Na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º, para ter um conteúdo efectivamente útil, para garantir, na maior medida possível, a satisfação do direito do cliente bancário a informação clara e completa, a comunicação prevista no n.º 3 não pode resumir-se a um mero lembrete de que o prazo do PERSI já passou. Fazer uma comunicação nestes termos é, sob o ponto de vista da satisfação do direito do cliente bancário à informação, o mesmo que não fazer comunicação nenhuma.
Execução sumária para pagamento de quantia certa.
Exequente/recorrente: (…) Banco, S.A..
Executado/recorrido: (…).
As conclusões do recurso são as seguintes:
1 – O presente recurso é interposto contra a sentença proferida pelo tribunal a quo, que, em suma, determinou o seguinte: «declara-se evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código do Processo Civil)».
2 – Não existiu por parte do exequente/recorrente qualquer incumprimento do mencionado Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
3 – A acção executiva foi intentada pelo aqui recorrente contra o recorrido, na qualidade de subscritor de uma livrança.
4 – A livrança, enquanto título de crédito, é dotada de duas características essenciais: a sua literalidade e autonomia. Ora, a relevância destas duas características para a questão em apreço, está no facto de para o portador de uma livrança, neste caso o banco recorrente, ser suficiente, para provar que detém o seu crédito, a apresentação da mesma à execução, sendo aquele título suficiente para prova de que o portador é credor do montante inscrito na livrança.
5 – Assim, e salvo o devido respeito, o tribunal a quo não tinha que ter conhecimento do contrato que esteve na origem do preenchimento da livrança dada à execução, pois não só tal informação não é necessária de ser convocada na acção executiva, como não tem o exequente de fazer prova do tipo de crédito decorrente da livrança dada à execução.
6 – O tribunal a quo não só não teve em conta a suficiência e autonomia do título de crédito, como se limitou, em sede de fundamentação de sentença que ora se recorre, em considerar, sem qualquer base de sustentação, que o banco exequente não cumpriu com as regras constantes no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não ter esclarecido convenientemente na comunicação de extinção do PERSI as razões pelas quais não considerou viável a manutenção do procedimento.
7 – A decisão do tribunal a quo limitou-se à consideração de que o recorrente «não esclareceu convenientemente, com a comunicação de extinção do PERSI apurada, as razões pelas quais não considerava viável a manutenção do procedimento», sem descortinar ou fundamentar os motivos para tal entendimento.
8 – O tribunal a quo em momento algum da sentença analisou os factos concretos em causa e limitou-se a aplicar de forma absolutamente literal o artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro.
9 – Como é sabido, a lei não deve ser interpretada de forma absolutamente literal, devendo procurar-se reconstituir o pensamento legislativo a partir do seu texto, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada, conforme artigo 9.º do Código Civil.
10 – Conforme resulta do teor das cartas de integração e extinção do PERSI, o recorrente transmitiu devidamente ao executado, ora recorrido, que o PERSI seria extinto no 91.º dia após o seu início caso o último não colaborasse com o recorrente no sentido de se alcançar acordo entre as partes, nomeadamente através do envio da documentação solicitada.
11 – O caso dos presentes autos apresenta vicissitudes que, tendo em conta a teleologia do diploma em causa e as condições específicas em que o mesmo tem aplicação, levam à conclusão de que andou mal o tribunal a quo ao considerar que o banco não esclareceu convenientemente as razões pelas quais não considerava viável a manutenção do PERSI.
12 – Ora, através da leitura das cartas de integração e extinção do PERSI remetidas pelo recorrente ao recorrido, é facilmente percetível quais são os fundamentos para a extinção do PERSI.
13 – Deste modo, aquando da integração no PERSI, o executado, ora recorrido, tinha pleno conhecimento dos fundamentos para a extinção do procedimento.
14 – Embora devidamente informado sobre os fundamentos para a extinção do procedimento, o recorrido nada comunicou ao recorrente.
15 – Como se sabe, um dos princípios fundamentais do PERSI é a colaboração do cliente bancário com a instituição bancária, para que ambos possam encontrar uma solução para a situação de incumprimento.
16 – O procedimento do PERSI comporta várias fases, durante as quais o cliente bancário deve agir de forma proativa e cooperar com a instituição bancária no encontro de uma solução conjunta para a situação de incumprimento.
17 – No caso dos autos, o executado remeteu-se ao silêncio total e absoluto, não fornecendo quaisquer informações ou pedidos, tendo chegado o 91.º dia após a sua integração no PERSI, sem ter apresentado qualquer documentação ou, no limite, comunicado com o banco.
18 – No caso em apreço, o cliente, ora recorrido, dispunha de todas as informações necessárias para colaborar com o recorrente.
19 – O que não o fez.
