DECISÃO FINAL
EXPROPRIAÇÃO
Sumário

I – A decisão final, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do Código de Processo Civil, é aquela que põe termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente.
II – Na ação de expropriação, para além das causas de extinção ou de absolvição da instância, previstas nos artigos 277.º e 278.º do Código de Processo Civil, prevêem-se as seguintes decisões que põem termo ao respetivo processo: (i) a decisão prevista no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações, caso inexista recurso ou não seja interposto o requerimento previsto no artigo 55.º, n.º 1, do referido Código; (ii) a decisão prevista no artigo 66.º do Código das Expropriações, se for interposto recurso; e (iii) a decisão prevista no artigo 55.º, n.º 3, do mesmo Diploma Legal, se for interposto o requerimento previsto no n.º 1 do referido artigo.
III – O despacho que indefere os requerimentos interpostos a solicitar que o tribunal a quo profira decisão final do processo, fundamentando tal indeferimento na circunstância de tal decisão final já ter sido proferida, não configura, ele próprio, a decisão final do processo.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 298/22.3T8EVR.E2
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na 2.ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
O recorrente (…) veio reclamar, nos termos do artigo 653.º,[2] n.º 3, do Código de Processo Civil, para a Conferência da decisão sumária proferida em 30-12-2024, que ora se transcreve:
Requerimento junto ao processo em 11-11-2024, com a referência citius n.º 308532:
Efetivamente, no despacho judicial proferido em 23-09-2024, o tribunal a quo fez menção expressa a que o presente recurso tinha sido interposto ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, alínea g), do Código de Processo Civil, determinando a notificação do recorrente nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, visto que o prazo de recurso era de 15 dias.
Porém, no despacho de admissão de recurso, proferido em 03-11-2024, ficou a constar o artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, artigo esse cujo prazo recursivo se reporta à 1.ª parte do artigo 638.º do mesmo Diploma Legal. A menção constante no despacho judicial de 03-11-2024, afigura-se, por isso, ter resultado de mero lapso de escrita.
Assim, deferindo-se o requerido pela recorrida “IP, S.A.”, determina-se a retificação, nos termos dos artigos 614.º, nºs. 1 e 2 e 613.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, do despacho judicial proferido em 03-11-2024, com a referência citius n.º 34580332, passando a constar, nesse despacho, o artigo 644.º, n.º 2, alínea g), onde consta o artigo “644.º, n.º 1, alínea a)”.
Notifique e proceda-se à ordenada retificação.
Uma vez que o recorrente (…) procedeu ao pagamento da multa, nos termos previstos no artigo 139.º, n.ºs 5, alínea c), e 6, do Código de Processo Civil, o recurso interposto mostra-se tempestivo, pelo que o recurso é o próprio, tendo sido recebido com o regime de subida e efeito devidos, inexistindo quaisquer circunstâncias que obstem ao seu conhecimento.
Dada a simplicidade das questões a decidir, profere-se decisão sumária nos termos dos artigos 652.º, n.º 1, alínea c) e 656.º, ambos do Código de Processo Civil.
I – Relatório
Em 15-02-2022 foi proferida, pelo tribunal a quo, a decisão final prevista no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações,[3] com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações, pelo valor de 44.448,00, adjudico à expropriante Infraestruturas de Portugal, S.A., pessoa coletiva n.º (…), com sede na Praça da Portagem, 2809-013 Almada, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno, com a área de 6857 m2, identificada como Parcela n.º 4, que fica a confrontar do Norte com (…) e outros, do Sul com Rua de (…), do Nascente com o próprio e do Poente com o próprio, a destacar do prédio misto situado em (…) ao Bairro do (…), na União das Freguesias de (…) e (…), concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…)/Freguesia Évora (…) e inscrito na matriz predial rústica da freguesia da … (extinta) sob o artigo (…), secção (…), e na matriz urbana da União das Freguesias de (…) e (…) sob o artigo … (anterior artigo … da freguesia de …).
Com cópia do presente despacho, da decisão arbitral e do relatório de avaliação apresentado pelos árbitros, notifique a entidade expropriante, o expropriado e a interessada Banco (…), S.A., com indicação, quanto a estes últimos, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso da decisão arbitral, no prazo de 20 dias a contar da notificação do presente despacho (artigos 51.º, n.º 5 e 52.º, n.º 1, ambos do Código das Expropriações).
Comunique à Conservatória do Registo Predial de Évora (artigo 51.º, n.º 6, do Código das Expropriações).
Efetuada a notificação dessa decisão final, vieram os expropriados (…) e outros invocar a nulidade dessa notificação, por não lhes ter sido enviado cópia do acordo arbitral, solicitando a repetição da mesma, com a concessão de um novo prazo de 20 dias para interpor recurso.
Após a audição da parte contrária, o tribunal a quo proferiu despacho em 01-04-2022, com o seguinte teor decisório:
Assim, não tendo o expropriado (…), no prazo de 10 dias – contado da data em que foi notificado, isto é, de 17-02-2022 –, arguido a nulidade da sua notificação, tal nulidade não pode agora fundamentar a concessão de novo prazo para a apresentação de recurso.
Conclui-se, pois, pelo indeferimento da arguida nulidade e, consequentemente, pelo indeferimento da requerida concessão de novo prazo de 20 dias para a interposição de recurso, o que se decide.
Custas do incidente pelo expropriado (…), com taxa de justiça mínima.
Notifique.
O expropriado (…) veio interpor recurso de tal despacho, vindo a entidade expropriante “Infraestruturas de Portugal, S.A.” a apresentar contra-alegações.
Por despacho proferido em 04-11-2022, nesta Relação, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor decisório:
Por isso, entende-se que, sem prejuízo da possibilidade de impugnação com o recurso da decisão final, o despacho em causa não é susceptível de recurso autónomo.
A inadmissibilidade do recurso constitui obstáculo ao conhecimento do objecto do mesmo e justifica que seja julgado findo.
Consequentemente, pelos motivos indicados, abstém-se esta Relação de conhecer do objecto do recurso, julgando-o findo.
Remetam-se os autos à 1.ª instância.
As custas são a cargo do recorrente.
Notifique e dê baixa.
Desta decisão não foi apresentada qualquer reclamação para a conferência.
Antes de os autos serem remetidos à 1.ª instância, foi aberta novamente conclusão à juíza relatora deste Tribunal da Relação, tendo sido proferido, em 07-12-2022, o seguinte despacho judicial:
Reponderando a questão da oportunidade da apelação, entendemos que não se pode deixar de ser sensível ao facto da decisão recorrida ser equivalente, na prática a uma decisão final, pois implica o não processamento do processo de expropriação litigiosa e salvaguardando a equiparação à situação prevista nos artigos 191.º e 192.º do CPC, admite-se o recurso.
Recurso próprio, tempestivo e recebido com o regime de subida devido, quanto ao tempo, modo e efeito.
Nada obsta ao seu conhecimento.
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Aos vistos em simultâneo.
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Inscreva-se em Tabela: 15.12.22

Em 15-12-2022, foi proferido acórdão neste Tribunal da Relação, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar procedente o recurso de apelação em consequência, revogar a decisão recorrida, considerando-se que a nulidade foi tempestivamente arguida, devendo ser repetida a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 51.º do CE, permitindo ao Expropriado, aqui Recorrente, querendo, apresentar recurso da decisão arbitral.
Custas pelo recorrido.

Inconformada com tal acórdão, veio a entidade expropriante “Infraestruturas de Portugal, S.A.”[4] interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o expropriado (…) apresentado as respetivas contra-alegações.
Admitido o respetivo recurso, veio a ser proferido acórdão, em 11-01-2024, pelo Supremo Tribunal de Justiça, com o seguinte teor decisório:
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o recurso de revista da expropriante, por ofensa de caso julgado formal formado com o despacho de 04-11-2022, com a consequente revogação do acórdão recorrido e do despacho datado de 07-12-2022;
b) Não admitir a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido.
