EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
ASSEMBLEIA GERAL
Sumário

1. As comparticipações nas despesas e encargos comuns devidas pelos proprietários no âmbito de um empreendimento turístico em propriedade plural devem ser objeto de deliberação pela assembleia de proprietários.
2. A ata da assembleia consubstancia uma formalidade ad probationem, cuja falta apenas pode ser suprida por “confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”, nos termos previstos no artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 149/23.1T8GDL.E1
(1ª Secção)

Sumário: (…)

(Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)


***

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório

1. (…) – Investimentos Turísticos, S.A., intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) Banco, S.A., peticionando a condenação da R. a pagar à A. a quantia de € 14.927,41, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação.

2. Veio a R. contestar, invocando, entre o mais, a exceção de prescrição das quotas de condomínio anteriores a abril de 2018 (designadamente, o 4.º trimestre de 2017 e o 1.º trimestre de 2018), e impugnando a factualidade alegada, sustentando que em momento algum a Autora lhe apresentou as atas onde as compartições peticionadas tenham sido estabelecidas, bem como as convocatórias para as assembleias de proprietários.

3. Foi proferido despacho saneador onde, entre o mais, se relegou para final o conhecimento da exceção de prescrição, e, após julgamento, foi proferida sentença, que terminou com a decisão de absolvição da Ré do pedido.

4. Inconformada, veio a Autora interpor recurso da sentença, cujas alegações rematou com as seguintes conclusões:

“1 - A Ré foi proprietária da fração “O” do Empreendimento Turístico (…) entre 27/09/2017 e 02/08/2019;

2 - O orçamento referente ao ano de 2017, que deliberou as comparticipações referentes à fração “O”, foi aprovado em Assembleia de Proprietários realizada em 25/03/2017,

3 - Portanto em data anterior à aquisição da fração “O”, por parte da Ré,

4 - E por tal, a única obrigação que decorria para a Recorrente era emitir trimestralmente as faturas referentes a essas comparticipações e enviá-las à Ré – O que comprovadamente fez!

5 - E só era obrigação da Ré liquidar as faturas referentes a estas comparticipações e que são as constantes dos Docs. 4 a 9 juntos com a P.I. – O que comprovadamente não fez!;

6 - O orçamento referente ao ano de 2018, foi aprovado pela Assembleia de Proprietários realizada em 29/04/2018, tendo a Recorrente enviado à Ré o aviso convocatório para a Assembleia, com o orçamento proposto e posteriormente enviado cópia das deliberações, com o orçamento aprovado;

7 - Por tal, estava a Ré obrigada a liquidar as faturas referentes a estas comparticipações e que são as constantes dos Docs. 10 a 25 juntos com a P.I.,

8 - E que apesar de terem sido enviadas pela Recorrente, não foram pagas pela Ré;

9 - O orçamento referente ao ano de 2019, foi aprovado em Assembleia de Proprietários realizada em 11/08/2019, como tal, já após a venda da fração “O” pela Ré, tendo a Recorrente enviado à Ré o aviso convocatório para a Assembleia, com o orçamento proposto;

10 - Os valores devidos pela Ré a título de Serviços de Utilização Turística (SUT), entre 27/09/2017 (data de aquisição da fração “O” pela Ré) e 27/09/2019 (data da sua venda pela Ré) são no montante de € 10.957,93;

11 - A Ré, apesar de devidamente convocada com cópia do orçamento proposto e com o devido conhecimento das deliberações, não impugnou as deliberações tomadas na Assembleia de Proprietários realizada no dia 29/04/2018, (a única para as quais tinha legitimidade),

12 - Nomeadamente, não impugnou a deliberação que aprovou o orçamento para o ano de 2018;

13 - Teve assim a Ré conhecimento, pelo anterior proprietário, a quem cabia dar-lhe esse conhecimento, do orçamento referente ao ano de 2017 e por conseguinte, das comparticipações que lhe cabiam;

14 - Teve a Ré conhecimento do orçamento referente ao ano de 2018 e por conseguinte, das comparticipações que lhe cabiam, pois recebeu da Recorrente aviso convocatório com o orçamento proposto e recebeu cópia das deliberações, nomeadamente a que aprovou o orçamento e não o impugnou;

15 - E recebeu da Recorrente as faturas com as comparticipações respetivas;

16 - A Ré nunca devolveu à Recorrente nenhuma das faturas juntas aos autos como Docs. 4 a 25 da P.I.;

17 - A Ré solicitou à Recorrente o envio de alguns documentos, os quais foram enviados por esta;

18 - Em última análise e só por mero exercício intelectual, mesmo que a Recorrente não tivesse convocado devidamente a Ré para a Assembleia de Proprietários que aprovou o orçamento de 2018, única que era da sua responsabilidade convocar,

19 - Sempre teria a Ré obrigação de pagar as comparticipações que já estavam em vigor, à data da aquisição da fração “O”, derivadas do orçamento aprovado em Assembleia de Proprietários realizada em 25/03/2017,

20 - E sempre teria a Ré obrigação de continuar a pagar essas comparticipações resultante do último orçamento aprovado, até que deixasse de ser proprietária da fração “O”;

21 - O que não pode é desobrigar-se do pagamento de qualquer comparticipação, no período em que foi proprietária, porque alega que mais tarde, pediu as atas à Recorrente e esta não as enviou, o que veio a verificar-se como falso!!!