20 – Por esse motivo, e encontrando-se decorridos 91 dias desde a integração no PERSI, em 07.12.2022, o recorrente remeteu comunicação de extinção do PERSI com fundamento no facto de terem decorrido 91 dias desde o início do referido procedimento sem qualquer colaboração do recorrido.
21 – Neste âmbito, a concreta razão que levou à inviabilidade da manutenção PERSI encontra fundamento legal expresso na alínea c) do n.º 1 e 3 do disposto no artigo 17.º Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
22 – Considerar que estamos perante uma excepção dilatória inominada insanável é, com todo o respeito que nos merece o tribunal a quo, manifestamente desproporcional e excessivo.
23 – Desde logo, não tendo sido o executado citado para exercer o contraditório em sede de oposição à execução, não se compreende como pode o tribunal a quo absolver alguém que ainda não configura como parte no processo.
24 – O tribunal a quo não só considerou insuficiente o fundamento legal invocado, como também não permitiu ao executado pronunciar-se sobre a execução, pois que, caso tivesse concedido essa possibilidade, poderia ter sido discutido se o executado tinha conhecimento do pressuposto automático dos 91 dias, o que, por si só, teria esclarecido a dúvida do tribunal.
25 – Ademais, e caso o tribunal a quo tivesse qualquer dúvida quanto aos motivos que levaram à extinção do PERSI, deveria, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º e 7.º do CPC, resolver a dúvida em causa, convidando o executado a pronunciar-se.
26 – Note-se que, mesmo que no entendimento do exequente, aqui recorrente, não houvesse dúvidas de que o executado tinha conhecimento do limite temporal de 90 dias, ao não ser dada a possibilidade de o executado deduzir a sua defesa e contraditório, o tribunal a quo violou o princípio consagrado no artigo 3.º do CPC, que estipula o seguinte: «O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição».
27 – Assim, e dado que o executado não chegou a ser citado para deduzir oposição à execução, no limite, estaríamos perante um caso de indeferimento liminar do requerimento executivo e não de absolvição do executado da instância.
28 – O tribunal a quo focou-se exaustivamente em requerer justificações desnecessárias ao ora recorrente, ignorando o facto de poder ter esclarecimentos mais aprofundados, em sede de oposição à execução.
29 – Por todo o exposto e atenta a prova documental produzida (traduzida nas comunicações de integração e extinção de PERSI) é forçoso concluir que o ora recorrente, cumpriu escrupulosamente o disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
30 – Neste sentido, a abundante jurisprudência do douto Tribunal da Relação de Évora nos acórdãos de (i) 11.05.2023, no âmbito do processo n.º 3309/20.3T8ENT.E1, (ii) de 07.11.2023, proferido no âmbito do processo n.º 543/23.8T8ENT.E1, (iii) de 23.11.2023, proferido no âmbito do processo n.º 1195/22.8T8ENT.E1, (iv) de 26.05.2022, proferido no âmbito do processo n.º 18/22.2T8ENT, que confirmam e sustentam a posição de que a extinção do PERSI pelo decurso do prazo de 90 dias não depende da vontade da instituição bancária.
31 – A referida justificação é apenas exigida quando a instituição decide pôr termo ao procedimento, o que não se verifica no caso dos autos.
32 – Pelo exposto e diversamente aceite na jurisprudência, estando o prazo de 90 dias decorrido, o PERSI extingue-se ope legis, e por esse motivo, não existe fundamento para excepção dilatória inominada.
33 – A decisão do tribunal a quo, salvo melhor entendimento, foi desproporcional e incorrecta, não podendo, por esse motivo, ser julgada verificada a excepção dilatória inominada.
34 – Tudo visto e ponderado, deverá a douta sentença proferida ser totalmente revogada, determinando-se o prosseguimento da acção executiva nos termos legais.
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os seguintes:
1 – O título executivo é constituído por uma livrança, subscrita pelo executado, preenchida com o montante de € 5.566,42, vencida em 31.03.2023;
2 – No requerimento executivo, o recorrente alegou que o executado não pagou o montante da livrança, nem na data do vencimento desta, nem posteriormente, apesar de ter sido instado para o fazer;
3 – Em 28.05.2024, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Sendo esta a primeira intervenção jurisdicional suscitada nos autos, e tendo presentes as disposições conjugadas dos artigos 551.º, n.º 3, e 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, importa esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução e, a partir daí, aferir se foi dado cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
De facto, em conformidade com o entendimento jurisprudencial já pacificado, sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso – artigo 573.º, n.º 2, e 578.º, do Código de Processo Civil.
Destarte, convido o exequente a esclarecer e a demonstrar, no prazo de 10 (dez) dias, o que tiver por conveniente a propósito da questão ora suscitada.