Custas pelo recorrido.
Este acórdão transitou em julgado em 25-01-2024, conforme certidão junta ao processo nos termos da referência n.º 12158251.
Em 04-03-2024, o expropriado (…) veio apresentar requerimento junto do tribunal da 1.ª instância, formulando o seguinte pedido:
Pelo que vem o Expropriado requerer que este Tribunal tome a decisão final do processo, habilitando-o, assim, a apresentar (novamente) recurso do Despacho de 1 de abril de 2022, nos termos do qual foi julgado o “indeferimento da arguida nulidade e, consequentemente, pelo indeferimento da requerida concessão de novo prazo de 20 dias para a interposição de recurso, o que se decide”.

A entidade expropriante “IP, S.A.”, em resposta a tal requerimento, veio pugnar pelo indeferimento do mesmo, visto inexistir qualquer facto novo que justifique uma nova decisão, devendo o processo ser remetido ao arquivo.
O expropriado veio, em 21-03-2024, apresentar novo requerimento, reiterando o pedido formulado no requerimento de 04-03-2024.
A entidade expropriante, respondendo a tal requerimento, manteve igualmente a posição anteriormente assumida.
Em 03-05-2024, o tribunal a quo proferiu decisão, com o seguinte teor decisório:
Face ao exposto, quanto aos referidos requerimentos de 04-03-2024 e 21-03-2024 do expropriado, indefere-se totalmente o ali requerido.
Notifique.

Inconformado com tal despacho, veio o expropriado (…) interpor recurso, o qual terminou com as seguintes conclusões:
Do recurso do despacho de 7 de maio de 2024
A) Por despacho proferido em 3 de maio de 2024, decidiu o tribunal a quo “Concordar inteiramente com a exposta argumentação da expropriante, inexistindo qualquer fundamento legal para proferir nova decisão sobre a questão já objeto das mencionadas decisões proferidas no âmbito dos recursos sucessivamente interpostos para o Tribunal da Relação de Évora e para o Supremo Tribunal de Justiça. Realça-se que, como se notou na aludida decisão de 07-12-2022 do Tribunal da Relação de Évora, a decisão recorrida é equivalente, na prática, a uma decisão final, pois implica o não processamento do processo de expropriação litigiosa. Face ao exposto, quanto aos referidos requerimentos de 04-03-2024 e 21-03-2024 do expropriado, indefere-se totalmente o ali requerido”.
B) Como se demonstrou, o despacho em causa respondeu a um pedido que o Expropriado, ora Recorrente, não fez, além de ter justificado a sua (incompreensível) decisão por apelo a uma decisão que, linhas acima, tinha referido ter sido revogada!
C) Ora, de acordo com a decisão desta Veneranda Relação de 4 de novembro de 2022 o ora Recorrente só poderia recorrer de um despacho interlocutório proferido em 1 de abril de 2022, com o recurso da decisão final.
D) Uma vez que o despacho ora notificado, pressupõe o encerramento do processo (refere especificamente que a sua decisão anterior era uma decisão final, pelo que nada mais decidirá), entende o Recorrente que está, finalmente, habilitado a recorrer do despacho interlocutório proferido em 1 de abril de 2022 – que abaixo melhor se identificará e circunstanciará.
E) Em suma, trata-se de um duplo recurso cujo conhecimento se requer.
F) O Expropriado e ora Recorrente viu-se na obrigação de fazer uma retrospetiva integral dos factos que envolvem este processo, pois entende que esse era o único modo de os Venerandos Juízes Desembargadores se poderem aperceber do absurdo da decisão recorrida – dando-se aqui por reproduzidos os factos constantes da parte §2 das alegações, que aqui não se citam para não tornar as conclusões desnecessariamente longas e deixarem de prestar o seu propósito.
G) Certo é que o despacho em crise é manifestamente nulo, uma vez que “ocorre (…) ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).
H) Ao contrário do que resulta do despacho em crise, o Expropriado, e ora Recorrente, não pediu para que o tribunal a quo decidisse novamente uma questão decidida nos recursos para esta Relação de Évora e para o STJ, nem que se pronunciasse sobre a tempestividade da sua arguição de nulidade inicial.
I) O que aqui Recorrente pediu foi, tão só, que face a um acórdão do STJ que voltou a validar um despacho desta Relação que considerou que um recurso de um despacho interlocutório só poderia subir com o recurso da decisão final, que tomasse a decisão final do processo, o que, à luz da sucessão de decisões judiciais, era a única forma de o habilitar a recorrer de uma decisão iníqua e injusta, tomada já no ano de 2022. No seu requerimento de 4 de março de 2024,
J) O Recorrente referiu que: “o presente processo não conheceu avanços nesta instância por força da pendência dos recursos, primeiro do Expropriado, depois da Expropriante. Transitado em julgado o Acórdão do STJ, cabe agora a V. Exa. dar impulso ao processo. Pelo que vem o Expropriado requerer que este Tribunal tome a decisão final do processo, habilitando-o, assim, a apresentar (novamente) recurso do Despacho de 1 de abril de 2022. Ao decidir que “inexiste qualquer fundamento legal para proferir nova decisão sobre a questão já objeto das mencionadas decisões proferidas no âmbito dos recursos sucessivamente interpostos para o Tribunal da Relação de Évora e para o Supremo Tribunal de Justiça” (destaque nosso), o despacho ora recorrido é obscuro e ininteligível dado que responde a um pedido que não lhe foi feito.
K) Ou seja, o Recorrente não pediu que o Tribunal a quo decidisse matérias que já tinham sido objeto de recurso, mas somente que tomasse a decisão final, encerrando assim o processo
L) Ao decidir que “inexiste qualquer fundamento legal para proferir nova decisão sobre a questão já objeto das mencionadas decisões proferidas no âmbito dos recursos sucessivamente interpostos para o Tribunal da Relação de Évora e para o Supremo Tribunal de Justiça”, o despacho ora recorrido é obscuro e ininteligível dado que responde a um pedido que não lhe foi feito.
M) Quando cita os factos relevantes, o despacho refere que “No acórdão de 11-01-2024 do Supremo Tribunal de Justiça foi decidido julgar procedente o recurso de revista da expropriante, por ofensa de caso julgado formal formado com o despacho de 04-11-2022, com a consequente revogação do acórdão recorrido e do despacho datado de 07-12-2022”.
N) No entanto, para indeferir o requerido pelo Recorrente vem afinal dizer que “Realça-se que, como se notou na aludida decisão de 07-12-2022 do Tribunal da Relação de Évora, a decisão recorrida é equivalente, na prática, a uma decisão final, pois implica o não processamento do processo de expropriação litigiosa”.
O) Mas se a decisão foi revogada, como pode servir de fundamento?
P) Sendo, pois, nulo o despacho nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, regime que se estende aos despachos nos termos do n.º 3 do artigo 613.º do CPC.
Q) Se assim não se entender – ou seja, se se entender que não se trata de uma nulidade por obscuridade da decisão – sempre se dirá estarmos perante um erro de julgamento.
R) Independentemente de se entender a argumentação do Tribunal a quo como nula por obscuridade ou “apenas” afetada por erro de julgamento, certo é que, manifestamente, aquilo que o Recorrente requereu em 4 e 21 de março de 2024, tinha e tem cabimento processual.
S) Conforme resulta dos factos apresentados, o Acórdão do STJ de 11 de janeiro de 2024, entende que os despachos da Relação de Évora de 4 de novembro de 2022 e 7 de dezembro de 2022 (um recusando a análise do recurso, outro reponderando a questão e determinando o seu conhecimento) são contraditórios e, nesse sentido, deve ser cumprida a decisão que transitou em primeiro lugar, pelo que decidiu revogar o Acórdão desta Veneranda Relação de 15 de dezembro de 2022 e o despacho antecedente de 7 de dezembro do mesmo ano.
