Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
NULIDADES
POSSE
EMBARGOS DE TERCEIRO
REJEIÇÃO
Sumário
I. A discordância dos recorrentes quanto à decisão não gera a nulidade da decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º do CPC. II. A posse relevante para fundamentar os embargos de terceiro é a prevista no artigo 1251.º do CC , ou seja, não pode ser uma posse precária ou mera detenção. III. Bem andou o Tribunal a quo em rejeitar os embargos de terceiro quando não há probabilidade séria da existência dos direitos invocados pelas embargantes. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Sumário: (…)
*
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório:
Por apenso à execução para entrega dos prédios urbanos nos lotes (…) e (…) da Urbanização (…), em Quarteira, que (…), Lda. instaurou contra (…) e (…), com base em sentença condenatória:
1) (…) deduziu embargos de terceiro relativamente ao lote … (Apenso A). Alegou, em síntese, que: na primeira semana de Julho de 1996, apossou-se do citado lote (…), onde já vivia o seu neto menor, filho da executada e quase que abandonado pelos pais; desde então, a embargante habita a casa, vem pintando e reparando o edifício e cuidando dele – bem sabendo que lhe não pertencia – “de forma pacífica, contínua e pública, ou seja, como se seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, de forma permanente, e sem qualquer oposição de quem quer que fosse”; a embargante adquiriu o imóvel por usucapião, correndo termos processo notarial de justificação. Concluiu pela procedência dos embargos e pela suspensão e cancelamento da execução.
O Tribunal proferiu despacho de indeferimento liminar, que a Relação veio a revogar, ordenando o prosseguimento dos autos.
2) Também por apenso à mesma execução, (…) deduziu embargos de terceiro relativamente ao lote … (Apenso B). Alegou, em suma, que: em finais de 1998, apossou-se do citado lote …, na altura em que o executado, seu filho, que tinha assumido o compromisso de cuidar da sua tia-avó, se ausentou para Espanha; desde então, a embargante habita a casa, pintou e reparou o edifício sempre que necessário, e cuidando dele – bem sabendo que lhe não pertencia – “de forma pacífica, contínua e pública, ou seja, como se seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, de forma permanente, e sem qualquer oposição de quem quer que fosse”; a embargante adquiriu o imóvel por usucapião, correndo termos processo notarial de justificação. Concluiu pela procedência dos embargos e pela suspensão e cancelamento da execução.
O Tribunal proferiu despacho de indeferimento liminar, que a Relação veio a revogar, ordenando o prosseguimento dos autos.
*
Foi determinada a apensação do Apenso B ao Apenso A.
Inquiridas as testemunhas arroladas, foi proferida decisão que rejeitou os embargos, por não haver probabilidade séria da existência dos direitos invocados pelas embargantes.
As embargantes interpuseram recurso de apelação tendo sido proferido acórdão neste Tribunal que:
A) Anulou a decisão sobre a matéria de facto na parte em que não se pronunciou sobre os factos alegados e, como consequência necessária, anulou a decisão recorrida;
B) Determinou que o tribunal apreciasse os demais factos alegados pelas embargantes nas respetivas petições iniciais;
C) Determinou que o tribunal fundamentasse a sua convicção relativamente a cada um daqueles factos.
*
Os autos regressaram, então, ao Tribunal a quo que proferiu nova decisão, na qual voltou a rejeitar os embargos de terceiro deduzidos pelas embargantes, com fundamento em “não haver probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes”;
*
As embargantes interpuseram novo recurso de apelação, com 147 artigos e 131 pontos que apelidaram de conclusões:
1. O presente recurso tem como objeto toda a matéria da douta Sentença que determinou:
a) Rejeitar os embargos de terceiro, deduzidos por (…) e (…), por não haver probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes;
b) Bem como sendo a presente sentença agora reformulada datada de 04-09-2024, e não se revendo na mesma, suscita-se desde logo a questão previa do suposto transito em julgado em 11-06-2024, e declarado pelo Douto TRE em 17-06-2024, quando efetivamente ainda não tinha sido proferida esta nova sentença face à anulação da sentença recorrida que antecedeu.
2. Posto isto, da fundamentação discutida na presente causa, resultaram como indiciados e não como provados os seguintes factos que se passa a analisar:
3. Já desde o início do processo que o tribunal a quo formou a convicção de que não haveria probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes (…) e (…), e deste modo sempre com a devida vénia por opinião diversa, justificou de forma infundada que os embargos de terceiro por elas deduzidos fossem rejeitados.
4. Sem que, tivesse o Tribunal recorrido, a devida percepção de cuidar de abranger e melhor interpretar, os motivos apresentados pelas recorrentes, ora embargantes, para lhe ser igualmente devida a elas a posse de tais imóveis identificados nos embargos tal como ali apresentados.
5. Tendo a recorrente enquanto Embargante (…) alegado que entrou na posse do prédio (Lote …) por apossamento na primeira semana de Julho do ano de 1996, agindo desde então como se proprietária fosse;
6. Contrariamente ao infirmado na sentença recorrida que efetua várias vezes uma leitura e interpretação limitada do escrito que foi valorado, releva indevidamente que se afirmou que se procedeu de imediato à mudança das fechaduras, independentemente do referido pela testemunha posteriormente, por insistência, que quando o fez face a ter-se reconciliado com o marido e também com a sua filha, facultando-lhe igualmente as chaves do imóvel, afirmado também que tomou conta do prédio como se seu fosse, em seu nome próprio, e sem oposição de quem quer que fosse, pelo que recaindo sobre a recorrente ali Embargante (…) o ónus da prova de tais factos (cfr. n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil);
7. Ora, é por demais evidente que logrou a Embargante fazer prova suficiente disso mesmo, ainda que indiciária, sendo certo de que ocupou o prédio em 1996, embora sem que o mesmo merecesse o reconhecimento do Tribunal a quo, o facto é que a mesma.
8. Ao acima exposto acresce ainda, o facto, da testemunha (…), ter afirmado que conheceu a recorrente ali Embargante Judite apenas desde 2000, não contraria o facto de esta possuir o imóvel desde 1996, tendo confirmado ademais que ter conhecimento de que a recorrente morou no Lote da (…), e mais, também confirmou ter sido a recorrente que lhe ordenou para efectuar serviços de manutenção na casa onde morava a Embargante (…), e nomeadamente a referida mudança de fechaduras;
9. Mais uma vez vem o Tribunal a quo em título de excesso de pronuncia adiantar que esses serviços, nomeadamente a mudança das fechaduras só podem ter sido realizados depois de 2000, pois que, ainda que assim fosse sempre teria decorrido mais de 15 ou 20 anos até à presente data, desde que esta se diz ter apossado daquele bem. O que se pretendeu com as testemunhas (…) e (…) ao afirmarem que conhecem as Embargantes apenas desde 2003/2004, foi na sua essência que estas exerciam de facto e de direito a posse dos referidos imóveis, independentemente poderem ou não de saber se a Embargante (…) já morava no prédio desde 1996 como alegou,
10. Tão pouco é fulcral se é a própria Embargante que no escrito que subscreveu endereçado ao Notário titular do Cartório Notarial de Vilamoura (Auto-Requerimento para notificação prévia, afirma “que desde essa data, ela justificante ocupou o prédio que ora justifica, apesar de bem saber que aquele não lhe pertence”, mas reitera-se sempre tendo afirmado que entrou no referido imóvel por apossamento desde o ano de 1996, e tendo agido desde essa data como se fosse proprietária.
11. Igual referência, foi feita à recorrente (…), referindo-se exatamente nos mesmos termos ao que alegou, que é dona e legitima possuidora do prédio (Lote …), tendo entrado na posse do mesmo por apossamento, alterando somente a data no qual ocorreu que foi em finais de 1998, tudo o mais é praticamente copy past.
12. No que toca ao Enquadramento jurídico é de salientar que segundo dispõe o artigo 1251.º do Código Civil: “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real”, dispondo o n.º 1 do artigo 1252.º do mesmo diploma legal que “A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem”, e preceituando o artigo 1253.º do Código Civil que “São havidos como detentores ou possuidores precários: a) os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem”.
13. E, ainda, para o que releva para o caso concreto, prescreve a nossa Lei que:
14. “a posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacifica ou violenta, pública ou oculta (cfr. artigo 1258.º do Código Civil), dizendo-se titulada a posse fundada em qualquer modo legitimo de adquirir, não se presumindo o título, devendo a sua existência ser provada por aquele que a invoca (cfr. artigo 1259.º, do Código Civil), presumindo-se de má fé a posse não titulada (cfr. n.º 2 do artigo 1260.º, do Código Civil).”
15. Ora de acordo com o disposto no artigo 1263.º do Código Civil que tem como epígrafe a Aquisição da posse “A posse adquire-se: a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício de um direito; b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor; c) Por constituto possessório: d) Por inversão do título da posse”, pelo que dispõe o artigo 1265.º daquele mesmo diploma legal que: “A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transmitir a posse”.
16. Pelo que, sendo de especial interesse para o caso em apreço, o disposto no artigo 1288.º do Código Civil, nomeadamente quanto à usucapião alegada pelas recorrentes e que no nosso entendimento lhes deve ser permitido evocar, porquanto: “Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse”, que no que respeita à recorrente (…) alegou que entrou na posse do prédio (Lote …) por apossamento foi na primeira semana de Julho do ano de 1996, e a recorrente (…) alegou que entrou na posse do prédio (Lote 14) por apossamento foi no ano de 1998, agindo desde então ambas como se proprietárias fossem, e, consequentemente, a recorrida ora exequente ofende a posse, destas.
17. Sucede que a sentença proferida na acção declarativa de condenação no 3293/16.8T8LLE que foi apresentada como título executivo só foi reconhecido o direito de propriedade da exequente em 2016, volvidos que são mais de 15 e 20 anos sobre a usucapião alegada pelas recorrentes, não havendo pois qualquer interrupção na contagem de termos ou prazos para o efeito pretendido.
