1. O PERSI é aplicável aos créditos constituídos antes da sua entrada em vigor, desde que cumpridos dois requisitos, a saber, permanecer o contrato em vigor a 01.01.2013 e encontrar-se o devedor em mora nessa data, conforme resulta do disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10.
2. Se, porém, na data da entrada em vigor do PERSI, o crédito se encontrava na esfera jurídica de uma entidade que não era uma instituição de crédito, nem uma sociedade gestora de fundos de titularização de créditos, e nunca mais veio a encontrar-se na esfera jurídica de uma instituição de crédito, não era exigível ao exequente que demonstrasse o cumprimento de um regime legal que ainda não existia na data da primeira cessão de créditos, ocorrida em 20.03.2007.
(Sumário da Relatora)
Sumário: (…)
(Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. (…) Assets, S.A., intentou execução sumária para pagamento de quantia certa contra (…), (…), (…), (…) e (…), descrevendo os seguintes factos no requerimento executivo, entrado em juízo em 24.03.2021:
“No exercício da sua actividade creditícia o Banco Mutuante, em 31 de Março de 2000 celebrou com os Executados (…) e (…), um Contrato de compra e venda com hipoteca, fiança e mandato formalizado por Escritura que serve de título à presente Execução, com o montante de 14.400.000$00 a que corresponde o montante de € 71.826,88 (setenta e um mil, oitocentos e vinte seis euros e oitenta e oito cêntimos) e respectivo Documento Complementar, conforme cópia que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.
Conforme se verifica pelo contrato, os também executados (…) e (…), constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido pelos Mutuários, em consequência do empréstimo supra referido, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, aceitando todas as condições que o precedem. Nos termos estipulados, a fiança supra referida mantém-se plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas constituídas por qualquer forma, imputáveis aos Mutuários.
Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio identificado como 2º andar, direito, destinado a habitação, fracção E, no prédio urbano sito na Rua (…), 2º Andar, Direito, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), freguesia de (…).
Hipoteca esta que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da Ap. (…), de 2000/03/02, conforme respectiva certidão predial permanente.
No Documento Complementar anexo à Escritura supra mencionada, ficou convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efectuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, vencendo-se mensalmente.
Ora, sucede que os mutuários faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 31/12/2001.
E apesar de interpelados para o respectivo pagamento, não o efectuaram.
O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida, conforme artigos 781.º e 817.º do Código Civil.”
Com o requerimento executivo foi junto o título executivo, do qual consta que a fração adquirida pelos Executados (…) e (…) “se destina exclusivamente a habitação própria permanente.”
Mais alegou o Exequente que em 20.03.2007 o Banco (…), S.A., cedeu o presente crédito à sociedade (…), S.A., a qual, por sua vez, o cedeu à sociedade (…), S.A.R.L., e esta à sociedade (…) Global Limited, que, por último, através de contrato celebrado em 03.02.2017, o cedeu ao Exequente, o qual é, assim, o seu atual titular.
Decorre da certidão do registo predial junta com o requerimento executivo que foi registada a transmissão do crédito, a favor da sociedade (…), S.A.R.L., pelo Av. Ap. (…), de 26.10.2012.
Requereu, a final, a penhora da fração objeto do contrato de compra e venda que constitui o título executivo, sobre a qual se mostra constituída a aludida hipoteca.
2. Em 14.04.2021 foi lavrado auto de penhora da fração hipotecada.
3. Em requerimento apresentado a 27.02.2024, a Executada (…) veio:
“A) Arguir, com efeito suspensivo automático, a nulidade da penhora, das cessões e da venda, nos termos e com os fundamentos seguintes:
O procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (artigos 14.º a 17.º do referido diploma legal).
Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (artigo 18.º, n.º 1, alínea b)” – cfr. ac. STJ, de 09/02/2017, Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1; no mesmo sentido, Ac. RE, de 08.03.2018, relatado por Conceição Ferreira; ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
A grande maioria da jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjetivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias.
As exceções dilatórias, nominadas ou inominadas, salvo as exceções contempladas no artigo 578.º do Código de Processo Civil, são de conhecimento oficioso.
A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão – cfr. Ac. RL, de 29.09.2020, relatado por Micaela da Silva Sousa (in www.dgsi.pt).