T) Quer isto dizer que vale a decisão de 4 de novembro de 2022 – e, deste modo, é cristalino que tem de haver uma decisão que ponha termo ao processo.
U) Desde aquela decisão da Relação de Évora de 4 de novembro de 2022, a 1.ª instância, para onde os autos foram remetidos, não tomou a decisão que ponha termo ao processo, como se impunha.
V) O único despacho proferido desde então foi o de 15 de julho de 2023, o qual não põe termo ao processo, desde logo porque nenhum elemento literal do texto permite essa interpretação.
W) Assim, se o Acórdão do STJ tivesse mantido o Acórdão da Relação de 15 de dezembro de 2022, haveria que decidir notificar o Expropriado, aqui Recorrente, da decisão arbitral, permitindo-lhe, querendo, recorrer do valor atribuído.
X) Se o Acórdão do STJ, como desafortunadamente sucedeu, decidisse como decidiu, valeria o disposto no despacho da Relação de 4 de novembro de 2022, que ordena o regresso dos autos à 1.ª instância para ser tomada a decisão que ponha termo ao processo.
Y) Não só o único despacho proferido desde então em 1.ª instância não pôs termo ao processo, como admitiu expressamente vir a decidir outras matérias, naturalmente em função do que viesse a ser decidido pelas instâncias superiores.
Z) A decisão – significativamente – foi tomada no âmbito de um translado, uma vez que o processo principal pendia no Tribunal da Relação, foi aberto um translado – o Proc. 298/22.3T8EVR-B.
AA) Esse translado foi criado na sequência da remessa pela Relação em 20 de junho de 2023, onde se referiu “Junto se remetem os presentes autos para apensação, acompanhados de transferência electrónica (finalidade: “Criar Apenso”)”.
BB) E em 27 de julho de 2023, foi emitido pela secretaria um Termo: “Nesta data cumpri o ordenado no processo principal. O/A Escrivão Adjunto”.
CC) Quer isto dizer que a decisão de 15 de julho de 2023 é uma decisão incidental que não poderia nunca significar o encerramento do processo – não neste caso, não neste translado.
DD) Foi uma decisão anómala, que resultou das circunstâncias muito particulares do caso, tomada fora do processo.
EE) Uma decisão com estas características não poderia, nunca, ser uma decisão de encerramento do processo, por ter sido tomada fora da tramitação normal do processo de expropriação tal como configurado no Código das Expropriações.
FF) Nestes termos, o Tribunal a quo tomou uma decisão com clamoroso erro de julgamento, devendo a mesma ser substituída por decisão que efetivamente reconheça ter de encerrar o processo e efetivamente o encerre.
GG) Embora de forma canhestra, o Recorrente não tem como não ver aqui a decisão final do processo que a Relação de Évora, em 4 de novembro de 2022, entendeu estar em falta.
HH) E, por cautela de patrocínio, o Recorrente e Expropriado, tem de presumir que este despacho de 7 de maio de 2024 é a decisão final que encerra o processo, momento que o habilita a recorrer do despacho de 1 de abril de 2022
II) Em cumprimento do despacho da Relação de Évora de 4 de novembro de 2022 é, pois, chegado o momento de recorrer daquele despacho de 1 de abril de 2022
Do recurso do despacho de 1 de abril de 2022
JJ) Por despacho de 1 de abril de 2022 o tribunal a quo decidiu que “não tendo o expropriado (…), no prazo de 10 dias – contado da data em que foi notificado, isto é, de 17-02-2022 –, arguido a nulidade da sua notificação, tal nulidade não pode agora fundamentar a concessão de novo prazo para a apresentação de recurso”.
KK) O despacho surge na sequência de um requerimento do Recorrente no qual argumentou que o acórdão arbitral previsto na fase pré-judicial do processo de expropriações previsto no CE, não lhe havia sido notificado.
LL) Desde logo, o despacho de que se recorre enforma uma decisão iníqua, injusta, e também surpreendente, pois se o Tribunal a quo tivesse decidido a questão de imediato após a consulta à secretaria, ainda que (ilegalmente) pudesse considerar a arguição intempestiva teria permitido ao aqui Recorrente dois dias – a que acrescem os três de multa –, para apresentar um recurso arbitral.
MM) Assim, além da interpretação das normas aplicáveis ser ilegal, verifica-se que a atuação do Tribunal a quo, ao omitir a decisão arbitral, ao dar conta da admissão do erro e, por fim, ao demorar na tomada de decisão, provocou esta situação, violando de forma grave a confiança que os cidadãos têm de ter na Justiça.
NN) Mas a decisão recorrida é essencialmente ilegal na forma como interpreta as normas de citação e de notificação.
OO) Remetendo para os factos essenciais, temos que em 16 de fevereiro de 2022, o Tribunal a quo emitiu carta registada pela qual o Expropriado ficou “notificado, na qualidade de Expropriado, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho, de que se junta cópia, da decisão arbitral, do montante depositado e ainda da faculdade de interposição de recurso”, sendo que no dia 17 de fevereiro de 2022, o Recorrente assinou o aviso de receção.
PP) A notificação recebida tinha 221 páginas, incluindo uma “petição inicial”, 33 documentos (que eram, afinal, 32) e um despacho – mas a decisão arbitral não constava entre os documentos notificados.
QQ) O Recorrente foi notificado diretamente, sem advogado constituído; sem ter quaisquer conhecimentos das leis de processo, era-lhe totalmente impossível detetar a nulidade antes de ter entregue o processo a um advogado.
RR) No dia 4 de março de 2022, o Mandatário do Expropriado arguiu a nulidade da notificação pela omissão da decisão arbitral na notificação que lhe fora dirigida, o que fez tempestivamente.
SS) Se é verdade que no n.º 5 do artigo 51.º do CE se refere uma notificação, trata-se de uma notificação sui generis, porque é, do ponto de vista material, a chamada dos expropriados ao processo judicial, sendo a primeira vez que são chamados ao processo expropriativo quando ele já se encontra num tribunal.
TT) Significativamente, a Recorrida submeteu uma “petição inicial” (cfr. ref.ª Citius 3172308) e a carta enviada ao Recorrente Expropriado refere “Registo com AR, Citação Via Postal 2ª tentativa”.
UU) Por outro lado, o n.º 5 do artigo 51.º do CE não impõe que seja enviada com aviso de receção – ora, no CPC apenas as citações são enviadas com aviso de receção; não existem nesse Código notificações enviadas com aviso de receção.
VV) Pelo que não há dúvidas de que, (i) tendo o Tribunal realizado a comunicação recorrendo ao aviso de receção, (ii) sendo a comunicação para “chamar, pela primeira vez, ao processo uma pessoa interessada na causa”, (iii) tendo a secretaria tratado o caso como uma citação, devem ser aplicadas à notificação prevista no artigo 51.º, n.º 5, do CE as garantias gerais da citação.
WW) Ora, nos termos do artigo 191.º do CPC “O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação”.
XX) Não há dúvidas que não foi observada a formalidade prevista na lei – o envio da decisão arbitral (inobservância do n.º 5 do artigo 51.º do CE); não há dúvidas igualmente que o desconhecimento do acórdão arbitral prejudica a defesa do Recorrente, e, finalmente, sendo o prazo de recurso de 20 dias, o prazo para a arguição de nulidade tem de ser o que se aplica ao recurso, por analogia com o prazo de contestação à luz do artigo 191.º do CPC.
YY) A interpretar-se de outra forma, os cidadãos expropriados, sem advogados constituídos no processo, são manifestamente discriminados face aos réus do processo civil, na medida em que têm manifestamente menos tempo (10 dias em vez de 20 ou 30) para arguir nulidades.
