FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUBROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
Sumário

I. Os factos provados por documento e relevantes para apreciação da exceção perentória de prescrição devem ser considerados na fundamentação da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
II. O direito de crédito do Fundo de Garantia Automóvel (FGA), adquirido por sub-rogação, prescreve no prazo de três anos a contar do último pagamento.
III. A notificação judicial avulsa em que se transmite ao notificado a vontade de exercer um concreto direito de ação interrompe o prazo de prescrição, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.
IV. Nos anos de 2020 e 2021, existiram dois períodos de suspensão dos prazos (incluindo da prescrição), introduzidos pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, de 9 de março de 2020 a 03 de junho de 2020, inclusive, e pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, de 22 de janeiro de 2021 a 06 de abril de 2021, inclusive.
V. Estes períodos, significaram 161 dias de suspensão que devem acrescer ao prazo de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil (ex vi do artigo 54.º, n.º 6, do DL n.º 291/2007).
VI. São solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do artigo 54.º, n.º 1 e 3, do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, quer o proprietário, quer o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, caso não exista seguro válido e eficaz, à data e hora do acidente.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Sumário: (…)

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório:
FGA – Fundo de Garantia Automóvel intentou a presente ação comum, contra (…) Seguros, SA pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:
a) a quantia de € 9.267,76;
b) juros vincendos à taxa legal sobre a quantia de € 7.468,06 desde a data da interposição da ação até integral pagamento;
c) o valor das despesas que o Autor vier a suportar com a cobrança do valor em dívida, a liquidar em sede de execução e liquidação de sentença.
Subsidiariamente, nos termos do artigo 39.º do Código de Processo Civil, intenta também a ação contra (…) e (…), formulando os mesmos pedidos.
Em abono da sua pretensão invocou que no dia 5 de junho de 2015 ocorreu um acidente de viação por culpa exclusiva da 3ª Ré, condutora do veículo Polo matrícula (…), propriedade do 2º Réu.
À data do acidente, o risco emergente da circulação do referido veículo estaria transferido para a 1ª Ré. Porém, esta declinou a sua responsabilidade, com fundamento na adulteração e/ou falsificação de documentos. Por conseguinte, o Autor regularizou o sinistro perante terceiro, procedendo ao pagamento de € 7.468,06, pelo que pretende agora, ao abrigo do DL 291/2007, ser reembolsado de tal valor.
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A 1ª Ré, (…) Seguros, SA contestou por impugnação e por exceção. Invocou a prescrição do direito do autor, a inexistência de seguro válido e impugnou a forma como se objetivou o sinistro, os danos peticionados e finalmente o valor dos juros pedidos;
A Ré (…) contestou por exceção, invocando também a prescrição, e por impugnação.
Finalmente, contestou, por impugnação, o Ministério Público, em representação do Réu (…), ausente em parte incerta.
A Autora respondeu pugnando pela improcedência das exceções invocadas.
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Foi realizada a audiência final e após, foi proferida sentença que julgou procedente a exceção de prescrição do direito de ação do FGA – Fundo de Garantia Automóvel, absolvendo do pedido os Réus, (…) e (…) Seguros, SA.
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O Fundo de Garantia Automóvel, por não se conformar com a referida sentença interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões, em síntese:
1. O Recorrente apresenta recurso sentença que julgou procedente a exceção de prescrição do direito de ação do Autor.
2. A decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, bem como labora em erro na apreciação da matéria de facto e de direito.
3. No exercício do direito de sub-rogação que legalmente lhe assiste, o Autor veio reclamar o reembolso das quantias pagas aos lesados num acidente de viação, peticionando a condenação da seguradora Ré, a título principal, no pagamento da quantia de € 9.267,76, acrescida dos juros vincendos à taxa legal sobre a quantia de € 7.468,06, desde a data da interposição da ação até integral pagamento, bem como no valor das despesas que o Autor viesse a suportar com a cobrança do valor em dívida, a liquidar em sede de execução e liquidação de sentença, e ainda, em custas e procuradoria condigna.
4. Subsidiariamente, o Autor peticionou a condenação dos Réus subsidiários (…) e (…) no mesmo pedido, atenta a dúvida justificada se, no momento do acidente, a responsabilidade pelos danos causados em terceiros pela circulação rodoviária da viatura se encontrava transferida, ou não, para a Ré (…) Seguros, S.A..
5. As Rés (…) e (…) Seguros, S.A. apresentaram contestação, defendendo-se quer por impugnação, quer ainda por excepção, tendo ambas invocado a exceção de prescrição.
6. O recorrente respondeu à matéria de exceção, por via dos requerimentos apresentados em 11/11/2022 (ref.ª 6854650) e em 13/11/2022 (ref.ª 6855856).
7. O tribunal a quo nunca se pronunciou quanto aos requerimentos apresentados pelo Autor, nem no sentido da sua admissão, nem do seu desentranhamento, pelo que o Recorrente confiou que os mesmos se consideraram tacitamente admitidos, e que seriam necessariamente apreciados pelo tribunal a quo.
8. Nestes requerimentos, o Autor alegou e documentou, que instaurou contra as Rés (…) e (…) Seguros, S.A, Notificações Judiciais Avulsas, que se efetivaram, respetivamente, em 26/07/2018 e 20/07/2018, assim interrompendo os prazos prescricionais que corriam a favor dos notificandos.