22 - E o que não pode acontecer é ser a Ré totalmente absolvida do pedido de pagar todas as comparticipações durante o período em que foi proprietária e que resultaram dos orçamentos aprovados em 2017 e 2018,

23 - Sendo que, as que resultaram do orçamento de 2017, já tinham sido aprovadas antes da aquisição da fração “O” pela Ré,

24 - E as que resultaram do orçamento aprovado em 2018, ficou provado que foram dadas a conhecer pelo aviso convocatório, com cópia do orçamento proposto e pela cópia das deliberações enviadas, com cópia do orçamento aprovado,

25 - E o que não pode acontecer, é ser a Ré absolvida desse pedido, só porque as atas que aprovaram esses orçamentos não foram juntas aos autos pela Recorrente,

26 - Quando ficou amplamente demonstrado e não impugnado pela Ré, que esses orçamentos foram devidamente aprovados pelos proprietários;

27 - Recorde-se que, em momento algum, a Ré colocou em causa o envio dos avisos convocatórios;

28 -Em momento algum colocou em causa a realização das Assembleias dos Proprietários que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018;

29 - Em momento algum, colocou em causa a existência das atas onde constam as deliberações que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018;

30 - E em momento algum, colocou em causa a existência das deliberações que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018;

31 – E em momento algum, alegou desconhecer os orçamentos que foram aprovados nas Assembleias realizadas entre 2017 e 2018;

32 - A Ré só alegou o facto, de ter solicitado, mais tarde, à Recorrente, o envio essas atas, para darem suporte documental às faturas que já tinha recebido;

33 - E por isso é que nos temas de prova só constava, quanto a este aspeto: “- Os pedidos de documentação formulados pelo Réu (…) Banco à Autora; - A ausência de disponibilização dos elementos pedidos pelo réu à Autora”;

34 - Nunca tendo constituído temas de prova se as Assembleias se realizaram, se os orçamentos foram aprovados, se existiram atas e se a Ré disso teve conhecimento das mesmas!

35 - Reafirma-se assim que, nunca esteve em causa nos presentes autos, a existência das atas de aprovação dos orçamentos de 2017 e 2018 (os únicos que se aplicam à Ré), mas tão somente o seu reenvio, quando solicitado mais tarde, pela Ré.

36 - Ora, nunca tendo estado em causa, nos presentes autos, a existência das atas de aprovação dos orçamentos de 2017 e 2018, a sua falta de junção aos autos, não pode determinar, por si, a absolvição da Ré do pedido,

37 - Pois não tendo estado em causa, nos presentes autos, a existências das atas de aprovação dos orçamentos de 2017 e 2018, o mesmo equivale a dizer que se encontra provado que as mesmas existiram e existem;

38 - Assim, a exigibilidade das quantias a título de Serviços de Utilização Turística à Ré, não pode estar condicionada à junção aos presentes autos das atas que aprovaram os orçamentos de 2017 e 2018,

39 - Pois essa exigibilidade, resulta não só do orçamento aprovado em 25/03/2017, antes da Ré ser proprietária da fração “O”;

40 - Mas também resulta das faturas que lhe foram emitidas e enviadas pelo Recorrente, referentes às comparticipações vencidas nesse período;

41 - Como também resulta do envio à Ré, do aviso convocatório, com cópia do orçamento proposto, em 28/03/2018, para a Assembleia realizada em 29/04/2018, que aprovou o orçamento de 2018;

42 - Como também resulta do envio à Ré das deliberações, com cópia do orçamento aprovado na Assembleia realizada em 29/04/2018;

43 - Como também resulta da não impugnação das deliberações desta Assembleia pela R.;

44 - Como também resulta das faturas que lhe foram emitidas e enviadas pelo Recorrente, referentes às comparticipações vencidas nesse período;

45 - E que não foram devolvidas pela Ré;

46 – Faturas e conta corrente estas, que refletem as datas dos orçamentos aprovados, o período em que os mesmos foram aplicados e as correções que foram feitas após a aprovação de novos orçamentos.

47 – Tendo ainda resultado provado o reenvio, pelos Serviços Administrativos da Recorrente, das cópias das atas e demais documentação solicitada pela Ré, ao longo dos anos.