ZZ) É assim evidente que devem ser aplicadas as regras da citação à chamada dos expropriados ao processo judicial, única forma de tratar equitativa e justamente os cidadãos.
AAA) Nesse sentido, tendo o Expropriado assinado o aviso de receção em 17 de fevereiro de 2022, poderia invocar a nulidade no prazo de 20 dias, isto é, até 9 de março de 2022 – tendo-o feito em 4 de março de 2022, o Recorrente manifestamente arguiu a nulidade de forma tempestiva.
BBB) Por não ter entendido assim, o despacho recorrido cometeu um erro de julgamento na aplicação do direito ao interpretar erradamente o disposto nos artigos 51.º, n.º 5, do CE, em conjugação com o artigo 191.º, n.º 2, do CPC.
CCC) Ainda que assim não se entenda, o que se admite sem conceder, se se aplicar tout court o regime da notificação, ainda assim a arguição de nulidade foi tempestiva.
DDD) Com efeito, o CPC não prevê notificações com aviso de receção – as notificações são feitas por correio registado ou através da plataforma Citius e, para todas elas, funciona a regra de que se presumem feitas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando o não seja.
EEE) Se o Tribunal a quo decidiu que estamos perante uma notificação, então não podia desaplicar o regime da presunção, nos termos do qual, segundo o artigo 249.º, n.º 1, do CPC, “se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas […] por carta registada, dirigida para a sua residência […] presumindo-se […] feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
FFF) Assim, tendo o registo da carta ocorrido a 16 de fevereiro de 2022, nos termos do n.º 1 do artigo 249.º do CPC presumir-se-ia feita no dia 19 de fevereiro de 2022, mas sendo este dia um sábado, presume-se que a notificação ocorreu a 21 de fevereiro de 2022, primeiro dia útil seguinte.
GGG) Como a jurisprudência tem julgado de forma constante “a presunção instituída apenas pode ser ilidida pelo destinatário, se não for notificado ou for notificado mais tarde do que a data que resulta da presunção, donde, para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo”.
HHH) Fazer o contrário, significaria mesclar o regime das notificações com os da citação o que a lei de forma alguma prevê.
III) Ora, segundo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de janeiro de 2016 “Quando a notificação ao mandatário seja efectuada por carta registada com aviso de recepção, não assume qualquer relevo jurídico a data de assinatura do aviso”.
JJJ) Pois se o CPC não prevê notificações com aviso de receção, nem em norma alguma refere que o que conta na notificação é a data da assinatura do aviso de receção, então não podem desaplicar-se as normas referentes às presunções, como fez o Tribunal a quo, sem qualquer base legal para o efeito.
KKK) Acrescente-se que os exemplos de aplicação de aviso de receção no CE não são equiparáveis: as notificações dos artigos 10.º, n.º 5, 17.º, n.º 1, 21.º, n.º 7, 22.º, n.º 3, 35.º, n.º 1 ou 47.º, n.º 1, alínea a), são enviadas pelas entidades expropriantes, e não pelo tribunal, logo não lhes são aplicáveis as regras do CPC ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º do CE.
LLL) A escolha pelo Tribunal a quo do recurso ao aviso de receção não pode ter a virtualidade de, pura e simplesmente, afastar a aplicação do disposto no CPC quanto às datas em que as notificações se consideram feitas.
MMM) Isso significaria remeter o Recorrente para o “pior de dois mundos”: não só não beneficia do regime da citação (em que dispõe de mais tempo para arguir nulidades) como não beneficia das presunções de notificação que, nos termos da lei, e conforme reconhecido na jurisprudência, só ele, notificado, pode afastar.
NNN) Assim, se se entender que estamos perante uma notificação, esta ocorreu a 21 de fevereiro de 2022, pelo que o décimo dia para a prática do ato – no caso, a arguição de nulidade – foi o dia 3 de março de 2022.
OOO) Termos em que a prática do ato pelo Recorrente no dia 4 de março de 2022 foi tempestiva nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 e no n.º 6, ambos do artigo 139.º do CPC.
PPP) Por outro lado, não pode aplicar-se o prazo de arguição de 10 dias para nulidades num processo expropriativo na fase em que o presente se encontrava, dado que os elementos literal e teleológico subjacentes ao disposto nos artigos 195.º e 199.º do CPC, no que se refere às nulidades de notificações, pressupõem um processo judicial pendente, em que estão obrigatoriamente constituídos mandatários para representar os interesses das partes.
QQQ) Sendo essa a razão pela qual as nulidades resultantes da citação são tratadas autonomamente – no caso, permitindo ao citado argui-las no prazo de contestação.
RRR) A interpretação segundo a qual a arguição de nulidade está sujeita ao prazo geral de 10 dias em situações em que não se encontre mandatário constituído no processo ofende princípios relevantes em termos de conformação do Processo Civil, nomeadamente, o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, segundo o qual “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
SSS) Enquanto não existe um mandatário constituído no processo, não há processo equitativo.
TTT) Há uma notória desigualdade de armas, pois o processo expropriativo entra pela mão de um Advogado, mas é citado (ou notificado, se se quiser) a um cidadão que não domina aquele processo concreto nem as normas que o regulam.
UUU) Como se escreveu no Acórdão de 25 de maio de 2004 do Tribunal da Relação de Coimbra, no Proc. n.º 1790/04 “Nesse despacho ordena-se que se proceda a todas as notificações referidas no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações. Sendo aquele mandatário advogado, conhecendo, portanto, certamente, aquela norma, deveria ter verificado que tinha sido omitida a notificação da decisão arbitral e dos elementos apresentados pelos árbitros”, pelo que a jurisprudência reconhece efetivamente a diferença entre a representação por mandatário e a ausência deste precisamente no caso do artigo 51.º, n.º 5, do CPC.
VVV) O princípio da igualdade das partes no processo é consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, embora seja por vezes necessário que o juiz dê um tratamento desigual às partes, de forma a garantir a igualdade em termos substantivos, de forma a contrariar a posição mais frágil em que uma das partes se possa encontrar – é manifestamente o caso presente até à intervenção de mandatário.
WWW) O Recorrente, que não é advogado nem tão pouco licenciado em Direito, recebeu uma notificação de 221 páginas em cuja primeira página lhe davam um prazo de 20 dias para recorrer, e na última se indicava o valor de indemnização devido.
XXX) Nenhum cidadão colocado nesta situação estaria em condições de saber que dispunha apenas de um prazo de 10 dias para arguir nulidades – mais a mais quando, considerando os factos aqui em causa, a perceção da falta do documento estava bastante dificultada.
YYY) O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na CRP que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.
ZZZ) Este princípio encontra-se ainda presente no disposto no artigo 157.º, n.º 6, do CPC, onde se refere que “os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” – se a Secretaria erra a favor da parte, dando-lhe mais prazo, a parte beneficia do prazo extra; quando o erro prejudica ostensivamente a parte, tem, à luz da mesma norma e dos princípios constitucionais aplicáveis, de encontrar-se uma solução equiparável, que passará sempre por permitir ao notificado arguir a nulidade em prazo superior, no mínimo o que dispunha para praticar o primeiro ato no processo (in casu, 20 dias para apresentar recurso).