9. A sentença é nula por omissão de pronúncia, uma vez que a mesma ignorou totalmente a questão da interrupção da prescrição suscitada pelo Autor nos seus requerimentos de 11/11/2022 (ref.ª 6854650) e de 13/11/2022 (ref.ª 6855856).
10. Efetivamente, as causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º CPC e “têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2022, processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).
11. Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento” e, conforme se lê no n.º 2 no artigo 608.º do diploma, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
12. Transcreve-se o seguinte trecho do já citado Acórdão do STJ de 11/10/2022:
“(…)Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, o primeiro (o que está aqui em causa) traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que aqui não está em causa) traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).
Como constitui communis opinio, o conceito de “questões”, a que ali se refere o legislador, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de excepção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, como já acima deixámos referido, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737” e Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processos Civil, 6ª Ed. Atualizada, Almedina, pág. 136”) (…)”.
13. Perante a invocação da prescrição pelas Rés contestantes, após assinarem as notificações judiciais avulsas em data prévia à propositura da ação, a causa interruptiva da prescrição alegada e documentada pelo Autor nos seus requerimentos de 11/11/2022 (ref.ª 6854650) e de 13/11/2022 (ref.ª 6855856) era, claramente, uma questão absolutamente essencial para a justa composição do litígio, incompatível com a postura absolutamente silente do tribunal a quo perante os requerimentos apresentados pelo Recorrente, instruídos com as certidões positivas das notificações judiciais avulsas das Rés.
14. Caso tivesse decidido pelo respetivo desentranhamento, com fundamento, v. g., na respetiva inoportunidade processual, sempre o Autor teria direito de se pronunciar oralmente no início da audiência de julgamento, dado que não teve lugar a audiência prévia, o que não fez, precisamente, porque já tinha exercido o contraditório, juntando documentos – as certidões positivas.
15. Na petição inicial o Autor não estava obrigado a mencionar as notificações judiciais avulsas positivas das Rés, entendendo o Recorrente que as mesmas, consubstanciando atos avulsos, não integram a causa de pedir ou a razão de direito que fundamenta a ação (cfr. artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
16. Nem tinha o Autor, a título preventivo, o ónus processual de se defender de toda a matéria de excepção, dilatória ou perentória, em todas as suas valências, e muito menos, no caso em apreço, quanto à prescrição, que em boa-fé acreditou que não seria invocada pelas Rés, judicialmente notificadas para efeitos da sua interrupção.
17. Não constando, em nenhum segmento da fundamentação da sentença recorrida, qualquer referência à causa de interrupção da prescrição suscitada pelo Autor, tal terá de ser considerado por esse tribunal ad quem como uma causa de nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Sem conceder,
18. À luz dos documentos juntos com os requerimentos de 11/11/2022 (ref.ª 6854650) e de 13/11/2022 (ref.ª 6855856), consubstanciados nas certidões positivas das notificações das Rés (…) e (…), o douto tribunal recorrido deveria ter extraído todas as consequências para efeitos da factualidade dada como assente.
19. Considerando-se, desde logo, que os mesmos requerimentos, e respetivas certidões de notificação positivas juntas, não foram objeto de despacho de desentranhamento pelo tribunal a quo, tão pouco foram impugnados pelas Rés, às quais cabia esse ónus, atento o disposto no artigo 574.º do CPC.
20. E, não tendo sido tais factos ou documentos impugnados pelas Rés visadas, deveriam ter sido dados como admitidos, por acordo, conforme dispõe o n.º 2 do referido artigo 574.º do mesmo diploma.
21. Semelhante constatação revela-se ainda mais cristalina no que à seguradora Ré concerne, que admitiu no seu articulado que foi efetivamente notificada judicialmente!
22. Face ao exposto, deveriam ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo os seguintes factos adicionais:
35. O Autor promoveu a Notificação Judicial Avulsa da Ré (…) Seguros, S.A, que se efetivou na data de 19-07-2018.
36. O Autor promoveu a Notificação Judicial Avulsa da Ré (…), que se efetivou na data de 26-07-2018.
Ainda sem conceder,
23. Também a decisão quanto à matéria de direito, concretamente, a decisão de ter julgado procedente a exceção de prescrição, merece a censura desse tribunal ad quem.
24. Consabidamente, o instituto da prescrição penaliza o titular do direito pelo seu não exercício no prazo previsto, pressupondo que o mesmo esteja em condições de o exercer, como ressalta da leitura conjugada do n.º 1 do artigo 298.º e do n.º 1 do artigo 306.º, ambos do Código Civil.
25. No caso dos autos, a data a considerar para efeitos de início de contagem do prazo prescricional de 3 anos (ou de 5 anos, como considerou o tribunal a quo) é a data do último pagamento indemnizatório realizado, que foi efetuado a 14 de setembro de 2015 (cfr. n.º 21 dos “Factos Provados” elencados na sentença recorrida), pelo que a obrigação passou a ser exigível em 15/09/2015, por força do disposto no artigo 498.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 54.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto.
26. Contando-se a partir de então o prazo de prescrição extintiva de 3 anos, ou de 5 anos, como considerou o tribunal recorrido, em conformidade com as citadas disposições legais, sempre se dirá que o mesmo é suscetível de ser interrompido, resultando da interrupção a inutilização por completo do tempo transcorrido até à data do ato interruptivo, tendo então início a contagem de um novo prazo, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil.