Em idêntico sentido pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 8-03-2018, relatora Conceição Ferreira, processo n.º 2267/15.0T8ENT- A.E1, de 16-05-2019, relator José Manuel Barata, processo n.º 4474/16.9T8ENT-A.E1, de 31-01-2019 e de 21-05-2010, relator Tomé de Carvalho, processos n.º 832/17.0T8MMN-A.E1 e n.º 715/16.1T8ENT-B.E1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-05-2019, relatora Judite Pires, processo n.º 21609/18.0T8PRT-A.P1; e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-01-2020, relatora Ana Lucinda, processo n.º 4097/14.8TBMTS.P1, referindo-se, neste último: “E o certo é que a execução não poderia ter sido instaurada sem ter ocorrido previamente o dito Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Do prisma do demandante este era uma condição de acção. Mais precisamente uma específica condição de acção cuja inexistência conduz à carência da acção, causa de extinção do processo sem julgamento de mérito. Do ponto de vista da defesa do demandado é uma excepção dilatória, isto é, uma circunstância que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
Uma exceção de cunho eminentemente processual visto o moderno entendimento da autonomia entre o processo e o direito material. Ela opera no plano da eficácia: não intenta extinguir a pretensão exercida mas apenas neutralizá-la ou retardá-la.”
Verifica-se, pois, que ao contrário do entendimento plasmado na decisão recorrida, podia e devia o tribunal de 1ª instância ter apreciado a verificação da exceção dilatória inominada em referência, mesmo que então já se mostrasse ultrapassado o prazo para a dedução de embargos de executado, podendo fazê-lo no âmbito da própria execução Em face de tudo o que se deixa dito e tendo sido alegado, pelo exequente, que o incumprimento do primeiro contrato se deu em 05/10/2014 e 03/04/2018 – na vigência, portanto, do DL 227/2012, de 25 de Outubro –, foi determinada a notificação do exequente para esclarecer se deu cumprimento ao aí determinado/previsto.
O exequente nada respondeu, não tendo junto aos autos nenhuma comunicação efetuada aos executados.
As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e- mail) – artigos 14.º/4 e 17.º/3, do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (artigos 364.º/2 e 393.º/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação), neste sentido vide acórdão da Relação de Lisboa datado de 7.06.2018, disponível, in www.dgsi.pt.
Assim, somos de concluir que não resulta provado que tais comunicações tenham sido realizadas.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, reconhecendo a degradação das condições económicas e financeiras sentidas na maioria dos países europeus e o aumento do incumprimento de contratos de crédito, estabeleceu um conjunto de princípios e de regras a observar pelas instituições de crédito destinadas a promover a prevenção do incumprimento, designado por Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e a regularização das situações já em incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos, chamado de Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
O mesmo é aplicável aos contratos de crédito identificados no n.º 1 do seu artigo 2.º, onde se incluem os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste imóvel [alínea b)], celebrados com clientes bancários, enquanto consumidores, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, onde intervenham como mutuários.
O PERSI consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, e por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases sucessivas:
i). uma fase inicial, na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento; e, caso esse incumprimento se mantenha, integram, obrigatoriamente, o cliente no PERSI entre o 31.º dia e 60.º dia subsequentes à entrada em mora;
ii). uma fase de avaliação e proposta, na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objetivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis);
iii) uma fase de negociação, no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
O diploma em análise entrou em vigor em 01.01.2013, em conformidade com o disposto no seu art. 40.º.
A partir desta data, passou a ser obrigatório para as instituições de crédito mutuantes incluírem no PERSI os seus clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
Termos em que deve ser declarada a extinção da execução, do presente processo, absolvendo-se a executada, com revogação da penhora bem como da cessões e adjudicação/venda.”
4. Sobre o aludido requerimento recaiu o seguinte despacho, proferido a 03.04.2024:
“Requerimento de 27-02-2024:
Constata-se que não foi alegado pelo(a) exequente que o(a) executado(a) foi integrado(a) no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (doravante, designado PERSI).
A preterição do PERSI constitui uma exceção dilatória inominada, pela falta condição objetiva de procedibilidade da ação/execução, de conhecimento oficioso, o que determina a absolvição do(a) executado(a) da instância.
Pelo exposto, convida-se o(a) exequente a informar se o executado(a) foi, em momento prévio à instauração dos presentes autos, integrado(a) no PERSI, juntando aos autos os respetivos documentos, sob pena de, não o fazendo, ser o executado(a) absolvido(a) da instância.
Prazo: 10 dias.
Notifique.”
5. A 17.04.2024, o Exequente ofereceu a seguinte resposta à notificação acima ordenada:
“1. O D.L. 227/2012, de 25 de Outubro veio estabelecer os princípios e as regras que as instituições de crédito devem observar no acompanhamento de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial do incumprimento das obrigações decorrentes de contratos de crédito celebrados com clientes bancários particulares.