(…)»
4 – Em resposta ao despacho transcrito em 3, o recorrente esclareceu o seguinte:
«1. O contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução é um contrato de crédito ao consumo como resulta da cópia do contrato que ora se anexa sob o Doc. 1;
2. O Banco ora Exequente deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), como já anteriormente alegou no seu requerimento inicial, requerendo a V. Exa. se digne admitir a junção aos autos de cópia das cartas de integração no PERSI e respectiva extinção, as quais se juntam sob os Docs. 2 e 3.»
5 – O documento junto com a resposta referida em 4 sob o n.º 2 é constituído por uma carta com o seguinte teor:
«Instituição: (…)
Data Contrato: 17/06/2022
Valor Contrato: € 4.973,98
(…)
Rua (…), BL 1, 2º-Esq.
2040-334 Rio Maior
Lisboa, 07 de setembro de 2022
Assunto: Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Contrato n.º (…) Processo n.º (…)
Caro Cliente,
Vimos, por este meio, informá-lo que nesta data, se encontram em dívida as responsabilidades decorrentes do contrato acima melhor identificado, correspondentes ao valor de € 581,38, respeitante à soma das seguintes parcelas:
Capital € 436,21
Juros € 100,30
Juros de mora € 3,28
Comissões € 36,00
Impostos € 5,59
Outras despesas € 0,00
As obrigações decorrentes do presente contrato de CI – Crédito Individual, do qual é Titular, encontram-se vencidas, desde 02.07.2022.
Conforme previsto no decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, o Banco acompanhará o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), no qual se encontra integrado desde 08.09.2022.
Com o objetivo de avaliarmos a sua capacidade financeira, para que seja possível encontrar uma solução adequada ao seu caso, solicita-se que nos remeta, no prazo máximo de 10 dias, a declaração em anexo devidamente assinada, acompanhada da seguinte documentação:
- Última Certidão de liquidação de IRS;
- Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
A referida declaração e a documentação acima indicada deverão ser enviadas para a seguinte morada: (…)
Informamos que estamos à sua disposição para prestar os esclarecimentos necessários através do telefone (…), ou através do e-mail (…)»
6 – Como anexo à carta transcrita em 5, o recorrente juntou um documento de que consta, nomeadamente, o seguinte:
«O PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, visa promover a regularização de situações de incumprimento através de soluções negociadas entre o cliente bancário e a instituição.
Negociação de soluções
Nos 30 dias após a integração do crédito em incumprimento em PERSI (data indicada na presente comunicação), a instituição deve avaliar a capacidade financeira do cliente bancário, propondo-lhe soluções para renegociar o contrato de crédito ou consolidar dívidas, quando tal seja viável.
O cliente bancário deve responder à(s) proposta(s) no prazo de 15 dias, podendo apresentar alterações ou propostas alternativas. A instituição não está obrigada a aceitar as propostas do cliente bancário.
As instituições estão impedidas de cobrar comissões pela renegociação do contrato de crédito e não podem agravar a taxa de juro acordada com o cliente.
Garantias do cliente bancário
Durante o PERSI, as instituições não podem:
- Resolver o contrato de crédito;
- Iniciar ações judiciais contra o cliente bancário; e
- Ceder o crédito a outra entidade que não seja uma instituição, salvo para efeitos de titularização.
Deveres do cliente bancário
O cliente bancário deve colaborar com a instituição na procura de soluções para a regularização da situação de incumprimento. Para tal deve respeitar os prazos para disponibilizar os documentos e as informações que lhe sejam solicitados (10 dias) e responder à(s) proposta(s) da instituição de crédito (15 dias).
Extinção do PERSI
O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.
A instituição pode ainda extinguir o PERSI caso:
- Verifique não ser viável a apresentação de propostas;
- Ocorra a penhora ou seja decretado arresto sobre bens do cliente bancário;
- Seja nomeado administrador judicial provisório no âmbito de processo de insolvência;
- O cliente bancário não colabore durante o PERSI;
- O cliente bancário ou a instituição recuse a(s) proposta(s) apresentada(s);
- O cliente bancário pratique actos susceptíveis de pôr em causa direitos ou garantias da instituição.
A instituição deve informar o cliente bancário dos fundamentos para a extinção do PERSI.
(…)»
7 – O documento junto com a resposta referida em 4 sob o n.º 3 é constituído por uma carta com o seguinte teor:
«Instituição: (…)
Data Contrato: 2022/06/17
Valor Contrato: € 4.973,98
(…)
Rua (…), BL 1, 2º-Esq.
2040-334 Rio Maior
Lisboa, 07 de dezembro de 2022
Assunto: Extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI)
Contrato n.º (…) Processo n.º (…)
Caro Cliente,
O (…) Banco, S.A., vem por este meio informá-lo que procedeu nesta data à extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento “PERSI” no qual foi integrado em 2022/09/08.
O PERSI foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo.