27. Estatui n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, mais dilucidando o n.º 4 do preceito que “é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
28. Em especial, no conceito de “qualquer ato” subsume-se a notificação judicial avulsa, requerida pelo credor, como resulta do douto acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/982 (in DR, I Série, n.º 109/98, de 12 de Maio), pelo qual o Venerando Supremo Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência nos termos seguintes: “A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.”
29. No caso dos autos, o Recorrente demonstrou, documentadamente e sem impugnação das Rés, que efetivou as notificações judiciais a 20/07/2018 e a 26/07/2018, para a (…) Seguros, S.A. e para (…), respetivamente, visando, como resulta do respetivo teor, advertir as notificandas da intenção de exercer o seu direito de reembolso.
30. Para além da interrupção da prescrição, operada pelas Notificações Judiciais Avulsas, e como a própria sentença recorrida, entre a data da Notificação Judicial Avulsa e a data da instauração da presente ação judicial, concretamente, nos anos de 2020 e de 2021, o legislador consagrou dois períodos de suspensão de contagem dos prazos, incluindo os prazos da prescrição.
31. Efetivamente, a 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde veio a declarar a Covid 19 como pandemia, o que motivou a reação do legislador nacional, que não é insensível a motivos de força maior, perante situações excecionais e/ou anormais, inicialmente na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, artigo 7.º, n.º 6, posteriormente no n.º 9, do artigo 7.º, na versão introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 04/04, conjugado com o n.º 3 e o n.º 4 do mesmo artigo, suspensão essa que decorreu de 9 de março de 2020 a 03 de junho de 2020, inclusive.
32. A que se seguiu o regime instituído pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, que aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, o artigo 6º-C – artigo 4.º da Lei 4-B/2021, de 01/02, suspendendo os prazos novamente, desta feita de 22 de janeiro de 2021 a 06 de abril de 2021, inclusive.
33. Do cotejo dos dois períodos temporários resultou uma suspensão total de 161 dias, tendo presente, para o ano de 2020, 87 dias, entre 09/03/2020 e 03/06/2020 (nos termos e para os efeitos da Lei 16/2020, de 29 de Maio, que procede à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020 e Lei n.º 9/2020, e ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020), e, no ano de 2021, 74 dias, compreendidos entre 22/01/2021 (Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, com efeitos a 22.01.2021 - artigos 3.º e 4º) e 06/04/2021 (Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, com efeitos no dia seguinte).
34. Cessada a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade, os mesmos passaram a ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar, acrescendo, in casu, os 161 dias ao prazo de 3 anos a que alude o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, aplicável, ex vi do artigo 54.º, n.º 6, do citado Decreto-Lei n.º 291/2007.
35. Aplicando o raciocínio vindo de explanar ao caso dos autos, temos, comuns às duas Rés, os factos temporalmente relevantes ocorridos a 05-06-2015 (o sinistro estradal) e a 14 de setembro de 2015 (último pagamento indemnizatório ao lesado) – Factos Provados nº 1 e nº 25 da douta sentença recorrida, respetivamente. Mas especificamente,
36. E no que à Ré Seguradora concerne, a notificação judicial avulsa foi efetivada a 20 de julho de 2018, nos termos e para os efeitos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, no âmbito do procedimento que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 13, sob o n.º 16351/18.5T8LSB, materializada na certidão positiva junta como documento n.º 1 com o requerimento do Autor de 11/11/2022.
37. Assim, nos já referidos termos conjugados do artigo 323.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1, do Código Civil a 21 de julho de 2018, iniciou-se a contagem de um novo prazo prescricional de três anos, que terminaria a 21 de julho de 2021, não fosse o efeito suspensivo ditada pela legislação especial Covid 19, havendo a adicionar 161 dias, como se referiu, pelo que o prazo de prescrição terminaria a 28 de dezembro de 2021.
38. Dado que que a presente ação foi intentada a 22 de setembro de 2021 (ref.ª citius 5991329), a prescrição foi interrompida a 27 de setembro de 2021, por força do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
39. Ainda que se entenda que a citação da seguradora Ré não ocorreu nos cinco dias posteriores à propositura da ação, por facto imputável ao Autor, constando da petição inicial a sua identificação como “(…), S.A.”, e não “(…) Seguros, S.A.”, alteração de designação social resultante do processo de fusão por incorporação que teve lugar no setor segurador em Portugal, posterior à data dos factos em presença, a verdade é que o ora Recorrente requereu a citação da “(…) Seguros, S.A.” em substituição da “(…), S.A.”, por requerimento apresentado logo a 28 de setembro de 2021 (ref.ª citius 6004087).
40. Pelo que, maxime a 03 de outubro de 2021, consumou-se a interrupção da prescrição, nos termos e para os efeitos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, muito antes do decurso completo do prazo prescricional de 28 de dezembro de 2021.
41. Quanto à Ré (…), a notificação judicial avulsa foi efetivada a 26 de julho de 2018, nos termos e para os efeitos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, no âmbito do procedimento que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 1, sob o n.º 400/18.0T8SSB, materializada na certidão positiva junta como documento n.º 1 com o requerimento do Autor de 13/11/2022.