18. Pelo que, e não obstante, a nosso ver, sempre existirá a dúvida razoável de que existiu actuação da exequente demonstrativa de oposição à aquisição do direito de propriedade, antes de ter sido completado o prazo de prescrição
19. No nosso entendimento e sempre com a devida vénia, é errado afirmar como se afirma na douta sentença recorrida, que: “está indiciariamente provado que as Embargantes (…) e (…) moram nos referidos prédios urbanos desde há vários anos” (sem concretizar assertivamente desde quando) e acrescentado (sem prova feita nesse sentido) a frase: “onde também residem os seus filhos, os executados (…) e (…).”
20. Dispõe o artigo 1296.º do Código Civil que “Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos se for de má fé” e os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião o direito possuído, a não ser se ache invertido o título da posse, mas nesse caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título (cfr. artigo 1290.º, do Código de Processo Civil).
21. Aqui chegados, sempre com a devida vénia, denota-se sempre uma indefinição quanto ao princípio a adotar pelo Tribunal a quo, mormente quando infere de forma pouco clara, assumindo laivos conclusivos, sem contradizer com outros factos alegados, e sem ter pedido os pertinentes esclarecimentos ou concretizações para opinar sobre a questão de saber se estarmos perante embargantes que devem ser consideradas possuidoras em nome próprio, ou como meras detentoras ou possuidoras precárias.
22. E, é aqui, que o Tribunal a quo forma a sua convicção sem fundamentar em concreto as suas soluções fazendo recair o seu pensamento e interpretação em meras considerações.
23. Ou seja, vem o Tribunal a quo alegar que no seu ver, salvo o devido respeito por opinião contrária, as embargantes não podem ser consideradas possuidoras em nome próprio, mas apenas como meras detentoras ou possuidoras precárias.
24. Somos pois obrigados a questionar, mas porquê, se efetivamente estas possuem tanto o corpus como o ânimos? Porquanto é consabido que é pelo animus que se distingue as situações de posse verdadeira e a própria das de mera detenção é também pelo animus que sabe que direito é possuído.
25. Sendo certo que a posse é constituída pelo corpus, ou seja, o poder de facto, o exercício, a prática ou possibilidade de prática de actos materiais, virados para o exterior, visíveis por toda a gente; e pelo animus, elemento psicológico, vontade, intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados.
26. É também verdade, que a aquisição da posse relevante para usucapião terá de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus; Como já referido, in casu concreto, estão ambos preenchidos e não só o primeiro, não se verifica pois uma situação de detenção, sendo de todo suscetível de conduzir à dominialidade.
27. Por definição, a posse é a exteriorização de um direito real que se define por dois elementos: o corpus (elemento material) e o animus (intenção de exercer determinado direito real como se fora seu titular), que é o que se constata no caso concreto.
28. Ora, contrariamente ao alegado na sentença recorrida para fundamentar uma putativa detenção por parte das recorrentes esta vem enfatizar negativamente que as recorrentes não lograram provar (apesar de terem elaborado escritos para notificar a recorrida para esse efeito), ainda que de forma indiciária, quaisquer factos de onde resulte que tenham tido a intenção de exercer sobre os prédios (Lotes … e …), como seus titulares, o respectivo direito de propriedade, o que não corresponde à verdade, (extrapolando mais uma vez a sentença recorrida) sem qualquer prova nesse sentido, alegando que, ademais bem sabendo que moravam nos mesmos por mera tolerância dos respectivos filhos, e que também não eram eles próprios, proprietários…
29. Mas com que fundamento é que se pode alegar que aquelas ali vivem por mera tolerância dos filhos, quando efetivamente, estas sempre ali viveram, e elas sim, quando muito é que, de quando em quando, toleraram a presença dos filhos.
30. Pelo que, é do nosso entendimento, sempre com a devida vénia por opinião diversa, que andou mal o Tribunal a quo quando menciona que não se vê como podia este Tribunal considerar, ainda que indiciariamente, provado, que a Embargante agiu sobre o prédio como se proprietária fosse, e erroneamente tomar por sua convicção que a mesma mora efectivamente no prédio, mas por mera tolerância de sua filha, que também não era ela própria proprietária, extrapolado em considerações que vão para além da prova feita e dada como provada e não provada.
31. Aliás o Tribunal a quo, sempre com a devida vénia por entendimento diverso, volta a recair no mesmo erro inicial, e que sobre o qual V. Exas. objetivaram a nulidade da sentença anteriormente formulada.
32. Voltou a repetir de novo, entre os vários factos alegados pelas embargantes nas respectivas petições iniciais, limitando-se a dar como provados, os pontos 3 a 7 da decisão sobre a matéria de facto, não concretizado o preconizado no douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora.
33. E destarte, mantendo-se ainda o ali referido quanto às deficiências constatadas nos termos do n.º 4 do artigo 653.º do anterior Código de Processo Civil, a matéria de facto que se considerava provada não devia padecer de “deficiência (não foi dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido), obscuridade (há respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações)” ou “contradição (colidem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto ou colidem as respostas com factos dados como assentes na «especificação», sendo entre si inconciliáveis” – Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 2001:631. E assim continua a ser - como resulta claramente da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil – não obstante o citado n.º 4 do artigo 653.º não ter correspondência no actual código, mercê do desaparecimento da decisão sobre a matéria de facto enquanto peça processual com autonomia relativamente à sentença.
34. Ao invés optou o Tribunal a quo por exaustivamente tentar estabelecer um paralelo entre o vertido respectivamente nos autos da acção declarativa, onde efetivamente teria sido requerido pelos executados que fossem reconhecidos como proprietários, por, os terem adquirido por usucapião. Nesse concreto momento já o Tribunal recorrido, adiantava que tal pretensão, não teria sido acolhida pelo Tribunal de 1ª Instância, e que ao rejeitar aquele pedido, acolheu, a pretensão da ora autora reconhecendo e declarando que esta devia ser beneficiada pelo seu direito de propriedade sobre os referidos prédios e condenando os então réus, agora executados, (…) e (…).
35. Na motivação da decisão da matéria de facto, voltou a valorar o requerimento executivo, do qual resulta que a exequente “(…), Lda”, com a instauração da execução contra (…) e (…), onde pretende, além do mais, que lhe sejam entregues o prédio urbano denominado “Lote (…)” e o prédio urbano denominado “Lote (…)”, ambos sitos na Urbanização (…), voltou a valorar o titulo executivo, a sentença condenatória, datada de 11/03/2020, proferida nos autos no 3293/16.8T8LLE, e finalmente voltou a valorar o escrito datado de 28/10/2020, subscrito pela Embargante (…), e o escrito datado de 04/11/2020, subscrito pela Embargante (…), e por fim voltou a valorar e foi valorado o edital datado de 16/11/2020, subscrito pelo Notário … (Cartório Notarial de Vilamoura), do qual resulta que através do mesmo são notificados a sociedade “(…), Lda.”, (…) e (…) que a Embargante (…) pretende justificar a aquisição por usucapião, do prédio urbano denominado “Lote (…)” sito na Urbanização (…), tudo à semelhança do que havia realizado na sentença que foi declarada nula pelo TRE.
36. Note-se que, a única diferença que é percetível entre uma sentença e a outra que procedeu é que na primeira o Tribunal a quo refere expressamente que “as embargantes não alegaram quaisquer factos de onde resulte que tenham tido a intenção de exercer sobre os mesmos, como seus titulares, o respectivo direito de propriedade”, que mereceu a discordância dos Venerandos Juízes Desembargadores Tribunal da Relação de Évora,
37. E, vem agora o Tribunal a quo referir que são as próprias Embargantes que no escrito que subscreveram endereçado ao Notário titular do Cartório Notarial de Vilamoura (Auto- Requerimento para notificação prévia, afirmam “que desde essa data, ela justificante ocupou o prédio que ora justifica, apesar de bem saber que aquele não lhe pertence”, (omitindo o Tribunal a quo deliberadamente o resto do texto do escrito para dar ênfase ao que apenas pretende demonstrar) e concluir igualmente pela mesma versão pelo que não se vê como podia este Tribunal considerar, ainda que indiciariamente provado, que as embargantes agiram sobre os prédios como se proprietárias fossem, acrescendo ainda nova consideração de que é sua convicção que as mesmas moram efectivamente no prédio, mas por mera tolerância dos seus filhos, em verdadeiro excesso de pronuncia e extrapolado os factos de que tem conhecimento para que pudesse tirar as devidas ilações contraditórias e que não devia, concluindo tão pouco eram os filhos também eles próprios proprietários.
38. Em boa verdade, o Tribunal a quo veio desta vez alterar a sua redação aludindo a uma parca justificação que traduz exatamente o espírito da primeira sentença recorrida, embora agora, acrescentado o que não consta em prova alguma que é por mera tolerância dos filhos que que as recorrentes ali se encontram, e dar como não provados os factos alegados na PI das recorrentes no que concerne às alegações sobre a titularidade e propriedade daqueles bens.
39. É do entendimento das Recorrentes que o Tribunal a quo em bom rigor continua indevidamente sem querer julgar os factos evocados por estas nomeadamente nada dizendo sobre os demais.
40. E, como já o Tribunal ad quem já tinha explicado, impunha-se-lhe que o fizesse, até porque “as embargantes alegaram factos de onde resultou que tinham tido a intenção de exercer sobre os mesmos, como seus titulares, o respectivo direito de propriedade”.
41. Prova disso mesmo, é as alegações constantes dos artigos 3º, 4º, 12º, 14º, 21º e 33º da petição da embargante (…) e 3º, 4º, 11º, 12º, 19º e 31º da petição da embargante (…) é isso que significa, tal como se adere ao referido pelo Tribunal ad quem na anulação da sentença recorrida que antecedeu.
42. É pois do nosso entendimento que, já desde o início do processo que o tribunal a quo formou a convicção de que não haveria probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes (…) e (…); E, deste modo sempre com a devida vénia por opinião diversa, justificou de forma infundada que os embargos de terceiro por elas (recorrentes) deduzidos fossem rejeitados.
43. Sem que, tivesse o Tribunal recorrido, a devida percepção de cuidar de abranger e melhor interpretar, os motivos apresentados pelas recorrentes, ora embargantes, para lhe ser igualmente devida a elas a posse por usucapião de tais imóveis identificados nos embargos tal como ali apresentados.