Acrescendo,

48 - Existe uma verdadeira contradição na Sentença recorrida, que dá como provado a obrigação da Ré em comparticipar nas despesas comuns dos Serviços de Utilização Turística (SUT),

49 - Comparticipações essas espelhadas nas faturas juntas aos autos,

50 - E não tendo a Ré feito qualquer prova de que procedeu ao pagamento dessas comparticipações,

51 - Não poderia a mesma sentença dar como não provado que: “1) Desde 31/10/2017 até 16/12/2019, venceram-se facturas não pagas em nome da Ré, a título de Serviços de Utilização Turística (SUT), bem como foram emitidas notas de crédito, tudo resultando num débito da Ré no montante de € 10.957,93.”

52 – Assim, tendo a Recorrente provado os factos constitutivos do seu direito de reclamar o pagamento das faturas peticionadas,

53 - Teria a Ré obrigação de provar (eventualmente), os factos impeditivos do direito reclamado pela Recorrente,

54 - Ou juntando ela própria, aos autos, as atas de aprovação dos orçamentos, caso tal pudesse demonstrar um facto impeditivo do direito reclamado pela Recorrente,

55 - Ou solicitando ao Tribunal que a fosse a Recorrente a proceder a essa junção.

56 - Ora, a Ré não fez nem uma coisa nem outra!

57 - E não tendo acontecido nenhuma das hipóteses anteriores, a Ré não fez prova do facto impeditivo que lhe competia,

58 - Não podendo assim, vir a beneficiar a final, dessa não junção das atas, pela Recorrente, como causa primeira e única, da sua absolvição total do pedido.

Termos em que, e nos melhores de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente, por plenamente provado e, por via dele, anular-se a sentença nos termos melhor concretizados, condenando-se a Ré no pedido formulado pela recorrente.”

5. A Ré respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a Decidir

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

Compulsadas as alegações de recurso verifica-se que no respetivo corpo a Autora aponta a sua discordância relativamente aos três factos julgados não provados pelo Tribunal a quo, mas nas conclusões apenas se reporta ao facto não provado 1) (ponto 51), aludindo ao longo das conclusões unicamente às “comparticipações” e à “SUT”.

As conclusões do recurso são, deste modo, completamente omissas quanto aos factos não provados 2) e 3), o que determina o não conhecimento da impugnação nesta parte.

Com efeito, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.10.2024 (António Fernando Marques da Silva) (Proc. n.º 2037/20.4T8STB-B.E1, in http://www.dgsi.pt/):

O recurso é, como corolário do princípio do dispositivo, necessariamente fundamentado, estando esta fundamentação subordinada a dois momentos: a alegação, onde se desenvolvem as razões que sustentam o recurso, e as conclusões, nas quais se sintetizam aquelas razões, assim se expondo os fundamentos invocados de forma sucinta e resumida (artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC). A função das conclusões analisa-se na individualização precisa do objecto do recurso, ao delimitar e definir os concretos fundamentos invocados (delimitando assim o poder de cognição do tribunal e intervindo ainda na salvaguarda do exercício cabal do contraditório). As alegações obedecem a um princípio mais amplo, contendo o desenvolvimento e discussão das razões que servem de fundamento ao recurso e que são, depois, sintetizadas nas conclusões. Existe, assim, entre as alegações e as conclusões uma relação «biunívoca» ou de interdependência e complementaridade, já que as alegações sustentam as conclusões, e as conclusões delimitam o alcance das alegações, fixando o seu sentido. Deste modo, os fundamentos invocados para sustentar o recurso têm que constar quer das alegações, onde são discutidos, quer das conclusões, onde são sumariamente evidenciados como questão a apreciar: nas alegações, o recorrente explana as razões, motivos e interpretações; nas conclusões, define o sentido preciso do argumento ou fundamento, assim o integrando no objecto do recurso. Sem a conclusão, o fundamento não integra o objecto do recurso; sem a alegação, a conclusão atraiçoa a sua finalidade, pois, sem suporte argumentativo, não constitui síntese de coisa alguma, sendo assim gratuita.”

Assim, cumpre apreciar se:

a) deve ser alterada a decisão da matéria de facto no que concerne ao facto não provado 1);

b) a decisão de direito padece de erro.

III – Fundamentação de Facto

1. No n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, norma atinente à “modificabilidade da decisão de facto”, prescreve-se que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

E no artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, estabelece-se que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A ideia fundamental que se extrai da norma transcrita é a de que deve o recorrente delimitar de forma clara o objeto do recurso, identificando os segmentos da decisão de facto que pretende impugnar e os meios de prova que impõem decisão diversa.

A razão desta exigência encontra-se na circunstância dos recursos se destinarem à reapreciação das decisões proferidas em 1ª instância e não à prolação de uma decisão inteiramente nova (entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.06.2018 (Jorge Teixeira), Processo n.º 123/11.0TBCBT.G1, e do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2021 (Fátima Andrade), Processo n.º 16/19.3T8PRD.P1, ambos in http://www.dgsi.pt/).

Constata-se que o Recorrente indicou o ponto de facto de cuja decisão discorda, bem como os meios de prova que, no seu entendimento, impõem decisão diversa, apontando ainda a decisão que se lhe afigura que seria a mais correta em face desses meios de prova, pelo que deve ser apreciada a impugnação da decisão atinente ao facto não provado sob 1).