42. Como tal, e nos mesmos já referidos termos conjugados do artigo 323.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1, do Código Civil, a 27 de julho de 2018, iniciou-se a contagem de um novo prazo prescricional de três anos, que terminaria a 27 de julho de 2021, não fosse o efeito suspensivo ditada pela legislação especial Covid 19, havendo a adicionar 161 dias, como também se referiu, pelo que o prazo de prescrição terminaria a 03 de janeiro de 2022.
43. Tendo a ação dado entrada a 22 de setembro de 2021 (ref.ª citius 5991329), a prescrição foi interrompida a 27 de setembro de 2021, por força do disposto no artigo 323, n.º 2, do Código Civil, muito antes do decurso completo do prazo prescricional de 3 de Janeiro de 2022.
44. Posto isto, a excepção peremtória de prescrição do direito invocada pelas Rés deveria ter sido julgada totalmente improcedente pelo tribunal a quo.
45. Tendo decidido em sentido contrário, a decisão recorrida não pode deixar de merecer a censura deste douto Tribunal superior, uma vez que, sem prejuízo da nulidade invocada, se o tribunal de primeira instância tivesse procedido a uma correta verificação da prova documental apresentada e a uma correta aplicação da lei, a acão teria de ser julgada totalmente procedente, condenando-se a Ré (…), ou os Réus subsidiários, na totalidade do pedido formulado pelo Autor.
46. Face a tudo quanto se expôs, o Recorrente não se conforma e requer que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os Vistos, cumpre apreciar e decidir:
1) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por o Tribunal nada ter referido quanto à interrupção da prescrição suscitada pelo Autor;
2) Da alteração da matéria de facto;
3) Da procedência/improcedência da exceção perentória de prescrição;
4) Do direito do FGA a ser reembolsado do valor pago em virtude do acidente de viação ocorrido no dia 5 de junho de 2015.
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2. Fundamentação:
2.1. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1. No dia 05 de junho de 2015, pelas 19H00, ocorreu uma colisão de veículos automóveis no cruzamento formado pela Rua (…) e Rua (…), freguesia de (…), concelho de Sesimbra;
2. Foram intervenientes no acidente dois veículos ligeiros de passageiros, ambos da marca Volkswagem, um Touran com a matrícula (…), e um Polo, de matrícula (…);
3. O Touran era conduzido pelo seu proprietário, (…);
4. O Polo, propriedade do Réu, era conduzido pela 3ª Ré;
5. O Touran circulava na Rua (…), sentido sul-norte, apresentando-se pela direita, e o Polo na Rua (…), sentido oeste-este, apresentando-se pelo lado esquerdo;
6. Quando no cruzamento formado pelas duas artérias, a Ré não respeitou a prioridade de passagem que assistia ao outro interveniente, que se apresentava pela direita, prosseguindo a marcha;
7. Indo embater na parte frontal esquerda do Touran;
8. À data e no local do acidente, fazia bom tempo, a visibilidade era boa e o piso estava seco;
9. Da colisão provocada pela Ré, resultaram quatro feridos ligeiros, bem como danos materiais nos dois veículos;
10. No Touran (…) a reparação foi orçamentada em € 7.278,25;
11. À data do acidente, a propriedade do Polo (…) estava registada a favor do Réu, conforme informação retirada da Conservatória do Registo Automóvel;
12. A responsabilidade civil emergente da circulação do Polo (…), estava transferida para a companhia de seguros Ré, por força do contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º (…), figurando como tomadora a Ré, (…);
13. E do certificado internacional de seguro automóvel emitido pela seguradora Ré para o veículo em questão, no âmbito da mesma apólice n.º (…), válido de 05 de junho a 06 de setembro de 2015;
14. O Autor solicitou à seguradora Ré informações adicionais sobre o acidente e se a mesma iria assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos dele emergentes;
15. Tendo a Ré declinado a sua responsabilidade, com fundamento na adulteração e/ou falsificação dos documentos que atestavam a existência de seguro válido;
16. A despeito da posição que a companhia seguradora então assumiu, o Autor decidiu regularizar o sinistro perante o terceiro lesado, (…);
17. Pela reparação dos danos do Touran, o FGA pagou à oficina “(…)” o sobredito valor de € 7.278,25;
18. A título de despesas de gestão, o Fundo pagou os valores de € 123,00 e de € 57,81;
19. E a quantia de € 9,00, devida e paga à GNR pela emissão da participação de acidente;
20. Os Réus (…) e (…), sendo que foram interpelados para o efeito, por via das missivas de 15 de setembro de 2015;
21. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), sucessora ope legis do Instituto de Seguros de Portugal, I.P., emitiu certidão de dívida, atestando que o Fundo de Garantia Automóvel se encontra desembolsado do valor de € 7.468,06, e que o último pagamento efetuado pelo FGA ocorreu a 14 de setembro de 2015;
22. A presente ação foi instaurada em 22.09.2021;
23. A Ré (…) foi citada a 22.12.2021;
24. Em 8 de Agosto de 2014, a ora contestante celebrou com (…) um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice (…), relativo ao veículo de matrícula (…);
25. Em 6/5/2015, a tomadora solicitou a alteração do veículo seguro inserido na apólice para o veículo (…), tendo sido emitido pela mediadora o correspondente certificado provisório, válido de 6 de maio de 2015 a 4 de junho de 2015;
26. Sucede que a alteração solicitada ficou pendente e condicionada à apresentação de certificado de IPO do veículo (…) válido e á assinatura e devolução da proposta de alteração pela segurada (…);
27. No entanto, a segurada não remeteu nem o certificado de IPO válido, nem devolveu a proposta de alteração por si assinada, dentro do prazo de validade do Certificado provisório, ou seja, até ao dia 4/6/2015;
28. No dia 5/6/2015, pelas 19:00 horas, no próprio dia do sinistro, é solicitado pela tomadora (…), à mediadora do contrato, nova alteração à apólice para inclusão do veículo (…);
29. A mediadora encontrou-se com o marido da tomadora no dia 5/6/2015 pelas 20:00horas tendo o mesmo lhe entregue o certificado de IPO válido e a proposta de alteração devidamente assinada pela tomadora;
30. Nem aquando do contato telefónico, nem no contacto presencial com o marido da tomadora foi referido à mediadora a ocorrência do sinistro;
31. Tendo inclusive sido alegado pelo marido da tomadora, que queriam a inclusão na apólice pois no dia seguinte, fim de semana, iriam necessitar de se deslocar com o veículo;
32. Nesse seguimento a mediadora solicita via email, datado de 5/6/2015 pelas 20:22 horas, à ora contestante alteração do veículo seguro;
