REQUERIMENTO DE PROVA
INCIDENTE TRIBUTÁVEL
ACTO INÚTIL
Sumário

Se a resposta dos Recorrentes não passou da prática de um acto inútil, de mera reiteração do que já haviam requerido, o incidente é anómalo e deveria ser tributado, de acordo com as regras gerais do artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do artigo 7.º, n.º 8, do RCP.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Local Cível de Tomar, correm autos de inventário por óbito de (…).
Após apresentação da relação de bens, designou-se data para conferência de interessados para 05.06.2024. Nesta não houve acordo entre os interessados quanto a todos os bens, pelo que foi designada data de continuação para 10.07.2024.
Nesta última data, os interessados chegaram a acordo quanto à composição dos quinhões e à adjudicação dos bens, nomeadamente quanto à verba n.º 59, a qual foi adjudicada à interessada (…), pelo valor de € 55.000,00.
No dia 04.09.2024, os interessados (…) e marido (…) apresentaram requerimento no qual, alegando vício na formação da vontade, pediram que fossem declaradas anuladas e sem qualquer efeito as transacções efectuadas na conferência de interessados de 10.07.2024.
Requerimento de teor idêntico foi apresentado no dia 05.09.2024 pelos interessados (…) e mulher (…), terminando o seu requerimento com o pedido de prestação de declarações por si e pela interessada (…), bem com protestando juntar no prazo de 10 dias uma avaliação do prédio urbano relacionado sob a verba n.º 59.
No dia 05.09.2024, a interessada (…) apresentou requerimento, opondo-se à requerida anulação da transacção obtida na conferência de 10.07.2024.
No dia 17.09.2024, a interessada (…) também se opôs à anulação da transacção.

Seguiram-se os seguintes requerimentos, que são os que originam o recurso:
- em 19.09.2024, os interessados (…) e mulher (…) apresentaram uma “Avaliação / Estudo de mercado”, valorizando o imóvel da verba n.º 59 entre € 133.976,00 e € 145.144,00, e juntaram fotografias do mesmo – é o requerimento ref.ª citius n.º 10977749;
- na mesma data, os mesmos interessados juntaram outro requerimento, no qual dizem, notificados do requerimento da interessada (…) de 05.09.2024, dizem que com a junção do estudo de mercado, “não subsistem dúvidas, que o prédio em causa foi adjudicado por valor incomensuravelmente ao seu real valor de mercado”, reiterando o pedido de anulação – é o requerimento ref.ª citius n.º 10977750;
- no dia 30.09.2024, os mesmos interessados juntaram outro requerimento, no qual dizem, notificados da posição da interessada (…), que a sua posição “é estranha e incompreensível”, reiterando o alegado no seu anterior requerimento – é o requerimento ref.ª citius n.º 11009885.

O despacho recorrido, nos pontos que interessam ao recurso, tem o seguinte teor:
V. Exercício do Contraditório:
Em sede de processo especial de inventário, como resulta da tramitação delineada pelos artigos 1082.º a 1135.º do CPC, o legislador gizou como articulados necessários, (i) o requerimento inicial, (ii) o articulado onde os interessados podem apresentar oposição, impugnação e reclamação e, bem assim, (iii) um terceiro articulado para os casos em que tenha sido apresentada oposição, impugnação e reclamação.
Destarte, desde já se adverte que, de futuro, sempre que forem apresentados requerimentos fora da tramitação processual delineada, ou sem prévio convite do Tribunal nesse sentido, serão tais escritos considerados incidentes anómalos, razão pela qual será ordenado o seu desentranhamento, ao abrigo do disposto no artigo 130.º do CPC, sendo tributados tais incidentes, nos termos do artigo 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais («RCP») e Tabela II anexa.
(…)
IX. Requerimentos dos Interessados (…) e cônjuge de 19.09.2024 (Ref.ª citius n.º 10977749), de 19.09.2024 (Ref.ª citius n.º 10977750) e de 30.09.2024 (Ref.ª citius n.º 11009885):
Atendendo ao que foi firmado no ponto V. do presente despacho, consideram-se os requerimentos acima enumerados incidentes anómalos, porquanto são estranhos à tramitação processual prevista para este tipo de acção e não foram precedidos de despacho judicial que convidasse a parte à sua apresentação.
Destarte, determina-se o desentranhamento deste requerimento dos autos (mantendo-se cópia em formato oculto a Mandatários e Consulta Pública no Citius) e, consequentemente, condena-se o Interessado nos incidentes anómalo a que deu azo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 130.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 549.º, n.º 1, do mesmo Código) e 7.º, n.º 8 e Tabela II anexa do RCP.”