2. O Tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:

“2.1. Factos Provados

A) A Ré foi proprietária entre 27 de Setembro de 2017 e 2 de Agosto de 2019 da fracção autónoma “O”, correspondente ao Apartamento (…9), localizado no Piso 3, Bloco B, em (…), na freguesia do (…), concelho de Grândola, descrita na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), parte integrante dos Apartamentos Turísticos da (…).

B) A Autora é a entidade administradora e exploradora do empreendimento “Apartamentos Turísticos (…)”.

C) À Ré, como proprietária, são exigidas comparticipações, na proporção do respectivo valor relativo da sua fracção, nas despesas e gastos gerais comuns relativos à conservação, fruição e funcionamento das Instalações e Equipamentos de Uso Comum e dos Serviços de Utilização Turística (SUT) de Uso Comum dos respectivos Empreendimentos.

D) Bem como nos gastos gerais de conservação e funcionamento do empreendimento e os encargos relativos às partes comuns de acordo com as rubricas orçamentais previstas no n.º 2 do artigo 35.º do Decreto Regulamentar n.º 34/97 e aprovadas pelas deliberações das Assembleias Ordinárias realizadas em cada ano, bem como ao Fundo Comum de Reserva.

E) Nos termos do ponto 30.1 do Regulamento de Administração, “O pagamento das comparticipações devidas pelos proprietários, nos termos dos artigos anteriores, será efectuado em quatro prestações trimestrais, a liquidar até ao dia 15 de cada um dos trimestres do ano civil a que respeitem.

F) Nos termos dos pontos n.º 30, n.º 2 e n.º 3, do mesmo Regulamento de Administração, “os Proprietários faltosos pagarão, a título de cláusula penal e a acrescer ao montante da comparticipação em dívida, uma importância correspondente a 10% daquele montante por cada dia até ao 30º dia de mora, e a 25% daquele montante por dia de mora a partir do 31º dia de mora até integral pagamento”.

2.2. Factos Não Provados

1) Desde 31/10/2017 até 16/12/2019, venceram-se facturas não pagas em nome da Ré, a título de Serviços de Utilização Turística (SUT), bem como foram emitidas notas de crédito, tudo resultando num débito da Ré no montante de € 10.957,93.

2) A este montante acresce a quantia de € 2.739,48 a título de cláusula penal, correspondendo a 25% do montante de € 10.957,93, porquanto a Ré não pagou as suas comparticipações dentro dos prazos do seu vencimento, nem nos 30 dias posteriores.

3) A Autora pagou a quantia de € 1.230,00 a título de honorários a Advogado.

3. Foi a seguinte a motivação da decisão de facto exarada na sentença, a qual transcrevemos na íntegra, em virtude da prova ter sido apreciada conjuntamente com respeito a todos os factos:

“Para apreciação da factualidade provada e não provada, o Tribunal sopesou o conjunto da prova produzida, designadamente:

- no depoimento de (…), técnica financeira no (…)-resort, desde 2011. Referiu que a Ré foi proprietária de uma fracção no empreendimento “Praia do (…)” – fracção “O” - de 31-10-2017 até 16-12-2019.

Nessa medida, atento o título constitutivo, estava obrigado a comparticipar nos serviços de utilização turística (SUT), atentas as assembleias realizadas, o orçamento aprovado e as permilagens que cabe a cada fracção.

Que o Ré foi convocada para todas as assembleias. As convocatórias eram expedidas por carta registada com AR e nas situações em que não esteve presente, era igualmente notificado do teor das actas.

A Autora remetia os avisos de cobrança aos proprietários sem que a tal estivesse obrigada, uma vez que tal obrigação decorre do titulo constitutivo e o pagamento é devido nos termos do regulamento.

A Ré nunca reclamou de nunca ter recebido as convocatórias ou as actas. Tinha vários interlocutores na Ré e na altura da restruturação do Banco sentiam alguma desorganização nos serviços da Ré.

As comparticipações vencem-se trimestralmente.

À data da propositura da acção – Abril de 2023 – encontrava-se em dívida o valor de € 10.957,93.

Os últimos lançamentos foram efectuados em Julho de 2019.

Sobre o valor das facturas incide IVA – é facturado como prestação de serviços.

Aludiu a inúmeros contactos com colaboradores da Ré, que solicitavam documentos e esclarecimentos que sempre foram prestados.

Prestaram ainda depoimento (…) e (…), colaboradores da Ré. Esclareceram os inúmeros contactos que estabeleceram com a Autora, no sentido de solicitar os documentos que a Ré reputa de essências para fazer os pagamentos, designadamente, as convocatórias e as actas respectivas, que nunca lhes foram remetidas. Confrontados com os emails, juntos aos autos, designadamente o que foi junto em audiência de julgamento, esclareceram que os anexos com os mencionados documentos nunca foram remetidos, não obstante disso terem dado nota.