2. Tendo entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2013.
3. No seu artigo 39.º, nomeadamente, no seu n.º 1, vem prevista a sua aplicação no tempo:
“1 – são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, a data da entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.”
Desta forma,
4. E considerando-se que à data de entrada em vigor de tal diploma, os contratos já se consideravam resolvidos e não em mora, não poderiam, por isso, ser englobados pelo mesmo.
5. Ora, e salvo melhor opinião, não se prevê a aplicação retroactiva desse diploma, pois seria essa a única possibilidade no caso concreto, para que tais contratos fossem englobados em tal regime.”
6. Em 06.06.2024 foi encerrada a venda por leilão eletrónico da fração penhorada e decidida, pelo Agente de Execução, a sua adjudicação ao proponente que apresentou a melhor proposta.
7. A 12.08.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento de 27-02-2024:
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (PERSI) entrou em vigor no dia 01-01-2013.
De acordo com os documentos juntos com o requerimento executivo, o contrato que constitui título executivo foi celebrado em 31-03-2000, sendo que, conforme alegado, o incumprimento do contrato teve início logo em 31-12-2001, em momento muito anterior à vigência do dito Decreto-Lei, pelo que não se verifica a obrigação de integração do executado no PERSI.
Face ao exposto, declaro não verificada a exceção dilatória inominada de preterição de integração do executado no PERSI.
Prossigam os autos, aguardando, no entanto, o Senhor Agente de Execução o trânsito em julgado desta decisão, relativamente à questão aflorada no requerimento de 24-06-2024.”
8. Inconformada com o assim decidido, a Executada apelou do referido despacho, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
““1º Tal como decorre do Ac. STJ de 9/02/2017, no Proc. n.º 194/13, durante o período entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento a instituição de crédito não pode instaurar ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito
2º A instituição de crédito mutuantes deve informar o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento; e, caso esse incumprimento se mantenha, integram, obrigatoriamente, o cliente no PERSI entre o 31.º dia e 60.º dia subsequentes à entrada em mora;
3º Recorde-se que, muito antes de 2012, através DL 349/98, artigo 7.º-B, n.º 1, estabelecia-se que os mutuantes apenas podem proceder à resolução ou a qualquer a outra forma de cessação do contrato de crédito após três prestações vencidas e não pagas pelo mutuário, acrescentando-se que o incumprimento parcial da prestação não é considerado desde que…
4º A questão que se coloca desde logo é a de saber tal imposição normativa em vigor desde 1998, era ou não do conhecimento oficioso e sendo a responsabilidade do mandatário constituído anos depois da instauração da execução era de fazer lembrar que era obrigação do Tribunal exigir tal prova à Exequente?
5ª Aliás, nos termos da correspondente Diretiva foi imposto aos Estados-Membros adotar medidas que determinem uma ponderação adequada antes de intentarem processos de execução. Será que foi exigida prova da tentativa da instituição bancária de evitar ir para Tribunal? Foi exigida prova da interpelação do fiador?, etc… como condição de procedibilidade
6ª Não restam dúvidas de que o regime do PERSI instituído em 2012 já tinha consagração legal à data da instauração da execução e decorria, aliás, de um Diretiva Comunitária (Diretiva n.º 2014/17/EU) através da qual as instituições financeiras ficaram obrigadas a acompanhar de forma permanente e sistemática a execução dos contratos de créditos dos seus clientes, com vista a detetar eventuais indícios de riscos de incumprimento, cabendo-lhes implementar um plano de reestruturação ou um modelo de negociação, não estando dependente de qualquer pedido formulado pelo mutuário.
7ª Efetivamente, na data da instauração da execução já se encontrava em vigor a obrigação legal de a instituição financeira dar cumprimento, sem nada ser solicitado, aos deveres de informação e comunicação os quais não tendo sido alegados nem demonstrado o seu cumprimento deveria ter conduzido ao despacho de ineptidão do requerimento executivo – de conhecimento oficioso – o que não teve lugar e apesar do tempo decorrido ainda podem e devem ser suscitados, sendo essa a obrigação do mandatário não se confundindo tal dever com suposta má fé processual.
8º Temos assim que enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da divida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito.
9ª Ora, a instituição financeira não só não demonstrou no requerimento executivo ter dado cumprimento a essa obrigação como também não notificou o fiador, sendo que também com base em tal omissão deveria o requerimento executivo ter sido (oficiosamente) liminarmente indeferido omissão essa que não é da responsabilidade do Recorrente, não obstante o tempo decorrido.