44. Não podem as recorrentes concordar na parte do segmento da fundamentação de direito do Tribunal a quo quanto à sentença recorrida da dedução de embargos de terceiro e consequentemente face ao requerimento de interposição do recurso e respetivas alegações ora apresentado no tocante aos vícios apontado pelas apelantes e constantes no artigo 615.º do Código de Processo Civil.
45. E que, abrange as matérias relacionadas com a decisão do acórdão proferido anteriormente, nomeadamente quando vem o Tribunal ad quem verter no seu ponto IV, al. A) (…) Por imperativo lógico-processual a primeira questão a tratar respeita à nulidade da sentença. Fazendo referência à nulidade cominada na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (adiante CPC) correlaciona-se com o dever de fundamentação da sentença previsto no n.º 3 do artigo 607.º do mesmo diploma.” (...)
46. Não podem as recorrentes conformar-se que a sentença está fundamentada de facto e de direito, quando é manifesto o contrário, para tanto veja-se a motivação para a decisão sobre a matéria de facto do Tribunal ad quem. E/ou ainda, que a circunstância de a fundamentação ser parca ou exaustiva, correcta ou incorrecta não releva para a constatação do apontado vício.
47. Em boa verdade, entenderam as apelantes, que a decisão recorrida do Tribunal a quo, padece de falta/insuficiente fundamentação, pois que esta somente se apoiou no que consta da sentença que serviu de base à execução, e não atendeu à matéria de facto e de direito elencada nos embargos de terceiros deduzido pelas apelantes, nem tão pouco nos depoimentos em sede de audiência e julgamento que confirmaram que as recorrentes sempre foram tidas como se fossem donas ou proprietárias dos referidos imóveis.
48. Posto isto, o que as apelantes pretendem retratar não é que a sentença recorrida não está fundamentada de facto e de direito, sendo que no nosso entendimento uma não se pode dissociar da outra, porquanto o que as apelantes indicam é que os fundamentos de facto e de direito não especificam na sua generalidade nem justificam a decisão adotada pelo Tribunal a quo, e consequentemente é insuficiente face aos embargos apresentados tal como previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
49. Já no que concerne à análise da primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil quando se reporta ao vício que se verifica “(...) quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência (...)” – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Almedina, Coimbra, 3.ª edição: 737. No mesmo sentido, e a título exemplificativo, Ac. STJ de 2.10.03, de 4.12.03, de 22.1.04, e de 25.3.04, in htpp://www.dgsi.pt.JSTJ.
50. É pois certo o descrito pelo Tribunal ad quem ao evidenciar que, o vício em causa apenas se verifica quando existe uma oposição lógica entre o raciocínio seguido ao longo da fundamentação jurídica da sentença e o respectivo segmento decisório.
51. Mas também é por demais evidente que a contradição, que leva as apelantes a assacar à sentença o aludido vício, está explanada na referida sentença recorrida porquanto apesar de aceitar estar indiciariamente provado que as Embargantes (…) e (…) moram nos referidos prédios urbanos desde há vários anos, não admitiu nunca que estas se encontram lá desde 1996 e 1998 respetivamente, nem pretendeu nunca admitir que as recorrentes efetivamente praticaram atos que se traduziram em factos de onde resulte que tenham tido a intenção de exercer sobre os mesmos (prédios), como seus titulares, o respetivo direito de propriedade.
52. Levanta a questão de saber se as então embargantes deveriam ser consideradas possuidoras em nome próprio, ou como meras detentoras ou possuidoras precárias. E, nesta esteira julga o Tribunal a quo mal tal como já acima mencionado, no nosso entendimento porquanto induzindo injustificadamente e sem precisar qualquer motivo aparente, vem evocar que no seu ver, salvo o devido respeito por opinião contrária, as embargantes não podem ser consideradas possuidoras em nome próprio, mas apenas como meras detentoras ou possuidoras precárias.
53. Ademais, entendem as recorrentes, e bem refere o Acórdão que anulou a sentença que antecede a presente sentença recorrida que, é por demais contraditório que, as embargantes não tenham alegado quaisquer factos de onde resulte que tenham tido a intenção de exercer sobre os referidos prédios, como seus titulares, o respetivo direito de propriedade.
54. Note-se que sempre com a devida vénia por entendimento diverso, que erradamente e já desde o início do processo que o tribunal a quo formou a convicção de que não haveria probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes (…) e (…);
55. Ou seja, em boa verdade “as ali embargantes sempre alegaram factos, nomeadamente nas PI, de onde resulta que tenham tido a intenção de exercer sobre os mesmos prédios, como seus titulares, o respectivo direito de propriedade”. Naturalmente, o Tribunal a quo sempre haveria de fundamentar convenientemente e de forma a dar resposta quer aos factos dados como provados e não provados quer à fundamentação de direito, sem padecer de vícios de deficiência, obscuridade, que permite várias interpretações ou contradições que colidem entre si nas respostas com factos dados como assentes na «especificação», sendo entre si inconciliáveis.
56. Pelo acima exposto, fácil será de vislumbrar, uma oposição lógica entre a ausência de séria probabilidade da existência do direito invocado pelas embargantes e a rejeição dos embargos. A segunda parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC refere-se à impossibilidade de compreender o sentido e/ou o alcance do segmento decisório da sentença, por este ser suscetível de mais do que uma interpretação e/ou não se apresentar claramente expresso.
57. As recorrentes explicam que, dúvidas se lhe suscitam na compreensão do referido dispositivo, para além de aludirem, a “alguma ambiguidade ou obscuridade que tornam de certa forma a decisão ininteligível” aos olhos da não aceitação de determinada factualidade essencial alegada e evocada pelas recorrentes.
58. Ou seja, no recurso que antecedeu, é expressamente mencionado que se o Tribunal recorrido, tivesse a devida percepção de cuidar de abranger e melhor interpretar, os motivos apresentados pelas embargantes, para lhe ser igualmente devida a elas a posse de tais imóveis identificados nos embargos tal como ali apresentados, sempre a decisão seria diferente da proferida.
59. Ora, o certo é que, a sua fundamentação é insuficiente, até quando evoca no seu enquadramento jurídico o que preceitua o n.º 1, do artigo 342.º, do Código de Processo Civil que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligencia, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, e continuando alude ainda:
60. Não podem as recorrentes conformar-se com o facto de vir o Tribunal ad quem suscitar a questão no seu acórdão, de não conseguir compreender o que pode haver de incompreensível ou duvidoso numa decisão que, simplesmente, rejeita os embargos de terceiro, porquanto sempre com a devida vénia, no nosso entendimento e aparentemente essa rejeição parece não assentar em critérios isentos e de experiência comum, mas sim em meras considerações inconclusivas, como por ex. as recorrentes ali permanecerem por mera tolerância dos filhos, ou nunca admitir que as recorrentes ali vivem desde 1996 e 1998 respetivamente.
61. Sempre será relevante recordar, que face ao indeferimento na receção dos embargos inicialmente pelo Tribunal a quo veio em sede de recurso daquela outra decisão, o TRE a decidir reverter a situação, fazendo com que, os embargos fossem recebidos para se realizarem as necessárias diligencias probatórias, a que o Tribunal a quo se tinha alheado.
62. Após o qual, sempre com a devida vénia, sem que o Tribunal a quo viesse a pronunciar-se com a necessária ponderação, que consiste no escrutínio dos segmentos da vida geradores potenciais de efeitos jurídicos, a reconstrução judiciária de uma realidade ou, dito de um modo mais comum, a aquisição da matéria de facto para o processo. Ora, a constatação de que essa garantia judiciária supõe o encontro da verdade transporta-nos para a tentativa de busca do modelo adjectivo que maior fiabilidade dê a essa descoberta.
63. Porquanto, ao proceder as recorrentes aos respetivos embargos que lhe assistia o direito ali mencionado, era porque as mesmas, tinham a forte convicção de estarem a ser prejudicadas com o objetivo que a referida penhora pretendia alcançar, e assim o raciocínio adotado pelo tribunal a quo vai para além do ali previsto, fazendo uma interpretação deficiente da provisão contida no respetivo normativo. Pois quanto a nós, e sempre com a devida vénia, o que existe é uma falta de fundamentação nesta sentença recorrida, sustentada por outras intervenções processuais, entre outros sujeitos processuais, que afastaram o correcto julgamento do peticionado pelas recorrentes face às suas versões factuais.
64. Como é consabido, a sentença enferma de nulidade quando o juiz se pronuncia sobre questões não submetidas pelas partes à sua apreciação nem passíveis de conhecimento oficioso e quando deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (artigos 615.º, n.º 1-d) e 608.º do CPC).
65. Acompanhando o raciocínio do Douto Tribunal da Relação, na aplicação da nossa jurisprudência, é certo que por “questões” devem entender-se os pedidos [que “não são apenas os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do magistrado, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito que se arroga); são também os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa” - Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra, 1984:53], analisados em articulação com as respectivas causas de pedir (os fundamentos em que aqueles assentam) que cada uma das partes apresente na acção (autor e obra citada: pág. 49 e seguintes).
66. Ao longo daquele recurso ora apresentado, as apelantes tanto nas suas alegações como nas suas conclusões primam por fazer por diversas vezes menção aos factos alegados e que lhes assiste a aplicação do direito, porquanto reproduzem os fundamentos de onde resulte que tenham tido a intenção de exercer sobre os referidos prédios, como seus titulares fossem, o respectivo direito de propriedade.
67. Logo, no nosso entendimento, é evidente que o Tribunal a quo deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quando as mesmas lhe foram devidamente submetidas. Não é, pois verdade, sempre com a devida vénia que as apelantes, omitem a razão pela qual entendem ocorrer tal vício, porquanto dignaram-se a dizer que se tratava de omissão de pronúncia e em outras situações supra e infra referidas, excesso de pronuncia.