33. A pouco mais de cem ou duzentos metros do local existem estabelecimentos escolares;
34. Ambas as vias que embocam no cruzamento são vias de dois sentidos.
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2.2 O Tribunal considerou não provados os seguintes factos:
1. A Ré condutora circulava a uma velocidade reduzida;
2. E foi abalroada e projetada contra o poste pelo veículo conduzido por, (…);
3. A viatura conduzida por (…) invadiu o cruzamento, no momento em que por ele circula o veículo conduzido pela Ré, sem reduzir a velocidade e sem ter previamente parado;
4. A colisão das viaturas deu-se quando o veículo conduzido pela Ré já tinha percorrido mais de metade do cruzamento;
5. A parte danificada na viatura conduzida pela Ré, foi a parte lateral direita na zona das portas;
6. Veículo conduzido pela Ré, no momento da colisão, apresentava-se pela direita da viatura conduzida por (…);
7. A Ré condutora reduziu a velocidade e parou o seu veículo antes de atravessar o cruzamento;
8. O (…) tem apólice de seguro válido na Companhia de Seguros (…) com o n.º (…), válida de 05.06.2015 a 06.09.2015.
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2.3. Apreciação do Recurso:
2.3.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
O recorrente arguiu a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código Processo Civil, invocando, em síntese, que o tribunal não se pronunciou sobre a causa interruptiva do prazo de prescrição, conforme alegado pelo Autor / Recorrente na resposta à exceção de prescrição invocada pelas RR.
O tribunal a quo entendeu que não se verificava a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, invocando, além do mais que:
“Ora, no caso em apreço e em sede de contestação, foi aduzida a exceção perentória de prescrição, tendo a Autora, conforme bem refere, exercido espontaneamente o seu contraditório. O tribunal, em sede de sentença proferida em 23.03.2024, pronunciou-se expressamente sobre o decurso do prazo de prescrição, entendendo que o mesmo se tinha verificado e em consequência, julgou improcedente a ação. É certo que na fundamentação aduzida, o tribunal não se pronunciou expressamente e em concreto sobre o argumento da Autora, contudo, ao ter considerado que o prazo de prescrição se verificou é porque entendeu, evidentemente, que não ocorreu qualquer causa de interrupção”.
Cumpre apreciar e decidir:
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…);”.
No acórdão do STJ de 11-10-2022, proferido no Proc. n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 explicou-se que “Como constitui communis opinio, o conceito de questões, a que ali se refere o legislador, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, como já acima deixámos referido, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737.” e Abrantes Geraldes, inRecursos em Processos Civil”, 6ª Ed. Atualizada, Almedina, pág.136)”.
No caso concreto, a Mma. Juíza apreciou a questão da exceção de prescrição, suscitada em juízo e considerou estar decorrido o prazo. É certo que não se pronunciou sobre a interrupção da prescrição invocada pelo autor, não obstante a própria Ré ter admitido que havia sido notificada, através de notificação judicial avulsa em momento anterior à citação para a ação, mas o facto é que a Mma. Juíza apreciou o prazo de prescrição em si, e estando tal situação explanada no processo, quer fosse logo na contestação, quer fosse na resposta à contestação, considerou não dever ponderar tal circunstância no decurso do prazo que contabilizou. Aferir se tal situação implica ou não com o prazo já é questão de mérito que oportunamente será apreciada, por também ter sido suscitada neste recurso.
Por conseguinte, improcede, sem necessidade de ulteriores considerações a nulidade suscitada.
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2.3.2. Da alteração da matéria de facto:
O artigo 662.º do CPC, que tem como epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” estabelece que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
No caso concreto, está em causa alterar a matéria de facto no sentido de aditar aos factos provados os seguintes factos alegados pela autora na resposta à contestação
35. O Autor promoveu a Notificação Judicial Avulsa da Ré (…) Seguros, SA, que se efetivou na data de 19-07-2018.
36. O Autor promoveu a Notificação Judicial Avulsa da Ré (…), que se efetivou na data de 26-07-2018.
O facto 35 resulta do documento junto aos autos (certidão de notificação judicial avulsa) com o req. Ref.ª 43853247, de 11-11-2022.
O facto 36 resulta do documento junto aos autos (certidão de notificação) junto aos autos com o requerimento Ref.ª 43855858, de 13-11-2022, que não foi impugnado.