10ª Aliás, dir-se-á que o executado já deveria ter entregue as chaves há 15 anos, mas como pode tal entendimento ser compatível a omissão dos referidos deveres por parte da instituição financeira, exceção essa que é do conhecimento oficioso?
11ª E como pode a adquirente que não ponderou aquando da compra, por um valor manifestamente inferior ao de mercado o que levaria a que a exequente mesmo após a venda prosseguisse com a penhora ?
12ª Mais, adquiriu uma casa sabendo que estava ocupada, afigurando-se que uma família não tem mais direitos do que a outra!
13ª Aliás, a adquirente assumiu uma posição semelhante à de uma cessionária, verificando-se que através dessa compra pretendeu-se alcançar o que era proibido, resultando do Dl 227/22, de 25/10, artigos 14.º, 16.º e 18.º – em vigor na data da compra pela ora Exequente – proíbe a cessão total ou parcial do crédito ou a transmissão a terceiro da posição contratual na vigência do PERSI.
14ª Aliás, admitir a Exequente a prosseguir com a penhora ainda que com base em alegada lacuna não é mais do que deixar entrar pela janela o que se impediu de entrar pela porta, contornando a intenção que esteve subjacente ao regime criado pelo DL n.º 227/2012, de 25/10, configurando tal solução uma clara fraude à lei que nada tem a ver com a posição do executado e ora Recorrente ao longo do anos!
15ª A lógica do Tribunal a quo reside em considerar que nunca se poderá pôr em causa a cobrança de um crédito, ainda que o procedimento subjacente à cessão do mesmo tenha violado flagrantemente normas imperativas, uma vez que o Tribunal a quo coloca as regras da iniciativa privada, da livre transmissibilidade da propriedade, da concorrência e da estabilidade do mercado acima de quaisquer outros interesses!
16ª Pelo contrário, regime instituído nos artigos 14.º a 16.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, não permite outro entendimento que não seja o de que o legislador pretendeu impedir a cessão de créditos e a instauração de uma ação de execução antes da integração do devedor em incumprimento no PERSI e durante a sua execução; sendo assim ininteligível a alegação de que a exceção em causa apenas pode ser invocada até à primeira transmissão sob pena de se beneficiar o infrator.
17ª Naturalmente que perante a alegação da exceção a instituição bancária deveria vir ao autos alegar e sobretudo fazer prova com junção do talão do registo do CTT da carta a comunicar que perante o sinal de incumprimento o mutuário tinha o direito ou período de carência de 4 anos com pagamento apenas da parte relativa aos juros.
18º A instituição bancária notificada da exceção nada veio dizer e muito menos juntar em termos de prova documental, sendo certo que foi notificada através do mandatário.
19º A doutrina tem sido unânime a considerar que perante essa falta de alegação e sobretudo de prova, sejam consideradas como demonstração do incumprimento da norma imperativa sobre a instituição bancária.
20º Demonstrado o incumprimento da norma imperativa encontra-se evidenciada a aplicação das denominadas exceções dilatórias contempladas no artigo 578.º do CPC, as quais são de conhecimento oficioso, com efeitos à data da instauração da execução ao abrigo do normativo da Defesa do Consumidor.
21º Sendo do conhecimento oficioso, não está sujeita a qualquer preclusão, ou seja, pode ser invocada e declarada a todo o momento, e diríamos nós qualquer que seja a fase do processo pois que de outra forma a instituição bancária incumpridora passaria a ser beneficiaria da violação. Afigura-se assim irrelevante se decorreram ou não 15 anos após o prazo concedido para Oposição mediante Embargos, tal como é irrelevante alguma não resposta por parte executado e ora Recorrente visto que se trata de matéria do conhecimento oficioso.
22º Ao contrário da decisão recorrida, há muito que o Tribunal da 1ª instância – por se tratar de exceção de conhecimento oficioso – devia ter apreciado e verificado a exceção dilatória da inominada de preterição do PERSI.
23º Assim é absolutamente irrelevante que o prazo de apresentação de embargos tenha ou não sido precludido pois que o conhecimento oficioso e o carácter imperativo da exceção em causa não se compadecem com a preclusão do prazo de embargos.
24º Sendo, aliás, irrelevante se já teve lugar ou não alguma transmissão pois que na prática o imóvel nunca deixou de estar na posse do Recorrente em conjunto com o seu filho e netos visto que quem adquire um bem sem primeiro verificar se a casa estava e está habitada não pode ser considerado terceiro de boa-fé. Se não solicitou o dinheiro de volta foi porque não quis!