68. E, destarte, teria sido possível ao Tribunal a quo descortinar qual a questão que possa ter sido indevidamente ignorada ou conhecida, que se resume à factualidade indevidamente julgada e apreciada pelo Tribunal a quo, nomeadamente e principalmente na questão do devido reconhecimento judicial do direito ao usucapião das recorrentes. Ora, sempre com a devida vénia, entendem as ali apelantes, independentemente da solução a que chegou o Tribunal ad quem no seu Douto Acórdão, e que as apelantes concordam, que não deveria ter quedado prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
69. Porquanto, na vertente de direito aplicável ao caso concreto e face às demais questões suscitadas sempre se dirá, que importaria também decidir do mérito da apelação neste concreto segmento, não nos olvidemos que o que sempre esteve em causa com a submissão dos embargos de terceiros pelas apelantes foi a confirmação judicial do direito ao usucapião destas. (nosso sublinhado)
70. Admitem as apelantes e aceitaram desde logo o ali decidido quanto à conclusão a que também chegou o Tribunal ad quem quando se deparou com um obstáculo relacionado com a matéria de facto, e que por sua vez, implicaria o conhecimento da questão, a título oficioso. 71. Pelo que, sem embargo pela Douta Decisão do Tribunal da Relação de Évora a qual acolhemos, requer-se a V. Exa. que igualmente seja entendido que a aplicação do direito evocado pelas recorrentes no que concerne ao artigo 615.º do CPC, seja tido em linha de conta face aos concretos factos evocados e alegados pelas mesmas, na certeza, porém de que será feita a acostumada justiça.
72. Note-se que, já anteriormente, o Tribunal recorrido tinha concluído que inexistam quaisquer dúvidas de que não assistia às então Embargantes o direito de que se arrogavam, ou dito de outro modo, não havia probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes (cfr. artigo 345.º do Código de Processo Civil), o que só por si, já nesse momento, no entendimento deste tribunal a quo, já antecipava e determinava a rejeição dos embargos de terceiro.
73. No nosso entendimento, o certo é que, a sua fundamentação é insuficiente, até quando evoca no seu enquadramento jurídico o que preceitua o n.º 1 do artigo 342.º do Código de Processo Civil que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligencia, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, e continuando alude ainda:
74. Já no entendimento do Tribunal recorrido, bastou-lhe considerar o teor da sentença apresentada como título executivo, da qual resulta segundo expressão por si utilizada “à saciedade que os Executados (…) e (…)”, de ocuparem os prédios urbanos denominados por “Lote …” e “Lote …”, da Urbanização (…), desde outubro/novembro de 1995 e fevereiro de 1995, para assim fundamentar como conclusivo o facto de já estes pretenderem fazer seus aqueles imóveis. Muito embora e sempre com a devida vénia por opinião diversa, se tivesse o Tribunal recorrido, a percepção de cuidar de abranger e melhor interpretar, os motivos apresentados pela recorrente, ora embargante, para lhe ser igualmente devida a ela a posse de um único imóvel perfeitamente identificado na Petição Inicial de embargos tal como representada.
75. Pelo que, e face ao indeferimento na receção dos embargos inicialmente pelo Tribunal a quo, veio em sede de recurso daquela outra decisão, o TRE a decidir reverter a situação, fazendo com que, os embargos fossem recebidos para se realizarem as necessárias diligencias probatórias, a que o Tribunal a quo se tinha alheado.
76. Após o qual, sempre com a devida vénia, sem que o Tribunal a quo viesse a pronunciar-se com a necessária ponderação, que consiste no escrutínio dos segmentos da vida geradores potenciais de efeitos jurídicos, a reconstrução judiciária de uma realidade ou, dito de um modo mais comum, a aquisição da matéria de facto para o processo.
77. Ora a constatação de que essa garantia judiciária supõe o encontro da verdade transporta-nos para a tentativa de busca do modelo adjectivo que maior fiabilidade dê a essa descoberta.
78. Porquanto ao proceder as recorrentes aos respetivos embargos que lhe assistia o direito ali mencionado era porque as mesmas tinham a forte convicção de estarem a ser prejudicadas com o objetivo que a referida penhora pretendia alcançar, e assim o raciocínio adotado pelo Tribunal a quo vai para além do ali previsto, fazendo uma interpretação deficiente da provisão contida no respetivo normativo.
79. Sempre com a devida vénia, o que inexiste é uma falta de fundamentação nesta sentença recorrida, sustentada por outras intervenções processuais, entre outros sujeitos processuais, que afastaram o correcto julgamento do peticionado pelas recorrentes face às suas versões factuais.
80. Já desde o início, do primeiro despacho/sentença, e não sendo de todo verdade o afirmado pelo Tribunal a quo, na referida sentença recorrida, que eram as próprias Embargantes que admitiam que os prédios em causa não lhes pertenciam, pois que o referido artigo esclarece primeiramente “apesar de bem saber que apesar de o possuir e dele usufruir”, omitindo propositadamente pelo tribunal recorrido, para assim facultar uma outra interpretação residual dos factos essenciais, ora evocados pelas recorrentes;
81. Só que, o efeito ali pretendido, surte outrossim não desejável, pelo que, ocorrendo alguma ambiguidade ou obscuridade capaz de tornar a decisão recorrida ininteligível, tornam os argumentos apresentados profundamente infundados (veja-se o artigo 615.º do CPC).
82. Não se podendo apartar o Mm.º Juiz de Direito do Tribunal recorrido, do contexto contido nesse articulado, para assim simplesmente fragmentar a ideia ali subjacente, de que efetivamente as recorrentes detinham desde então a posse daquele bem, como se proprietárias se tratassem.
83. Aliás, os factos apresentados pelas recorrentes para fundamentar os seus pedidos, não colidem nem interferem com quaisquer argumentos que o Tribunal a quo lançou mão, para tentar estabelecer um paralelo de equivalência e assim aligeirar a sua decisão e rejeitar os embargos produzidos pelas recorrentes.
84. As recorrentes diga-se em boa verdade foram as únicas pessoas que desde que se apossaram dos bens, sempre se mantiveram a viver nos referidos imóveis.
85. Pagaram água, luz e fizeram a manutenção dos imóveis como lhes competia e confirmado pelos depoimentos das testemunhas por si arroladas.
86. E como sempre foi alegado pelas recorrentes as datas do apossamento foram: A recorrente ora embargante (…) entrou na posse do referido imóvel por apossamento, o qual ocorreu na primeira semana de Julho do ano de 1996, em dia que não sabe precisar, tendo agido desde essa data como se proprietária fosse. A recorrente ora embargante (…) entrou na posse do referido imóvel por apossamento, o qual ocorreu em finais de 1998, em dia que não sabe precisar, tendo agido desde essa data como se proprietária fosse. E não desde o ano 2000 como também se refere na sentença recorrida.
87. Existe um desfasamento que resulta numa deficiente a analise e apreciação das provas, o que só assim justifica e se entende, que não fosse aquele tribunal para confirmar a sua posse por usucapião.
88. De salientar que a sentença recorrida não firme nas suas convicções porquanto, tal decisão é sustentada de forma pouco clara quanto à interpretação que faz da prova adquirida ao longo do processo, de forma desfasada como já supra se referiu e usando fundamentos sob condicionalismos que só evidencia incerteza jurídica, tal como se pode constatar na sentença recorrida e que aqui se reproduz:
89. “Do todo o exposto, pelo menos a nosso ver, não há probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes (…) e (…), o que justifica que os embargos de terceiro por elas deduzidos sejam rejeitados.”
90. Ou seja, o Tribunal a quo não descarta a hipótese de ser verdade e sob uma análise mais detalhada que efetivamente exista fundamento e probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes (…) e (…), justificando assim que os embargos de terceiro por elas deduzido tivessem que ser aceites e recebidos com as devidas e legais consequências.
91. Pelo que vão esses concretos factos impugnados, em tudo, por se tratar de matéria insuficientemente considerada, mal interpretada, sem possibilidade de existir um nexo de causalidade, e como tal mal fundamentada e alicerçada, com o fito único de/para alcançar a decisão ora decretada.
92. E, tão pouco é, essa ilação que se deveria extrair do caso sub judice, pelo Tribunal a quo; Só por manifesto lapso de interpretação dos factos apresentados pelas recorrentes, dos quais nem foram tecidas considerações de modo a abarcar todo o seu pedido, se poderá entender-se a decisão almejada pelo Tribunal recorrido.
93. Sucede porém, que as testemunhas foram merecedoras de credibilidade quanto as afirmações que proferiram confirmando com verdade que sabiam e tinham conhecimento que as recorrentes sempre ali viveram, há mais de 20 anos, durante algum tempo até somente elas é que cuidaram dos imóveis como se seus fossem durante mais de 20 anos. Demonstrando que ignoravam, ao adquirir a posse, que lesavam o direito de outrem.
94. Erroneamente vem o Tribunal a quo alegar que as recorrentes eram meras detentoras e não reais possuidoras, questionasse como e onde se baseou este tribunal para absorver tal ilação? Será que foi ao admitir que o prédio inicialmente não lhes pertencia? Se assim fosse isso não pretende significar que não tivessem a posse do mesmo ou que não agissem como proprietárias.
95. Em boa verdade nem deveria o Tribunal a quo, porventura, ter evocado tal facto, se tivesse sido lido o articulado subjacente e que lhe advém seguidamente, ou seja, quando se refere: “Mas que ainda assim, há mais de 20 anos, ela embargante toma conta do referido prédio de forma pacifica, continua e pública, ou seja, como se seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, de forma permanente, e sem qualquer oposição de quem quer que fosse” (vide artigo 21º da petição de embargos).
96. “Pelo que, face a referida aquisição unilateral da posse que como já mencionado ocorrida há mais de 20 anos” (vide artigo 22º da petição de embargos).
97. Em suma em evidência considera-se para todos os efeitos que as mesmas adquirirem aqueles prédios por usucapião, sendo este o momento e o processo para o cabal reconhecimento judicial, capaz de provar o seu direito, adquirido desde o momento do apossamento que perdura até ao presente.
98. Em boa verdade o que as recorrentes expressam naquele articulado, é que são as possuidoras daqueles imóveis, devendo ser reconhecido a legitimidade de ambas como proprietárias do mesmos. E sem prescindir, devia ter o Tribunal a quo ao invés do infirmado na sentença recorrida, ter sim, decidido, da seguinte forma, o que desde logo se requer: Porque, é um direito possessório perfeitamente justificado e fundamentado pelas recorrentes, deveria sim, a final, poder o Tribunal a quo deferir e considerar aceites os presentes embargos de terceiro, submetidos pelas recorrentes aos autos.