A extinção do PERSI implica que terminem as garantias conferidas ao cliente bancário pelo referido Procedimento, pelo que o Banco deixa de estar impedido de resolver o contrato identificado com fundamento em incumprimento, de intentar ações judiciais com vista a satisfazer o seu crédito, de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito e de transmitir a terceiro a sua posição contratual.
(…)»
8 – Em 14.11.2024, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Antes de mais, notifique o exequente para se pronunciar quanto à suficiência das razões invocadas para a extinção do PERSI.»
9 – Em resposta ao despacho transcrito em 8, o recorrente esclareceu o seguinte:
«1. Foi o aqui Exequente notificado, nos termos do referido Despacho, para se pronunciar quanto à suficiência das razões invocadas para extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (“PERSI”);
2. O Exequente procedeu à integração do Executado no PERSI no dia 07 de Setembro de 2022, conforme cópia da carta de integração junta como Documento n.º 2 com o requerimento apresentado pelo Exequente, nos presentes autos, no dia 21.06.2024;
3. O Executado, conforme teor da referida carta de integração no PERSI, foi expressamente informado dos motivos legais que levam à extinção do procedimento, conforme o seguinte excerto constante da referida carta:
Extinção do PERSI
O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.
A instituição pode ainda extinguir o PERSI caso:
- Verifique não ser viável a apresentação de propostas;
- Ocorra a penhora ou seja decretado arresto sobre bens do cliente bancário;
- Seja nomeado administrador judicial provisório no âmbito de processo de insolvência;
- O cliente bancário não colabore durante o PERSI;
- O cliente bancário ou a instituição recuse a(s) proposta(s) apresentada(s);
- O cliente bancário pratique actos susceptíveis de pôr em causa direitos ou garantias da instituição.
A instituição deve informar o cliente bancário dos fundamentos para a extinção do PERSI.
4. No presente caso, por não ter existido qualquer acordo entre as partes para prorrogação do prazo e por terem decorrido 91 (noventa e um) dias, o PERSI considerou-se extinto.
5. Assim, a referida extinção operou por força da lei, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
6. Por esse motivo, o Exequente, cumpriu com o seu dever de informação, remetendo carta de extinção de PERSI ao Executado, em 07 de Dezembro 2022, conforme cópia da carta junta como Documento n.º 2 com o requerimento datado de 21.06.2024;
7. Conforme teor da referida carta, o Executado foi devidamente informado pelo Exequente dos motivos que levaram à extinção do PERSI, isto é, reitera-se, por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI, nos termos do disposto alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
8. Tal carta, que comunica a extinção do PERSI por decurso do prazo estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), afigura-se suficientemente clara, rigorosa e legível, em especial quando o Executado se encontrava devidamente informado das consequências do decurso do prazo de 91 dias.
9. Conforme vem sendo entendido pela jurisprudência: (…)
10. Face ao exposto, por se mostrar provado que o ora Exequente cumpriu com a devida integração e extinção do PERSI, nos termos da lei, requer-se, mui respeitosamente, a V. Exa. prossecução dos presentes autos.»
10 – Em seguida, foi proferida a decisão recorrida, na qual se escreveu, nomeadamente, o seguinte:
«A lei exige que a integração dos executados no PERSI e a extinção deste sejam devidamente comunicadas aos executados.
Na situação em apreço, ficou apurado que na carta de extinção do PERSI consta apenas que:
“O PERSI foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em procedimento PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo.”
Resta saber se esta indicação, sem referência às razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, é suficiente para se considerar cumprido o PERSI.
Nesta matéria, entende-se que, e salvo o devido respeito por melhor e superior entendimento, a Relação de Évora já assumiu a posição de que a indicação apurada não é suficiente para se considerar cumprido o PERSI.
De facto, de acordo com o acórdão da Relação de Évora de 25.11.2021, processo n.º 17026/20.0T8PRT.E1, in dgsi, “1- A extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI. 2- A ineficácia da extinção do PERSI impede a entidade bancária de intentar ação executiva contra o cliente bancário tendente à satisfação do seu crédito, por faltar uma condição de admissibilidade da execução, que correspondente a uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva caso a mesma tenha sido instaurada. (sumário da relatora).”
Do mesmo modo, nos termos do acórdão da Relação de Évora de 24.11.2022, processo n.º 824/22.8T8ENT.E1, in dgsi, “I. Tendo a instituição bancária indicado genericamente como fundamento legal da extinção do PERSI, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, e tendo também indicado genericamente a causa da inviabilidade da manutenção do procedimento, referenciando tão só a falta de colaboração com a instituição de crédito e a falta de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, nada de concreto referiu quanto aos fundamentos da extinção do referido procedimento, seja por via da descrição dos factos que a tal determinaram, seja pela concretização dos fundamentos que, no seu entender, a tal levaram. II. Essa forma de comunicação viola a ratio legis do citado diploma, bem como o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do mesmo, e artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012, do Banco de Portugal, aplicável ao caso dos autos, impedindo os clientes bancários de se defenderem, quer no plano factual, quer no plano legal, caso a entidade bancária venha instaurar procedimento judicial contra os mesmos para cobrança do crédito incumprido. III. A violação do no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos, determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo mesmo artigo 17.º), mantendo-se o impedimento de instauração da ação executiva.”