A conjugação da prova documental e testemunhal supra sumulada, não permitiu dar como provada qualquer outro facto dos que já resultavam provados por acordo e assentes em despacho saneador.

Com efeito e para que o tribunal pudesse dar como provado o facto exarado em 1), teria a Autora de ter demonstrado quais os valores aprovados em Assembleia de Proprietários para os anos 2017 e 2019 e que os mesmos tinham sido aprovados de forma regular.

Ora, a Autora não juntou aos autos qualquer acta de Assembleia de Proprietários que demonstre a bondade dos valores que constam das facturas que emitiu, razão pela qual o tribunal não pôde dar como provado que desde 31/10/2017 até 16/12/2019, se venceram facturas…

A mera emissão de uma factura não é fonte de obrigação. No caso vertente, a fonte geradora da obrigação assenta no(s) orçamento(s) aprovado(s) em Assembleia de Proprietários, realizada(s) de acordo com as formalidades legais e quanto a esta(s) nada se provou.

Em face do exposto e sendo certo que a Autora emitiu as facturas cujo pagamento reclama, nada se provou quanto à conformidade com a fonte geradora da obrigação em que assentam.

Em face da ausência de prova, o facto vertido em 1) resultou não provado e em consequência, igualmente o facto vertido em 2), que mais não é – ou pode ser – uma decorrência da existência de mora no pagamento das comparticipações devidamente demonstradas.

Quanto ao facto vertido em 3) e pese embora a testemunha (…) tenha declarado que tem conhecimento do pagamento da quantia mencionada, nenhuma prova foi efectuada sobre tal pagamento.”

4. Sustenta, então, a Autora que deveria o facto não provado sob 1) ter sido julgado provado.

No corpo das suas alegações a Autora procede a uma extensa transcrição do depoimento da testemunha (…), com o objetivo de demonstrar o facto sindicado.

Porém, decorre da motivação do Tribunal a quo que o julgamento do facto em apreço radicou não na insuficiência da prova testemunhal, mas antes e exclusivamente na falta de prova documental.

Com efeito, o Tribunal a quo entendeu que as deliberações de aprovação das comparticipações devidas pela Ré deviam ser provadas através das atas das assembleias de condóminos, pelo que não tendo estas sido juntas aos autos, julgou não provado o indicado facto 1).

Ora, o facto em apreço possui dois segmentos, sendo o primeiro uma descrição de faturas e de notas de crédito emitidas pela Autora, e o segundo uma conclusão, consistente na afirmação de que a Ré deve à Autora a quantia aí referida.

No que tange ao primeiro segmento, resulta da motivação da decisão que o Tribunal a quo reconhece a emissão das faturas e notas de crédito, aliás, juntas aos autos e não impugnadas pela Ré, pelo que essa emissão está, efetivamente, provada.

Deve, consequentemente, ser julgado provado que:

G) A Autora emitiu faturas e notas de crédito em nome da Ré, a título de serviços de utilização turística, tendo sido apostas nas faturas datas de vencimento que se situam desde 31/10/2017 até 16/12/2019”.

5. Já no que concerne à alegada dívida da Ré para com a Autora, não podemos considerar que se trata de um facto provado pelas aludidas faturas, na medida em que estas são meros documentos contabilísticos com efeitos fiscais, isto é, não são os títulos constitutivos das obrigações nelas descritas.

Assim como os factos constitutivos da obrigação de pagamento do preço de uma venda ou de uma prestação de serviços, relativamente aos quais sejam emitidas faturas, são os respetivos contratos e não as faturas, também os factos constitutivos das obrigações dos condóminos de pagamento de comparticipações são as respetivas deliberações e não as faturas.

Do exposto decorre, de igual modo, que não consideramos estar em presença de um facto impeditivo do direito da Autora, a provar pela Ré (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), mas antes de um facto constitutivo do direito da Autora, cuja prova lhe incumbe (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

6. Alega, todavia, a Autora que a matéria atinente às deliberações não integrou os temas da prova, porém, não é isso o que revela a tramitação processual.

Com efeito, o Tribunal a quo definiu assim o objeto do litígio:

Da exigibilidade das quantias a título de Serviços de Utilização Turística à Ré.

Da natureza da obrigação de pagamento dos Serviços de Utilização Turística e respectivo prazo de prescrição.

Da prescrição das quotas anteriores a Abril de 2018, designadamente o 4.º trimestre de 2017 e o 1.º trimestre de 2018.

Da natureza da sanção penal e se a mesma é devida.”

E elencou assim os temas de prova:

Os valores devidos a título de Serviços de Utilização Turística (SUT) entre 2 de Abril de 2018, em 15 de Março de 2019 e em 7 de Junho de 2019, relativos à fracção “O”.

Os pedidos formulados pelo Réu (…) Banco à Autora.

A ausência de disponibilização dos elementos pedidos pelo Réu à Autora.”