Os factos são pertinentes para apreciação do cômputo do prazo relativo à exceção de prescrição e estão, assim, provados por documento, pelo que deveriam ter sido considerados em sede de fundamentação da sentença, em cumprimento do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC e, por conseguinte, devem ser aditados aos factos provados.
Aliás, a própria Ré (…) admitiu desde logo no artigo 5º da contestação ter sido notificada da realização da notificação judicial avulsa por parte da Autora, dando-lhe conhecimento que pretendia exercer o seu direito e interromper o prazo de prescrição, nessa mesma data.
Assim, importa aditar aos factos provados os referidos factos que passam a consubstanciar os factos provados 35 e 36:
35. O Autor promoveu a Notificação Judicial Avulsa da Ré (…) Seguros, SA, que se efetivou na data de 19-07-2018.
36. O Autor promoveu a Notificação Judicial Avulsa da Ré (…), que se efetivou na data de 26-07-2018.
Altera-se, por conseguinte, a matéria de facto dada como provada, nos termos propostos pelo Autor, FGA.
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2.3.3. Da exceção perentória de prescrição:
Propugna o FGA que a exceção perentória de prescrição do direito de reembolso do Autor invocada pelas Rés deveria ter sido julgada totalmente improcedente pelo tribunal a quo.
O Fundo de Garantia Automóvel foi instituído para garantir a indemnização aos lesados em acidente de viação quando se desconhece quem foi o causador, ou, conhecendo-se, o responsável não tenha seguro válido e eficaz (artigo 48.º do DL 291/2007, de 21 de agosto) ou ainda quando
A sub-rogação, enquanto transmissão do crédito, pressupõe o cumprimento. Logo o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor pelo pagamento, embora haja necessariamente uma conexão com o acidente.
A lei aplicável à sub-rogação do FGA é a vigente à data do acidente, ou seja, o regime instituído pelo DL n.º 291/2007 de 21/8, que entrou em vigor em 21/10/2007 e foi alterado pelo DL n.º 153/2008, de 06/08.
No que se refere à prescrição, o artigo 54.º, nº 6, do mencionado DL n,º 291/2007 remete expressamente para o artigo 498.º, n.º 2, do CC – “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil. Este artigo, por seu turno estabelece o prazo de prescrição de três anos, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fracionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efetuado pelo Fundo de Garantia Automóvel.
Assim sendo, o prazo de prescrição é de três anos a contar do último pagamento.
A prescrição constitui, enquanto facto extintivo do direito, uma exceção perentória que sanciona, de forma direta, os credores menos diligentes ou relapsos no exercício dos seus direitos, e que conduz à absolvição do pedido, nos termos do disposto nos artigos 571.º, n.º 2 e 576.º do Código de Processo Civil.
Assim, decorrido o prazo prescricional a parte de quem é exigido o pagamento do direito de crédito tem, nos termos do disposto no artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil, a faculdade de recusar o seu cumprimento ou opor-se ao seu exercício, por estar extinto esse direito, por prescrição.
Vejamos:
O prazo começou a contar a partir da data do último pagamento: 14-09-2015, para os três Réus;
Só a 1ª e a 3ª Rés excecionaram a prescrição, sendo que foram precisamente estas Rés que foram interpeladas para pagar, através de notificação judicial avulsa.
Ora, dispõe o artigo 323.º, n.º 1, do CPC que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito, acrescentando o n.º 1 do artigo 326.º que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido, começando a correr novo prazo desde o ato interruptivo.
O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/982 (DR, I Série, n.º 109/98, de 12 de Maio), uniformizou jurisprudência nos termos seguintes: “A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.”
Assim, é hoje pacífico que a notificação judicial avulsa em que se transmitir ao notificado uma vontade direta ou indireta de exercer um concreto direito de ação está entre os atos interruptivos a que alude o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.
Por conseguinte, face aos novos factos dados como provados importa concluir, nos termos conjugados do artigo 323.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1, do Código Civil, que resultou inutilizado a parte do prazo de prescrição transcorrido até 19 de julho de 2018 no que se refere à Ré … (o que esta aliás aceita desde logo na sua contestação) e 26 de julho de 2018 no que se refere à Ré (…), iniciando-se a contagem de um novo prazo, de igual duração (3 anos), no dia seguinte ao efetivação da notificação judicial avulsa, ou seja, a partir do dia 20 de julho de 2018 para a Ré (…) e 26 de julho de 2018 para a Ré (…).
Para além da interrupção da prescrição resultante das Notificações Judiciais Avulsas, conforme a própria sentença recorrida também reconheceu, vigorou, entre a data das Notificações Judiciais Avulsas e a data da instauração da presente ação judicial, um regime jurídico excecional de suspensão do prazo de prescrição, sendo o mesmo alargado pelo mesmo período de tempo em que vigorou a suspensão.
Assim, nos anos de 2020 e 2021, existiram dois períodos de suspensão dos prazos (incluindo da prescrição), introduzidos pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 - artigo 7.º, n.º 6, posteriormente no n.º 9, do artigo 7.º, na versão introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 04/04, conjugado com o n.º 3 e o n.º 4 do mesmo artigo, de 9 de março de 2020 a 03 de junho de 2020, inclusive, e pela Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, que aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, o artigo 6.º-C - artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, de 22 de janeiro de 2021 a 06 de abril de 2021, inclusive.