Este entendimento alicerça-se no artigo 17.º, n.º 3, do Regime do PERSI, nos termos do qual “3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.”
Na verdade, entende-se que o exequente não esclarece convenientemente, com a comunicação de extinção do PERSI apurada, as razões pelas quais não considerada viável a manutenção do procedimento, não estando, pois, respeitando o artigo 17.º indicado, o que determina a ineficácia da extinção do PERSI, nos termos do n.º 4 do referido artigo.
Assim sendo, é forçoso concluir que o exequente/embargado não evidenciou, conforme lhe competia, o cumprimento do PERSI relativamente ao executado, designadamente a extinção do PERSI, sendo que este procedimento, configurando uma condição objectiva de procedibilidade da acção executiva, conduz à procedência de excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância de todos os executados, tudo conforme resulta da conjugação das disposições legais contidas nos artigos 18.º, n.º 1, alínea b) e 21.º, do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e artigos 576.º, n.º 1, 2, 577.º, 578.º e 573.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil.»
1 – Sendo o título executivo constituído por uma livrança, estava vedado, ao tribunal a quo, o conhecimento da relação subjacente; daí que a aplicabilidade do regime do PERSI nem sequer devesse ter sido equacionada;
2 – O conteúdo da carta mediante a qual comunicou, ao recorrido, a extinção do PERSI, cumpre as exigências decorrentes do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10;
3 – A decisão recorrida foi proferida sem que o recorrido tivesse sido citado, o que impossibilitou o exercício do contraditório e a discussão sobre se aquele «tinha conhecimento do pressuposto automático dos 91 dias, o que, por si só, teria esclarecido a dúvida do Tribunal».
Analisemos estas questões.
1. O facto de o título executivo ser constituído por uma livrança não afasta a aplicabilidade do regime jurídico do PERSI, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, nem dispensa (muito menos veda) o conhecimento oficioso, por parte do tribunal, da excepção dilatória inominada insanável com fundamento na qual declarou a execução extinta.
As características da literalidade e da autonomia da livrança, invocadas pelo recorrente em abono da sua tese, significam, respectivamente, que «o direito incorporado no título é definido nos precisos termos que dele constam» e que os direitos cartulares são «direitos diferentes, quer da relação fundamental, quer das sucessivas convenções extra-cartulares»[1].
Tais características não influem na delimitação do âmbito de aplicação do regime jurídico do PERSI, que é feita, em termos imperativos, pelos artigos 1.º a 3.º do Decreto-Lei n.º 227/2012. Seria um contrassenso que o regime de protecção do cliente bancário estabelecido por este diploma legal, que é de evidente e relevante interesse público, pudesse ser afastado mediante a simples subscrição de um título de crédito por aquele e a ulterior instauração, pela instituição de crédito, de uma acção executiva oferecendo aquele título de crédito como título executivo. Isso equivaleria a tornar letra morta o regime do PERSI. Salta à vista que não pode ser esta a solução legal.
Aquilo que resulta dos artigos 1.º a 3.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 é precisamente o contrário daquilo que o recorrente pretende. O disposto neste diploma legal é sempre aplicável aos contratos de crédito, celebrados com clientes bancários, enumerados no n.º 1 do seu artigo 2.º, sendo considerado cliente bancário «o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito» [artigo 3.º, al. a)]. Não se encontram excepcionados, e seria absurdo que o estivessem, os casos em que o cliente bancário, além de celebrar um contrato de crédito, subscreve um título de crédito, nomeadamente uma livrança.
Concluímos, assim, que o regime jurídico do PERSI é aplicável à situação dos autos.
2. Cumpre, seguidamente, resolver a questão de saber se o conteúdo da carta mediante a qual o recorrente comunicou, ao recorrido, a extinção do PERSI, cumpre as exigências decorrentes do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10.
A propósito desta questão, o recorrente lança mão de argumentos sem relevância para a sua resolução.
Assim, o recorrente sustenta que, através do envio da carta mediante a qual comunicou, ao recorrido, a sua integração em PERSI, bem como do documento a ela anexo, transmitiu, de forma clara e bastante explícita, que aquele procedimento seria extinto no 91.º dia após o seu início caso o recorrido não colaborasse no sentido da obtenção de um acordo, nomeadamente através do envio da documentação solicitada.