AAAA) Pelo que as normas do artigo 51.º, n.º 5, do CE, e as normas dos artigos 191.º, 195.º, 199.º, 219.º e 249.º do CPC, quando interpretadas no sentido em que, por um lado, o prazo de arguição de nulidades processuais é apenas de 10 dias e, por outro, se conta da assinatura do aviso de receção, violam o n.º 4 do artigo 20.º da CRP.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente e, em sequência,
a) Ser revogado o despacho de 7 de maio de 2024 do Tribunal Judicial de Évora, sendo o mesmo substituído por um despacho que reconheça a necessidade de se encerrar o processo nos termos do despacho do Tribunal da Relação de Évora de 4 de novembro de 2024;
Se assim não se entender,
b) Deve ser reconhecido o despacho de 7 de maio de 2024 do Tribunal Judicial de Évora como a decisão final do processo, o que habilita à apresentação de recurso do despacho do mesmo Tribunal de 1 de abril de 2022;
c) Conhecendo-se desse recurso, deve ser reconhecido que a arguição de nulidade foi tempestiva, devendo o despacho de 1 de abril de 2022 ser revogado, repetindo-se a notificação, sem a nulidade que enfermou a inicial, dando finalmente oportunidade ao Recorrente de, querendo, interpor recurso da decisão arbitral.
Só assim se fazendo JUSTIÇA!

A entidade expropriante “IP, S.A.” veio apresentar as suas contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
DA NECESSÁRIA REJEIÇÃO DO RECURSO
1.ª - Em Maio de 2022, o expropriado recorreu do despacho de 1/4/2022 e defendeu, perante a Relação, que este despacho constituiu a decisão final do processo de expropriação.
2.ª - Por decisão de 4/11/2022, a Relação entendeu, diferentemente, que aquele despacho constituía uma mera decisão intercalar, concluiu pela inadmissibilidade do recurso e ordenou a remessa do processo à 1.ª instância, e o expropriado, podendo dessa decisão reclamar para a conferência, tendo o ónus de o fazer no prazo de 10 dias, não o fez, assim se conformando com ela e deixando-a transitar em julgado (como verificou o Supremo).
3.ª - O presente recurso, que mais não constitui do que uma tentativa por parte do expropriado de tentar reverter as consequências decorrentes de ele próprio se ter conformado com aquela decisão da Relação de Évora, deve ser rejeitado.
4.ª - O presente recurso foi interposto 21 dias depois de o expropriado ter sido notificado do despacho recorrido de 3/5/2024.
5.ª - Os recursos das decisões finais são interpostos no prazo de 30 dias, os recursos das decisões interlocutórias previstas no artigo 644.º, n.º 2, são interpostos no de 15 dias e as restantes decisões só podem ser impugnadas com o recurso da decisão final (artigo 644.º, n.º 3).
6.ª - Ora, o despacho recorrido de 3/5/2024 não constitui a decisão final do processo de expropriação. Trata-se aliás de uma não decisão, já que o Tribunal entendeu que não havia qualquer decisão a proferir.
7.ª - O recurso é manifestamente contraditório, pois se o expropriado está a recorrer do despacho de 3/5/2024, peticionando que este seja revogado e substituído por outro através do qual seja proferida a decisão final do processo, está a reconhecer que o despacho de 3/5/2024 do qual recorre não constitui a decisão final.
8.ª - Não sendo o despacho de 3/5/2024 a decisão final do processo, estamos perante recurso que teria de ser interposto no prazo de 15 dias, nos termos dos artigos 638.º, n.º 1 e 644.º, n.º 2, no caso de se estar perante alguma das decisões previstas neste último [é o caso, pois trata-se de decisão proferida depois da decisão final – artigo 644.º, n.º 2, alínea g)], ou, quanto às restantes decisões, impugnado juntamente com o recurso da decisão final – e em qualquer destas duas hipóteses a conclusão é a mesma: o recurso é extemporâneo.
9.ª - Por outro lado, como o despacho de 3/5/2024 não é a decisão final do processo, o expropriado não pode, à boleia do recurso desse despacho, impugnar o despacho de 1/4/2022, uma vez que só o poderia fazer juntamente com o recurso da decisão final (artigo 644.º, n.º 3).
10.ª - Se o expropriado entendia que, na pendência do recurso anteriormente interposto, não faria sentido estar a interpor, à cautela, outro recurso (como defendeu no ponto 5 do requerimento de 21/3/2024), poderia ter interposto o recurso nos 30 dias subsequentes à notificação do acórdão do STJ, ou seja, quando ficou definitivamente assente, no processo, que o anterior recurso do expropriado tinha sido interposto extemporaneamente.
11.ª - Em qualquer caso, salta à vista a extemporaneidade da presente impugnação do despacho de 1/4/2022: pedindo o expropriado, no recurso, que o despacho de 3/5/2024 seja revogado e substituído por outro através do qual se profira a decisão final, (i) se esse pedido recursivo proceder, revogando-se o despacho de 3/5/2024 e proferindo-se, no seu lugar, a “decisão final” do processo, tal pressupõe o reconhecimento de que através daquele despacho não se proferiu a “decisão final” – e se não constituiu a decisão final, não podia, com o recurso que dele se interpôs, ser impugnado o despacho de 1/4/2022 (uma vez que este só pode ser impugnado com o recurso da decisão final); (ii) se o pedido improceder, isso significa que, tal como decidiu o Tribunal a quo, já não há decisão a proferir no processo – implicando, da mesma forma, que não se possa tomar conhecimento da impugnação do despacho de 1/4/2022 (uma vez que este só pode ser impugnado com o recurso da decisão final).
12.ª - Por todo o exposto, ambas as decisões estão a ser impugnadas extemporaneamente, pelo que o recurso não deverá ser admitido. Sem conceder:
13.ª - Pelo despacho de 3/3/2024 recorrido, o Tribunal limitou-se a concluir não haver decisão a proferir, pelo que o expropriado está a recorrer de uma não decisão (ou se assim se preferir, de um despacho de mero expediente, irrecorrível nos termos do artigo 630.º, n.º 1, do CPC).
14.ª - Quanto ao despacho de 1/4/2022, é irrecorrível, nos termos do artigo 630.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual, regra geral, não são recorríveis as «decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º».
15.ª - Com efeito, é vontade do actual legislador que as questões atinentes a nulidades processuais sejam suscitadas e definitivamente resolvidas pela 1.ª instância.
16.ª - Essas decisões só excepcionalmente admitem recurso, como decorre da parte final do artigo 630.º, n.º 2 (mas, em tal caso, cabe ao recorrente o ónus da alegação – no requerimento de interposição do recurso – do concreto fundamento excepcional de recorribilidade, sob pena de indeferimento).
17.ª - Em conclusão, o recurso deve ser rejeitado, por ser extemporâneo, relativamente a qualquer dos dois despachos impugnados, ou, assim não se entendendo, por se tratar, em ambos os casos, de despachos não recorríveis. Sempre sem conceder:
DA IMPUGNAÇÃO DO DESPACHO DE 10/5/2024
18.ª - O expropriado queria que o Tribunal proferisse a “decisão final” do processo (mas sem especificar que decisão seria essa em concreto) e o Tribunal entendeu que não há decisão alguma a proferir.
19.ª - Através do presente recurso, o apelante pede a revogação do despacho proferido e a sua substituição por outro através do qual se profira a dita “decisão final”, mas continua a não concretizar que decisão deve ser proferida em lugar do despacho recorrido, sendo forçoso concluir que o pedido deduzido através do presente recurso é ininteligível.
20.ª - Ao contrário do que alega o apelante, não é verdade que a Relação, pela decisão de 4/11/2022, tenha ordenado «o regresso aos autos à 1.ª instância para ser tomada a decisão que ponha termo ao processo»: a Relação apenas julgou extemporâneo o recurso do expropriado (porque a decisão que tinha sido concretamente impugnada pelo expropriado não era a decisão final do processo), em consequência do que julgou findo o recurso, absteve-se de conhecer do seu objecto e ordenou a remessa dos autos à 1.ª instância.
21.ª - Não há, no processo de expropriação, decisão que ainda falte proferir – e o Tribunal não podia inventar uma para satisfazer o vago pedido do expropriado.