Estes períodos, significaram os seguintes dias de suspensão:
2020 87 dias entre 09/03/2020 e 03/06/2020 – nos termos e para os efeitos da 16/2020, de 29 de Maio, que procede à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020 e Lei n.º 9/2020, e ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020.
2021 74 dias entre 22/01/2021 (Lei 4-B/2021, de 01.02, com efeitos a 22.01.2021 - artigos 3.º e 4.º) e 06/04/2021 (Lei 13-B/2021, de 05.04, com efeitos no dia seguinte).
Cessada a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade, os mesmos passaram a ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar.
Assim, os hiatos de tempo em causa correspondem a um total de 161 dias (87+74), que devem acrescer ao prazo de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil (ex vi artigo 54.º, n.º 6, do DL n.º 291/2007).
Conforme ficou provado nos autos, o acidente em causa ocorreu a 05 de junho de 2015 e o Autor efetuou o último pagamento indemnizatório ao lesado a 14 de setembro de 2015 – cfr. números 1 e 21 dos “Factos Provados”.
No que diz respeito à Ré (…), em 19 de julho de 2018 foi aquela notificada nos termos e para os efeitos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, no âmbito da notificação judicial avulsa.
Assim, nos já referidos termos conjugados do artigo 323.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1, do Código Civil a 20 de julho de 2018, iniciou-se a contagem de um novo prazo prescricional de três anos.
O prazo de 3 anos após 20 de Julho de 2018, terminaria a 20 de Julho de 2021.
Contudo, conforme se referiu, este prazo não correu de forma ininterrupta, devido à suspensão dos prazos da Covid-19, havendo a adicionar 161 dias.
Consequentemente, o prazo de prescrição, que terminaria a 20 de julho de 2021, passou a terminar a 27 de dezembro de 2021.
A presente ação deu entrada em Tribunal no dia 22-09-2021, pelo que, por força do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do CC a prescrição foi interrompida a 27 de setembro de 2021, ou seja, muito antes de 27 de dezembro de 2021. Sendo que a Ré (…) Seguros, SA foi citada a 3 de novembro de 2021, pelo que também antes dessa data.
Resulta do exposto, que deve ser julgada improcedente a exceção de prescrição invocada pela 1ª Ré, (…) Seguros, SA.
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No que diz respeito à Ré (…), conforme resulta dos factos provados (facto 36), em 26 de julho de 2018 foi a Ré notificada nos termos e para os efeitos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, no âmbito da notificação judicial avulsa que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 1, sob o n.º 400/18.0T8SSB.
Assim, nos já referidos termos conjugados do artigo 323.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1, do Código Civil a 27 de julho de 2018 iniciou-se a contagem de um novo prazo prescricional de três anos., pelo que o prazo de 3 anos, a partir de 27 de Julho de 2018, terminaria a 27 de Julho de 2021.
Contudo, conforme também acima se referiu, este prazo não correu de forma ininterrupta, devido à suspensão dos prazos da Covid-19, havendo que adicionar 161 dias.
Consequentemente, o prazo de prescrição, que terminaria a 27 de julho de 2021, passou a terminar a 3 de Janeiro de 2022.
Considerando que a presente ação deu entrada a 22 de setembro de 2021 (ref.ª citius 5991329), a prescrição foi interrompida a 27 de setembro de 2021, por força do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.
Mas mesmo que se considerasse a data da citação, a mesma ocorreu em 22-12-2021, ou seja antes do referido dia 3 de janeiro de 2022.
Improcede, assim, também a exceção de prescrição invocada pela 3ª Ré.
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De todo o exposto, resulta que deverá a sentença ser revogada, nesta parte, não se devendo considerar prescrito o direito do FGA de pedir o reembolso dos valores que pagou em virtude do acidente ocorrido no dia 5 de junho de 2015, pelo que terão de ser apreciados os pedidos formulados pelo Autor. Vejamos:
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2.3.4. Do direito do autor a ser reembolsado do valor pago em virtude do acidente de viação ocorrido no dia 5 de junho de 2005.
Ficou provado que o Autor, em virtude do acidente ocorrido no dia 5 de junho de 2015 e face à posição que a companhia seguradora então assumiu, decidiu regularizar o sinistro perante o terceiro lesado, (…) e pagou:
- Pela reparação dos danos do Touran, o FGA pagou à oficina “(…)” o valor de € 7.278,25;
- A título de despesas de gestão, o Fundo pagou os valores de € 123,00 e de € 57,81;
- E a quantia de € 9,00, devida e paga à GNR pela emissão da participação de acidente.
Ora, nos termos do artigo 54.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto: “Satisfeita a indemnização, o Fundo Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso”.
Importa, assim, apreciar da culpa pelo acidente de viação ocorrido no dia 5 de junho de 2015 e, só após, verificando-se que a responsabilidade foi de facto, da condutora do veículo Polo com a matrícula (…), como invocado na petição inicial, apurar se a responsabilidade civil emergente da circulação desse veículo estava ou não transferida para a Ré.