O recorrente enfatiza que, através da leitura dessa carta, é facilmente perceptível quais são os fundamentos para a extinção do PERSI. Consequentemente, aquando da sua integração em PERSI, o recorrido já teria conhecimento dos referidos fundamentos, pelo que lhe competia remeter a documentação necessária para a avaliação da sua capacidade financeira, por forma a ser possível, ao recorrente, propor uma solução para o incumprimento verificado. Porém, prossegue o recorrente, o recorrido nada lhe comunicou, tendo sido por esse motivo que, em 07.12.2022, lhe comunicou a extinção do PERSI com fundamento no facto de terem decorrido 91 dias desde o início deste procedimento sem qualquer colaboração sua.
Em face desse conhecimento, por parte do recorrido, logo desde o momento da sua integração em PERSI, dos fundamentos de extinção deste, sustenta o recorrente que, «Considerando a análise conjunta da carta de integração e carta de extinção do PERSI, é forçoso concluir que está subentendido que o processo é extinto quando decorram 91 dias desde o seu início sem que seja remetida a documentação solicitada e necessária para cabal análise de eventuais soluções para o incumprimento.»
O recorrente acrescenta que, «sendo um dos princípios do PERSI a colaboração dos clientes bancários com a instituição de crédito, e não tendo o ora Recorrido demonstrado qualquer tipo de interesse em colaborar com o Recorrente numa solução, não existiam quaisquer razões para manter o procedimento. Pelo que, decorridos os 91.º dias após o início sem ter sido remetida qualquer resposta pelo Recorrido, o PERSI considerou-se extinto.»
Com esta argumentação, o recorrente parece pretender desfocar a questão que estamos a analisar.
Independentemente do conteúdo da comunicação da integração do devedor em PERSI e da maior, menor ou nula colaboração deste para a ultrapassagem da situação de incumprimento contratual, a comunicação de extinção do PERSI tem de obedecer ao disposto no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012. Por outras palavras, a inobservância de alguma das exigências feitas por esta norma sobre o conteúdo da comunicação de extinção do PERSI não pode ser suprida através do apelo à comunicação de integração em PERSI ou da alegação de falta de cooperação por parte do devedor. Em qualquer caso, o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 terá de ser cumprido.
Concentremo-nos, então, na análise daquilo que realmente interessa para a decisão do recurso: se o conteúdo da comunicação, dirigida ao recorrido, de extinção do PERSI, cumpriu o disposto no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012.
O n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 estabelece que «a instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento». O n.º 4 do mesmo artigo dispõe que «a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.».
Decorre da conjugação destas duas normas que o dever de comunicação estabelecido no n.º 3 abrange, quer as hipóteses previstas no n.º 2, quer as previstas no n.º 1. Em todas elas, mesmo na prevista na alínea b) do n.º 1, a comunicação é obrigatória. Além de obrigatória, a comunicação é condição da eficácia da extinção do PERSI em todas as hipóteses previstas no n.º 2 e naquelas que o são nas alíneas a), c) e d) do n.º 1, pois o n.º 4 apenas exclui a da alínea b) deste último número.
Portanto, sublinhamos, o disposto no n.º 3 do artigo 17.º acerca do conteúdo da comunicação é aplicável, por igual, a todas as hipóteses previstas nos n.ºs 1 e 2. Qualquer distinção que o intérprete faça dos termos em que tal aplicação tenha lugar, contraria o n.º 3, que expressamente consagrou um regime uniforme para todas as referidas hipóteses. O entendimento de que o n.º 3, na sua totalidade ou apenas na sua parte final, não é aplicável às hipóteses previstas no n.º 1, ou a alguma delas, consubstancia-se numa interpretação restritiva da norma. Ora, a legitimidade da interpretação restritiva de uma norma legal carece de fundamentação convincente. Coisa que, salvo o devido respeito, não vimos até este momento.
Dito isto, concentremos a nossa atenção na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º.
Constitui argumento recorrente de quem sustenta o entendimento de que, nesta hipótese, a comunicação prevista no n.º 3 apenas tem de mencionar o fundamento legal da extinção do PERSI e o facto de terem decorrido 90 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI, sem mais, que, na realidade, nada mais a instituição de crédito terá a dizer com alguma utilidade para aquele. Estabelecendo a lei um prazo e tendo este decorrido, que poderia a instituição de crédito comunicar ao cliente bancário além do facto de esse prazo já ter decorrido e, em consequência disso, o PERSI se ter extinguido?
A primeira observação que este argumento nos suscita é a de que, a ser válido, quem a ele recorre fica indevidamente a meio da interpretação restritiva do n.º 3 por si empreendida. Deixar de aplicar apenas a sua parte final à hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 implica reduzir o conteúdo da comunicação à lembrança, dirigida ao cliente bancário, de que decorreu o prazo do PERSI e, por isso, este se extinguiu, com indicação da norma legal ao abrigo da qual isso ocorreu. Torna a comunicação uma mera formalidade sem conteúdo útil para além do de chamar a atenção do cliente para o facto de aquele prazo ter decorrido e de indicar a referida norma. O que é manifestamente pouco. Por isso afirmámos que, se é para chegar a este resultado que se faz uma interpretação restritiva do n.º 3, melhor será levá-la até ao fim e concluir que a comunicação nele prevista não tem lugar na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1. Fazer tal comunicação só para lembrar o cliente bancário de que o prazo do PERSI decorreu, acaba por constituir uma formalidade com escassa utilidade.