22.ª - A decisão final do processo de expropriação é a decisão que fixa, em termos definitivos, a indemnização devida, o que significa que, (i) havendo interposição de recurso da decisão arbitral por alguma das partes, é havida como decisão final aquela que, julgando o recurso, fixa a indemnização a pagar; (ii) não sendo interposto recurso da decisão arbitral no prazo de 20 dias previsto no artigo 52.º, n.º 1, do CE, é havida como decisão final aquela que, verificando a inexistência de recurso das partes, inicia a fase de atribuição da indemnização fixada ao expropriado e aos demais interessados – quando há pluralidade de expropriados e interessados, como é o caso, a notificação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 37.º, n.º 4, do CE. Em qualquer dos casos, os actos subsequentes do processo – requerimentos sobre o acordo de pagamento, decisão a ordenar a entrega da indemnização, pagamento, custas, etc. – são meramente acessórios ou executórios da decisão final.
23.ª - Deste modo, a decisão final do processo de expropriação foi proferida em 14/6/2022 e nenhuma outra decisão se encontra por proferir.
24.ª - Nem o próprio apelante consegue identificar alguma decisão que ainda falte proferir.
25.ª - É incompreensível que o apelante se espraie em argumentos para sustentar que o despacho de 15/7/2023, pelo qual se ordenou o pagamento da indemnização arbitrada, não podia constituir a decisão final do processo, pois tal não está em discussão.
26.ª - Não se vê, em conclusão, como possa proceder o recurso.
DA IMPUGNAÇÃO DO DESPACHO DE 1/4/2022
27.ª - Constitui nulidade subsumível à previsão do artigo 195.º, n.º 1, do CPC a omissão de formalidades da notificação prevista no artigo 51.º, n.º 5, do CE – como seja a não notificação da decisão arbitral ou a não indicação da faculdade de interposição de recurso –, a qual, por conseguinte, deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar daquela notificação (artigos 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1, do CPC), tal como bem se decidiu no despacho impugnado.
28.ª - Não se aplica, assim, o disposto no artigo 191.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, norma que não é directamente aplicável ao caso e que só por analogia poderia aplicar-se.
29.ª - Analogia que não tem cabimento, porque a situação está regulada no artigo 195.º do CPC e não existe lacuna alguma a integrar.
30.ª - Sendo que, conforme entendimento há muito consolidado na doutrina e na jurisprudência, a notificação prevista no artigo 51.º, n.º 5, do CE não é, nem formalmente, nem do ponto de vista material, uma citação, não se lhe aplicando o regime da citação prescrito no CPC.
31.ª - O legislador disse o que quis dizer ao determinar, no artigo 51.º, n.º 5 (que veio de códigos anteriores), a “notificação” e não a citação, tendo em conta que esta notificação é feita num momento intermédio do processo litigioso, que se inicia com a promoção da arbitragem.
32.ª - Por outro lado, a “analogia” com o regime da citação perde, em definitivo, todo o sentido, por existir, no processo expropriativo, a norma do artigo 54.º, n.º 1, do CE (aliás citada no despacho), que sujeita ao prazo preclusivo de 10 dias a arguição de qualquer irregularidade cometida no processo de expropriação, incluindo irregularidades nos próprios laudos dos árbitros ou na decisão arbitral: a ter de se recorrer à integração de uma “lacuna”, a única analogia que faria sentido seria com esta norma do CE.
33.ª - Tendo a notificação a que se refere o artigo 51.º, n.º 5, sido remetida ao expropriado por carta registada com aviso de recepção, que este recebeu em 17/2/2022, a notificação considera-se efectuada nesta data e o prazo de 10 dias para arguir a irregularidade terminou, assim, em 28/2/2022; tendo sido arguida apenas em 4/3/2022, a arguição foi feita fora de prazo, como bem decidiu a 1.ª instância, e a irregularidade ficou, assim, sanada.
Termos em que o recurso deve ser rejeitado.
Assim não se entendendo, o que só como hipótese de raciocínio se admite, deve ser declarado improcedente.

No traslado autuado em 21-06-2023, e que passou a constituir o processo n.º 298/22.3T8EVR-B, foi proferido despacho judicial pelo tribunal a quo, em 15-07-2023, nos seguintes termos:
Está depositado à ordem dos autos de expropriação o montante de € 44.448,00, relativo à indemnização pela expropriação da indicada Parcela n.º 4, sendo certo que a expropriante não interpôs recurso da decisão arbitral.
Assim, diligencie pela imediata entrega do indicado montante ao expropriado (…).
Por ora, nada mais há a decidir (vide despacho de 15-06-2023 do Tribunal da Relação de Évora).
Notifique.

Por despacho proferido em 03-11-2024 foi pelo tribunal a quo admitido o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo tal recurso sido admitido neste tribunal nos seus exatos termos, sem prejuízo da retificação ordenada em despacho antecedente.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:[5]
1) Nulidade do despacho recorrido;
2) Revogação do despacho recorrido por erro de julgamento;
Ou, caso assim se não entenda,
3) Entender-se que o despacho recorrido constitui a decisão final do processo, admitindo-se, nesse caso, o recurso do despacho proferido em 01-04-2022;
4) Admitido esse recurso apreciar-se as seguintes questões:
a) Tempestividade do requerimento que arguiu a nulidade desse despacho;
b) Existência de errada forma na notificação efetuada;
c) Violação do princípio da igualdade das partes.
III – Matéria de Facto
O que releva para a decisão a proferir é o que já consta do relatório que antecede.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar são as questões supra elencadas.
1 – Nulidade do despacho recorrido
Considera o recorrente que o despacho recorrido é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, por ser ambíguo e obscuro, tornando a decisão ininteligível.
Fundamentou tais vícios na circunstância de o despacho recorrido, ao invés de decidir sobre a questão colocada pelo recorrente (isto é, que o tribunal a quo tomasse a decisão final do processo, habilitando-o a apresentar novamente o recurso do despacho de 01-04-2022), ter decidido que inexiste “qualquer fundamento legal para proferir nova decisão sobre a questão já objeto das mencionadas decisões proferidas no âmbito dos recursos sucessivamente interpostos para o Tribunal da Relação de Évora e para o Supremo Tribunal de Justiça”, quando tal nunca tinha sido solicitado pelo recorrente.
Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil que:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Assim, para que se mostre verificado o vício da ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é fundamental que tal ambiguidade ou obscuridade ocorra na parte decisória da sentença, sendo irrelevantes as obscuridades ou ambiguidades que possam existir na fundamentação da sentença, servindo tal fundamentação apenas para apurar o sentido pretendido quando a parte decisória se revela obscura ou ambígua.
Conforme bem referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre:[6]
No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º-1, CC e 238.º-1, CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.

Em sentido idêntico, cita-se o acórdão do STJ, proferido em 08-10-2020:[7]
II. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil só releva quando torne a parte decisória ininteligível.
III. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.

Apreciemos, então.
Ora, basta atentar à parte decisória do despacho recorrido para facilmente se verificar a inexistência de qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne essa decisão ininteligível.
Consta de tal parte decisória que “Face ao exposto, quanto aos referidos requerimentos de 04-03-2024 e 21-03-2024 do expropriado, indefere-se totalmente o ali requerido.”
É, assim, perfeitamente compreensível que o despacho recorrido indeferiu totalmente o que o recorrente havia requerido.
Atente-se que o recorrente não veio invocar que os fundamentos desse despacho se encontravam em oposição à decisão proferida, nem que o despacho conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento. De qualquer modo, sempre se dirá, por um lado, que os fundamentos invocados no referido despacho são consentâneos com a decisão proferida de indeferimento e, por outro, que o tribunal a quo apreciou a questão invocada pelo recorrente considerando que nenhuma outra decisão se encontrava por proferir, não tendo ocorrido nenhum facto novo que justificasse uma nova decisão, inexistindo igualmente qualquer fundamento legal para proferir nova
decisão sobre a questão já objeto de decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Évora e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo exposto, e sem mais delongas, improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente.