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2.3.4.1 Da responsabilidade stricto senso pela ocorrência do acidente
Considerando a matéria de facto dada como provada em 1 a 8 dos factos assentes, a qual não foi colocada em crise, neste recurso, é manifesto que a responsabilidade do acidente se deveu à culpa exclusiva da 3ª Ré, condutora do veículo Polo (…), porquanto encontrando-se os veículos acidentados num cruzamento, a 3ª Ré não cedeu a passagem ao veículo Touran, que se apresentava pela direita, incumprindo, desse modo, a regra geral estabelecida no artigo 30.º, n.º 1, do Código da Estrada, aprovado pelo DL n.º 114/94, de 03 de maio, de acordo qual o qual nos cruzamentos, o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita.
Conforme se concluiu na sentença: o veículo Touran matrícula (…) circulava na Rua (…), sentido Sul-Norte, apresentando-se pela direita, enquanto o veículo conduzido pela 3ª Ré apresentava-se pelo lado esquerdo e conforme descrito em 6 e 7, a Ré não respeitou prioridade de passagem indo embater na parte frontal esquerda do Touran.
Agiu assim, a 3ª Ré com culpa no âmbito da negligência presumida e verificam-se todos os pressupostos que determinam a obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do CC, pois na sequência do embate o veículo sofreu danos cuja reparação ascendeu a € 7.278,25, que o autor pagou.
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2.3.4.2. Da validade/invalidade do seguro e responsabilidade pelo reembolso
Em primeira linha, o autor pretende a condenação da Ré (…), invocando que à data dos factos a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo Polo (…) estaria transferida para a Ré companhia de seguros Ré, por força do contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º (…), figurando como tomadora a Ré, (…);
A Ré (…) defendeu-se invocando a inexistência de contrato de seguro válido, à data do acidente.
Dos factos provados, com relevância, resultou que:
11. À data do acidente, a propriedade do Polo (…) estava registada a favor do Réu, conforme informação retirada da Conservatória do Registo Automóvel;
12. A responsabilidade civil emergente da circulação do Polo (…), estava transferida para a companhia de seguros Ré, por força do contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º (…), figurando como tomadora a Ré, (…);
13. E do certificado internacional de seguro automóvel emitido pela seguradora Ré para o veículo em questão, no âmbito da mesma apólice n.º (…), válido de 05 de junho a 06 de setembro de 2015;
Este facto 13 resulta do doc. 7 junto à petição inicial – certificado internacional de seguro automóvel – onde consta que o mesmo é válido desde 05-06-2015 até 06-09-2015, estando ambas as datas compreendidas.
Nos termos o disposto no artigo 28 do DL 291/2007, de 21 de agosto este documento “constitui documento comprovativo de seguro válido e eficaz”.
Por conseguinte, face ao facto dado como provado importa concluir que existe um princípio de prova da existência de seguro válido e eficaz à data de 5 de junho de 2015, data em que ocorreu o acidente.
Porém, a Ré seguradora impugnou a existência desse seguro válido eficaz e demonstrou que não obstante ter emitido tal certificado internacional de seguro incluindo o dia 5 de junho, o contrato de seguro só foi celebrado após as 20:22 horas, desse mesmo dia, data em que recebeu o email com os documentos que havia peticionado à segurada. Ou seja, à hora do acidente (19:00 horas) o contrato de seguro ainda não existia.
Por todo o exposto, importa concluir que o autor não provou (e esta prova incumbia-lhe, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CPC) como alegado e pretendido pelo autor e pela 3ª ré que à data e hora do acidente a responsabilidade civil pela circulação do veículo estivesse transferida para a Ré, pelo que, nos termos do artigo 54.º, n.º 3, do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, os responsáveis pelo reembolso são o condutor e o detentor do veículo.
Com efeito dispõe o artigo 54.º, nos n.º 1 e 3:
“1 - Satisfeita a indemnização, o Fundo Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso.
(…)
3 - São solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro”.
Do exposto resulta que os 2º e 3º Réus são responsáveis solidários, por serem respetivamente proprietário e condutor do veículo com a matrícula …) pelos seguintes valores:
- € 7.278,25 respeitante à reparação do veículo (…);
- € 189,81 a título de despesas com a instrução e regularização dos processos de sinistro e reembolso.
A esta quantia acrescem juros de mora, nos exatos termos peticionados pelo FGA, que comprovou – cfr. facto 20 dos factos provados – ter interpelado os Réus para pagarem o que estes não fizeram.
Assim, os Réus constituíram-se em mora devendo pagar juros de mora, à taxa legal, desde a data de 16 de setembro de 2015 até integral e efetivo pagamento.
Os juros devem ser os calculados à taxa estipulada pelo artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08/04 – 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada – juros de mora sobre essa quantia, desde 14-09-2015.
*
3. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso de apelação, revogar a decisão recorrida e:
a) Julgar improcedente a exceção de prescrição invocada pelas Réus;
b) Julgar improcedente a ação contra a Ré (…) Seguros, SA, absolvendo-a do pedido;
c) Julgar procedente o pedido subsidiário e, em consequência condenar os Réus (…) e (…) a pagar ao Autor Fundo de Garantia Automóvel a quantia de € 7.468,06, acrescida de juros de mora desde 16 de setembro de 2015, até integral e efetivo pagamento sendo os vencidos, até ao dia 22-09-2021, no valor de € 1.750,60, a que acrescem os vencidos e vincendos, desde essa data.
Custas pelos Réus (…) e (…).
*
Évora, 9 de abril 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1.ª Adjunta)
Sónia Moura (2.ª Adjunta)
(documento com assinaturas eletrónicas)