25º Ora, no caso em apreço não é essa a questão nem se trata de indeferimento preliminar nem de aperfeiçoamento do requerimento executivo, mas tão só do conhecimento da exceção dilatória e da absolvição da instância executiva, naturalmente com consequências na nulidade de adjudicação e/ ou transmissão.
26º Por outras palavras, o conhecimento da exceção não visa qualquer aperfeiçoamento do requerimento executivo pois que não se pode aperfeiçoar a falta de uma notificação formal pois que o não envio da carta registada não pode ser suprido com o aperfeiçoamento do…
27º Não está em causa o aperfeiçoamento do requerimento executivo nem o indeferimento preliminar pois que o indeferimento preliminar é passível de suprir deficiências e apresentar novo requerimento e como já vimos a questão não se resolve com suprir deficiências mas tão só com aplicar uma sanção à instituição bancária que violou uma norma imperativa, e que não pode com base na violação ser beneficiada com novas oportunidades.
28ª Resulta do despacho recorrido que o recorrente reclamou e arguiu a nulidade da penhora e da venda. Perante tal arguição de nulidade era suposto que o Meritíssimo Juiz proferisse despacho limiar e consequente determinação de suspensão imediata dos atos de execução.
29º Aliás, também era suposto que o Tribunal ordenasse a notificação do Exequente para se pronunciar sobre a arguição de nulidade da penhora e da venda e pedido de extinção da execução.
30º Os embargos instaurados pela ora Requerente no processo n.º 16488/13.7YYLSB foram julgados procedentes pelo Tribunal de 1ª Instância a qual sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa que determinou expressamente a extinção da execução e o levantamento da penhora.
31º Ora, temos que existem dois tribunais sobre a mesma questão a julgar em sentido contrário pois que no processo que correu os seus termos no Juiz-4 dos Juízos de Execução de Lisboa, os embargos foram julgados procedentes o que nunca consistiu na mera absolvição da instância.
Mas antes na absolvição do pedido pois os embargos visavam precisamente a extinção da execução e foi isso que foi declarado com o levantamento da penhora.
32ª Questão igualmente relevante, que respeita igualmente a matéria de direito e é igualmente do conhecimento oficioso que não pode deixar de ser conhecida pelo Tribunal da Relação de Lisboa respeita ao que se configura como erro judiciário na medida em que só se pode ceder um crédito de que se seja titular e que exista.
33ª Quando no processo n.º 164887/13.7YYLSB que curiosamente não contém o referido acórdão absolutória da ora Recorrente o qual só está acessível no processo que se mantém no Tribunal da Relação de Lisboa se extingue a instância e se ordenou o levantamento da penhora fica claro que a aí Exequente deixou de ser titular de qualquer crédito o que decorre do levantamento da hipoteca e se tal Exequente já não era titular de qualquer crédito só por manifesta maldade vendeu o que já não existia à ora Exequente;
34ª Não se podendo conceber que a ora Exequente pudesse desconhecer o teor do Acórdão, pudesse desconhecer o levantamento da penhora e só para prejudicar a recorrente fingiu que comprou algo que já não existia.
35ª Por último, sustentar-se que a ora Recorrente deveria voltar a deduzir embargos de executado no presente processo também configura erro judiciário na medida em que só se podem deduzir embargos para extinguir uma execução e não se pode extinguir o que já está extinto nem requerer o levantamento de uma penhora que já foi levantada por decisão judicial transitada em julgado.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente recurso ser admitido , julgado procedente por provado revogando-se o despacho recorrido e, declarando-se a extinção da execução e do levantamento da penhora se fará Justiça.”
9. O Exequente apresentou contra-alegações, mas estas foram rejeitadas, por extemporâneas.
10. Correu termos, como Apenso A aos presentes autos, um incidente de oposição à execução por embargos, deduzido pela Executada (…), onde foi proferida sentença, a 05.04.2022, com o seguinte dispositivo:
“Em face de tudo o exposto e conhecendo de imediato do mérito dos presentes embargos de executado, julgo-os parcialmente procedentes e, em consequência, determino o prosseguimento da execução quanto à dívida de capital (€ 70.246,53) acrescida dos juros de mora contados desde a data da interpelação (27.01.2007), extinguindo a execução quanto aos juros anteriores.”
11. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a Decidir
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Em conclusão, no caso em apreço importa decidir se deve ser revogado o despacho proferido pelo Tribunal a quo a 12.08.2024, relativo à arguição de nulidade formulada pela Executada a 27.02.2024, com fundamento na omissão de apreciação da exceção dilatória inominada de preterição do PERSI.