2 – Revogação do despacho recorrido por erro de julgamento
Considera o recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora proferida em 04-11-2022, já transitada, determinou que tem de haver uma decisão que ponha termo ao processo, sendo que, após a remessa do processo à 1.ª instância, esta não tomou qualquer decisão que pusesse termo ao processo, como se impunha.
Referiu ainda que a decisão proferida em 15-07-2023 se reportou a uma decisão incidental, pelo que nunca poderia consubstanciar uma decisão de encerramento do processo.
Concluiu, por fim, que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que reconheça ter de encerrar o processo e efetivamente o encerre.
Apreciemos.
A decisão do Tribunal da Relação de Évora que o Supremo Tribunal de Justiça considerou válida, por ter transitado em julgado sem ter sido impugnada, foi a proferida em 04-11-2022.
Para melhor compreensão, transcreve-se a parte de apreciação jurídica e a parte decisória:
Nesta Relação foi cumprido o contraditório relativamente ao facto do recurso ser prematuro.
Nada impede que se reaprecie a questão da admissibilidade do recurso, (pois o entendimento anterior a propósito não vincula esta Relação (artigo 641.º, n.º 5), tarefa que compete ao Relator, uma vez que a eventual inadmissibilidade integra um obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso (artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Entendemos que o recurso é prematuro.
[…]
Não há razão para que o recurso não suba só a final.
Nos termos do artigo 644.º deste Código:
Apelações autónomas
1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão»
Como ressalta do regime legal, a ideia fundamental é a de restringir a recorribilidade às decisões que ponham termo aos procedimentos em causa, possibilitando a impugnação das decisões interlocutórias apenas no recurso que vier a ser interposto da decisão final, ou em recurso autónomo após essa decisão.
Donde resulta que, nos termos dos actuais artigos 644.º a 651.º, apenas são recursos ordinários os recursos de apelação e de revista, e o primeiro cabe, em princípio, da decisão do tribunal de 1ª instância que ponha termo ao processo.
Porém, é também admissível recurso de apelação de outras decisões do tribunal de 1ª instância, conforme n.º 2 do citado artigo 644.º.
Este n.º 2 elenca um certo número de despachos que são impugnáveis por apelação autónoma, ao contrário do que acontece nos casos residuais abrangidos pelo n.º 3.
Fora destes, todas as decisões intercalares que, reunindo os pressupostos gerais de recorribilidade, não admitam recurso imediato terão que ser impugnadas no âmbito do recurso que venha a ser interposto da decisão final, se mantiverem interesse para a parte.
Assim se compreende o regime legal vigente, que prefere aguardar pela decisão que seja final para então, se for caso disso, conhecer das diversas questões conhecidas no processo e que poderiam conduzir a solução diferente da alcançada.
(Diferentemente do regime-regra que vigorava anteriormente àquele que foi estabelecido na reforma do CPC, levada a efeito pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, (e, que agora, tem correspondência no NCPC), que era o regime da impugnação autónoma e imediata de toda e qualquer decisão, as decisões de 1.ª instância impugnáveis mediante recurso de apelação, quer à luz do CPC, na versão do DL n.º 303/2007, quer na versão decorrente da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (NCPC), só são susceptíveis de recurso autónomo imediato nos casos em que ponham termo ao processo ou nas demais situações expressamente indicadas na lei (cfr. Correia de Mendonça e Henrique Antunes, “Dos Recursos”, pág. 228).
Se analisarmos as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 644.º do NCPC, constatamos que a admissão da apelação autónoma exige que a decisão em causa tenha posto termo à causa, ou a procedimento cautelar ou a incidente processado autonomamente (al. a)), ou, que, tratando-se de decisão proferida no saneador, a mesma, não obstante não ter posto termo ao processo, seja uma decisão de mérito – v. g., porque decide da procedência ou da improcedência alguma excepção peremptória –, ou que absolva “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.
Portanto, se a decisão, não pondo termo à causa,] não é de mérito, nem absolve “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”, não é, à luz do n.º 1 do artigo 644.º do NCPC, passível de apelação autónoma, que é o que sucede, por exemplo, com as decisões que julguem improcedentes as excepções dilatórias (v. g., a da ineptidão da petição inicial).
In casu, a decisão impugnada não põe termo ao processo.
O recurso em causa foi admitido com base no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC mas não se vislumbra que ponha termo a um procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
Para poder ser objecto de recurso autónomo teria de se enquadrar na previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 691.º do CPC, o que não acontece.
Por isso, entende-se que, sem prejuízo da possibilidade de impugnação com o recurso da decisão final, o despacho em causa não é susceptível de recurso autónomo.
A inadmissibilidade do recurso constitui obstáculo ao conhecimento do objecto do mesmo e justifica que seja julgado findo.
Consequentemente, pelos motivos indicados, abstém-se esta Relação de conhecer do objecto do recurso, julgando-o findo.
Remetam-se os autos à 1.ª instância.
As custas são a cargo do recorrente.
Notifique e dê baixa.

Em primeiro lugar, resulta à evidência que o despacho proferido em 04-11-2022 se limitou a declarar a inadmissibilidade do recurso interposto, julgando-o findo, por o despacho em causa não ser suscetível de recurso autónomo. Aliás, tratando-se de um despacho que tinha como objeto a apreciação da admissibilidade de um recurso, jamais poderia decidir sobre outras questões, designadamente impondo à 1.ª instância a prolação de uma decisão final.
Essa é a razão pela qual tal despacho expressamente refere que fora do elenco do n.º 2 do artigo 644.º, que permite a impugnação por apelação autónoma, todas as demais decisões intercalares “que, reunindo os pressupostos gerais de recorribilidade, não admitam recurso imediato terão que ser impugnadas no âmbito do recurso que venha a ser interposto da decisão final, se mantiverem interesse para a parte”.
Importa ainda mencionar que tal despacho refere igualmente que como “ressalta do regime legal, a ideia fundamental é a de restringir a recorribilidade às decisões que ponham termo aos procedimentos em causa, possibilitando a impugnação das decisões interlocutórias apenas no recurso que vier a ser interposto da decisão final, ou em recurso autónomo após essa decisão”.[8]
Deste modo, o que o referido despacho determinou, independentemente do seu acerto, foi a inadmissibilidade, naquele momento, do recurso interposto, por entender tratar-se de uma decisão interlocutória, sem prejuízo de, posteriormente, vir a ser interposto tal recurso juntamente com a decisão final ou em recurso autónomo após essa decisão.
Atente-se que nos termos do n.º 4 do artigo 644.º do Código de Processo Civil, se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
Assim, não só o despacho de 04-11-2022 não determinou que a 1.ª instância tivesse que proferir decisão final no processo após a remessa dos autos, como também não determinou que o referido recurso tivesse de ser interposto juntamente com a decisão final.
Não assiste, por isso, razão ao recorrente quando invoca que o tribunal a quo, ao não proferir decisão final no processo, nos termos do si requerido, está a violar a determinação do despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.
De qualquer modo, mesmo não sendo imposto pelo Tribunal da Relação de Évora, deveria, ou não, o tribunal a quo proferir nos presentes autos decisão final?
Desde logo, é importante definir o que seja decisão final. Na realidade, a decisão final, nos termos da alínea a) do n.º 1 do já citado artigo 644.º do Código de Processo Civil, é aquela que põe termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente.
Ora, conforme bem referem José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre em Código de Processo Civil Anotado (Vol. 3, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 117), relativamente ao artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o mesmo se reporta a “apelações interpostas de decisões finais, isto é, de decisões que ponham termo à causa, extinguindo a instância principal, ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente”.