99. Foi aliás muito bem explicitado, o que efetivamente sucedeu no meio familiar e o que originou virem as recorrentes arrogar-se como proprietárias do referidos imóveis, por o terem adquirido por usucapião, e estando assente esta matéria deveria a mesma constar como facto provado, o que só não ocorreu por deficiente interpretação da factualidade essencial.
100. As recorrentes apresentaram embargos em seu nome próprio, perfeitamente individualizado, e sem querer que a sua pretensão viesse interferir, na pretensão anteriormente apresentada pelos outros intervenientes processuais, que ainda assim, e contrariamente ao infirmado pelo Tribunal recorrido nunca adquiriram o imóvel por via de usucapião.
101. Sem prescindir, a Lei estabelece para o que aqui interessa, de acordo com o disposto no artigo 1263.º do Código Civil que tem como epígrafe Aquisição da posse- “A posse adquire-se: a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício de um direito; b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor; c) Por constituto possessório:
102. Também com interesse para o caso em apreço, o disposto no artigo 1288.º do Código Civil “Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do inicio da posse”, dispondo o artigo 1296.º do Código Civil que “Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos se for de má fé” e os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião o direito possuído, a não ser se ache invertido o título da posse, mas nesse caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título (cfr. artigo 1290.º do Código de Processo Civil).
103. Posto isto, é pois parcialmente falso o que pretende o Tribunal a quo estabelecer referindo que: “Está indiciariamente provado que as Embargantes (…) e (…) moram nos referidos prédios urbanos desde há vários anos,” pois como também se pode retirar da sentença recorrida moram (…), desde Julho de 1996 e (…) desde finais do ano de 1998, sempre há mais de 20 anos e de boa fé, de forma pacifica, pública e notória, de acordo com o disposto no artigo 1263.º do Código Civil.
104. Sendo completamente falso a ilação que se pretende inferir do afirmado na douta sentença recorrida quando afirma que: “onde também residem os seus filhos, os executados (…) e (…)” pois estes somente ali permaneceram por certos períodos, indo desde logo impugnada tal matéria por mal interpretada e infundada.
105. Com o devido respeito e face à prova adquirida ao longo do processo, sempre seria de prever ser esta matéria, correspondente às recorrentes morarem nos referidos prédios desde a altura evocada, ser matéria cujos factos deveriam ser dados como provados e não como se refere na sentença recorrida meramente e indiciariamente provado.
106. E como tal é de todo, infundado e inapropriado, os argumentos apresentados na sentença recorrida, das recorrentes serem meras detentoras ou possuidoras precárias, indo tal factualidade impugnada por incongruente, pelo que se deve considerar aplicável às recorrentes, sim, que as mesmas devem ser consideradas possuidoras em nome próprio.
107. No nosso entendimento, e sempre com a devida vénia por opinião diversa, é por demais evidente que as recorrentes integram o ânimos e corpus, que se subsume à manifestação de propriedade que exercem sobre os referidos prédios.
108. E como é consabido, elas exercem a sua posse, constituída pelo corpus, ou seja, o poder de facto, o exercício, a prática ou possibilidade de prática de actos materiais, virados para o exterior, visíveis por toda a gente; e exercem igualmente essa mesma posse, pelo animus, elemento psicológico, vontade, intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados.
109. Não se pode concordar com a douta sentença recorrida quando esta refere que somente é possível: “Apesar de não expressamente dito na lei, é pelo animus que se distingue as situações de posse verdadeira e própria das de mera detenção e também pelo animus que sabe que direito é possuído.”
110. Porquanto, efectivamente o acto de aquisição da posse relevante para usucapião terá sempre de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus o que efetivamente ocorre com os atos praticados pelas recorrentes ao longo do tempo que ali permanecem.
111. Salvo melhor opinião, é por isso errado e motivador de ilações embaraçosas, afirmar o supra exposto na referida sentença separando um elemento do outro e fazendo crer que as recorrentes apenas preenchem o corpus.
112. Sendo certo que como já supra se mencionou, a posse é a exteriorização de um direito real in casu concreto a propriedade, que se pode definir por dois corpus (elemento material) e o animus (intenção de exercer determinado direito real como se fora seu titular), cfr. artigos 1251.º e 1253.º, ambos do Código Civil. É neste segmento que a sentença recorrida pretende aprisionar as recorrentes como se, se encontrassem neste estado de coisas, adiantando que por mais tempo que perdure, não poderá conduzir à aquisição do direito, de que as interessadas não se apresentam como beneficiárias.
113. No caso em apreço, as recorrentes alegaram factos de onde pode facilmente resultar que tenham tido a intenção de exercer sobre os mesmos, como seus titulares, o respectivo direito de propriedade. Aliás, bem sabendo que os moravam nos imóveis, desde sempre isoladamente ou conjuntamente com os demais familiares, mas sempre ali permaneceram.
114. E não por mera tolerância dos respectivos filhos, como se infere da sentença recorrida independentemente de também eles próprios, se acharem como proprietários, donde é clara a posse sobre os ditos prédios urbanos. Note-se que sempre o reconhecimento judicial esteve em evidência em ordem à aquisição do respetivo título da posse, sobre os ditos prédios urbanos.
115. Pelo que, vai essa matéria igualmente impugnada, por não ser verdade, nem ter fundamento legal, o ali vertido.
116. Ademais, concomitantemente inexistem quaisquer dúvidas de que não existiu actuação da exequente demonstrativa de oposição à aquisição do direito de propriedade das recorrentes, mesmo antes de ter sido completado o prazo de prescrição aquisitiva. E, muito menos, vir por via dos embargos ora apresentados, protelar, sem fundamento sério a entrega do prédio à sua legitima proprietária, pois o que as recorrentes somente sempre pretenderam, apresentando provas para o efeito, arrogar-se como proprietárias daqueles imóveis, exercendo o seu direito possessório sobre os mesmos.
117. Pelo que, sempre se dirá, ser tal decisão infundada, face aos factos apresentados pelas recorrentes, não sendo justo que a final, venha o Tribunal determinar que; “não há probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Embargantes (…) e (…), o que justifica que os embargos de terceiro por elas deduzidos sejam rejeitados”.
118. Ao invés, é nosso entendimento que foram presentes factos nos embargos pelas recorrentes de que há sim a probabilidade séria da existência do direito invocado por estas.
119. E que consequentemente justifica que os embargos de terceiro por elas deduzidos sejam aceites e seja a sentença recorrida revogada o que desde já se requer a V. Exas..
120. Não podem, igualmente as recorrentes conformarem-se, que daquela decisão tenha emergido o indeferimento liminarmente dos presentes embargos de terceiro, com o fundamento de não haver probabilidade séria da existência do direito invocado pela Embargante; O direito existe, as recorrentes não são nem executadas nem exequentes tem direitos sobre os imóveis em causa.
121. Foi inclusivamente, a seu tempo, publicado em Edital, com notificação aos exequentes, tal como prova junta aos autos, com a motivação ali subjacente.
122. Ademais, as recorrentes limitaram-se a exercer um direito que lhes assiste por via da Oposição mediante embargos de terceiro prevista no artigo 342.º do CPC.
123. Com o Fundamento dos embargos de terceiro expressos na lei: 1 - Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
124. Face ao acima exposto, têm as recorrentes por considerar, estar-se novamente perante uma eventual nulidade processual, nomeadamente da sentença recorrida.
125. Sempre com a devida vénia por entendimento diverso ou contrário, somos do entendimento que a presente decisão enferma de vicio formal constante e previsto no n.º 1, alínea d), do artigo 615.º do CPC.
126. Posto isto, pelo alvitrado na douta decisão recorrida é no nosso entendimento, percetível que os fundamentos ali elencados, estão manifestamente feridos de vícios formais, em concreta oposição com a decisão, resultando para o efeito a constatação de alguma ambiguidade ou obscuridade que tornam de certa forma a decisão ininteligível; Em boa verdade para além do supra referido, na decisão recorrida é referido que o executado se arrogou como proprietário e teve a posse por usucapião rejeitada em tribunal o que não se contesta,
127. Mas em simultâneo, também é dito, que o executado obteve a posse daquele imóvel por usucapião, e que na sentença recorrida é referido que as próprias recorrentes, referem não ser as proprietárias quando ali se omite voluntariamente, que as mesmas tinham a posse dos imóveis e efetivamente se assumem como se proprietárias dos imóveis fossem.
128. Vem a nossa jurisprudência aprofundar pelo vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no Processo: 1578/11.9TBVNG.P1.S1: “I - A usucapião é um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo (artigos 1287.º e 1316.º do CC) que depende apenas da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse. Quando invocada, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (artigo 1288.º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse (artigo 1317.º, alínea c), do CC). II - A usucapião serve, além do mais, para “legalizar” situações de facto “ilegais”, mantidas durante longos períodos de tempo, inclusive até a apropriação ilegítima ou ilícita de uma coisa.”
129. Insurgem-se também as recorrentes, quanto ao prazo da usucapião, e sua verificação, entendendo que tendo sido considerada a sua posse não titulada, desde a sua ocupação dos imóveis, já se tinha completado o decurso dos 20 anos necessários à aquisição originária por usucapião.
130. Assim, a presunção de má-fé que emerge da inexistência de título para a ocupação do imóvel, pode ser ilidida se do quadro factual resultar uma actuação na convicção de exercer, em exclusivo, um direito de propriedade sobre o imóvel, importando a ignorância do possuidor de que lesava direitos de terceiros.
131. Considerada a facticidade adquirida processualmente, sempre com a devida vénia, entendemos que o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que, contrariamente ao decidido, impõe-se reconhecer a titularidade da propriedade do prédio ajuizado às Embargantes, adquirida por usucapião, pelo prazo que decorreu desde a sua posse, em mais de 20 anos.
