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ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
PRESSUPOSTOS
COISA ALHEIA
Sumário
1. A acessão tem como pressuposto material básico a união de coisa própria com coisa alheia. 2. Não provando os autores esse pressuposto – no caso, que a moradia foi implantada, em nome próprio, no lote de terreno, o qual tinha sido adquirido por uma sociedade da qual eram os beneficiários – não pode proceder o pedido fundado em acessão industrial imobiliária. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Sumário: (…)
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo Central Cível de Faro, (…) e (…) demandaram:
1.ª (…) Investments Limited; e;
2.ª (…) Bank (Gibraltar), Limited – actualmente (…) Novus Bank.
Formularam os seguintes pedidos:
a) seja declarada a aquisição, a favor dos AA., da propriedade do prédio urbano melhor descrito na petição inicial, por via de acessão industrial imobiliária, com efeitos desde, pelo menos, 1998, data da incorporação dos materiais no solo, nos termos do artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil;
b) determinado o valor da indemnização a pagar pelos AA. à Ré, correspondente ao valor do prédio antes da realização das obras, a ser paga no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida; e
c) ordenado o cancelamento de todas as inscrições e averbamentos às descrições posteriores à data da incorporação dos materiais, ou seja, desde, pelo menos, 1998, incompatíveis com o direito de propriedade dos AA., incluindo a penhora a favor da 2ª Ré;
Subsidiariamente, caso se entenda não estarem verificados os pressupostos da acessão industrial imobiliária:
d) a Ré condenada no pagamento aos AA. de uma indemnização, a determinar através de perícia a realizar no âmbito dos presentes autos, correspondente ao valor das obras realizadas ao tempo da incorporação, a ser paga no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida; e, ainda,
e) a Ré condenada no pagamento aos AA. da quantia de € 229.862,85, correspondente às despesas suportadas com a manutenção do imóvel.
Alegam que construíram uma moradia no prédio rústico propriedade da 1ª Ré, com autorização desta, cujo valor excede o valor do terreno, assistindo-lhes o direito de adquirir a propriedade do imóvel por acessão industrial imobiliária. Subsidiariamente, invocam que suportaram as obras realizadas e as despesas com a manutenção do imóvel, pelo que devem ser ressarcidos do respectivo valor.
Após contestação das Rés, por excepção (julgadas improcedentes no saneador) e por impugnação, realizou-se o julgamento, após o que foi proferida sentença julgando a causa totalmente improcedente.
Recorrem os AA. e concluem:
A. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida no passado dia 24.11.2024, com a qual os Recorrentes não se conformam.
B. O Tribunal a quo mal andou ao decidir, como decidiu, tendo incorrido num evidente erro de julgamento quer quanto à matéria de facto erradamente dada como provada, quer quanto à aplicação do direito. Em concreto:
C. Entendem os Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado parcialmente como provado a alínea m) dos factos não provados, designadamente que “os Autores custearam a construção da moradia”. Por outro lado,
D. Entende a Recorrente que, em face dos factos dados como provados, incluindo os factos cuja reapreciação se requer, o Tribunal a quo mal andou ao não declarar a aquisição, a favor dos Recorrentes, da propriedade do prédio urbano sito em "(…) – (…) ou (…), freguesia de (…), concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) da dita freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da mesma freguesia, com efeitos desde 1998, data da incorporação dos materiais no solo. De facto,
E. Encontram-se verificados todos os pressupostos para a acessão industrial imobiliária, a saber:
i) a construção de uma obra (realizada em prédio rústico ou urbano), sementeira ou plantação resultante de um acto voluntário do interventor;
ii) que essa obra haja sido efectuada em terreno que seja propriedade de outrem, ou seja, que ocorra uma implantação em terreno alheio;
iii) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação;
iv) que da obra tenha resultado uma incorporação, ou seja, a constituição definitiva;
v) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva de um todo único entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;
vi) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação seja superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação; e,
vii) que o autor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa-fé (psicológica).