No caso do Código das Expropriações, para além das causas de extinção ou de absolvição da instância, previstas nos artigos 277.º e 278.º do Código de Processo Civil, prevêem-se as seguintes decisões que põem termo ao respetivo processo: a decisão prevista no artigo 51.º, n.º 5, do referido Código, caso inexiste recurso ou não seja interposto o requerimento previsto no artigo 55.º, n.º 1, do mesmo Código. Se for interposto recurso, a decisão final passa a ser a prevista no artigo 66.º desse Código.
Se for interposto o requerimento do artigo 55.º, a decisão final passa a ser a prevista no n.º 3 desse mesmo artigo.
Não tendo nenhuma das partes envolvidas recorrido da decisão prevista no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações, proferida em 15-02-2022, decisão essa que fixou de forma definitiva o valor da indemnização a atribuir, foi esta a decisão final que pôs termo ao processo, sendo todos os despachos posteriores meros corolários daquela, limitando-se a concretizá-la.
Conforme bem se refere no acórdão do TRC, proferido em 11-01-2005, no âmbito do processo n.º 3411/04:[9]
I – O fim único do processo de expropriação litigiosa consiste em fixar o justo montante da indemnização a pagar pela entidade expropriante ao expropriado, como contrapartida da ablação que este sofreu no seu direito de propriedade.

E, a ser assim, não tendo o recorrente reclamado para a Conferência do despacho desta Relação proferido em 04-11-2022, que considerou não ser possível interpor recurso autónomo da decisão proferida pela 1.ª instância em 01-04-2022, devendo apenas tal recurso ser interposto juntamente com a decisão final ou, não recorrendo a parte desta, após o seu trânsito, o recorrente conformou-se com tal decisão, ainda que a mesma possa ser incorreta.
Deste modo, torna-se evidente que o presente processo não carece de qualquer decisão final, visto que tal decisão já foi proferida em 15-02-2022, mostrando a mesma transitada. Aliás, é bem verdade que o recorrente, apesar de solicitar que seja proferida a decisão final no presente processo, não menciona, reportando-se designadamente a artigos do Código das Expropriações, qual seja essa decisão final que se mostra em falta.
Nesta conformidade, a decisão recorrida não sofre de qualquer erro de julgamento, tendo decidido acertadamente ao indeferir o pedido de prolação de decisão final no processo, improcedendo, por isso, nesta parte, a pretensão do recorrente.
3 – Entender-se que o despacho recorrido constitui a decisão final do processo, admitindo-se, nesse caso, o recurso do despacho proferido em 01-04-2022
Entende o recorrente que, se não se considerar que o despacho recorrido deva ser revogado, deve então considerar-se que tal despacho consubstancia a decisão final do presente processo.
Apreciemos.
O despacho recorrido indeferiu os requerimentos interpostos pelo recorrente a solicitar que o tribunal a quo tomasse a decisão final do processo. Conforme já se decidiu supra, inexiste qualquer decisão final a proferir no processo, visto que a decisão final há muito que foi proferida, tendo transitado em julgado.
Deste modo, o despacho recorrido, ao indeferir a prolação de uma decisão final, decisão final essa que existe no processo e que se mostra transitada, não configura, nem pode configurar, a decisão final a proferir no processo.
É, assim, igualmente, de indeferir a presente pretensão do recorrente, rejeitando-se, em consequência, o recurso interposto do despacho proferido pela 1.ª instância em 01-04-2022, por extemporâneo, quer por não ter sido interposto juntamente com a decisão final, quer por não ter sido interposto, no prazo legal, após o trânsito em julgado dessa decisão final.
Nesta conformidade, rejeitando-se o recurso do despacho judicial proferido pela 1.ª instância em 01-04-2022, nada mais há a decidir.
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso totalmente improcedente, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Rejeita-se, por extemporâneo, o recurso interposto do despacho judicial proferido pela 1.ª instância em 01-04-2022.
Custas pelo recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
As conclusões da reclamação reproduzem as conclusões A) a AAAA) do recurso, diferindo apenas no final, cujo teor se transcreve:
Termos em que deve ser proferido acórdão pela conferência desta Veneranda Relação que conheça o presente recurso, que deve ser julgado totalmente procedente e, em sequência,
a) Ser revogada a decisão singular tomada em 30 de dezembro de 2024 pela sra. Juíza Desembargadora Relatora;
E em consequência
b) Ser revogado o despacho de 7 de maio de 2024 do Tribunal Judicial de Évora, sendo o mesmo substituído por um despacho que reconheça a necessidade de se encerrar o processo nos termos do despacho do Tribunal da Relação de Évora de 4 de novembro de 2024;
Se assim não se entender,
c) Deve ser reconhecido o despacho de 7 de maio de 2024 do Tribunal Judicial de Évora como a decisão final do processo, o que habilita à apresentação de recurso do despacho do mesmo Tribunal de 1 de abril de 2022;
d) Conhecendo-se desse recurso, deve ser reconhecido que a arguição de nulidade foi tempestiva, devendo o despacho de 1 de abril de 2022 ser revogado, repetindo-se a notificação, sem a nulidade que enfermou a inicial, dando finalmente oportunidade ao Reclamante de, querendo, interpor recurso da decisão arbitral.
SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
A recorrida “IP, SA” veio responder à reclamação, pugnando pela sua improcedência.
Por tempestiva, admitiu-se a presente reclamação, tendo-se enviado o processo, nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, à Conferência, após a ida aos vistos.
II – Objeto da Reclamação
A recorrente veio, em sede de reclamação, apresentar exatamente os mesmos fundamentos que apresentou em sede de recurso.
III – Enquadramento jurídico
Perante a mesma argumentação constante do recurso, não se vislumbra fundamento para divergir da decisão singular, cujos fundamentos se reitera nos seus exatos termos
Esclarece-se ainda que não tendo o recorrido interposto recurso, no prazo legal, da decisão prevista no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações, proferida em 15-02-2022, decisão essa que fixou de forma definitiva o valor da indemnização a atribuir e que pôs termo ao processo, não lhe é, agora, possível pretender reverter tal decisão.
Acresce que, ao não ter reclamado para a Conferência do despacho proferido por esta Relação em 04-11-2022, o recorrente conformou-se com o seu teor, sendo o mesmo insuscetível de ser alterado, independentemente do seu acerto. Porém, a não admissão desse recurso, não determina, nem pode determinar, um outro curso ao presente processo de expropriação, que não o curso legalmente previsto, com os seus momentos bem definidos na lei.
Diga-se, ainda, que, apesar de o reclamante/recorrente invocar sempre, certamente por lapso, o despacho de 07-05-2024, nesse dia não foi proferido nenhum despacho judicial, sendo o despacho a que se refere, em face do seu teor, o de 03-05-2024.
Deste modo, conforme se referiu supra, a reclamação não pode proceder, reiterando-se a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar totalmente improcedente a reclamação para a conferência interposta pelo recorrente (…), mantendo-se, assim, a decisão sumária, que julgou totalmente improcedente o recurso relativamente à decisão proferida pela 1.ª instância em 03-05-2024, e que rejeitou, por extemporâneo, o recurso interposto do despacho judicial proferido pela 1.ª instância em 01-04-2022.
Custas a cargo do recorrente/reclamante, por ter decaído (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 9 de abril de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Maria Domingas Simões
Rosa Barroso

_________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Maria Domingas Simões; 2.ª Adjunta: Rosa Barroso.
[2] A menção, na reclamação, ao artigo 652.º do Código de Processo Civil deve-se de mero lapso.
[3] Lei n.º 168/99, de 18-09.
[4] Doravante “IP, SA”.
[5] A questão invocada nas contra-alegações recursivas referente à intempestividade do recurso já se mostra apreciada.
[6] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 735.
[7] No âmbito do proc. n.º 5243/18.8T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Sublinhado nosso.
[9] Consultável em www.dgsi.pt.