*
A embargada/exequente apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão recorrida, com as seguintes conclusões:
a) A douta sentença recorrida mostra-se bem fundamentada, de facto e de direito;
b) Os factos indiciariamente julgados provados são suscetíveis de demonstrar apenas que as embargantes residem nos prédios em causa apenas por tolerância dos respectivos filhos, que não os respetivos proprietários e estão, aliás, condenados pela douta sentença em execução a fazer a sua entrega à embargada;
c) A falta de provas, a até a prova do contrário, justificam a decisão sobre os factos indiciariamente julgados não provados;
d) As próprias embargantes reconhecem que os prédios em causa lhes não pertencem;
e) Da apreciação e ajuizamento da matéria alegada em 7 e de 12 a 12.5 e 13 das presentes contra-alegações – que se comprova pelos factos indiciariamente julgados provados e pelo exame do processo em que que foi proferida a douta decisão em execução (proc. n.º 3293/16.8T8LLE) - deve resultar, segundo as regras da experiência, como líquido que as embargantes litigam de má-fé, com dolo acentuado, deduzindo pretensão para a qual sabem não ter qualquer fundamento,
f) Os factos indiciados em presença além de não revelarem qualquer probabilidade séria do direito de propriedade arrogado pelas embargantes, pelo contrário, revelam que tal direito não existe.
g) A douta sentença recorrida interpretou e aplicou acertadamente aos factos a norma constante do artigo 345.º do Código de Processo Civil.
*
Corridos os Vistos, cumpre apreciar e decidir:
1) Da nulidade da sentença por falta/insuficiente fundamentação;
2) Da nulidade da sentença por contradição;
3) Da alteração da matéria de facto;
4) Da probabilidade séria da existência dos direitos invocados pelas embargantes.
5) Da litigância de má-fé;
*
2. Fundamentação
2.1. A 1ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
1) «(…), Lda.» instaurou em 01/10/2021, ação executiva para diversas finalidades contra (…) e (…), a qual corre termos no Juízo de Execução de Loulé-Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o n.º 2413/21.5T8LLE;
2) Com a instauração da execução, a exequente visa, além do mais, a entrega do prédio urbano denominado “Lote (…)” sito na Urbanização (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…) e a entrega do prédio urbano denominado “Lote (…)” sito na Urbanização (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), apresentando como título executivo a sentença proferida nos autos n.º 3293/16.8T8LLE, onde foi Autora “(…), Lda.” e Réus, (…) e (…) e em cujo segmento decisório consta “IV-Decisão. Por todo o exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, decido: A) Julgar a presente ação procedente, por provada, e, em consequência: - reconhecer a autora como proprietária dos prédios urbanos sitos nos lotes (…) e (…), da Urbanização (…), descritos na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob os nºs (…) e (…), inscritos na matriz predial urbana sob os artigos (…) e (…), da freguesia de Quarteira; - condenar os réus na entrega dos referidos prédios urbanos à autora, livres e desocupados de pessoas e bens; - condenar cada um dos réus no pagamento da quantia mensal de € 750,00, a contar da data da citação até entrega efetiva dos prédios urbanos; -condenar o réu (…) no pagamento de juros de mora, sobre cada uma dessas quantias, à taxa de juros civis; B) julgar a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a autora dos pedidos reconvencionais (…) Faro, 11.03.2020”.
3) A Embargante (…), subscreveu o rescrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor:
“Exmo. Sr. Dr. (…). Notário titular do Cartório Notarial de Vilamoura. Auto-Requerimento para Notificação Prévia. (...) residente na Urbanização (…), Lote (…), Quarteira, Loulé, vem nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 99.º do Código do Notariado, requerer a notificação de: a) …, Lda. (...) na qualidade de titular inscrito do prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia dezassete de Agosto de mil novecentos e noventa; e de, b) …, casado com (...) na qualidade de sujeito activo da acção registada provisória por natureza, que incide sob o prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia quinze de Março de dois mil e um; e de, c) …, divorciada, residente na Quinta do (…), Lote (…), Quarteira, na qualidade de sujeito activo da acção registada provisória por natureza, que incide sobre o prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia vinte e dois de Fevereiro de dois mil e dezassete.- Que a requerente presente informar os referidos titulares de direitos e/ou acções inscritos que vai outorgar neste Cartório Notarial uma Escritura de Justificação (...) - Que só meses mais tarde, no final do Verão desse ano de 1996, se reconciliou com o seu marido, tendo este vindo viver consigo para o referido imóvel na (…), e, por insistência dele no final desse ano também se reconciliou com a sua referida filha, tendo-lhes facultado as chaves do mencionado imóvel.- Que, por várias vezes, pintou e reparou o referido prédio sempre que o mesmo necessitava, tendo constituído na mesma a sua habitação própria permanente, a qual se mantém até hoje, lá dormindo, comendo, guardando os seus pertences e recebendo os seus amigos e familiares, tendo cuidado do seu referido neto.- Que desde essa data, ela justificante ocupou o prédio que ora justifica, apesar de bem saber que aquele não lhe pertencia. – Que, assim, há mais de 20 anos, ela justificante toma conta do referido prédio de forma pacifica, contínua e pública, ou seja, como seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, em permanência e sem a menor oposição de quem quer que fosse, pelo que, perante a referida aquisição unilateral da posse ocorrida há mais de 20 anos adquiriu o prédio por usucapião, não tendo, todavia, título extrajudicial capaz de provar o seu direito. Vilamoura, 28 de Outubro de 2020. Pede a V.ª Ex.ª deferimento (...)”;
4) A embargante (…) subscreveu o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor:
“Exm.º Sr. Dr. (…), notário titular do Cartório Notarial de Vilamoura. Auto-Requerimento para Notificação Prévia. (...) residente na Urbanização (…), Lote (…), Quarteira, Loulé, vem nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 99.º do Código do Notariado, requerer a notificação de: a) …, Lda. (...) na qualidade de titular inscrito do prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia dezassete de Agosto de mil novecentos e noventa; e de, b) …, casado como … (...) na qualidade de sujeito activo da acção registada provisória por natureza, que incide sob o prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia quinze de Março de dois mil e um; e de, c) …, casado com … (...) residente na (…), Lote (…), Quarteira, na qualidade de sujeito activo da acção registada provisória por natureza, que incide sobre o prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia vinte e dois de Fevereiro de dois mil e dezassete.- Que a requerente presente informar os referidos titulares de direitos e/ou acções inscritos que vai outorgar neste Cartório Notarial uma Escritura de Justificação destinada a demonstrar que é dona e legitima possuidora do prédio urbano composto por Edifício de cave, cave com arrumos, rés-do-chão, 1º andar e logradouro, denominado Lote (…)-Urbanização (…), freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), daquela freguesia, com o registo de aquisição a favor da referida sociedade “(…), Lda.”, conforme Ap. (…), do dia dezassete de Agosto de mil novecentos e noventa, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (…).- Que entrou na posse do referido imóvel por apossamento, o qual ocorreu no início do Inverno do ano de 1998, em dia que não sabe precisar, tendo agido desde essa altura como se proprietária fosse. – Que antes de ser ter apossado do referido prédio urbano vivia num apartamento arrendado na Urbanização (…), em Vilamoura, conjuntamente com a sua tia (…).- Que, no final da década de oitenta a sua referida tia vendeu uma casas no Lugar do (…), na freguesia de (…), concelho de Torres Novas, tendo esta entregue o produto da venda ao filho da justificante (…), tendo este em contrapartida assumido o compromisso de cuidar da sua tia-avó. – Que esse filho (…) durante os primeiros anos foi cumprindo o compromisso assumido de cuidar na sua tia-avó, porém, enamorou-se, tendo ido para Espanha em prol do seu relacionamento, tendo sido nessa altura que se apossou do referido prédio, onde esse havia vivido e onde tinha os seus pertencentes. – Que a justificante nunca aceitou que o seu referido filho tivesse deixado a sua tia-avó desamparada, pelo que, levou-a consigo tendo rescindido o arrendamento do apartamento da referida Urbanização (…) onde antes residia.- Que foi viver para o mencionado imóvel na (…) contra a vontade do seu referido filho; o qual lhe havia facultado as chaves suplentes do imóvel tão-somente para caso dele vir a precisar, perante uma eventual perda; tendo de imediato mandado mudar as fechaduras do aludido imóvel. – Que, só meses mais tarde, após a época do Carnaval de 1999, quando o seu filho regressou a Portugal, se reconciliou com ele, tendo-lhe facultado as chaves do mencionado imóvel. –Que, por diversas vezes, pintou e reparou o referido prédio sempre que o mesmo necessitava, tendo constituído na mesma a sua habitação própria permanente, a qual se mantém até hoje, lá dormindo, comendo, guardando os seus pertences e recebendo os seus amigos. - Que após o apossamento cuidou sempre da sua tia no referido imóvel, promovendo pela sua higiene, alimentação e bem-estar, tendo esta lá falecido no inicio do mês de Agosto de 2004. - Que desde essa data, ela justificante ocupou o prédio que ora justifica, apesar de bem saber que aquele não lhe pertencia. – Que, assim, há mais de 20 anos, ela justificante toma conta do referido prédio de forma pacifica, contínua e pública, ou seja, como seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, em permanência e sem a menor oposição de quem quer que fosse, pelo que, perante a referida aquisição unilateral da posse ocorrida há mais de 20 anos adquiriu o prédio por usucapião, não tendo, todavia, título extrajudicial capaz de provar o seu direito. Vilamoura, 04 de Novembro de 2020. Pede a V.ª Ex.ª deferimento (...)”;