Por outro lado, na sua contestação a Ré alegou, designadamente, que:

24.º

A mera emissão de faturas, conforme foi estratégia da Autora, e conforme a mesma pretende fazer valer, não determina, por si só, a exigibilidade dos montantes neles indicados.

Assim,

25.º

Terá a Autora ainda de demonstrar:

i) que os montantes reclamados para os anos de 2017, 2018 e 2019 foram aprovados em Assembleia de proprietários;

ii) que foram lavradas atas das referidas assembleias;

iii) Que o Réu foi validamente convocado para a realização das Assembleias anuais de proprietários;

ou

iv) caso tenha sido validamente convocado, sem que tenha comparecido às Assembleias, que foi devidamente notificado das deliberações tomadas nos termos do n.º 9 do artigo 1432.º do Código Civil; (…)

28.º

Com efeito, o Réu (…) Banco endereçou diversos pedidos à Autora, em 2 de abril de 2018, em 15 de março de 2019 e em 7 de junho de 2019, para que lhe fosse disponibilizada a seguinte documentação:

i) As atas de reunião de Condomínio, desde a data de aquisição por parte do banco (27/09/2017);

ii) O regulamento do condomínio;

iii) O extrato de conta corrente com o valor em divida, desde a data de aquisição por parte do banco;

iv) Comprovativo do NIB da conta do Condomínio;

v) Cópia do cartão com Nº de Contribuinte do Condomínio;

vi) Chaves de acesso a zonas comuns (…)

29.º

Contudo, não obstante todas as interpelações para o efeito, a Autora nunca satisfez tais pedidos.”

Da conjugação de todos estes elementos decorre que a Ré invocou expressamente a inexigibilidade da obrigação, em face da mera junção de faturas por parte da Autora, defendendo ser necessária a existência de deliberações e das respetivas atas, mais tendo alegado que solicitou à Autora o envio dessas atas e que a Autora nunca o fez, matérias estas que integraram quer o objeto do litígio, quer os temas da prova.

7. A questão reside, então, em saber se o depoimento da testemunha inquirida em audiência é adequado e suficiente para demonstrar a existência e conteúdo das deliberações, ou seja, importa apurar a força probatória das atas da assembleia de condóminos.

No caso em apreço as contribuições de que se cura respeitam a um empreendimento turístico, pelo que importa ponderar a remissão operada pelo artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 07.03, para o regime da propriedade horizontal.

Assim, a norma relevante é o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10, em cujos n.ºs 1 e 4 se diz que são obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente, e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado, sendo as deliberações consignadas em ata vinculativas, tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às frações.

A questão em apreço não é nova, ocupando a doutrina e a jurisprudência há longos anos, e apesar de terem sido avançadas distintas soluções para o problema, afigura-se maioritário o entendimento de que a ata constitui uma formalidade ad probationem, como se afirma nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 23.02.2017 (Manuel Bargado), (Processo n.º 4155/15.1T8STB.E1) e de 25.01.2018 (Florbela Moreira Lança), (Processo n.º 1011/11.6TBSTR-A.E1), nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08.11.2022 (Lina Batista), (Processo n.º 3092/21.5T8STS.P1) e de 10.03.2025 (Miguel Baldaia de Morais), (Processo n.º 3366/23.0T8PRT.P1), e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.12.2023 (Micaela Sousa), (Proc. n.º 17606/21.7T8LSB.L1-7), todos in http://www.dgsi.pt.
Também Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material, 2ª ed. Coimbra, 2021, pág. 128) aponta a ata da assembleia de condóminos como um caso em que a documentação do ato é exigida apenas para a sua prova.
Sufragamos nós também esta orientação, pelo que deve ser convocado o disposto no artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil:

Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”

Da norma exposta decorre, pois, que nestes casos não é legalmente admissível a prova por testemunhas ou por presunções judiciais (artigos 351.º e 393.º, n.º 1, do Código Civil).

Deste modo, “a forma ad probationem não constitui um requisito do negócio, consubstanciando uma regra processual que limita diretamente a prova testemunhal (cfr. artigo 364.º, n.º 2). Em suma, a forma ad probationem não rege sobre a forma dos atos mas sobre a prova judicial dos mesmos” (Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 127).

Revertendo ao caso dos autos, constatamos inexistir confissão judicial ou extrajudicial por parte da Ré relativamente ao facto em discussão nos autos.

Consequentemente, não sendo possível demonstrar tal facto por outro meio de prova, maxime, por prova testemunhal, foi correta a conclusão do Tribunal a quo no sentido de que o segundo segmento do facto em apreço não está provado.

8. Advoga, por fim, a Autora que se o Tribunal a quo entendia ser necessária a junção das atas deveria ter notificado a Ré para o fazer, ou a Autora.

Ora, desde logo, decorre do teor da contestação que a Ré negou que a Autora lhe tivesse enviado as atas e, mesmo após a junção aos autos de um email exibido em audiência pela testemunha (…), a Ré não alterou a sua posição.