Recorrem os interessados (…) e mulher, (…), concluindo:
1. O Tribunal a quo, salvo erro e o devido respeito, cometeu erro de actividade, porquanto fez errada interpretação e aplicação das normas de direito processual.

2. O interessados no requerimento de 05-09-2024 (Ref.ª citius n.º 10937088), cujo desentranhamento não foi decretado nos presentes autos requereram:

C-Documental
Protesta o prazo de 10 dias a fim de juntar aos autos avaliação do prédio urbano relacionado sob a verba 59 da Relação de Bens, para prova do facto alegado no artigo 7º supra.”
3. No requerimento de 19-09-2024 (Ref.ª citius n.º 10977749) ou no requerimento de 19-09-2024 (Ref.ª citius n.º 10977750) – pois, sem o despacho recorrido ter transitado em julgado, foram os mesmos ocultos a “Mandatários e Consulta Pública no Citius”, e assim os interessados, encontram-se impossibilitados de o poder identificar em concreto – procedeu-se à junção do documento, para a qual se requereu prazo de junção no requerimento de 05-09-2024 (Ref.ª citius n.º 10937088).

4. Mantendo-se nos autos tal requerimento de 05-09-2024 (Ref.ª citius n.º 10937088), tem que se manter o requerimento, pelo qual é junto o documento protestado juntar.

5. Pelo que, deve ser revogado nesta parte o despacho recorrido.

6. Quanto à condenação do interessado em incidente anómalo a que deu azo, discorda-se de tal condenação, atendendo aos seus fundamentos.

7. Pois, um dos requerimentos em causa, refere-se a um documento, protestado juntar no requerimento de 05-09-2024 (Ref.ª citius n.º 10937088).

8. Quando ao demais, o despacho em causa, atendendo aos seus fundamentos, viola o previamente decidido no ponto V. do despacho notificado.

9. Pois, não pode um ponto de um despacho suportar-se num outro ponto anterior, do mesmo despacho, notificado na mesma ocasião, para condenar a parte notificada.

10. Quando, esse ponto anterior (ponto V.) expressamente se refere para o “futuro”.

11. Assim, segundo tal ponto V., que suporta o decidido no ponto IX., caso se praticassem actos, que o Tribunal a quo considerasse anómalos no futuro, é que seriam considerados incidentes anómalos sujeitos a tributação e desentranhamento.

12. Pelo que considera-se o mesmo ilegal, devendo ser revogado.

13. Por outro lado, entende-se com o devido respeito, que não foi dado tratamento igual às partes.

14. Assim, nos requerimentos em causa, para além de os interessados juntarem documentos aos autos, tomaram posição processual, relativamente, a requerimentos apresentados por outros interessados, exercendo, o respectivo direito de contraditório.

15. Sendo que a cabeça de casal em requerimento de 17/09/2024 (Ref.ª citius n.º 10969863), tomou posição quanto aos requerimentos apresentados anteriormente apresentados.

16. Ora, tal requerimento da cabeça de casal, que não foi precedido “de despacho judicial que convidasse a parte à sua apresentação”! Conforme fundamentação que condenou os ora interessados em incidente anómalo.

17. Porém, no ponto VIII. do despacho recorrido, a cabeça de casal, não foi condenada em custas, nem ordenado o desentranhamento do requerimento de resposta que apresentou, sem ser previamente convidada pelo Tribunal a quo para o efeito.

18. Assim, por igualdade de fundamentação, deveria tal requerimento ser desentranhado dos autos, e a apresentante ser igualmente condenada em incidente anómalo!