F. Ao decidir, como decidiu, violou, pois, o Tribunal a quo o disposto no artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser:
a) Dado como parcialmente provado o facto constante da alínea m) dos factos não provados, nos termos supra citados; e
b) revogada a decisão recorrida e a mesma substituída por outra que declare a aquisição, a favor dos Recorrentes, da propriedade do prédio urbano sito em "(…) – (…) ou (…), freguesia de (…), concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) da dita freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da mesma freguesia, com efeitos desde 1998, data da incorporação dos materiais no solo.
As respostas das Rés sustentam a manutenção do julgado.
Cumpre-nos agora decidir.
Da impugnação da matéria de facto:
Começando pela impugnação fáctica, e reconhecendo, preliminarmente, que estão cumpridos pelo Recorrente os requisitos do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – tanto mais que, face ao AUJ n.º 12/2023, “o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações” – desde já temos a adiantar que, de acordo com o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nesta Relação de Évora tem sido afirmado que a referida norma não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória, antes exige que o juízo efectuado pela primeira instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova.[1]
Na apreciação da impugnação fáctica, a Relação não deve atender, apenas, aos meios de prova indicados pelo recorrente ou pelo recorrido, pois detém poderes de investigação oficiosa – artigo 640.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil –, devendo apreciar a globalidade da prova produzida, analisando criticamente as provas e retirando as ilações que se mostrarem necessárias, como o determina o artigo 607.º, n.º 4, do mesmo diploma.
A discordância dos Recorrentes, quanto à decisão fáctica, é dirigida à alínea m) dos factos julgados não provados na sentença, com a seguinte redacção: “m) os Autores custearam as taxas e licenças emitidas e a construção da moradia, incluindo os estudos e projectos necessários”.
No seu entender, este facto estaria demonstrado pelos depoimentos das testemunhas (…) e (…), que teriam corroborado as declarações de parte prestadas pelo 1º Autor.
No entanto, não se detecta na sentença recorrida qualquer lapso relevante na apreciação da prova quanto a esta matéria, que imponha decisão diversa a esta Relação, devendo afirmar-se que a prova produzida sustenta a decisão de facto proferida pela primeira instância.
Com efeito, do ponto de vista documental, o que se verifica é que não apenas o lote de terreno foi adquirido pela 1ª Ré, como todo o processo de licenciamento da construção está em seu nome – assim se passa com todos os requerimentos, as guias para pagamento de taxas e licenças e os alvarás de construção e de utilização como moradia unifamiliar.
Por outro lado, ouvindo os depoimentos prestados em audiência, deles não resulta que não tivesse sido a 1ª Ré a suportar os custos da obra realizada.
Quanto à testemunha (…), o advogado que actuou como procurador da 1ª Ré na aquisição do lote de terreno e em diversos actos de licenciamento, se é certo que afirmou que o fez a solicitação dos AA., porque naquela altura eram os beneficiários da 1ª Ré, não descreveu qualquer facto ou circunstância pelo qual seja possível concluir que os AA., em relação ao lote de terreno e à moradia unifamiliar ali construída, estavam a actuar em nome próprio e não na sua qualidade de beneficiários daquela sociedade.
Aliás, esta testemunha nem atestou que os pagamentos que fez, em nome da 1ª Ré – o preço do lote de terreno, e as taxas camarárias para licenciamento da obra – tivessem sido realizados com recursos financeiros não pertencentes a esta Ré.
Quanto à testemunha (…), gerente da empresa que realizou a maior parte da obra, este referiu que recebia os pagamentos através de transferências bancárias internacionais, que não continham a identificação do ordenante.
E quanto às declarações de parte do 1º A., apesar de algo confusas, o certo é que se declarou como “dono” da 1ª Ré, e não foi capaz de estabelecer qualquer distinção entre o seu património pessoal e o da sociedade. Aliás, nem sequer foi capaz de explicar de onde vieram, ou a quem pertenciam, os recursos financeiros utilizados na aquisição do lote de terreno e na subsequente construção da moradia unifamiliar.
Como tal, acompanhamos plenamente a motivação da sentença recorrida, quando declara, quanto à decisão de julgar não provada a referenciada alínea m), que “na ausência de prova suficiente acerca da sua verificação, foi a referida factualidade considerada como não provada.”