Sublinhe-se que apesar de nesse email a testemunha (…) afirmar que com o mesmo envia as atas à Ré, verifica-se pelo seu teor que o referido email não foi acompanhado por qualquer anexo – PDF constante do Citius, a 22.05.2024, com a descrição “documento junto em audiência”.

Em requerimento enviado aos autos nessa mesma data de 22.05.2024, a Autora declara o seguinte:

1 – Por motivo de deslocação física dos arquivos da Autora, não tinha sido possível até à presente data, ter acesso à documentação que comprovasse o envio à Ré das convocatórias para as Assembleias que se realizaram entre 2017 e 2019, bem como, que comprovasse o envio à Ré das deliberações tomadas nessas Assembleias.

2 – Todavia, na presente data e com muito esforço e empenho dos funcionários da Autora, conseguiu-se obter grande parte dessa documentação, que não sendo exaustiva, pois muita documentação extraviou-se, demonstra a forma de atuar da Autora, que sempre se afirmou como cumpridora dos requisitos legais quer nos envios para a Ré, das convocatórias para as Assembleias Gerais, quer no envio para a Ré, das deliberações tomadas nessas Assembleias.

3 – Assim, pela importância que reveste na boa decisão dos presentes autos, bem como forma de comprovar a veracidade do depoimento da testemunha indicada pela Autora, a Sr. (…),

4 – Vem, mui respeitosamente requerer a junção aos autos dos seguintes documentos:

- Envio da Convocatória e Deliberações da AG de 29/04/2018 – Doc. 1

- Envio da Convocatória da AG de 02/06/2019 – Doc. 2

- Envio das Deliberações da AG de 02/06/2019 – Doc. 3

- Envio da Convocatória da AG de 11/08/2019 – Doc. 4

Este requerimento revela que além de ter sido integrada nos temas da prova, a questão das deliberações foi, efetivamente, discutida em audiência, tendo ficado clara para a Autora a necessidade de apresentar prova relativa às deliberações.

Mais decorre do sobredito requerimento que se outra prova a Autora não junta, é porque não a possui, pois “extraviou-se”, sendo que as menções dali constantes a “envio da convocatória e deliberações” e “envio da convocatória” não correspondem ao teor dos documentos anexados.

Com efeito, os quatro documentos indicados são compostos de registos e avisos de receção cujo remetente é a Autora e cujo destinatário é a Ré, mas junto de cada um dos destes avisos encontra-se apenas uma folha toda branca, onde, de forma manuscrita, sem qualquer assinatura, foram apostos os seguintes dizeres:

- “(…) / convoc. + delib. > AG 29.4.2018” (doc. 1);

- “(…) / convoc. AG 02.06.2018” (doc. 2);

- “(…) / com. delib. AG 02.06.2019” (doc. 3);

- “(…) / convoc. AG 11.08.2019” (doc. 4).

Ou seja, não constam destes documentos as convocatórias, nem as atas.

Em conclusão, a Autora requereu a junção de documentos aos autos, já em fase de audiência, mas não juntou as atas, declarando, nesse momento, que houve documentos que se extraviaram, os quais não logrou localizar, apesar dos esforços que desenvolveu nesse sentido, pelo que nada mais tinha o Tribunal a quo a diligenciar a este respeito.

B) Fundamentação de direito

1. No caso em apreço alega a Autora que é a entidade administradora e exploradora do empreendimento Apartamentos Turísticos (…), e que a Ré foi proprietária da fração “O” deste empreendimento até 02.08.2019.

Mais alega a Autora que a Ré não procedeu ao pagamento das comparticipações nas despesas comuns relativas à conservação, fruição e funcionamento das instalações e equipamentos de uso comum, bem como nos serviços de utilização turística de uso comum, e ainda nos gastos gerais de conservação e funcionamento do empreendimento e encargos relativos às partes comuns.

Na contestação a Ré sustentou, além do mais, que não é exigível a obrigação, porquanto cabia à Autora demonstrar que os montantes reclamados foram aprovados em assembleia de proprietários e que foram lavradas atas das assembleias, não sendo as faturas por si só suficientes para esse efeito.

Na sentença sufragou-se o entendimento da Ré, o que determinou a sua absolvição do pedido.

A impugnação da decisão de direito vertida no recurso assenta na impugnação da decisão de facto.

Contudo, o Tribunal julgou apenas parcialmente procedente a impugnação, tendo neste âmbito sido aditado o seguinte facto aos factos provados:

G) A Autora emitiu faturas e notas de crédito em nome da Ré, a título de serviços de utilização turística, tendo sido apostas nas faturas datas de vencimento que se situam desde 31/10/2017 até 16/12/2019”.

Ora, como se explica na sentença recorrida, a obrigação da Ré de comparticipação nas despesas e encargos comuns, apesar de ancorada na lei e no título constitutivo, suporta-se nas deliberações da assembleia de proprietários, nas quais se procede à liquidação dessas comparticipações, isto é, ao apuramento do valor concretamente devido.