5) Foi elaborado o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Edital. (…), notário no concelho de Loulé, com Cartório Notarial em Vilamoura; Faz saber que, de acordo com o preceituado no artigo 99.º do Código do Notariado, Notifica: a) …, Lda. (...) na qualidade de titular inscrito do prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia dezassete de Agosto de mil novecentos e noventa; e de, b) …, casado com … (...), na qualidade de sujeito activo da acção registada provisória por natureza, que incide sob o prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia quinze de Março de dois mil e um; e de, c) …, casado com … (...), residente na (…), Lote (…), Quarteira, na qualidade de sujeito activo da acção registada provisória por natureza, que incide sob o prédio urbano infra mencionado, conforme Ap. (…), do dia vinte e dois de Fevereiro de 2017, de que: (...) residente na Urbanização (…), Lote (…), Quarteira, Loulé, Pretende Justificar a aquisição por usucapião prédio urbano composto por Edifício de cave, cave com arrumos, rés-do-chão, 1º andar e logradouro, denominado Lote (…)-Urbanização (…), freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), daquela freguesia, com o registo de aquisição a favor da referida sociedade “(…), Lda.”, conforme Ap. (…), do dia dezassete de Agosto de mil novecentos e noventa, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (…). - Que a justificante entrou na posse do referido imóvel por apossamento, o qual ocorreu no início do Inverno do ano de mil novecentos e noventa e oito, em dia que não sabe precisar, tendo agido desde essa altura como se proprietária fosse. – Que antes de se ter apossado do referido prédio urbano vivia num apartamento arrendado na Urbanização (…), em Vilamoura, conjuntamente com a sua tia (…).- Que, no final da década de oitenta a sua referida tia vendeu uma casas no Lugar do (…), na freguesia de (…), concelho de Torres Novas, tendo esta entregue o produto da venda ao filho da justificante (…), tendo este em contrapartida assumido o compromisso de cuidar da sua tia-avó. – Que esse filho (…) durante os primeiros anos foi cumprindo o compromisso assumido de cuidar na sua tia-avó, porém, enamorou-se, tendo ido para Espanha em prol do seu relacionamento, tendo sido nessa altura que se apossou do referido prédio, onde esse havia vivido e onde tinha os seus pertencentes. – Que a justificante nunca aceitou que o seu referido filho tivesse deixado a sua tia-avó desamparada, pelo que, levou-a consigo tendo rescindido o arrendamento do apartamento da referida Urbanização (…) onde antes residia.- Que foi viver para o mencionado imóvel na (…) contra a vontade do seu referido filho; o qual lhe havia facultado as chaves suplentes do imóvel tão-somente para caso dele vir a precisar, perante uma eventual perda; tendo de imediato mandado mudar as fechaduras do aludido imóvel. – Que, só meses mais tarde, após a época do Carnaval de 1999, quando o seu filho regressou a Portugal, se reconciliou com ele, tendo-lhe facultado as chaves do mencionado imóvel. – Que, por diversas vezes, pintou e reparou o referido prédio sempre que o mesmo necessitava, tendo constituído na mesma a sua habitação própria permanente, a qual se mantém até hoje, lá dormindo, comendo, guardando os seus pertences e recebendo os seus amigos. - Que após o aposs amento cuidou sempre da sua tia no referido imóvel, promovendo pela sua higiene, alimentação e bem-estar, tendo esta lá falecido no inicio do mês de Agosto de 2004. - Que desde essa data, ela justificante ocupou o prédio que ora justifica, apesar de bem saber que aquele não lhe pertencia. – Que, assim, há mais de 20 anos, ela justificante toma conta do referido prédio de forma pacifica, contínua e pública, ou seja, como seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, em permanência e sem a menor oposição de quem quer que fosse, pelo que, perante a referida aquisição unilateral da posse ocorrida há mais de 20 anos adquiriu o prédio por usucapião, não tendo, todavia, título extrajudicial capaz de provar o seu direito. Para constar, e para efeitos de escritura notarial de justificação, se lavrou o presente Edital e outro de igual teor, para serem afixados nos locais que a Lei determina. Vilamoura, 16 de Novembro de 2020. O Notário (...)”;
6) A Embargante (…) mora no prédio urbano denominado “Lote (…)”, sito na Urbanização (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano 2000;
7) A Embargante (…) mora no prédio urbano denominado “Lote (…)”, sito na Urbanização (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano 2000.
*
2.2. E considerou os seguintes factos não indiciariamente provados:
“Com interesse para a decisão, não se mostram indiciariamente provados os seguintes factos alegados pelas Embargantes:
- Que a Embargante (…) aja como dona e legitima possuidora do prédio urbano denominado por “Lote …”, sito na Urbanização (…), freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial sob o artigo (…);
- Que a Embargante (…) entrou na posse do referido prédio, por apossamento, o qual ocorreu na primeira semana de Julho do ano de 1996, em dia que não sabe precisar, tendo agido desde essa data como se proprietária fosse;
- Que no referido prédio (Lote …) já vivia o neto da Embargante (…), à data solteiro, maior;
- Que a Embargante (…) tenha procedido de imediato à mudança das fechaduras do prédio (Lote …) na (…);
- Que por insistência do seu marido a Embargante (…) reconciliou-se também com a sua filha, facultando-lhe igualmente as chaves do mencionado prédio (Lote …);
- Que há mais de vinte anos que a Embargante (…) toma conta do referido prédio (Lote …) de forma pacifica, contínua e pública, ou seja, como se seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, de forma permanente, e sem qualquer oposição de quem quer que fosse;
- Que a Embargante (…) tenha entrado no referido imóvel (Lote …) por apossamento desde o ano de 1996, e tendo agido desde essa data como se fosse proprietária;
- Que a Embargante (…) age como dona e legítima possuidora do prédio urbano denominado por “Lote …”, sito na Urbanização (…), freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial sob o artigo (…);
- Que a Embargante (…) entrou na posse do referido imóvel (Lote …) por apossamento, o qual ocorreu em finais de 1998, em dia que não sabe precisar, tendo agido desde essa data como se proprietária fosse;
- Que a Embargante (…) procedeu de imediato à mudança das fechaduras do aludido imóvel (Lote …);
- Que volvidos alguns meses e com o regresso do seu filho, a Embargante (…) reconciliou-se com ele e facultou-lhe as chaves do mencionado imóvel (Lote …);
- Que há mais de 20 anos, ela Embargante (…) toma conta do referido prédio (Lote …) de forma pacífica, contínua e pública, ou seja, como se seu fosse, em seu nome próprio, à vista de toda a gente, de forma permanente, e sem qualquer oposição de quem quer que fosse;
- Que a Embargante (…) entrou no referido imóvel (Lote …) por apossamento desde o ano de 1998, e tendo agido desde essa data como se fosse proprietária.
*
2.3. Apreciação do Recurso:
2.3.1. Da nulidade da sentença por falta/insuficiente fundamentação;
Pugnam as recorrentes pela nulidade da sentença por os fundamentos de facto e de direito não especificarem na sua generalidade, nem justificarem a decisão adotada pelo Tribunal “a quo”. Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Analisando a sentença proferida, adiantemos desde já que a mesma não padece do vício invocado. Com efeito, estão elencados os factos indiciariamente provados e os factos que se consideram não provados indiciariamente, estão invocadas as razões pelas quais o Tribunal assim decidiu, tendo o Tribunal pronunciado-se sobre toda a matéria invocada e pertinente para a decisão da causa.
Por outro lado, foi realizada uma análise jurídica dos referidos factos à luz do pedido formulado, análise esta que é coerente e inteligível.
No fundo, o que sucede é que as recorrentes/embargantes discordam do decidido, mas isso já é uma questão de mérito, que não afeta a decisão proferida, do vício de nulidade.
Por todo o exposto, julga-se improcedente a nulidade suscitada, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
*
2.3.2. Da nulidade da sentença por contradição;
Invocam as recorrentes que a sentença é nula por contradição, porquanto apesar de na decisão se aceitar estar indiciariamente provado que as embargantes moram nos referidos prédios, não se admitiu que estas se encontram nos prédios desde 1996 e 1998 respetivamente, nem se pretendeu nunca admitir que as recorrentes efetivamente praticaram atos que se traduziram em factos de onde resulte que tenham tido a intenção de exercer sobre os mesmos prédios, como seus titulares, o respetivo direito de propriedade. Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”.
No acórdão do STJ de 20-06-2023 proferido no processo n.º 13006/20.4T8LSB-A.E1-B.S1, publicado in www.dgsi.pt, explica-se que: “A nulidade a que se reporta a 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Trata-se de uma situação violadora do silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a solução e que não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução diferente.
Já a segunda parte do preceito refere-se à obscuridade ou ambiguidade da decisão. Diz-se obscura a decisão que contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambígua a decisão que contém alguma passagem com múltiplos sentidos, que se presta, portanto, a interpretações diferentes”.
Analisada a decisão, não se vislumbra que exista qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade na mesma. Com efeito, o facto de o Tribunal a quo considerar como indiciariamente demonstrado que as embargantes residem nos lotes em causa nos autos não implica que se considerasse todos os demais factos invocados como indiciariamente demonstrados. Para além disso, na motivação da decisão de facto o tribunal a quo apreciou as provas segundo a sua prudente convicção e explicou a razão de ser pela qual considerou indiciariamente provados e não provados os factos, inexistindo qualquer incoerência. Conforme se referiu supra a discordância quanto à decisão – que no fundo é isso que sucede - não conduz à nulidade da decisão, implicando, antes apurar, se houve erro de julgamento.
Por todo o exposto, julga-se improcedente a nulidade suscitada, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
*
2.3.3. Da alteração da matéria de facto:
As embargantes/recorrentes consideram que fizeram prova suficiente relativamente aos factos dados como “não indiciariamente provados”, designadamente que as embargantes tivessem entrado na posse dos prédios em julho de 1996 (a embargante …) e em finais de 1998 (a embargante …) e que tivessem de imediato procedido à mudança de fechaduras, invocando que:
“Contrariamente ao infirmado na sentença recorrida que efetua várias vezes uma leitura e interpretação limitada do escrito que foi valorado, releva indevidamente que se afirmou que se procedeu de imediato à mudança das fechaduras, independentemente do referido pela testemunha posteriormente, por insistência, que quando o fez face a ter-se reconciliado com o marido e também com a sua filha, facultando-lhe igualmente as chaves do imóvel, afirmado também que tomou conta do prédio como se seu fosse, em seu nome próprio, e sem oposição de quem quer que fosse, pelo que recaindo sobre a recorrente ali Embargante (…) o ónus da prova de tais factos (cfr. n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil),
Ora, é por demais evidente que logrou a Embargante fazer prova suficiente disso mesmo, ainda que indiciária, sendo certo de que ocupou o prédio em 1996, embora sem que o mesmo merecesse o reconhecimento do Tribunal a quo, o facto é que a mesma.
