãe é a figura de referência se reporta especificamente às circunstâncias concretas do caso dos autos, quer dizer, para os menores (…) e (…) a mãe é a figura de referência.

Trata-se, aliás, de afirmação sustentada na matéria de facto provada, da qual consta que:

- em informação prestada pela psicóloga que acompanha a menor (…) foi vertido que “a (…) mantém a narrativa desde o inicio do acompanhamento de que «preferia ficar a viver com a mãe e visitar o pai quando quisesse…», sem a obrigatoriedade de estar uma semana com cada um. Claramente, a figura de vinculação e de referência relacional para a (…) é a mãe – Sra. (…) e é com ela que se sente bem, segura e capaz de ser ela própria. A ausência e afastamento da mãe é vivido com sofrimento e ânsia pelos reencontros/contactos com esta e com o desejo que a semana passe rápido. Na relação com o pai, parece continuar assumir uma postura de maior submissão, tendo dificuldade em expressar o que pensa/sente ou deseja.” (facto 11);

- o menor (…) declarou, no âmbito das audições efetuadas nos apensos A e B, “que se sente melhor e mais acompanhado em casa da mãe, não se sentido tão à vontade com o pai” (facto 12);

- e o menor (…) declarou também à Técnica da EMAT que “ele e a irmã gostariam de estar com o pai, mas sem que as datas fossem fixas e obrigatórias. Conseguem ter bons momentos com ele, mas a tensão que se sente na sua casa não é positiva.” (facto 13).

Não é, assim, também correta a asserção do Requerido de que dos relatórios médicos, periciais e da audição do menor (…) não resulta o “desconforto” dos menores.

Sublinhe-se ainda que não se trata aqui da mera manifestação de uma vontade por parte dos menores, mas antes da expressão do sofrimento em que estes se encontram e que tem raízes na dinâmica conflituosa dos pais, bem como na diferente postura de pai e mãe um relativamente ao outro – diz o menor (…) que “tanto o próprio como a irmã se sentem constrangidos em contactar e em falar com a mãe e com os irmãos quando se encontram a residir com o pai, sendo que o inverso não acontece” (facto 12).

Acresce que a constante deambulação dos menores entre a casa do pai e a casa da mãe tem consequências ao nível do seu bem-estar que devem ser ponderadas, o que é afirmado de forma clara e incisiva no relatório da psicóloga que acompanha a menor (…): “Seria importante para o bem-estar da (…) haver uma maior priorização e preservação do seu bem-estar emocional em detrimento de conflitos de poder entre os pais e/ou de divisão cega de tempo entre estes.” (facto 11).

Assinale-se, adicionalmente, que, de todo o modo, se acentua na decisão sindicada que deve ser mantido o convívio das crianças com os dois progenitores, e, por isso, para além dos fins-de-semana alternados, estabelece-se adicionalmente que os menores pernoitarão com o pai de quarta para quinta-feira, o que se afigura uma solução equilibrada.

Por último, refira-se que as decisões proferidas nestes processos são sempre suscetíveis de alteração em resultado da modificação das circunstâncias, quer dizer, assumem sempre uma dimensão provisória, o que significa que caberá aos progenitores encontrarem o caminho para uma relação mais pacífica entre ambos, com vista a preservarem o bem-estar emocional dos filhos. Em particular, revela-se importante que os progenitores cultivem uma relação com os filhos assente na interação de cada um deles com os filhos, sem dificultar ou criar tensões na relação das crianças com o outro progenitor, de molde a que no futuro seja possível retomar o desejável pleno convívio com ambos os progenitores.

Em conclusão, a alteração ao regime provisório mostra-se fundamentada, ponderando adequadamente que os convívios com ambos os progenitores devem contribuir para o bem-estar dos menores e não constituir uma fonte de desestabilização emocional, sendo a solução encontrada aquela que melhor salvaguarda o superior interesse das crianças, em face da dinâmica familiar atual.

A decisão recorrida deve, pois, ser confirmada.

B) Custas

As custas devem ser suportadas pelo Recorrente, que fica vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Évora, 09 de Abril de 2025

Sónia Moura (Relatora)

António Fernando Marques da Silva (1º Adjunto)

Ana Pessoa (2ª Adjunta)