É essa a conclusão que se extrai da conjugação do preceituado no artigo 1424.º do Código Civil, atinente aos encargos de conservação e fruição no âmbito da propriedade horizontal, com os seguintes normativos do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 07.03, que aprovou o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos:

- artigo 56.º (“Prestação periódica”)

“1 - O proprietário de um lote ou fracção autónoma de um empreendimento turístico em propriedade plural deve pagar à entidade administradora do empreendimento a prestação periódica fixada de acordo com o critério determinado no título constitutivo.

2 - A prestação periódica destina-se a fazer face às despesas de manutenção, conservação e funcionamento do empreendimento, incluindo as das unidades de alojamento, das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização comuns do empreendimento, bem como a remunerar a prestação dos serviços de recepção permanente, de segurança e de limpeza das unidades de alojamento e das partes comuns do empreendimento.

3 - Além do disposto no número anterior, a prestação periódica destina-se a remunerar os serviços do revisor oficial de contas e a entidade administradora do empreendimento, podendo suportar outras despesas desde que previstas no título constitutivo. (…)

- artigo 61.º (“Programa de administração”)

“1 - A entidade administradora dos empreendimentos turísticos em propriedade plural deve elaborar um programa de administração e de conservação do empreendimento para cada ano.

2 - O programa deve ser enviado a cada proprietário juntamente com a convocatória da assembleia geral ordinária em que se procede à respectiva aprovação para o ano seguinte.”

- artigo 63.º (“Assembleia geral de proprietários”)

“1 - A assembleia geral de proprietários integra todos os proprietários dos lotes ou fracções que constituem o empreendimento.

2 - Compete à assembleia geral: (…)

c) Aprovar o programa de administração e conservação do empreendimento”.

Por sua vez, os termos em que se calculam as comparticipações resultam dos artigos 33.º (“comparticipação nas despesas comuns”) e 35.º (“orçamento e contas”) do Decreto Regulamentar n.º 34/97, de 17.09, que regula a instalação e funcionamento dos meios complementares de alojamento turístico, classificados em três tipos: aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos e moradias turísticas, definindo os requisitos para a classificação destes estabelecimentos, bem como as contra-ordenações para o incumprimento das regras previstas neste diploma.

Deste modo, não é suficiente, para o efeito, o título constitutivo da propriedade plural, nem são suficientes as faturas, ao contrário do que pretende a Autora.

Aliás, neste sentido pronunciou-se já o Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão proferido a 16.01.2014 (Processo n.º 4356/10.9TBPTM.E1, in http://www.dgsi.pt/):

“I- Um particular não pode impor a outro um encargo sem que exista um contrato ou, pelo menos, um consentimento do onerado.

II- A administradora de um empreendimento turístico em propriedade plural, nos termos do artigo 52.º do regime jurídico aprovado Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, não pode, unilateralmente, definir o montante da prestação periódica.

III- Tal competência cabe à assembleia de proprietários, nos termos do artigo 1431.º, n.º 1, do Código Civil, por força da remissão contida no artigo 53.º daquele regime jurídico.

IV- A emissão de facturas para pagamento da prestação periódica, sem que tenha havido assembleia geral a fixar os respectivos montantes, pode ser impugnada por via de acção.”

Tanto assim que tem sido unanimemente entendido que as atas onde se contemplam tais deliberações constituem título executivo, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.04.2022 (José Lúcio), (Processo n.º 1276/20.2T8LLE-A.E1, in http://www.dgsi.pt/):

“1 – A solução mais consentânea com as normas implicadas e com a filosofia integradora do instituto da propriedade horizontal é a que admite a aplicação directa da norma do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 (com natureza regulamentar) aos proprietários dos lotes de empreendimentos turísticos, uma vez que estão submetidos genericamente ao regime legal da propriedade horizontal.

2 – Consequentemente, revestem a natureza de títulos executivos as actas das respectivas assembleias de proprietários, desde que preenchem os requisitos gerais de exequibilidade” (no mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.11.2011 (Orlando Nascimento), Processo n.º 9038/05.0TBCSC-A.L1-7, do Tribunal da Relação do Porto de 09.01.2017 (Alberto Ruço), Processo n.º 153/14.0YIPRT-A.P1, e do Tribunal da Relação de Évora de 12.01.2023 (José Manuel Barata), Proc. 1277/20.0T8LLE-A.E1, todos in http://www.dgsi.pt/).

Em face de todo o exposto, não tendo a Autora logrado provar os factos constitutivos do direito de que se arroga titular, cumpre julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão sindicada.

C) Custas

As custas são suportadas pela A., que fica vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV – Dispositivo

Em face do exposto e tudo ponderado, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Autora.

Notifique e registe.

Évora, 09 de Abril de 2025

Sónia Moura (Relatora)

Ana Pessoa (1ª Adjunta)

José António Moita (2º Adjunto)