Ao acima exposto acresce ainda, o facto, da testemunha (…), ter afirmado que conheceu a recorrente ali Embargante (…) apenas desde 2000, não contraria o facto de esta possuir o imóvel desde 1996, tendo confirmado ademais que ter conhecimento de que a recorrente morou no Lote da (…), e mais, também confirmou ter sido a recorrente que lhe ordenou para efectuar serviços de manutenção na casa onde morava a Embargante (…), e nomeadamente a referida mudança de fechaduras;
Mais uma vez vem o Tribunal a quo em título de excesso de pronuncia adiantar que esses serviços, nomeadamente a mudança das fechaduras só podem ter sido realizados depois de 2000, pois que, ainda que assim fosse sempre teria decorrido mais de 15 ou 20 anos até à presente data, desde que esta se diz ter apossado daquele bem.
O que se pretendeu com as testemunhas (…) e (…) ao afirmarem que conhecem as Embargantes apenas desde 2003/2004, foi na sua essência que estas exerciam de facto e de direito a posse dos referidos imoveis, independentemente poderem ou não de saber se a Embargante (…) já morava no prédio desde 1996 como alegou,
Tão pouco é fulcral se é a própria Embargante que no escrito que subscreveu endereçado ao Notário titular do Cartório Notarial de Vilamoura (Auto-Requerimento para notificação prévia, afirma “que desde essa data, ela justificante ocupou o prédio que ora justifica, apesar de bem saber que aquele não lhe pertence”, mas reitera-se sempre tendo afirmado que entrou no referido imóvel por apossamento desde o ano de 1996, e tendo agido desde essa data como se fosse proprietária.
Igual referência, foi feita à recorrente (…), referindo-se exatamente nos mesmos termos ao que alegou, que é dona e legitima possuidora do prédio (Lote …), tendo entrado na posse do mesmo por apossamento, alterando somente a data no qual ocorreu que foi em finais de 1998, tudo o mais é praticamente copy past.”.
Ora, o supra exposto não põe em crise a decisão quanto à matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, designadamente quanto “à mudança das fechaduras” e “ocupação dos prédios desde 1996”, porquanto a fundamentação do Tribunal é coerente e conjuga os diversos meios de prova (designadamente testemunhal e documental – quer o título executivo, quer os escritos subscritos pelas embargantes) de forma convincente e correta, com o que se concorda, sem que haja, designadamente, qualquer excesso de pronúncia da parte do Tribunal, como refere a recorrente.
Tudo ponderado, inexiste qualquer razão para alterar a matéria de facto dada como indiciariamente não provada, para considera-la indiciariamente provada.
Improcede, pelo exposto, a impugnação da matéria de facto.
*
2.3.4. Da probabilidade séria da existência do direito invocado pelas embargantes
Os embargos de terceiro constituem um meio de defesa da posse ofendida, por quem é alheio à ação executiva; essa posse não pode ser uma posse precária ou mera detenção.
De acordo com o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CPC, cabe ao embargante a prova dos fundamentos do seu direito, ou seja, sobre ele recai o ónus probatório de demonstrar que a penhora, a apreensão ou entrega judicialmente ordenada e a incidir sobre determinados bens, ofende direitos que ele tem sobre esses mesmos bens, merecedores de tutela.
No caso concreto, as embargantes demonstraram que são terceiras em relação à execução - com efeito, são mães dos executados e vencidos na ação cuja sentença está em execução, e que “declarou a autora (agora exequente) proprietária dos prédios urbanos sitos nos (…) e (…) da Urbanização da (…) e condenou os Réus na entrega dos referidos prédios urbanos, livres e desocupados de pessoas e bens” e alegam que a entrega dos referidos prédios à exequente ofende as suas posses e que adquiriram os prédios, por usucapião.
O tribunal a quo rejeitou os embargos por não existir probabilidade séria da existência do direito invocado pois julgou que as embargantes não podem ser consideradas possuidoras em nome próprio dos prédios, mas apenas meras detentoras ou possuidoras precárias.
As recorrentes/embargantes, pelo contrário, pugnam para que se considere, que estão reunidos os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus, capaz de fundar a usucapião e determinar admissão dos embargos.
Vejamos:
Dispõe o artigo 1251.º do Código Civil que “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”.
Por seu turno, o artigo 1253.º do mesmo diploma prescreve que
“São havidos como detentores ou possuidores precários:
a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;
b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;
c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.
Analisada a matéria de facto dada como indiciariamente provada verifica-se que não obstante se ter dado como indiciariamente demonstrado que as embargantes moram nos prédios urbanos em causa neste processo – os Lotes (…) e (…) da Urbanização (…) – desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano 2000, não ficou indiciariamente demonstrado qualquer facto de onde resulte que as embargantes tivessem a intenção de exercer sobre os prédios objeto dos autos, como suas titulares, o direito de propriedade. Na verdade, foi dado como indiciariamente não provado tudo o que as embargantes alegaram para fundar essa intenção (cfr. factos não indiciariamente provados).
A posse decompõe-se por dois elementos essenciais: o «corpus» que se traduz na materialidade do facto; e o «animus», que se traduz na intenção de exercer o direito de propriedade.
Ora, como se refere na decisão sub iudice, no caso concreto não existe animus possidendi e este estado de coisas, por mais tempo que perdure, não poderá conduzir à aquisição do direito, de que o interessado não se apresenta como beneficiário.
Com efeito, nos termos do artigo 1290.º do Código Civil, os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião., “É que a posse precária, não é considerada verdadeira posse” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, Vol. III, 2ª Ed., pág. 69).
Acresce que, no caso concreto, conforme resulta do título executivo, quer o referido Lote (…), quer o referido Lote (…), sitos na Urbanização (…) encontram-se inscritos na Conservatória do Registo Predial de Loulé, a favor da autora/embargada/exequente através respetivamente das Aps. (…), de 1990.08.17, por compra a (…).
E finalmente, existiu da parte da exequente/embargada atuação demonstrativa de exercer o direito de propriedade, quando em 2016 instaurou ação declarativa de condenação contra os filhos das embargantes, também residentes nos imóveis, para que lhe fosse reconhecido, como foi, o seu direito de propriedade sobre os referidos imóveis.
Por conseguinte, não lograram as embargantes demonstrar a probabilidade da existência dos direitos que invocam. Pelo contrário, os factos indiciariamente provados demonstram até que essa probabilidade, não existe.
Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo em rejeitar os embargos de terceiro nos exatos termos e com os fundamentos em que o fez.
*
2.3.5. Da litigância de má-fé
Em sede de alegações os recorridos referem que considerando os factos indiciariamente dados como demonstrados deve resultar segundo as regras da experiência, como líquido que as embargantes litigam de má-fé, com dolo acentuado, deduzindo pretensão para a qual sabem não ter qualquer fundamento.
Para fundamentar esta alegação invocam os recorridos que:
1. A douta sentença em execução, proferida no Tribunal de Faro no processo n.º 3293/16.8T8LLE, do Juízo Central Cível do Tribunal de Faro, foi confirmada pelo também douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora,8/10/2020 e os réus, ora executados, (…) e (…), filhos das embargantes, dele notificados em 9/10/2020;
2. Ficou, assim, traçada, ou, melhor dito, seguramente delineada pelo princípio da dupla conforme, a sorte definitiva da acção e da reconvenção, ou seja, a procedência da acção e a improcedência da reconvenção.
3. Aí ficou provado que os ora executados, ditos (…) e (…), ocuparam de facto os imóveis em causa durante muitos anos, detendo-os em nome de outrem, e por isso, a par de outras razões , a reconvenção não poderia proceder, como consta da douta sentença de 1ª Instância e do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora,
4. Daí aí que, ora dois executados e aqui também embargados – grosseira e vergonhosamente persuadidos de que na vida vale tudo e que as pessoas andam neste mundo para se enganar uns aos outros e que até se podem enganar os tribunais - logo tratassem de engendrar, imaginar e falsear os factos, inventando novos possuidores e, por esse motivo, introduzindoas respectivas mães, ora embargantes, no caso!
5. E assim, nessa despudorada senda, as duas embargantes. conluiadas e concertadas com os filhos, poucos dias após da notificação do doutoacórdão do Tribunal da Relação de Évora (este douto acórdão foi notificado em9/10/2020, e as embargantes foram ao notário em 28/10/2020 e 30/11/2020!) , dirigiram-se ao cartório do Exmo. Notário Dr. (…), de Vilamoura, a fim de, através requerimento de notificação e publicação de edital (cfr. petição de embargos e factos provados nºs. 3 a 5), prepararem escrituras de justificação notarial, que nunca chegaram a ser outorgadas, tudo premonitoriamente, não só com o propósito bem evidente de retardar a entrega dos imóveis à embargada, como está de facto a acontecer, mas também da tentativa, que se espera vã, de enganar o Tribunal e defraudar a justiça – cfr. Documentos n.º 1 e 2 anexos a cada uma das petições de embargos, em que se fundaram os factos indiciados nºs. 3, 4 e
6. Obviamente, se tais escrituras viessem a ser realizadas, de imediato aora contestante trataria de as impugnar nos termos e na oportunidadelegais, uma vez que nenhum fundamento para as mesmas existia, nemexiste.”
Ora, considerando que não obstante estas alegações não é expressamente formulado qualquer pedido concreto pela recorrida, designadamente pedido de condenação das embargante como litigante de má-fé, seja em multa, seja em indemnização, que da análise dos factos e do processo não é manifesto que o objetivo da pretensão das embargantes seja o de entorpecer a ação da justiça e, considerando, ainda que qualquer incidente que fosse suscitado neste momento é que conduziria a um prolongamento inconveniente do processo, consigna-se que não se vislumbra que as partes devam ser, aqui e agora, condenadas como litigantes de má-fé, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 542.º e seguintes do CPC.
*
Improcedendo todos os fundamentos do recurso, impõe-se manter a decisão recorrida.
*
3. Decisão
Acordam os Juízes da 1.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo das recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
*
Évora, 9 de abril de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1.ª Adjunta)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
Datas e assinaturas supra certificadas