Não há, de facto, prova consistente acerca da materialidade dos factos ali mencionados, e os elementos reunidos nos autos, maxime os de natureza documental, apontam em sentido diverso.
Como também se escreve na motivação da sentença, de forma ajustada, “nenhum documento existe que demonstre nos autos que foram os Autores, com meios próprios, que suportaram os custos de execução das obras de construção da moradia. Ao contrário, do acervo documental junto, mormente no processo camarário de licenciamento da construção com o n.º (…) apenso aos autos, resulta identificada como dona da obra a sociedade Ré (…), proprietária do terreno no qual foi edificada a moradia. E é em nome dessa mesma Ré (…) que são apresentados todos os requerimentos, emitidas as guias para pagamento de taxas e licenças e solicitadas as prorrogações do prazo do alvará de construção para conclusão dos trabalhos invocando não ter sido possível concluir a obra por motivos financeiros (em 1993, 1994, 1996 e 1997). Também o eng. técnico civil que participa no processo de licenciamento em momento algum refere serem os Autores a executar a obra, identificando sempre a Ré (...) como dona da obra.”
Daqui que se julgue improcedente a impugnação fáctica deduzida pelos Recorrentes.
A matéria de facto provada fica assim estabelecida, nos exactos termos que constam da sentença:
1. Em data não concretamente apurada, do final da década de oitenta, os Autores decidiram comprar um imóvel em Portugal, destinado a segunda habitação.
2. Os Autores eram os beneficiários da Ré (…) Investments Limited, constituída e registada na Ilha de Man.
3. A Ré (…) Investments Limited outorgou procuração, datada de 28.03.1989, a favor do Dr. (…), Advogado, a fim de a representar em compra e venda de activos móveis ou imóveis.
4. Mostrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, sob o n.º (…), o prédio rústico, denominado “(…)”, sito em (…) ou (…), composto por terra de pastagem e cultura com figueiras, oliveiras e alfarrobeiras, com área de 9.772 m2, a confrontar a nascente com (…), a norte e poente com caminho e a sul com (…) e outro.
5. Por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 11.07.1990, na secretaria notarial de Loulé, (…) e (…), representadas pela procuradora (…), declararam vender à Ré (…) Investments Limited, representada pelo procurador (…), que declarou comprar, pelo preço de 6.000.000$00 (€ 2.992,79), o referido prédio rústico que identificaram como um lote de terreno para construção urbana, omisso na matriz.
6. A aquisição mostra-se registada a favor da Ré (…) Investments Limited pela Ap. (…), de 1990.08.10.
7. Em 18.08.1989, o Dr. (…), em representação da Ré, solicitou junto da Divisão de Solos e Engenharia Agrícola da Direcção Regional de Agricultura do Algarve um certificado de classificação do referido prédio rústico ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, o qual teve um custo de 21.930$00 (€ 14,96).
8. E em 27.09.1989 em representação da Ré, solicitou junto da Direcção de Serviços de Apoio às Estruturas da Direcção Regional de Agricultura do Algarve um parecer técnico relativo à aquisição de prédios rústicos por indivíduos não residentes no país, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 38/86, que veio a emitir parecer favorável, o qual teve um custo de 3.000$00 (€ 109,39).
9. E em 20.12.1990, em representação da Ré, apresentou junto da Câmara Municipal de Loulé um pedido de informação quanto à viabilidade de construção de uma moradia unifamiliar de dois pisos no referido prédio rústico, o qual veio a ser deferido por aquela edilidade em 18.01.1991 com os condicionamentos ali melhor identificados.
10. E em 21.03.1991, em representação da Ré, requereu junto da Câmara Municipal de Loulé o licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar no referido prédio o qual, após alguns esclarecimentos, veio a ser deferido por aquela edilidade em 23.09.1991 com os condicionamentos ali melhor identificados.