III – Fundamentação
1. Os factos relevantes no caso em apreço são os que constam do relatório.
2. Na situação vertente resulta dos termos da arguição de nulidade que a Executada entende que o Tribunal a quo deveria ter conhecido oficiosamente da exceção dilatória inominada da preterição de integração no PERSI.
A Executada não qualifica a nulidade por si invocada, sendo que a omissão em causa pode ser analisada sob a perspetiva da tramitação processual, isto é, como vício de procedimento, mas também pode ser analisada enquanto omissão de um ato decisório com um determinado conteúdo, ou seja, como vício da própria decisão, consubstanciado na falta de apreciação de uma questão de que incumbisse ao Tribunal conhecer.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.07.2022 (Carlos Castelo Branco) (Processo n.º 6804/14.0T8ALM-C.L1-2, in http://www.dgsi.pt/) abordou-se de forma muito detalhada e rigorosa esta temática, precisamente a propósito de um caso análogo ao nosso, tendo-se concluído aí que uma vez que o Tribunal apreciou a questão, na sequência do requerimento dos executados que a suscitaram, não se verifica qualquer nulidade, seja uma nulidade procedimental, seja uma nulidade da própria decisão.
Ora, no caso em apreço, na sequência da arguição de nulidade por parte da Executada, o Tribunal a quo ordenou a notificação do Exequente para se pronunciar a propósito da questão da integração da Executada no PERSI, o que foi feito, tendo o Exequente respondido a esta notificação, pelo que não se mostram corretas as asserções vertidas nos pontos 18 e 29 das conclusões.
Por outro lado, apesar de no recurso a Executada alegar que não ocorre qualquer preclusão relativamente à invocação da exceção dilatória inominada da preterição de integração no PERSI, em virtude desta ser de conhecimento oficioso (ponto 21 e seguintes das conclusões), constata-se que o Tribunal a quo não rejeitou a apreciação da nulidade por extemporaneidade, pois, como se disse acima, ordenou a notificação do Exequente para se pronunciar a propósito.
E, após a audição do Exequente, veio o Tribunal a quo a decidir a questão, indeferindo o requerimento da Executada de extinção da execução.
Ou seja, também no caso em apreço o Tribunal a quo se pronunciou expressamente sobre a questão, e fê-lo após a Executada haver suscitado essa pronúncia através do requerimento que atravessou nos autos.
Conclui-se, assim, que após a pronúncia do Tribunal a quo não subsiste qualquer nulidade.
3. No entanto, na apelação, a Executada expressa o seu dissentimento relativamente à decisão do Tribunal a quo sobre a referida exceção dilatória inominada da preterição de integração no PERSI, pelo que cumpre apreciar esta questão.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criou a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
A justificação da regulamentação legal indicada encontra-se exposta no respetivo preâmbulo: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.”
O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) encontra-se regulado nos artigos 12.º a 21.º do referido diploma legal, comportando três fases: a fase inicial, na qual o cliente bancário deve ser informado da mora e do valor da dívida, assim como deve ser apurado o motivo do incumprimento e integrado o cliente bancário no PERSI; a fase de avaliação, na qual é apreciada a solvabilidade do cliente bancário e é formulada uma proposta de regularização da dívida; a fase de negociação, na qual se diligencia o acordo do cliente bancário para a regularização da dívida (artigos 13.º a 16.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).
A pendência do PERSI constitui impedimento à instauração de cobrança de dívida pela instituição bancária contra o cliente bancário (artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10).
São abrangidos por este procedimento os clientes bancários, dizendo-se na alínea a) do artigo 3.º do diploma legal em apreço que se considera “«Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
Assim, consumidor é “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” (artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31.07).
Caracteriza, pois, o consumidor a circunstância da aquisição de bens ou serviços que efetua, ou a transmissão de direitos de que é beneficiário, serem destinadas a fins estranhos à sua atividade profissional ou comercial, quer dizer, o elemento teleológico é o traço distintivo essencial do consumidor.
No caso em apreço a Executada comprou um imóvel destinado à sua habitação própria permanente, tendo, para o efeito, contratado um mútuo com uma instituição bancária, contrato este que constitui o título executivo.
O específico contrato de onde emerge o crédito exequendo integrava-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, onde se aludia a “contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel”. Esta alínea veio a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06.08, todavia, este diploma legal entrou em vigor a 07.08.2021 (artigo 9.º), portanto, em data posterior à entrada em juízo da presente execução, não sendo, por isso, aplicável ao caso dos autos.
Dos factos descritos no requerimento executivo decorre, pois, que o contrato de crédito que constitui o título executivo integra a previsão do diploma legal em apreço, devendo a Executada ser considerada um consumidor, para os efeitos do mesmo diploma legal.