19. Porém, tal não se verificou!

20. Pelo que, atendendo ao princípio da igualdade processual das partes, deve ser revogado o despacho recorrido.


Não houve resposta.
Cumpre-nos decidir.
Os factos a ponderar na decisão do recurso são os já constantes do relatório.

Aplicando o Direito.
Da oportunidade do requerimento de prova
Quanto à parte do despacho que determinou o desentranhamento do requerimento de 19.09.2024, com a Ref.ª citius n.º 10977749, no qual os Recorrentes apresentaram uma “Avaliação / Estudo de mercado” do imóvel e juntaram fotografias do mesmo, há a referir que estes haviam protestado juntar, no seu requerimento de 05.09.2024, uma avaliação do prédio urbano.
Logo, o que fizeram foi concretizar essa junção, juntando a avaliação no prazo que requereram, complementada por fotografias tendentes a completar o juízo de determinação do valor do imóvel.
E uma vez que o fundamento do despacho recorrido não é a violação de qualquer prazo peremptório de apresentação desse requerimento de prova, não se pode argumentar que o direito de praticar o acto estivesse extinto – artigo 139.º, n.º 3, a contrario, do Código de Processo Civil.
Como tal, esta parte do despacho recorrido não se pode manter.

Da tributação por incidente anómalo
Quanto à tributação como incidente anómalo dos dois requerimentos de 19.09.2024 e do terceiro de 30.09.2024, já vimos que o primeiro deles não se deve manter.
Quanto ao desentranhamento dos restantes, os Recorrentes não impugnam essa decisão, mas entendem que não devem ser tributados como incidente anómalo.
De acordo com o artigo 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais, “consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.”
O n.º 4 do mesmo normativo especifica que a taxa de justiça devida por estes incidentes é determinada de acordo com tabela II, ou seja, entre 1 e 3 UC.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 06.10.2013[1], “a anomalia do acto ou requerimento tem de referir-se, não ao fundamento em que assenta, mas à relação em que esteja com a estrutura ou tramitação do processo. O acto entra no movimento regular do processo, tem o seu cabimento e o seu lugar próprio na tramitação legal? Há-de classificar-se como normal, independentemente da questão de saber se foi praticado com fim construtivo ou com propósito meramente dilatório – ou mesmo, acrescente-se, se mostra fundado ou não. Pelo contrário, se o acto não figura entre os termos e formalidades organizados pela lei ao estabelecer o andamento do processo, então ele entra na categoria de anómalo (tenha embora razão a parte que o requereu).”
Vejamos então o caso concreto.
O segundo requerimento de 19.09.2024 e o de 30.09.2024 eram de facto anómalos – neles, os Recorrentes pretenderam responder à oposição deduzida em 05.09.2024 pela interessada (…), e em 17.09.2024 pela interessada (…), sem que se vislumbre que nestas oposições se vislumbre qualquer matéria de excepção que, por algum modo, motivasse o direito de resposta.
Face aos requerimentos de nulidade da transacção celebrada na conferência de interessados, quem exerceu o direito de contraditório, nos termos gerais do artigo 3.º, n.º 3, do Código Processo Civil, foram as interessadas (…) e (…), pelo que a resposta dos Recorrentes não passou da prática de um acto inútil, de mera reiteração do que já haviam requerido.
Como tal, o incidente é anómalo e deveria ser tributado, de acordo com as regras gerais do artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do artigo 7.º, n.º 8, do RCP.
O valor da taxa de justiça é, porém, desajustado, face à procedência do recurso quanto a um dos requerimentos, pelo que será reduzida a 2 UC.

Decisão.
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido apenas na parte em que determinou o desentranhamento do requerimento de 19.09.2024, com a Ref.ª citius n.º 10977749, e reduzindo a taxa de justiça do incidente anómalo para 2 UC.
Custas do recurso pelos Recorrentes, na proporção de metade.

Évora, 9 de Abril de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Mário João Canelas Brás


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[1] Proferido no Proc. n.º 349/13.2TBAVV-C.G1 e disponível em www.dgsi.pt