11. E em 14.06.1992, em representação da Ré, para efeitos de emissão do alvará de licença de obras particulares, apresentou junto da Câmara Municipal de Loulé os documentos do empreiteiro “(…) – Construção e Manutenção de (…), Lda.” e pagou as respectivas taxas camarárias no valor de 54.565$00 (€ 272,17), a taxa sanitária no valor de 3.000$00 (€ 14,96).
12. Em 24.06.1992 a Câmara Municipal de Loulé emitiu o alvará de licença de obras particulares n.º (…).
13. E em 14.04.1993 e em 21.10.1994, o Dr. (…), em representação da Ré, apresentou junto da Câmara Municipal de Loulé pedido de prorrogação da emissão de licença de construção.
14. Em 23.04.1993 a Câmara Municipal de Loulé emitiu o alvará de licença de obras particulares n.º (…).
15. A título de taxas camarárias foi paga a quantia de 5.040$00 (€ 25,14).
16. Em 09.11.1994 a Câmara Municipal de Loulé emitiu o alvará de licença de obras particulares n.º (...).
17. A título de taxas camarárias foi paga a quantia de 6.720$00 (€ 33,52).
18. Em 04.06.1997 a Câmara Municipal de Loulé emitiu o alvará de licença de obras particulares n.º (…).
19. Todos os pedidos foram apresentados em nome da Ré, na qualidade de titular inscrita no registo predial, uma vez que os Autores não tinham legitimidade para o fazer em nome próprio.
20. Os trabalhos de edificação ficaram concluídos em 1998 e foi emitida pela Câmara Municipal de Loulé a correspondente licença de utilização, passando o prédio a ser composto por moradia unifamiliar, habitação composta por rés-do-chão com hall, 2 salas de estar, casa de jantar, 2 quartos, 3 casas de banho, cozinha, lavandaria, 2 arrecadações, garagem, terraço coberto e logradouro; 1º andar com hall, 3 quartos, 3 casas de banho e 2 terraços.
21. Foram os Autores que escolheram os materiais de construção, os acabamentos e os equipamentos necessários.
22. Passando a residir no prédio urbano e a suportar a generalidade dos respectivos custos com a manutenção da moradia, em valor não concretamente apurado.
23. O valor do terreno com viabilidade construtiva em 1995 seria de aproximadamente 36.000.000$00 (€ 180.000,00).
24. O valor do custo de execução das obras de construção da moradia seria de aproximadamente 289.868.103$00 (€ 1.445.856,00).
25. Em 12.07.1998 a Ré (…) Investments Limited e a Ré (…) Bank acordaram a concessão de um empréstimo, no montante de GBP 300.000 ficando declarado que se destinava a adquirir o prédio urbano referido em 20, o qual foi aumentado em 16.09.2000, em 18.06.2002, em 27.07.2006 e em 25.06.2007 para GBP 565.000, GBP 877.000, GBP 946.000 e GBP 600.000.
26. Os Autores, na qualidade de beneficiários da Ré (…), prestaram garantias pessoais a favor da Ré (…) Bank, nos termos das quais constituíam penhor das acções daquela sociedade, ficando acordado que em caso de incumprimento das obrigações assumidas deixariam, de forma automática e sem necessidade de qualquer comunicação para o efeito, de exercer influência sobre a gestão da Ré (…) e de serem beneficiários efectivos da mesma.
27. Em 05.06.2017, por sentença proferida no âmbito do processo 2015-Ord-018, pelo Supremo Tribunal de Gibraltar, a Ré (…) Limited foi condenada no pagamento à Ré (…) Bank da quantia de € 2.605.200,00.
28. Em 31.10.2018 a sentença foi apresentada como título executivo pela Ré (…) Bank no processo executivo que intentou contra a ré (…) Limited, a correr termos no Juízo de Execução de Loulé, sob o n.º 3494/18.4T8LLE, na qual peticiona o pagamento da quantia de € 2.605.200,00 de capital, acrescida de juros, a taxa de 2,31% ao ano, vencidos e vincendos, desde o dia 27 de Fevereiro de 2015 até integral e efectivo pagamento, que ascendiam naquela data a € 221.265,06.
29. No âmbito desse processo executivo foi realizada penhora do prédio urbano identificado em 20.
30. Em 31.07.2019 a ré TNB cedeu o crédito à sociedade (…) Bank AS e em 29.12.2020 o crédito foi cedido para a (…) Invest Aps.