4. Ora, a observância do PERSI tem vindo a ser consensualmente considerada pela jurisprudência como uma condição objetiva de procedibilidade da execução, pelo que a sua falta consubstancia exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021 (Graça Amaral), Proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1; do Tribunal da Relação de Évora de 26.05.2022 (Tomé de Carvalho), Processo n.º 829/17.0T8ENT-D.E1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.06.2022 (Cristina Neves), Proc. n.º 172/20.8T8VLF-A.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.05.2024 (José Cravo), Proc. n.º 306/22.8T8CMN-A.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2024 (Rute Sobral), Proc. n.º 1289/23.2T8PDL-A.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 25.11.2024 (Eugénia Cunha), Proc. n.º 1145/24.7T8PRT-A.P1; todos in http://www.dgsi.pt/).
Consequentemente, a alegação e prova da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção do procedimento competem ao credor exequente (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
5. Verifica-se, então, que no despacho sindicado o Tribunal a quo não acolheu a argumentação aduzida pelo Exequente na sua resposta, pois não invocou, em suporte da decisão, a resolução do contrato de crédito em data anterior à da entrada em vigor do PERSI.
A fundamentação do despacho sindicado assenta, diversamente, na circunstância da celebração do contrato de crédito e da mora dos Executados serem anteriores à data da entrada em vigor daquele diploma legal, o que determinava a sua inaplicabilidade ao caso.
A questão que importa dilucidar respeita especificamente à aplicação do referido regime legal no tempo, a qual é regulada no respetivo artigo 39.º, que reza assim:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º.
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.
Esta norma deve ser conjugada com o artigo 40.º do mesmo diploma legal, nos termos do qual o PERSI entrou em vigor no dia 01.01.2013.
O PERSI é, pois, aplicável a contratos de crédito anteriores a 01.01.2013, desde que observados dois requisitos:
- os contratos devem encontrar-se em vigor na data de 01.01.2013;
- nessa data o devedor deve encontrar-se em mora.
Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.03.2022 (Paulo Amaral) (Proc. n.º 1340/21.0T8ENT.E1, in http://www.dgsi.pt/):
“O regime do PERSI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, é obrigatório mesmo no caso em que o início do incumprimento do contrato dado à execução tenha ocorrido em data anterior à vigência do referido diploma desde que o contrato se mantenha em vigor depois da sua entrada em vigor.”
À luz dos factos descritos no requerimento executivo, verificamos que a mora teve início em 31.12.2001, ou seja, quando entrou em vigor o PERSI, os Executados estavam em mora.
No que tange ao contrato de onde emerge a dívida executada, alegou o Exequente na resposta que ofereceu relativa à nulidade arguida pela Executada, que aquele se encontrava resolvido a 01.01.2013.
Porém, do requerimento executivo nada consta a esse respeito, aí se aludindo apenas ao vencimento antecipado da dívida, por virtude da falta de pagamento das prestações, invocando-se o disposto nos artigos 781.º e 817.º do Código Civil.
Diz-se, aliás, no referido artigo 817.º do Código Civil que “Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.”
Ou seja, é o próprio Exequente quem configura a presente execução como uma forma de obter o cumprimento da obrigação, o que pressupõe a vigência do contrato.
Assinale-se ainda que da decisão proferida na oposição por embargos deduzida pela Executada nada se extrai em sentido contrário.
E, efetivamente, o vencimento antecipado da dívida liquidável em prestações é uma realidade distinta da resolução do contrato, ainda que o incumprimento do contrato seja fundamento de resolução.
Para que opere a extinção do contrato não basta, todavia, aquele incumprimento, devendo ainda ser efetuada uma declaração à parte incumpridora com esse escopo, o que não foi alegado que tenha sucedido.
Neste sentido, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.10.2021 (Laurinda Gemas) (Proc. n.º 12205/18.3T8SNT-A.L1-2, in http://www.dgsi.pt/) que:
“II - Perante a mora no cumprimento do contrato de mútuo (no caso, de crédito à habitação) liquidável em prestações, o credor mutuante pode exigir o cumprimento do contrato (isto é, o pagamento das prestações já vencidas e do capital das prestações ainda não realizadas), perdendo o devedor o benefício do prazo (cfr. artigo 781.º do CC); em alternativa, o credor pode fazer cessar o contrato por resolução e exigir a devida indemnização, tendo direito à restituição do capital ainda em dívida (descontando o já pago), acrescido dos juros moratórios legais, contanto tenha promovido a convolação da mora em incumprimento definitivo, com prévia interpelação admonitória (não sendo caso de perda de interesse do credor) ou se possa prevalecer de convenção que preveja um tal direito potestativo, a exercitar mediante declaração recetícia (cfr. artigos 224.º, 432.º a 436.º, 798.º, 799.º, 801.º a 808.º do CC).” (v., no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.02.2023 (Anabela Luna de Carvalho) Processo n.º 1096/14.3TBSTR-E.1, in http://www.dgsi.pt/).