É evidente que a solução que defendemos se encontra nos antípodas de qualquer daquelas que acabamos de enunciar. O dever de comunicação estabelecido no n.º 3 abrange, indubitavelmente, as hipóteses previstas no n.º 1, nomeadamente a da sua alínea c). E, por ser assim, deverá ter um conteúdo útil, na perspectiva dos objectivos prosseguidos pelo regime legal do PERSI, entre os quais avulta o de proteger o cliente bancário, nomeadamente atribuindo-lhe o direito de receber, da instituição de crédito, informação clara e completa acerca da sua situação, «atentas as assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito» (cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012).
Na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º, para ter um conteúdo efectivamente útil, para garantir, na maior medida possível, a satisfação do direito do cliente bancário a informação clara e completa, a comunicação prevista no n.º 3 não pode resumir-se a um mero lembrete de que o prazo do PERSI já passou. Fazer uma comunicação nestes termos é, sob o ponto de vista da satisfação do direito do cliente bancário à informação, o mesmo que não fazer comunicação nenhuma.
Sendo assim e procurando responder à questão, que os defensores da posição que procuramos refutar colocam, de saber que mais poderá a instituição de crédito dizer na comunicação prevista no n.º 3 do artigo 17.º, diremos: muita coisa. Concretamente: o que fez a instituição de crédito para resolver a situação do cliente bancário, que medidas propôs e qual foi a justificação destas face à avaliação a que procedeu nos termos do artigo 15.º, qual foi a resposta que obteve do cliente bancário, se aquelas medidas foram implementadas, se e em que medida o cliente bancário cumpriu os seus deveres, por que razões a situação de incumprimento não foi ultrapassada e por que não se justifica a prorrogação prevista no final da alínea c) do n.º 1.
A diferença entre uma comunicação feita nos termos que acabámos de enunciar e aquela que se limita a lembrar o cliente bancário de que o prazo do PERSI já decorreu e, por isso, este último se extinguiu, é abissal. Constitui uma evidência que apenas a primeira proporcionará, ao cliente bancário, uma informação digna desse nome e consentânea com os fins do Decreto-Lei n.º 227/2012. A segunda não passa de uma formalidade com escassa ou nula utilidade.
Mais, um dever de informação densificado nos termos expostos incentivará a instituição de crédito a cumprir o seu dever de diligenciar no sentido de a situação de incumprimento ser ultrapassada, em vez de adoptar uma atitude passiva que, no limite, poderia resumir-se a deixar o prazo referido na alínea c) do n.º 1 decorrer. Por esta via, o dever de informar constitui, também, um mecanismo de incentivo da instituição de crédito a cumprir cabalmente os deveres que o Decreto-Lei n.º 227/2012 lhe impõe e facilita a sindicância da sua actuação por terceiros.
Por tudo isto, o cumprimento do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 17.º na hipótese prevista na alínea c) do n.º 1 é possível e, para satisfazer o direito do cliente bancário à informação, de forma alguma pode resumir-se à comunicação de que o prazo estabelecido nesta última norma já decorreu.
No caso dos autos, a carta mediante a qual a extinção do PERSI foi comunicada ao recorrido não indicou as razões pelas quais o recorrente considerou inviável a manutenção do procedimento. Limitou-se a informar que o recorrente procedeu à extinção do PERSI «por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo», o que, como nos parece evidente, não constitui indicação daquelas razões.
Razões essas que, saliente-se, o recorrido alega nas suas alegações de recurso. Segundo o recorrente, o insucesso do PERSI ao fim de 90 dias de duração deveu-se à falta de colaboração do recorrido, o qual nem sequer respondeu ao pedido de envio da documentação necessária para a avaliação da sua capacidade financeira e a formulação de uma proposta de solução para o incumprimento verificado. Se, na realidade, foi essa a razão do insucesso do PERSI ao fim de 90 dias, era isso que tinha de ser escrito na comunicação de extinção deste procedimento. Não a fórmula vazia de que não fora possível chegar a acordo. Impunha-se a especificação da razão ou das razões que, no caso concreto, haviam impossibilitado a obtenção desse acordo.
Sendo assim, concluímos, como o tribunal a quo, que a comunicação efectuada ao recorrido não cumpriu a exigência decorrente da parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012.
Mas há mais.