31. Por sentença proferida no âmbito de incidente de habilitação de cessionário, deduzido no processo n.º 3494/18.4T8LLE, a sociedade (…) Invest Aps foi habilitada para prosseguir na execução no lugar que a sociedade (…) Bank AS ocupava.
Aplicando o Direito. Da ocorrência dos requisitos da acessão industrial imobiliária
A pretensão recursiva dos AA. assentava, fundamentalmente, na procedência da impugnação fáctica deduzida, pelo qual pretendiam que se considerasse provado que foram eles quem “custearam as taxas e licenças emitidas e a construção da moradia, incluindo os estudos e projectos necessários”.
Falharam essa prova, e tal determina o insucesso do seu recurso.
Vejamos.
Comentando o artigo 1325.º do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., 1987, págs. 137-138, depois de chamarem a atenção para a circunstância do direito de propriedade ter “em si a virtualidade de absorver tudo o que, por força da Natureza ou por acção do homem, se vier a incorporar no seu objecto (vi et potestate rei nostrae)”, explicam que “quando pertençam ao proprietário, os frutos são seus por direito imanente. Pelo contrário, a verdadeira acessão é uma extensão do direito de propriedade de uma coisa à qual se une ou incorpora outra que não lhe pertencia.”
Oliveira Ascensão, in Direito Civil – Reais, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1983, pág. 112, nota que a acessão “tem como pressuposto material a união de coisa própria com coisa alheia” e, a págs. 397-398, acrescenta: “A acessão repousa pois necessariamente numa determinada situação material, que é a resultante da união de duas coisas pertencentes a dono diverso. E podemos encontrar ainda como característica comum o facto de o beneficiário da acessão actuar propter rem – actuar na qualidade de proprietário de uma das coisas em presença.”
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2022 (Proc. 32/22.8T8BRG-A.G1.S1), publicado na página da DGSI, afirma-se o seguinte: “A acessão industrial enquanto causa de aquisição originária retroactiva do direito de propriedade sobre determinada coisa, compreende, na sua noção legal, o conceito de incorporação de uma coisa da titularidade de uma pessoa, numa outra coisa da titularidade de outra, exigindo para o seu reconhecimento o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos substantivos: i) a incorporação da construção em terreno alheio; ii) com materiais pertencentes ao seu autor; iii) de boa fé; iv) e que o valor trazido pelas obras ao prédio seja maior do que o valor que este tinha antes.”
Daí que se tenha entendido nesse aresto que“a construção de uma moradia por ambos os cônjuges, na constância do matrimónio celebrado no regime da comunhão de adquiridos, num prédio composto por terreno destinado à construção, que é propriedade exclusiva de apenas um deles, não se subsume ao regime da acessão imobiliária por claudicar o requisito da boa-fé, mas também, ou sobretudo, porque o terreno não é coisa alheia em relação ao cônjuge que for o seu dono.”
No caso, toda a pretensão dos AA. assentava na implantação da moradia em terreno alheio. Segundo alegavam, o terreno pertencia à 1ª Ré, mas a moradia teria sido construída por eles, AA., e daí o preenchimento do pressuposto essencial da acessão, tal como definido no artigo 1325.º do Código Civil: “Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.”
Este era o pressuposto material básico da sua pretensão, cuja prova não realizaram.
Como tal, bem decidiu a sentença ao julgar improcedente o pedido principal, bem como o primeiro pedido subsidiário.
E porque o recurso tem por objecto, apenas, o reconhecimento da aquisição a favor dos Recorrentes da propriedade do prédio urbano, nos termos do artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil, já não discutindo no recurso o pedido relativo às despesas de manutenção, tendo estes falhado a prova do requisito essencial daquele pedido, deve a sentença ser confirmada.
Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Évora, 9 de Abril de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
__________________________________________________
[1] Vide, por todos, o Acórdão de Relação de Évora de 30.06.2021 (Proc. 2287/15.3T8STR-E.E1), publicado em www.dgsi.pt.