6. Há, contudo, mais uma questão que importa apreciar e que se mostra aludida no ponto 13 e seguintes das conclusões, a saber, a relevância das cessões de créditos sobre o PERSI.
Ora, resulta de todo o acima exposto sobre os pressupostos de aplicação deste regime legal que no mesmo são impostas obrigações às instituições de crédito, e assim, nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10:
“1 - No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: (…)
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode: (…)
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 - Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.”
No caso em apreço constata-se que, na data em que entrou em vigor o PERSI, o crédito exequendo havia sido adquirido por uma sociedade que não tinha como objeto a gestão de fundos de titularização de créditos, pois “a firma das sociedades gestoras deve incluir a expressão «sociedade gestora de fundos de titularização de créditos» ou a abreviatura SGFTC” (artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 453/99, de 05.11), e a firma daquela sociedade era (…), S.A.R.L..
Semelhante sociedade não era, também, uma instituição de crédito.
O mesmo se verifica quanto à (…) Global Limited e quanto ao Exequente, isto é, nenhuma destas sociedades constitui uma sociedade gestora de fundos de titularização de créditos, nem é uma instituição de crédito.
Ou seja, ainda que o crédito exequendo fosse suscetível de integração no PERSI, na data em que este regime legal entrou em vigor, bem como na data da entrada em juízo da presente execução o crédito não se situava na esfera jurídica de uma sociedade obrigada a observar esse procedimento.
É certo, no entanto, que a jurisprudência tem vindo a validar a proibição acima citada de cedência ou transmissão do crédito na pendência do PERSI, obstando às situações em que por via daqueles negócios se frustram as finalidades visadas com o regime legal em apreço, como sucedeu no caso tratado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2024 (Proc. n.º 451/14.3TBMTA-C.L2.S1, in http://www.dgsi.pt/):
“VI. Considerando que o legislador do Dec.-Lei n.º 227/12, de 25.10 teve o cuidado de plasmar todo um conjunto de garantias de defesa aos clientes em situações de mora ou incumprimento, maxime no artigo 18.º (Garantias do Cliente bancário), estando o mutuário/devedor em situação de lhe ser aplicado o PERSI, a entidade bancária não pode ceder o crédito a terceiro (instituição não bancária) sem ter previamente cumprido as exigências decorrentes do regime ínsito no regime decorrente do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25.10.
VII. De outro modo, estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec.-Lei n.º 227/2012 (bastando que, em violação desse diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido),
VIII. o que representaria uma autêntica fraude à lei, pois era uma forma de deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, frustrando-se completamente o objectivo prosseguido com a criação do PERSI.”
Porém, no que tange ao caso dos autos, e como resulta dos factos enunciados no relatório, o crédito exequendo saiu da esfera jurídica da instituição de crédito em 20.03.2007, portanto, mais de cinco anos antes da publicação do diploma legal de que se cura, ocorrida em 25.10.2012. Isto é, na data da primeira cessão de créditos, não era exigível, sequer possível, que o Banco (…) observasse o PERSI, porque esse regime legal ainda não existia.
E depois o crédito exequendo entrou numa sucessão de cessões, sempre no âmbito de sociedades que não se encontravam sujeitas às obrigações do PERSI, sendo certo que não decorre deste regime legal a obrigação destas sociedades retransmitirem o crédito a uma instituição bancária.
Em suma, a cronologia dos factos não consente a conclusão de que a cessão de créditos que retirou o crédito exequendo da titularidade do Banco visou frustrar a aplicação do PERSI, o qual, nessa data, ainda não existia.
Em face de todo o exposto, consideramos que o Exequente nos presentes autos não estava obrigado a demonstrar a integração dos Executados no PERSI, por não se tratar de uma entidade abrangida por esse regime legal e não se vislumbrar que a primeira cessão de créditos e as subsequentes tenham ocorrido em circunstâncias que representem uma inobservância desse regime legal.
Improcede, assim, o recurso, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com distinta fundamentação.
B) Custas
As custas são suportadas pela Executada, que fica vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV - Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 09 de Abril de 2025
Sónia Moura (Relatora)
Ana Pessoa (1ª Adjunta)
Francisco Xavier (2º Adjunto)