Nem sequer a primeira parte do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, que se traduz na simples indicação do fundamento legal da extinção do PERSI, a comunicação de extinção deste cumpriu. Essa comunicação omitiu qualquer referência às normas do Decreto-Lei n.º 227/2012, nomeadamente ao n.º 1, alínea c) do seu artigo 17.º. Omissão esta que, por si só, sempre constituiria fundamento suficiente para se concluir pela ineficácia da referida comunicação, nos termos do n.º 4 do artigo 17.º.
3. A citação do recorrido não constituía pressuposto da prolação da decisão recorrida. Sendo, em face dos elementos solicitados pelo tribunal a quo e carreados para os autos pelo recorrente, evidente que a comunicação de extinção do PERSI não cumpria os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, a citação do recorrido traduzir-se-ia na prática de um acto inútil. Em vez disso, cumpria ao tribunal a quo decidir imediatamente nos termos em que decidiu.
Para tanto, o tribunal a quo só tinha de dar o contraditório ao recorrente, pois apenas este seria prejudicado pela decisão cuja prolação estava a ser preparada. Nestas circunstâncias, era desnecessário ouvir previamente o recorrido.
A afirmação do recorrente segundo a qual a falta de citação do recorrido impossibilitou a discussão sobre se aquele «tinha conhecimento do pressuposto automático dos 91 dias, o que, por si só, teria esclarecido a dúvida do Tribunal», baseia-se no errado pressuposto da pertinência de tal discussão numa situação em que já se encontrava demonstrada a desconformidade da comunicação de extinção do PERSI com o disposto no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 e de que se tratava, meramente, de esclarecer uma dúvida do tribunal a quo. Como vimos anteriormente, a questão que realmente importava era a do cumprimento desta norma legal e não a de saber se o recorrido «tinha conhecimento do pressuposto automático dos 91 dias», que é absolutamente irrelevante.
Precise-se, por outro lado, que a decisão recorrida não constitui um indeferimento liminar, uma vez que foi a terceira decisão proferida no processo. Por definição, um despacho liminar tem de constituir o primeiro que é proferido no processo. Todavia, ainda que de um despacho liminar se tratasse, a decisão recorrida encontraria inteira justificação na circunstância de, no momento em que foi proferida, os autos já conterem os elementos necessários para se concluir, com segurança, que a comunicação de extinção do PERSI não cumpria os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012. Não havia, nesse momento, lugar para qualquer dúvida acerca da verificação dessa desconformidade, que justificasse o prosseguimento da execução.
Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1.ª adjunta – Com declaração de voto)
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho (2.º adjunto – Com declaração de voto)
Declaração de voto:
Acompanho a decisão com fundamento na total falta de indicação do fundamento legal determinante da extinção do PERSI, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.ºs 3 a 5, do DL n.º 227/2012 e 9.º, alínea a), parte final, do Aviso do BP n.º 7/2021.
Vencida quanto aos demais fundamentos da decisão, por entender que, pelo facto de terem decorrido mais 90 dias desde a data de integração do devedor em PERSI, não tendo sido possível chegar a acordo, consumou-se, de forma automática e ope legis, a extinção do procedimento, pelo que não era exigível a descrição dos factos que justificam a decisão de a instituição de crédito pôr fim ao procedimento.
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Declaração de voto:
Na carta datada de 07/12/2022, relativamente à comunicação de extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), está escrito que o procedimento «foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo». Esta formulação é, em meu entender, suficiente para justificar os casos em que o beneficiário não se presta a fornecer os elementos demonstrativos da respectiva situação económica solicitados pela instituição bancária, impedindo assim que se desenvolvam as fases de avaliação e proposta e, subsequentemente, de negociação.
Em função disso, voto vencido, mantendo a posição assumida em acórdãos precedentes (v. g. processo n.ºs 93/23.2T8ENT.E1, de 15/06/2023), onde defendo que:
– A explicitação das “razões da inviabilidade da manutenção do procedimento” só é exigível quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma situação que não seja de funcionamento automático (por natureza, o pagamento, o acordo ou a insolvência impedem a instauração da acção executiva e o decurso do prazo corresponde a um inadimplemento de uma obrigação positiva de informação que, ipso facto, inviabiliza a composição extrajudicial, por mútuo acordo, da situação de incumprimento) e que decorra da avaliação efectuada pela instituição bancária.
– Apenas nas situações contempladas no n.º 2 do mesmo artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25/10, a instituição de crédito ou entidade equivalente fica vinculada com o ónus de justificar a razão do insucesso do processo negocial de regularização de dívidas, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, de forma a que o correspondente motivo extintivo possa ser escrutinado pela parte e avaliado substancialmente pelo Tribunal.
– Se o procedimento bancário ficar votado ao insucesso por falta de colaboração do cliente bancário e se este estava já informado que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo».
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
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[1] José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III – Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, págs. 26 e 32.